Psicologia

Arquétipos de Jung: o que são, tipos e como funcionam

Arquétipos de Jung: o que são, tipos e como funcionam

Os arquétipos de Jung são imagens universais que estruturam o inconsciente coletivo e se manifestam em mitos, sonhos e símbolos. Mais do que personagens ou estereótipos, representam padrões profundos que influenciam nossa forma de pensar, agir e nos relacionar.

Neste artigo, você vai entender o que são os arquétipos, como eles funcionam na psique e quais são os principais tipos descritos por Jung, como Persona, Sombra, Anima, Animus e Self.



Os arquétipos, conceitos fundamentais na psicologia analítica de Carl Gustav Jung, representam formas primordiais e universais de pensamento, sentimento e ação, inerentes ao inconsciente coletivo.

Eles são, em sua essência, padrões inatos de experiência e comportamento que moldam profundamente a vivência humana, influenciando desde aspectos biológicos até psicológicos e espirituais.

Como o próprio Jung observou, "arquétipos são o que há de mais óbvio, por isso nem se percebe sua presença, pois não se percebe o que é óbvio."

Essa observação ressalta a natureza paradoxal dos arquétipos: eles estão tão intrinsecamente ligados ao nosso cotidiano e em nossa psique que muitas vezes passam despercebidos, como a ponta do nariz que está sempre em nossa frente, mas raramente é vista.

Este guia tem como objetivo apresentar o universo dos arquétipos junguianos, oferecendo uma compreensão clara, profunda e acessível.

Iremos desmistificar equívocos comuns, explorar a complexa relação entre os arquétipos e o inconsciente coletivo, e analisar como essas forças dinâmicas atuam em nossa vida.

Desmistificando os arquétipos: o fenômeno da ponta do nariz e a popularização da psicologia analítica

A psicologia analítica, desenvolvida por Carl Gustav Jung (1875-1961), é um campo vasto e profundo que tem ganhado crescente interesse ao longo do tempo.

Jung, um psiquiatra e psicólogo suíço, atravessou uma época de efervescência intelectual, contribuindo significativamente para a compreensão da psique humana.

Sua obra, embora por vezes complexa devido à sua erudição e vasto conhecimento cultural, aborda temas que ressoam diretamente com a experiência humana universal. Para aqueles que buscam uma introspecção e um maior autoconhecimento, o pensamento junguiano oferece um manancial inesgotável de sabedoria.

No entanto, a popularização de conceitos junguianos, como os arquétipos, trouxe consigo uma série de interpretações equivocadas e superficiais. Assim como o fenômeno da ponta do nariz, onde o óbvio se torna invisível, a simplicidade aparente dos arquétipos pode levar a uma compreensão distorcida.

É crucial, portanto, "limpar o terreno" e esclarecer o que os arquétipos não são, antes de mergulhar em sua verdadeira essência. A desinformação, muitas vezes disseminada em plataformas online e até mesmo por inteligências artificiais que se baseiam em material preexistente, pode levar a uma deturpação significativa do trabalho original de Jung. Por isso, a busca por fontes confiáveis e o estudo aprofundado são indispensáveis para uma compreensão autêntica.

Curiosidade:

Jung nunca definiu que existiam apenas 12 arquétipos fixos. Essa lista popular (Inocente, Herói, Sábio, etc.) surgiu mais tarde como uma simplificação para fins de marketing e não reflete a profundidade da teoria original. Para Jung, os arquétipos são incontáveis e se manifestam de formas diferentes conforme o contexto cultural, histórico e individual.



O que NÃO são os Arquétipos de Jung

Para evitar mal-entendidos e abordagens superficiais, é fundamental compreender o que os arquétipos junguianos não representam:

  • Não são 12 tipos de arquétipos fixos:

    Uma das maiores deturpações do trabalho de Jung é a ideia de que existem apenas 12 arquétipos específicos, como o Inocente, o Aventureiro, etc. Jung nunca definiu um número limitado de arquétipos.

    Pelo contrário, ele afirmava que os arquétipos são incontáveis e que novos arquétipos podem aflorar m medida que a humanidade evolui e novas experiências são vividas. A lista popular de 12 arquétipos é uma simplificação excessiva, muitas vezes utilizada para fins de marketing e consumo, que desvirtua a profundidade e a complexidade do conceito original.
  • Não podem ser testados:

    A noção de que é possível realizar um "teste" para descobrir qual arquétipo "é o seu" é completamente equivocada. A compreensão da atuação arquetípica na psique de um indivíduo é um processo complexo e profundo, que envolve autoconhecimento, análise e observação cuidadosa das manifestações inconscientes. Não se trata de uma categorização simples ou de um resultado de um questionário.
  • Não podem ser ativados ou incorporados:

    A ideia de "ativar" um arquétipo, como o da Cleópatra ou da Sereia, como se fossem entidades a serem invocadas para obter poderes ou características específicas, é um grave mal-entendido. Arquétipos não são entidades que podem ser chamadas ou controladas pela consciência.

    Se um arquétipo "constela" (ou seja, se manifesta ativamente) na vida de uma pessoa, isso significa que a pessoa viverá a história completa associada a esse arquétipo, com todas as suas nuances, desafios e consequências, e não apenas os aspectos desejáveis.

    Tentar forçar essa ativação pode levar a experiências desestruturantes, pois o arquétipo é muito maior do que a consciência e não pode ser dominado.
  • Não são sinônimo de tipos psicológicos:

    Embora Jung tenha desenvolvido a teoria dos tipos psicológicos, que classifica as pessoas em diferentes categorias com base em suas funções psíquicas (pensamento, sentimento, sensação, intuição) e atitudes (introversão, extroversão), esta é uma teoria distinta dos arquétipos.

    Jung nunca teve a intenção de "dividir" as pessoas em tipos fixos ou arquétipos, e testes como o MBTI, embora inspirados em sua obra, não foram criados por ele e não refletem sua abordagem original de categorização da psique.
  • Não são a mesma coisa que a Psicologia Arquetípica de James Hillman:

    A Psicologia Arquetípica, desenvolvida por James Hillman, é um campo de estudo que, embora tenha raízes na psicologia analítica, diverge significativamente do pensamento junguiano clássico em pontos fundamentais.

    Hillman, que inicialmente foi um junguiano, desenvolveu sua própria abordagem ao perceber que não concordava com certas bases da concepção de Jung sobre a psique, o processo de individuação e o próprio arquétipo.

    Portanto, para compreender o que Jung realmente entendia por arquétipo, é essencial consultar as obras do próprio Jung e de seus colaboradores mais próximos, e não a psicologia arquetípica de Hillman, que oferece uma perspectiva diferente.
  • Cuidado com a desinformação:

    A vasta quantidade de material superficial e, por vezes, errôneo sobre os arquétipos de Jung disponível na internet, incluindo resultados de buscas em inteligências artificiais, pode levar a uma compreensão distorcida.

    É fundamental buscar fontes primárias e autores renomados que tenham estudado profundamente a obra de Jung para obter informações precisas e aprofundadas. A qualidade da informação é diretamente proporcional à profundidade do estudo de quem a produz.

    Como Jung, em certa ocasião, expressou sobre as distorções de suas ideias por alguns de seus "seguidores": "Deus me ajude com os meus amigos, porque dos meus inimigos eu posso cuidar sozinho." Essa frase ilustra a preocupação com a deturpação de seu trabalho por aqueles que, mesmo com boas intenções, acabam por desviar o público da verdadeira essência de sua psicologia.


Ilustração mostrando ícones dos 12 arquétipos riscados com um X vermelho, com a mensagem: Para Jung, os arquétipos são incontáveis

O que SÃO os Arquétipos de Jung

Após desmistificar o que os arquétipos não são, podemos agora nos aprofundar em sua verdadeira natureza.

Os arquétipos são, em sua essência, formas primordiais e universais de pensamento, sentimento e ação. Eles não são ideias ou conceitos criados pela mente individual, mas sim padrões inatos e herdados que residem no inconsciente coletivo, uma camada mais profunda da psique, comum a toda a humanidade.

  • Conceito Fundamental da Psicologia Analítica:

    O arquétipo é um dos pilares da psicologia analítica de Jung. Ele não pode ser compreendido isoladamente, mas sempre em conexão com o inconsciente coletivo, do qual emerge e através do qual se manifesta.
  • Conectados à Vivência Humana:

    Os arquétipos influenciam profundamente o cotidiano e a experiência humana. Eles moldam nossas percepções, reações e comportamentos, atuando como matrizes que dão forma à nossa realidade psíquica e, consequentemente, à nossa vida.

    Essa influência abrange desde aspectos biológicos e instintivos até os mais complexos processos psicológicos e espirituais.
  • Incontáveis e Dinâmicos:

    Ao contrário da ideia popular dos "12 arquétipos", Jung defendia que os arquétipos são incontáveis. Eles não são formas estáticas e definidas, mas sim potenciais dinâmicos que podem se manifestar de inúmeras maneiras, dependendo do contexto cultural, histórico e individual.

    A identificação de um arquétipo se dá pela observação de padrões recorrentes em mitos, sonhos, contos de fadas, religiões e na própria vida humana.
  • Impulsos que Dão Forma:

    O arquétipo pode ser compreendido como um impulso ou uma tendência inata que organiza e dá forma à experiência. Ele atua como um "receptáculo moldável" ou um "molde vazio" que é preenchido pelos conteúdos da vida individual.

    Por exemplo, o arquétipo da Mãe não é uma figura específica de mãe, mas sim a capacidade inata da psique de reconhecer e responder a padrões de maternidade, nutrição e cuidado, que se manifestarão de diferentes formas em cada cultura e em cada indivíduo.


Jung utilizava a analogia do "eixo" para descrever o arquétipo. Assim como um eixo organiza e permite o movimento de uma roda, o arquétipo organiza e dá sentido a uma série de experiências e imagens.

Ele é a estrutura subjacente que permite a emergência de símbolos e temas universais na psique humana. A compreensão dos arquétipos nos permite reconhecer a profundidade e a riqueza da psique, conectando-nos a uma herança psíquica comum que transcende as fronteiras individuais e culturais.

Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica, retrato em fotografia histórica

Foto de Carl G. Jung, fundador da psicologia analítica | Reprodução


O inconsciente coletivo e sua relação com os arquétipos

O conceito de arquétipo é inseparável do conceito de inconsciente coletivo. Eles são, na verdade, duas faces da mesma moeda.

Para compreender a natureza e a atuação dos arquétipos, é imprescindível primeiro explorar o terreno do qual eles brotam: o vasto e misterioso domínio do inconsciente coletivo.

O Inconsciente Pessoal vs. O Inconsciente Coletivo

A palavra "inconsciente" já se integrou ao vocabulário popular, geralmente se referindo a pensamentos ou motivações que escapam à nossa percepção imediata.

No entanto, dentro da psicologia, e especialmente na transição do pensamento de Freud para o de Jung, o termo ganha camadas de complexidade.

Jung não negou a existência do inconsciente como Freud o concebeu, mas o ampliou significativamente. Ele propôs uma estrutura da psique com duas camadas inconscientes distintas.

O Inconsciente Pessoal:

Esta é a camada mais superficial do inconsciente. De forma semelhante à visão de Freud, ela contém tudo aquilo que já foi consciente, mas que foi esquecido ou reprimido.

São as memórias perdidas, as percepções subliminares e as experiências individuais que, por algum motivo, não se mantiveram na consciência. O inconsciente pessoal é, portanto, único para cada indivíduo, sendo formado ao longo de sua vida.

O Inconsciente Coletivo:

Esta foi a grande contribuição de Jung. Trata-se de uma camada muito mais profunda, universal e impessoal da psique. Diferente do inconsciente pessoal, seus conteúdos nunca foram conscientes e não foram adquiridos pela experiência individual.

Ele é uma herança psíquica, uma base comum a toda a humanidade, composta por estruturas e potenciais inatos: os arquétipos. Para Jung, o inconsciente coletivo é a matriz de toda a vida psíquica; a própria consciência emerge dele.

Essa inversão é crucial: para Freud, o inconsciente era, em grande parte, um repositório de conteúdos descartados pela consciência.

Para Jung, a consciência é uma ilha que emerge de um vasto oceano pré-existente, o inconsciente coletivo.

Essa base comum explica por que temas, símbolos e mitos tão semelhantes aparecem em culturas e épocas completamente distintas, sem qualquer contato aparente entre si. Eles são manifestações espontâneas da estrutura fundamental da psique humana.



A psique objetiva e a herança arquetípica

Para enfatizar a autonomia e a realidade dessa camada profunda, Jung também se referia ao inconsciente coletivo como a psique objetiva.

O termo "objetiva" serve como contraponto à "psique subjetiva", que é a nossa consciência e nosso inconsciente pessoal.

Enquanto a psique subjetiva é o nosso mundo interior, pessoal e único, a psique objetiva é uma realidade psíquica que existe por si mesma, independente de nós, nos influenciando de maneiras que não podemos controlar.

Para ilustrar essa diferença, podemos usar duas analogias famosas:

  1. A Analogia do Iceberg: Frequentemente usada para explicar o modelo freudiano, mostra a consciência como a pequena ponta visível de um iceberg, enquanto a massa imensa submersa representa o inconsciente. Embora útil, essa imagem retrata um inconsciente isolado, formado por elementos da vida individual.
  2. A Analogia das Ilhas: Proposta por Jung, esta metáfora oferece uma visão mais completa. Imagine um arquipélago. Na superfície, vemos várias ilhas, cada uma parecendo separada e única – estas representam os indivíduos, com suas consciências e inconscientes pessoais. No entanto, se olharmos abaixo do nível da água, perceberemos que todas as ilhas estão conectadas por uma base comum, o fundo do oceano. Essa base una e compartilhada é o inconsciente coletivo.


Ainda assim, Jung alertava que mesmo a analogia das ilhas é limitada, pois ainda situa o inconsciente como algo "abaixo". Na realidade, a psique objetiva nos rodeia por completo.

Estamos imersos nela como um peixe está na água ou como respiramos o ar. Ela está acima, abaixo e ao nosso redor, sendo o tecido fundamental da realidade psíquica.

Essa herança arquetípica significa que não chegamos ao mundo como uma "folha em branco". Nascemos com uma estrutura psíquica fundamental, um conjunto de potenciais e predisposições que foram moldados pela experiência acumulada de nossos ancestrais.

Assim como herdamos características físicas, herdamos também essa base psíquica. Lidar com essa herança, com as "raízes profundas" que não plantamos, mas que nos sustentam e nos condicionam, é uma das tarefas centrais do desenvolvimento humano. É o eterno diálogo entre aquilo que nos é dado (o coletivo) e aquilo que construímos com o que recebemos (o individual).

A atuação dos arquétipos

Os arquétipos, como emanações do inconsciente coletivo, são as forças dinâmicas que estruturam a experiência humana em todos os seus níveis.

Eles não são meros conceitos teóricos, mas sim agentes ativos que moldam nossa biologia, nossos instintos e a própria arquitetura de nossa psique. Compreender sua atuação é fundamental para decifrar a linguagem da alma.

Vejamos abaixo a diferença entre arquétipos biológicos e instintivos.

Arquétipos Biológicos e Instintivos

A influência arquetípica começa no nível mais fundamental da nossa existência: o corpo e seus impulsos inatos. Antes de qualquer elaboração psicológica, somos seres biológicos, e essa biologia é profundamente arquetípica.

A Atuação Biológica:

O próprio corpo humano é uma manifestação de um arquétipo. A estrutura básica que compartilhamos – dois braços, duas pernas, um coração, um cérebro – não é uma criação individual, mas uma forma primordial herdada que nos permite viver uma "vida de ser humano".

Essa forma básica é universal e reconhecível em qualquer indivíduo, independentemente de suas características particulares. Jung diferenciava essa noção da "ideia platônica" de uma forma perfeita.

Para ele, não existe um "corpo humano perfeito" em um mundo ideal do qual os nossos são cópias imperfeitas. Pelo contrário, o arquétipo é o impulso que gera a forma, e cada corpo que manifesta essa forma é uma expressão completa válida desse arquétipo.

A Atuação Instintiva (O Inconsciente Psicoide):

Juntamente com a estrutura corporal, herdamos um conjunto de programas de funcionamento: os instintos.

Comportamentos como o reflexo de sucção de um bebê, a reação de luta ou fuga diante do perigo, ou a atração sexual são impulsos que não são aprendidos ou controlados pela consciência. Eles simplesmente acontecem.

Jung situou esses fenômenos na esfera do inconsciente psicoide. O termo "psicoide" indica que esses impulsos, embora não sejam psíquicos no sentido de subjetivos ou conscientes, têm uma relação íntima com a psique e atuam como uma ponte entre a matéria (o corpo) e a psique (o inconsciente coletivo).

O funcionamento autônomo de nosso metabolismo, a cura de uma ferida ou o batimento cardíaco são exemplos dessa inteligência psicoide que nos mantém vivos, operando silenciosamente no fundo de nosso ser.

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Arquétipos estruturais da psique

Assim como o corpo possui órgãos que garantem seu funcionamento, a psique também possui estruturas fundamentais que organizam sua vida.

Esses são os arquétipos estruturais, que atuam como os "órgãos" da psique, receptáculos que serão preenchidos e moldados pelos conteúdos de nossa experiência de vida.

Curiosamente, nem todos os arquétipos residem no inconsciente. Dois deles são estruturas da própria consciência, como veremos a seguir:

O Arquétipo do Eu

O Eu (ou Ego) é o centro da psique consciente. É a estrutura que nos confere o senso de identidade, continuidade e agência. É o "eu" que diz "eu penso", "eu sinto", "eu decido".

Ele é o gestor da nossa vida consciente, o ponto de referência a partir do qual nos relacionamos com o mundo exterior e com nosso próprio mundo interior.

O Eu é um arquétipo porque todo ser humano, para ser funcionalmente consciente, precisa desenvolver essa estrutura centralizadora. Sem um Eu minimamente forte e coeso, a consciência se fragmenta, e a vida psíquica se torna caótica.

No entanto, um dos maiores erros no desenvolvimento humano é confundir o Eu com a totalidade da psique. O Eu é apenas o centro da consciência, não o centro da personalidade como um todo. Acreditar que o Eu é tudo o que somos é uma inflação egóica que nos cega para a vastidão do inconsciente.

O Arquétipo da Persona

A Persona é a nossa "máscara social". É a face que apresentamos ao mundo, o conjunto de papéis sociais que desempenhamos para nos adaptarmos às expectativas da sociedade e para nos relacionarmos com os outros. O nome vem do teatro grego, onde os atores usavam máscaras para representar seus personagens.

A Persona é um arquétipo essencial para a convivência social; ela nos permite interagir de forma funcional e adequada em diferentes contextos.

O problema surge quando nos identificamos excessivamente com nossa Persona. Quando a máscara se cola ao rosto, esquecemos quem somos por trás dela. A pessoa passa a acreditar que ela é o médico, o professor, o bom filho, etc., perdendo o contato com sua individualidade autêntica e com as outras partes de sua psique que não se encaixam nesse papel social.

A saúde psíquica reside na flexibilidade: saber usar a Persona adequada para cada situação, sem jamais esquecer que ela é apenas um papel, e não a totalidade do nosso ser.

Além desses arquétipos da consciência, o inconsciente pessoal e coletivo é povoado por outras figuras arquetípicas fundamentais, como a Sombra (o nosso "lado escuro", os aspectos de nós mesmos que reprimimos e negamos), e a Anima/Animus (a imagem da alma, a representação do feminino no homem e do masculino na mulher), que desempenham papéis cruciais no processo de individuação, a jornada de tornar se quem se é em sua totalidade.

Outros arquétipos fundamentais

Além do Eu e da Persona, que operam na esfera da consciência, a psique junguiana é habitada por uma rica tapeçaria de outros arquétipos, que residem predominantemente no inconsciente e desempenham papéis cruciais no desenvolvimento e na totalidade do indivíduo:

A Sombra

Representa o "lado escuro" da personalidade, tudo aquilo que o Eu não reconhece em si mesmo e que foi reprimido ou negado. A Sombra contém tanto aspectos negativos (impulsos agressivos, egoísmo) quanto positivos (criatividade, espontaneidade) que não se encaixam na imagem consciente que temos de nós mesmos.

Integrar a Sombra, ou seja, reconhecer e aceitar esses aspectos reprimidos, é um passo fundamental no processo de individuação, pois a negação da Sombra leva à sua projeção em outras pessoas ou a comportamentos autodestrutivos.

A Anima e o Animus

São os arquétipos do feminino no homem (Anima) e do masculino na mulher (Animus). Representam as qualidades do sexo oposto que existem no inconsciente de cada indivíduo.

A Anima é a imagem interior da mulher que o homem carrega, influenciando suas emoções, relacionamentos e criatividade.

O Animus é a imagem interior do homem que a mulher carrega, influenciando suas opiniões, convicções e capacidade de ação.

A integração da Anima e do Animus é vital para o desenvolvimento de uma personalidade completa e para a capacidade de se relacionar de forma saudável com o sexo oposto, tanto internamente quanto externamente.

O Self

É o arquétipo central da totalidade, o centro organizador da psique como um todo (consciente e inconsciente).

O Self representa a busca inata do ser humano pela completude e pela individuação. Ele é o objetivo final do desenvolvimento psíquico, a união dos opostos e a realização do potencial único de cada indivíduo. O Self se manifesta através de símbolos de totalidade, como o círculo, a mandala, a cruz ou a pedra filosofal.

Estes são apenas alguns dos muitos arquétipos que Jung explorou. Cada um deles, e a interação entre eles, contribui para a complexidade e a riqueza da psique humana, oferecendo um mapa para a jornada de autodescoberta e individuação.

Conclusão

A jornada pelos arquétipos de Jung revela uma paisagem psíquica de profundidade e complexidade surpreendentes. Longe de serem meras categorias ou rótulos, os arquétipos são forças vivas e dinâmicas, padrões universais de experiência que moldam a própria estrutura de nossa existência.

Eles nos conectam a uma herança psíquica comum, um vasto inconsciente coletivo que transcende as fronteiras individuais e culturais.

Compreender os arquétipos não é apenas um exercício intelectual; é um convite à auto-observação e à reflexão sobre as forças invisíveis que atuam em nossa vida.

Ao desmistificar equívocos e aprofundarmo-nos em sua verdadeira natureza, percebemos que os arquétipos são o "fenômeno da ponta do nariz": tão óbvios e onipresentes que muitas vezes passam despercebidos.

No entanto, ao reconhecê-los, abrimos as portas para uma compreensão mais rica de nós mesmos, de nossos relacionamentos e do mundo ao nosso redor.

A psicologia analítica de Jung nos oferece um caminho para a individuação, o processo de tornar-se quem se é em sua totalidade. Nesse caminho, os arquétipos servem como guias, revelando os desafios e os potenciais inerentes à jornada humana.

Que este guia sirva como um ponto de partida para sua própria exploração desse fascinante universo, incentivando a busca contínua por conhecimento e autoconhecimento.

Perguntas frequentes sobre os arquétipos de Jung

O que são os arquétipos de Jung?

São formas primordiais e universais de pensamento, sentimento e ação, que residem no inconsciente coletivo. Eles moldam nossa percepção da realidade e influenciam tanto a vida individual quanto cultural.

Jung realmente falou em 12 arquétipos?

Não. Jung nunca definiu um número fixo de arquétipos. A ideia dos “12 arquétipos” é uma simplificação popular criada mais tarde, muitas vezes usada em marketing e não reflete a profundidade da teoria original.

Qual a relação entre arquétipos e o inconsciente coletivo?

Os arquétipos são manifestações do inconsciente coletivo, uma camada profunda e universal da psique compartilhada por toda a humanidade. É dessa matriz comum que surgem símbolos, mitos e padrões semelhantes em diferentes culturas.

Quais são os principais arquétipos estudados por Jung?

Entre os mais importantes estão o Self, a Sombra, a Persona, a Anima e o Animus. Cada um representa estruturas fundamentais da psique e desempenha papel central no processo de individuação.

Qual a diferença entre arquétipos e tipos psicológicos?

Os tipos psicológicos foram desenvolvidos por Jung, mas são uma teoria distinta dos arquétipos. Arquétipos não categorizam pessoas, e sim padrões universais da psique.

Como os arquétipos aparecem no dia a dia?

Eles se manifestam em sonhos, mitos, narrativas culturais e até em personagens de filmes e livros. Também emergem em padrões recorrentes de comportamento e relacionamento que vivenciamos ao longo da vida.



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Sugestões de Leitura

Carl G. Jung. O Homem e Seus Símbolos. HarperCollins, 2016

Uma obra mais acessível, escrita para o público leigo, com a colaboração de seus alunos mais próximos).

Carl G. Jung. Tipos Psicológicos. Vozes, 2013

Obra fundamental para a compreensão dos tipos psicológicos, embora complexa.

Carl Jung. A Natureza da Psique. Vozes, 2013.

Contém ensaios importantes sobre o inconsciente coletivo e os arquétipos.

Aniela Jaffé (Org.) Memórias, Sonhos, Reflexões. Nova Fronteira, 2006.

Autobiografia de Jung, com a colaboração de Aniela Jaffé, que oferece insights sobre sua vida e obra.

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