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Por que temos medo de celebrar nossas conquistas?

Por que temos medo de celebrar nossas conquistas?

É fato que muitas de nós temos uma dificuldade considerável em reconhecer a devida proporção de nossas conquistas, no entanto, sabemos como e por que isso acontece?

Dizem que a modéstia é uma virtude, mas, para nós, ela se transformou em uma sentença de morte. Enquanto em alguns espaços a autoconfiança masculina é lida como natural e até desejável, a mesma atitude em uma mulher ainda pode soar incômoda, arrogante, “fora de lugar”. O curioso é que esse incômodo não nasce do nada: é cultivado durante toda a nossa vida. A menina que levanta a voz é chamada de mandona; a adolescente que se posiciona é acusada de exibicionismo; a adulta que compartilha um feito é tachada de vaidosa, e assim, ao longo do tempo, aprendemos a esconder os nossos próprios méritos, a minimizar os resultados de nosso esforço, como se celebrar fosse um ato errado demais. 

Para meninas e mulheres negras, essa dificuldade é ainda mais severa, pois o racismo acrescenta barreiras que tornam cada conquista alvo de questionamentos e desconfiança. Meninas e mulheres negras crescem ouvindo que precisam se esforçar o dobro para alcançar o mesmo reconhecimento, e, mesmo assim, quando chegam lá, raramente veem suas vitórias celebradas com a mesma legitimidade.

Sabemos que essa dificuldade não é pequena, uma vez que ela atravessa culturas, gerações e contextos. Está presente nos corredores das empresas, nas rodas de conversa entre amigos, nos congressos acadêmicos, nas salas de aula, nos almoços de família. Quando um homem fala de uma promoção, é comum ouvir comentários de incentivo, orgulho e admiração, mas quando uma mulher faz o mesmo, o mais próximo de um elogio se torna um “não precisa se gabar”, “cuidado para não parecer convencida” ou “não acha que está trabalhando demais, não?”. Existe, por trás disso, uma expectativa de que a mulher ocupe um espaço de discrição, como se sua maior qualidade fosse caber em limites estreitos.

Aliás, todo mundo parece saber muito bem como orientar e conduzir o tempo das mulheres, menos nós mesmas, aparentemente – mas essa pauta vai ficar pra depois, pois ela é uma dimensão à parte.

O problema é que essa contenção não se limita ao momento da conquista, pois ela molda a maneira como nos relacionamos com o próprio percurso. O esforço investido, as noites mal dormidas, o estudo, a disciplina, tudo isso tende a ser varrido para debaixo do tapete. O discurso preferido é o da sorte, da circunstância, do acaso. É como se assumir a autoria de uma vitória fosse uma ousadia grande demais.

Essa lógica nos coloca diante de uma contradição: por um lado, vivemos em um mundo que exige das mulheres excelência, resiliência, múltiplas habilidades; por outro, quando essa excelência se manifesta em forma de resultado, surge a pressão para tratá-la como irrelevante. É um paradoxo que corrói a autoestima: trabalhamos mais, conquistamos mais, mas, na hora de olhar para o próprio espelho, diminuímos; porque fomos ensinadas a reduzir a nossa magnitude para caber no jogo patriarcal. O que poderia ser fonte de confiança vira motivo de dúvida, e aquela conquista que você investiu tanto tempo e esforço, já não parece tão grande assim.

Por séculos, a narrativa sobre o lugar da mulher esteve ligada à abnegação, à doação silenciosa, ao papel de apoio. A celebração de si não fazia parte do repertório permitido, pois até quando mulheres realizaram grandes feitos históricos nas ciências, nas artes, na física ou medicina, o prestígio muitas vezes era direcionado àquele que a acompanhava. Essa herança permanece entranhada nos gestos cotidianos, e é ela que nos faz responder a um elogio com uma justificativa, ou disfarçar a alegria diante de uma conquista com frases de desdém.

Respondendo à pergunta que guia este texto: pedimos desculpas até quando vencemos porque aprendemos a desconfiar do próprio sucesso. Não é só uma questão de humildade ou educação; é o efeito de uma arquitetura social que nos ensina, desde cedo, que ocupar espaço demais incomoda e que é errado. Celebrar significa visibilidade, e visibilidade para mulheres sempre foi arriscado. Aprendemos a medir nosso brilho, a ajustar nossa voz, a modular a alegria para caber no que os outros consideram apropriado. Pedir desculpas por conquistar é, na verdade, uma forma de proteger-se de julgamentos, da inveja, do medo de ser “grande demais” para o lugar que nos foi permitido ocupar.

Ao mesmo tempo, também pedimos desculpas porque fomos condicionadas a não confiar totalmente na nossa própria competência. Essa atitude também é uma tentativa de sobrevivência afetiva, pois aceitar o próprio mérito nos expõe a olhares, comparações, críticas; e o medo de desagradar, de parecer arrogante, de ser julgada, cria um hábito quase automático: diminuir o que é nosso, subestimar o próprio valor, reduzir o alcance da própria história. É uma espécie de autoproteção que, ironicamente, nos enfraquece, nos distancia de nós mesmas e nos impede de sentir a proporção real do que conquistamos.

Escrevendo esse texto me dei conta de que não celebrar é também não registrar. E, quando uma conquista não é registrada, ela se perde na memória, esvazia-se com o tempo. O que sobra é apenas a sensação de que ainda falta, de que nunca é suficiente. Esse vazio alimenta uma corrida interminável: logo após alcançar um objetivo, já passamos para o próximo e então para o próximo, como se a linha de chegada fosse apenas miragem. Nesse ritmo, não há descanso, nem reconhecimento, nem alegria plena, há apenas um movimento repetitivo que nos impede de nos reconhecer como sujeitas produtoras de conhecimento e de liderança e não apenas como executoras da engrenagem do outro.

Não podemos esquecer que a celebração não é vaidade, é reconhecimento por todo um investimento que foi realizado anteriormente. É a forma mais justa de dar valor ao próprio caminho e, mais do que isso, é também um gesto coletivo. Quando uma mulher celebra, ela abre espaço para que outras também se sintam autorizadas a fazer o mesmo. O contrário é igualmente verdadeiro: ao esconder nossas vitórias, reforçamos a ideia de que só o esforço é permitido, nunca a alegria do resultado. Nesse caminho, a ausência de celebração cria um silêncio que não inspira, apenas isola e, cada vez mais, adoece.

Celebrar, portanto, é romper com um padrão. Admitir que não foi sorte, acaso, ajuda “do destino” ou do seu chefe, e que foi fruto da sua dedicação e competência.

Reaprender a celebrar exige treino, pois isso não acontece da noite para o dia. Não é simples para quem foi educada a se esconder e ocultar os feitos, e reconhecer uma conquista significa reaprender a aceitar elogios sem corrigi-los. Significa resistir à tentação de dizer “não foi nada demais”, e significa cultivar rituais que ajudem a gravar na memória cada vitória, por menor que pareça. É uma espécie de alfabetização emocional, na qual se aprende a dar nome à alegria e a permiti-la existir.

Esse reaprendizado atravessa gerações, pois quando uma mulher celebra suas vitórias, ela envia uma mensagem às meninas que a observam: existe outro caminho, existe permissão para sentir orgulho. Esse exemplo pode ser mais transformador do que qualquer discurso, e é uma forma de desatar o nó que, há tanto tempo, nos prende ao silêncio.

Celebrar algo que você fez ser possível de acontecer não diminui ninguém, apenas amplia os nossos saberes sobre as outras e sobre si mesmas, uma vez que a conquista de uma mulher não é afronta à de outra, pelo contrário, é lembrete de que caminhos podem ser trilhados em conjunto. Celebrar, então, deixa de ser apenas um direito pessoal e se torna uma afirmação sobre o mundo que queremos habitar.

Por isso, celebrar as nossas conquistas é reivindicar o que nos pertence. Avante!

Artigo escrito por
Camila Fortes
Pesquisadora. Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde do ICICT/FIOCRUZ/RJ.