A psicanálise de Wilfred Ruprecht Bion analisa a mente em grupo e a formação das emoções através do autoconhecimento. Além de ter produzido uma teoria sobre o funcionamento da personalidade, W. Bion criou a perspectiva que defende uma psicanálise aplicada para além do inconsciente, na medida em que os aspectos conscientes também revelariam o mundo dos sujeitos.
Para compreender os seus principais conceitos e percorrer sobre as particularidades da sua história, confira:
O artigo abordará os seguintes tópicos:

Quem foi Wilfred Bion?
Nascido em 1897 em Penjab, na Índia, Bion foi criado até os sete anos por uma ama indiana, Ayah, que exerceu grande influência sobre seus estudos e interesses educacionais. Com uma família pouco estruturada, Bion foi enviado a um colégio interno na Inglaterra aos oito anos, no entanto, teve dificuldades de adaptação por conta da rigidez institucional e da solidão, uma vez que seus pais e irmã raramente o visitavam.
Para auxiliar no seu processo de sociabilidade, Wilfred passou a praticar esportes como natação e rugby, se tornando capitão de equipes. Além disso, ingressou nas Forças Armadas e atingiu patente de capitão, chegando a ser condecorado em função do seu desempenho. Com o final da I Guerra Mundial, Bion passa a desenvolver seus estudos em História na Universidade de Oxford, onde se aprofunda nos estudos filosóficos, com especial atenção ao empirismo inglês de Immanuel Kant.
O interesse na História Moderna e na Teologia, impulsionaram W. Bion a cursar Medicina na University College London e se tornar psicanalista. Trabalhos como o de Sigmund Freud despertaram o interesse para a prática clínica, assim como William Shakespeare, que o inspirou através dos estudos artísticos e estéticos.
Pioneiro na criação da terapia em grupo para militares, Bion buscava auxiliar no processo de reabilitação psíquica dos sujeitos após o elemento traumático.
Após formado, se qualifica em psicoterapia psicanalítica na Clínica Tavistock em Londres, onde entra em contato com o trabalho de Donald Winnicott e Herbert Rosenfeld. Foi somente em meados de 1946 que W. Bion entra em análise de treinamento com Melanie Klein, se tornando, em 1950, membro pleno da Sociedade Psicanalítica Britânica.
Nesse contexto, Bion produz estudos sobre as dinâmicas de grupo e o trabalho psicanalítico em pacientes com transtornos psicóticos, pois defendia que a sociedade tem uma tendência inata ao desejo de conhecimento e do saber.
Bion: a relação com outros psicanalistas e influências
Com o trabalho de Melanie Klein – referência nos estudos sobre escuta e desenvolvimento humano –, Bion se aprofunda na psicanálise, sobretudo em relação à vida psíquica primitiva, à identificação projetiva e ao desenvolvimento do pensamento.
Para o psicanalista, interessava compreender como a mente humana aprende a pensar.
Com Freud e a teoria do princípio do prazer e da realidade, W. Bion avança ao sugerir que o pensamento se dá justamente para que o indivíduo saiba lidar com a frustração da ausência do objeto desejado.
Esse processo é o que Bion denomina por aprendizado pela experiência: a psique se desenvolve no exercício de suportar as frustrações da vida e criar formas de compreendê-las.
Caso contrário, ao invés de pensar e processar a informação, o sujeito continuaria despejando impulsivamente seus estados emocionais, o que permitiria, segundo o psicanalista, uma abertura à patologias psíquicas.
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O que diz a teoria de Wilfred Bion?
Ao trafegar por suas ideias, Bion deixa claro que não se preocupa em criar teorias, pois o seu objetivo maior estaria centrado em orientar o processo de análise do paciente a partir da experiência emocional.
No entanto, quando compara-se a sua perspectiva com a psicanálise clássica, é notório que a sua visão avança no que se refere a um processo de análise que não se dá somente a partir do analista, mas, sobretudo, a partir do sujeito analisado.
Para ele, não se trata da busca pela origem do trauma ou das fantasias do indivíduo, mas de uma expansão da capacidade de reflexão do sujeito em um universo que está em constante movimento. Nesse sentido, o que o psicanalista sugere, é que o processo analítico seja realizado principalmente pelo analisado, a partir das suas descobertas, verdades e contradições. Assim, o psicanalista auxilia o paciente no processo, não como um agente central, mas como um guia.
Para o autor, o pensamento humano se transforma em uma máquina de pensar por conta do acúmulo de experiências, sensações e percepções.
Desse modo, seria através dos processos de internalização dos pensamentos, que a compreensão de mundo do sujeito ganharia forma, no qual o indivíduo construirá suas próprias impressões, dotando-as de significado e experiência.
Quais os principais conceitos de Wilfred Bion?
Mesmo que o autor sugira que não há uma teoria em específico a seguir, alguns conceitos são centrais para o processo de compreensão de sua obra. Nesse aspecto, foram diversas as contribuições de W. Bion, algumas, em particular, merecem destaque pelo aprofundamento nos estudos psicanalíticos.
Teoria do Pensamento
Ainda na década de 1940, Bion desenvolve a Teoria do Pensamento a partir dos estudos de Freud e Klein. Em sua perspectiva, o pensar surge como uma saída, uma solução, para se lidar com a frustração no indivíduo.
Nesse sentido, a frustração, a não realização, é o primeiro passo para a origem do pensamento que, por sua vez, irá construir o aparelho psíquico. Em outras palavras, para Bion, o pensamento é precursor. Assim, o aparelho psíquico existe para dar resposta à necessidade do pensar.
“O pensamento está em busca de um pensador” (W. Bion)
Bion defende que a primeira frustração ocorre a partir da “experiência do não seio”, caracterizada pela percepção do bebê em não encontrar, instintivamente, o seio materno. A partir dessa não realização, o bebê desenvolverá o que ele denomina por Protopensamento, ou seja, uma primeira manifestação da capacidade do pensar, dando, então, condições para a elaboração dos pensamentos, para a produção dos sonhos e das funções do intelecto.
Função Alfa e Função Beta
Nesse caminho, se o bebê lidar de forma positiva com a frustração, ocorrerá o pensamento em si, gerando, assim, a capacidade de tolerância do indivíduo. Esse processo é denominado por W. Bion por Função Alfa, ou seja, trata-se da constituição de uma compreensão das necessidades humanas a partir da primeira frustração.
Há, ainda, experiências que não puderam ser pensadas ou vividas pelo indivíduo, provocadas pela incapacidade de tolerar a frustração. A esses elementos, Bion denomina por Função Beta, compreendida como as experiências sensoriais primitivas que não foram elaboradas como positivas pelo bebê, e que geram uma espécie de agitação motora, ou seja, o excesso de sensações.
Em outras palavras, para ele, os elementos beta são armazenados não como forma de memória, mas como fatos e situações não digeridas, enquanto os elementos alfa foram digeridos e processados pelo indivíduo.
Teoria do Continente e Conteúdo
Outra perspectiva de W. Bion que merece destaque, é a Teoria do Continente e Conteúdo – um dos conceitos centrais da psicanálise contemporânea, que se refere à relação entre mãe e bebê.
Para o autor, o bebê nasce repleto de experiências sensoriais intensas, com baixa capacidade de organizá-las cognitivamente. Nesse sentido, um dos principais papéis da figura da cuidadora primária, é o de “conter” as necessidades orgânicas e emocionais, os medos e angústias do bebê.
A mãe, então, age como continente das emoções do bebê, sendo os conteúdos, a própria experiência da criança. Se a mãe transforma as angústias e as sensações do bebê em pensamentos e experiências, ela auxiliará no processo de aprendizagem e produção de autoconhecimento do sujeito.
Vínculos L/K/H
Outra percepção de W. Bion trata-se do conceito de vínculo, elaborado a partir de três obras do autor: Aprendendo com a experiência (1962), Elementos de Psicanálise (1963) e Transformações (1965). Nos livros, ele descreve os três tipos de elos: vínculo de amor (L – love), vínculo de ódio (H – hate) e vínculos de conhecimento (K – knowledge).
“Os sentimentos que conhecemos pelos nomes 'amor' e 'ódio' parecem ser escolhas óbvias se o critério for a emoção básica. Inveja e Gratidão, Depressão, Culpa, Ansiedade, todos ocupam um lugar dominante na teoria psicanalítica” (Bion, 1962, p. 42-43).
Com isso, o que W. Bion nos diz, é que os elos são formados de modo dinâmico através de uma inter relação primitiva que afeta o desenvolvimento individual e que é investida por esses vínculos. Para ele, não há conhecimento sobre os objetos que não estejam profundamente enraizados em laços afetivos, ou seja, toda experiência emocional pode ser percebida como um elo, pois coloca um Eu e um objeto na presença um do outro.
Cabe ainda mencionar que, para o autor, os três tipos de vínculos podem ser sinalizados de forma positiva (+) ou negativa (-). Por exemplo: menos amor (-L) não é o mesmo que sentir ódio, assim como menos ódio (-H) não significa amor.
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Três obras de Wilfred Bion que você precisa conhecer
Com mais de 50 títulos publicados, a obra de Bion reflete a complexidade dos estudos contemporâneos da psicanálise a partir da psicologia social, baseada nas experiências emocionais que ocorreram na prática psicanalítica do autor.
No entanto, em particular, algumas obras merecem destaque:
(1961) BION, Wilfred R. Experiências em grupos. Buenos Aires: Paidos Iberica Ediciones S. A., 1980.

No livro “Experiências em Grupos”, Bion reúne artigos próprios construídos entre 1948 e 1960, e constrói uma análise psicanalítica sobre a concepção e a mentalidade dos grupos. Apresentando conceitos Kleinianos, o psicanalista chama atenção para como o processo de análise deve se dar sob o olhar do que se diz e do que não se diz em terapia, avaliando não apenas as palavras do paciente, mas também, os seus silêncios.
(1962) BION, Wilfred R. Aprender da experiência. São Paulo: Editora Blucher, 2021.

Já em “Aprender da experiência”, W. Bion mostra a sua principal teoria sobre a formação do pensamento, chamando a atenção para a experiência emocional dos indivíduos enquanto propulsor para a reestruturação de ideias. Além disso, explora o aprendizado através do conhecimento aos problemas, pois sugere que o conhecimento sobre si, pode gerar um grau de sofrimento no sujeito.
(1963) BION, Wilfred R. Elementos da Psicanálise. Ribeirão Preto: Espaço Psi, 2023.

Considerado uma das obras mais importantes e fundamentais da obra de Bion, “Elementos da Psicanálise” trata sobre a origem e a natureza dos pensamentos e da capacidade de pensar. O autor define os elementos da psicanálise a partir de um uso sadio ou patológico do pensamento, abrindo caminhos para se pensar a formação dos sentimentos de angústia, confiança e vitalidade a partir da frustração.
Resumo sobre Wilfred Bion
Com sua pioneira capacidade intelectual de investigar sobre a experiência dinâmica de grupos, e aprofundar nos estudos sobre desenvolvimento individual, Wilfred Bion se tornou uma referência para a psicanálise moderna.
A Casa do Saber oferece um curso que apresenta um panorama das questões centrais do pensamento do autor. Saiba mais: Bion e os Dilemas da Vida Comum: O Pensar na Contemporaneidade - Casa do Saber.
O seu trabalho ativo abriu caminhos para que as experiências emocionais dos sujeitos se apresentassem como um espaço de autodescoberta psicanalítica, na qual o autor destaca ser sempre de natureza vincular.
Nesse sentido, os estudos de W. Bion apresentam instigantes possibilidades de reflexão e análise dos sujeitos a partir de uma leitura expansionista e dialética.
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Referências:
https://psychoanalysis.org.uk/our-authors-and-theorists/wilfred-bion
https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372013000200015
https://sbpmg.org.br/wp-content/uploads/2022/11/6-Bion-1.pdf