
O narcisismo é um conceito fundamental na teoria de Freud e para a psicanálise. Neste artigo, você vai entender o que pai da psicanálise quis dizer ao propor a ideia de narcisismo, qual sua origem no mito grego, como ele se manifesta no desenvolvimento do eu e quais são as diferenças entre narcisismo primário e secundário.
Vamos também discutir o que realmente significa ser “narcisista” — longe dos estigmas do senso comum — e como esse investimento em si mesmo é essencial para a formação da subjetividade.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
- O que é narcisismo para Freud e a psicanálise?
- O que é o mito do narciso: a origem do conceito de narcisismo
- Entenda o que são Narcisismo Primário e Narcisismo Secundário na psicanálise
- A escolha objetal para Freud
- O que é uma pessoa narcisista?
- Como se aprofundar mais nos estudos sobre o narcisismo?
- Perguntas frequentes sobre narcisismo
O que é narcisismo para Freud?
O narcisismo, para Freud, é uma etapa fundamental do desenvolvimento psíquico, na qual a libido está voltada para o próprio eu.
O conceito de narcisismo na psicanálise possui características que divergem significativamente do que é geralmente discutido no senso comum, conforme descreveu Freud no artigo de 1914 Introdução ao Narcisismo:
"O narcisismo não seria uma perversão, mas o complemento libidinal do egoísmo do instinto de autoconservação, do qual justificadamente atribuímos uma porção a cada ser vivo" (FREUD, 2010/1914, p. 15)
Portanto, para Freud, o narcisismo é uma etapa fundamental no desenvolvimento do eu, que representa a transição do autoerotismo — onde o prazer é centrado no próprio corpo — para a escolha de outro ser como objeto de amor.
Neste estágio, o indivíduo ainda não consegue se distinguir plenamente das demais pessoas e do mundo ao seu redor, refletindo uma fase em que a identificação com o eu é predominante.
Investimento libidinal e objeto
É importante observar aqui alguns conceitos importantes na teoria psicanalítica, que são essenciais para o entendimento do narcisismo:
- Investimento libidinal: refere-se à canalização da energia psíquica, ou libido, para objetos ou aspectos da realidade. Pode estar voltado a uma pessoa, uma ideia, um valor ou até ao próprio eu.
- Objeto: na psicanálise, o termo é empregado para designar pessoas ou coisas do ambiente externo que recebem este investimento. Do mesmo modo, a relação de objeto consiste na maneira que o sujeito lida com o mundo exterior, ou seja, à forma como o sujeito se vincula com essas pessoas ou coisas ao seu redor.
Balança libidinal de Freud: o jogo entre o eu e o outro

Freud nos convida a imaginar uma balança: de um lado está o eu, do outro, os objetos. Quanto mais a libido é investida em um lado, mais o outro se esvazia.
É o que acontece, por exemplo, em uma paixão intensa: o sujeito se dedica tanto ao outro que acaba esquecendo de si mesmo. Por outro lado, em momentos de dor ou luto, a libido se volta para o eu, esvaziando o investimento no mundo externo.
Essa balança nunca está em equilíbrio. Estamos sempre oscilando entre o amor a nós mesmos (narcisismo) e o amor ao outro (amor objetal).
Mas é importante destacar: nenhum investimento é absoluto — ninguém ama só o outro nem só a si mesmo. A vida psíquica acontece nesse movimento contínuo de deslocamento da libido entre os dois polos.
Trecho inspirado pela explicação do professor Ricardo Salztrager, no curso "Freud e os Fundamentos da Psicanálise"
O que é o mito do narciso: a origem do conceito de narcisismo
O mito de Narciso, oriundo da mitologia grega, narra a trágica trajetória de um jovem de beleza ímpar, filho da ninfa Liríope e do deus do rio Céfiso.
Segundo a narrativa, Narciso, ao se inclinar para beber água, se depara com sua própria imagem refletida e, em um ato de deslumbramento, se vê tragicamente consumido por uma obsessão por sua beleza.
Depois de se apaixonar por sua própria imagem, Narciso ignora Eco, uma ninfa que estava apaixonada por ele, mas cuja paixão ele não correspondia. Narciso, então, é tragado pela sua própria imagem refletida no lago e morre afogado.
E é a partir do mito de narciso que Freud propõe um modelo para entender o que seria a origem do Eu.

Entenda o que são Narcisismo Primário e Narcisismo Secundário na psicanálise
Para a psicanálise, o narcisismo é compreendido como um investimento libidinal no próprio eu, essencial para a formação dele. Esses investimentos necessitam ser direcionados para outros objetos, para o mundo exterior, ou seja, o sujeito precisa fazer investimentos que vão para além de si.
Como diz Freud “É preciso amar para não adoecer" (FREUD, 2010/1014, p. 29) .
A teoria freudiana divide o narcisismo em duas partes, sendo narcisismo primário e narcisismo secundário.
Narcisismo primário | Seria o estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma. Essa é a fase do desenvolvimento que a libido está dirigida ao próprio eu. Pode-se dizer que é o reservatório da libido, para onde ela faz o seu retorno, trabalhando no autoerotismo. |
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Narcisismo secundário | Aqui é quando a libido não está somente no eu, ela passa a ir em direção aos objetos externos. Porém, acontece o fracasso da pulsão ao tentar obter satisfação por meio de objetos externos, levando o sujeito a novamente redirecionar essa energia para o próprio eu. É quando acontece um recolhimento dos investimentos objetais. |
A escolha objetal para Freud
Ainda no texto Introdução ao Narcisimo, Freud descreve um breve sumário dos caminhos para a escolha de objeto, ou seja, as diferentes formas pelas quais uma pessoa pode amar (FREUD, 2010/1914: p. 36).
Segundo ele, há dois caminhos principais: a escolha narcísica e a escolha anaclítica.
Conforme o tipo narcísico:
- o que ela mesma é (a si mesma),
- o que ela mesma foi,
- o que ela mesma gostaria de ser,
- a pessoa que foi parte dela mesma.
Em contrapartida ao tipo de escolha narcísica, a escolha anaclítica pode recair sobre:
Conforme o tipo “de apoio”:
- a mulher nutriz,
- o homem protetor
A escolha anaclítica é vista como uma forma de projetar necessidades afetivas em outras pessoas, o que pode caracterizar esse tipo de amor.
Essa escolha se contrasta com o amor narcísico, em que o sujeito toma a si próprio como modelo e escolhe alguém que reflita sua própria imagem e semelhança.. Cabe dizer que os dois tipos de escolha estão, ao mesmo tempo, presentes no sujeito.
O que é uma pessoa narcisista?
O narcisismo é uma fase necessária da evolução da libido, que acontece antes mesmo de o sujeito se voltar para um objeto sexual externo. Ele participa da estruturaração da subjetividade, é um parte da condição humana.
Sendo assim,de algum modo, todos são narcisistas, pois todo sujeito possui uma porção de libido que pode ser investida em si mesmo e para outros objetos. Ela é investida parcialmente nos objetos e parcialmente no eu.
Por isso, pode-se dizer que todos possuem narcisismo, tendo em vista que ele atua como uma forma de organização para o sujeito, garantindo a própria preservação dele.
Com isso é importante afastar a ideia e estigmas associados a comportamentos considerados excessivamente egocêntricos ou vaidosos, pois o narcisismo é um investimento do sujeito em si mesmo.
Assim, o narcisismo é importante para a psicanálise, tendo em vista que nos estágios iniciais da vida, não se percebe os objetos como algo externo. Gradativamente, ao longo dos primeiros meses, é que o infante aprende a se distinguir de outros objetos.
Até aqui, pode-se perceber que, diferente do senso comum, uma pessoa sem narcisismo seria uma pessoa com uma grave questão, tendo em vista que ela não teria empatia e não conseguiria se identificar com os objetos externos.

Como se aprofundar mais nos estudos sobre o narcisismo?
O conceito de narcisismo é fundamental na psicanálise e, além disso, requer uma análise cuidadosa. Para aprofundar-se, é fundamental investigar a obra de Freud, que estabelece as bases teóricas do narcisismo e suas implicações no desenvolvimento do eu.
É recomendada a leitura de textos clássicos, como Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905), Introdução ao Narcisismo (1914), Luto e Melancolia (1917 [1915]).
Jacques Lacan também teorizou sobre o tema em O Seminário 1 - Os Escritos Técnicos de Freud - Jacques Lacan e no escrito O Estádio do Espelho como Formador da Função do Eu.
Assistir aos cursos de psicanálise da plataforma da Casa do Saber + ou do Programa + Psicanálise , são formas de aprofundar no conceito de narcisismo, além de tantos outros conceitos da psicanálise.
Aqui vão 3 cursos essenciais para entender a teoria do narcisismo:
- Freud e os Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica, com Ricardo Salztrager
- Complexos Narcísicos na Clínica, Teoria e Cultura, com Érico Bruno Viana Campos
- Narcisismo, com Patricia Serfaty
Perguntas frequentes sobre narcisismo
O que é narcisismo para a psicanálise?
Para a psicanálise, o narcisismo é uma etapa fundamental no desenvolvimento do eu. Representa o momento em que a libido se volta para o próprio sujeito, sendo essencial para a estruturação da subjetividade e do vínculo com o mundo externo.
Quais são os tipos de narcisismo segundo Freud?
Freud propõe duas formas de narcisismo: o primário, no qual toda a libido está voltada para o eu nos estágios iniciais da vida; e o secundário, quando a libido é retirada dos objetos externos e reinvestida no eu, geralmente em resposta a frustrações.
Toda pessoa é narcisista?
Sim. Para a psicanálise, o narcisismo é parte da condição humana. Todos os sujeitos investem libido tanto em si mesmos quanto em objetos externos, sendo esse equilíbrio essencial para o desenvolvimento psíquico saudável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, Sigmund. Introdução ao Narcisismo (1914). Companhia das Letras: São Paulo, 2010.
GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. Zahar: Rio de Janeiro, 1985.
ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.