O quanto você acredita que suas percepções são capazes de interferir na forma como você vê o mundo e entende a realidade? É exatamente essa uma das principais ideias desenvolvidas por David Hume, filósofo escocês do século XVIII.
Neste texto, você vai conhecer os conceitos centrais como o hábito, o ceticismo, a crítica à causalidade e a valorização do conhecimento empírico. Além de entender por que Hume continua sendo uma referência para a filosofia contemporânea.
O artigo abordará os seguintes tópicos:

Quem foi David Hume?
David Hume nasceu em Edimburgo, na Escócia, em 1711, e foi um dos principais pensadores do Iluminismo.
As suas contribuições mais relevantes foram principalmente na abordagem da natureza do conhecimento humano e a crítica à metafísica.
Hume cresceu em um lar religioso e, tanto em casa quanto na universidade, recebeu uma educação voltada para uma vida de virtude, baseada nas tradições calvinistas escocesas.
Apesar de ter estudado Direito na Universidade de Edimburgo entre 1724 e 1726, Hume achava o Direito, em suas palavras, “enjoativo” e voltou sua atenção para os conhecimentos em literatura, economia e filosofia.
Entretanto, as ideias de David Hume ficaram conhecidas pelo ceticismo e suposto ateísmo quando passou a criticar racionalmente a religião e rejeitar argumentos teístas, como a existência de Deus.
Hume vivenciou o século XVIII, que foi marcado por revoluções como a Revolução Francesa, a Revolução Americana, e uma grande efervescência intelectual, principalmente com o Iluminismo.
Dentro deste cenário intelectual e político, as ideias do empirismo e do ceticismo inspiraram Hume, que foi um forte crítico do racionalismo cartesiano. Suas ideias tiveram influência em Kant e Auguste Comte.
David Hume faleceu em 1776, de câncer de intestino. Entretanto, antes de falecer, se preocupou com a preparação de sua obra póstuma, e mais controversa, Diálogos sobre a Religião Natural , além de escrever uma breve autobiografia, Minha Própria Vida.
Principais obras de Hume:
- Tratado da Natureza Humana (1739-40);
- Ensaios Morais e Políticos (1742);
- Ensaio sobre o Entendimento Humano (1748);
- Investigações sobre o Princípio da Moral (1751);
- Minha Vida (1776).
David Hume e o empirismo cético
David Hume foi um dos principais nomes do empirismo moderno e sua ideia principal é que todo o conhecimento humano deriva da experiência sensível.
Conhecido por seu ceticismo quanto à natureza e a justificativa de determinadas formas de conhecimento, ele trouxe uma perspectiva diferente para a natureza do conhecimento.
Contextualizando o desenvolvimento da filosofia de Hume, enquanto René Descartes desenvolvia o racionalismo, o empirismo ganhava força, principalmente na Inglaterra, trazendo uma teoria diversa da origem das ideias.
Para os filósofos empiristas, todas as ideias vêm da realidade, na qual se pode experimentar o mundo e interagir com ele por meio dos sentidos. Dois autores que se debruçaram sobre essa vertente foram John Locke e David Hume.

Diferentemente de Locke, que foi contemporâneo de duas grandes revoluções políticas inglesas, Hume vivenciou grandes transformações e esse momento histórico foi fundamental para o desenvolvimento de sua filosofia.
Segundo o professor Franklin Leopoldo e Silva comenta na segunda aula do curso “Trilha da Filosofia | 4º Temporada”, a principal diferença entre os dois pensadores é a teoria da associação das ideias, que se tornou muito importante para a ciência, em especial, para o campo da psicologia.
Enquanto John Locke acreditava que as ideias eram adquiridas por percepção, obtidas por sensação e reflexão; David Hume dizia que as ideias e as percepções se associam e produzem novas ideias.
Para Hume, todo o conhecimento humano deriva da experiência sensível: as impressões (vívidas e imediatas) são a base de onde se originam as ideias, que são cópias dessas impressões.
Ele categoriza as percepções e ideias em três princípios:
- semelhança;
- contiguidade;
- causalidade.
Desse modo, David Hume vai de encontro com o inatismo, pois, para ele, essas relações são aprendidas através da experiência.
Além disso, ele também faz uma crítica à razão como única fonte confiável de conhecimento. Para ele, a razão é limitada e pode levar a conclusões que não encontram respaldo na experiência.
Portanto, o empirismo cético de Hume questiona tanto os princípios racionalistas quanto as certezas metafísicas.
Então, David Hume propõe uma filosofia que compreende as limitações do entendimento humano e valoriza a observação e a experiência como elementos validadores do conhecimento.
Basicamente, o ceticismo filosófico de Hume se volta para o questionamento da razão e da preocupação com os limites do conhecimento.
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Ceticismo e a crítica à causalidade em David Hume
Um exemplo marcante do pensamento de Hume é a crítica ao princípio de causalidade, que, para ele, não é algo inato ao homem.
Para Hume, a ideia de causa e efeito não possui fundamento racional, mas sim psicológico, referente ao hábito e a experiência da mente.
A ideia de Hume sobre o hábito psicológico de esperar determinados resultados após eventos recorrentes é resultado de um ceticismo que não nega o conhecimento, mas impõe limites a ele. Sendo assim, só se pode confiar no que pode ser confirmado pela experiência.
Para exemplificar, vamos nos perguntar: o que aconteceria se o Sol não nascesse?
Vamos fazer uma análise empírica da expectativa do nascer do sol, um exemplo clássico do hábito de pensar.
O Sol nascerá amanhã e ninguém duvida disso. No entanto, segundo Hume, do ponto de vista empírico da origem das ideias, não há nada que comprove que o Sol nascerá amanhã.
A ausência da dúvida de que o Sol vai nascer acontece porque desde a origem dos tempos isso se repete dia após dia. Portanto, nós adquirimos o hábito de ver o Sol nascer repetidamente todas as manhãs. Então não temos nenhuma dúvida de que isso vai acontecer.
Apesar do nascer do Sol ser um fenômeno compartilhado pela percepção comum e uma força natural, essa ideia não é lógica e racional, uma vez que não podemos afirmar que vai ocorrer novamente amanhã.
O que é, então, o hábito?
De acordo com o professor Franklin Leopoldo e Silva, “as ideias que nós julgamos destacadas no mundo da realidade vêm do hábito de pensar. Todos nós temos como característica principal o hábito de pensar.”
E esse processo acontece a partir do momento em que as percepções são absorvidas pela mente e tornam-se hábitos, o que nos faz pensar de acordo com esses hábitos.
“O hábito é o grande guia da vida humana” - David Hume
Retomando o exemplo anterior, caso o Sol não nasça amanhã, o mundo sofreria uma quebra de expectativa que romperia com um hábito, o de pensar, que nós adquirimos a partir da percepção e repetição do evento do nascimento do Sol.
Por isso, não existe um fundamento no empirismo cético que permita garantir o nascimento do Sol. É possível “prever” este acontecimento, devido à repetição do evento e ao hábito adquirido por essa expectativa.
Então, o hábito é essencial para a construção sólida do conhecimento. Portanto, a causalidade, baseada em experiências repetidas, não pode garantir com certeza eventos futuros.
A crítica à ideia de “eu” como substância em David Hume
David Hume questiona a ideia convencional do “eu” como uma substância permanente e indivisível. Contrapondo-se à metafísica clássica, Hume diz que o "eu" não é algo fixo ou substancial, mas uma sucessão de percepções temporais.
Para ele, na consciência humana o que se encontra são percepções em constante fluxo (impressões): sensações, pensamentos, emoções.
Portanto, a ideia de um "eu" constante e unitário, segundo ele, é uma construção mental criada pelo hábito para dar continuidade ao que é descontínuo.
Essa visão rompe com séculos de tradição filosófica que sustentavam uma alma ou substância pensante como essência do sujeito.
Como aponta Scruton, essa postura leva a uma forma de ceticismo acerca da identidade pessoal, ao mostrar que a crença em um “eu” permanente é formada apenas pela memória e pela associação de ideias, evidenciando a fragilidade das certezas sobre o “quem sou”.
A Teoria Moral de Hume
David Hume propõe que a moralidade não se baseia na razão, mas no sentimento, revolucionando, assim, a filosofia moral.
Ele foi de encontro à tradição racionalista, que via os princípios morais como deduções da razão pura, como defendido por Descartes e Kant.
Para Hume, o bem e o mal não são não são propriedades objetivas nas ações ou nas pessoas, na verdade são reflexos das emoções provocadas por algo ou alguém.
Em Uma Investigação Sobre os Princípios da Moral, Hume argumenta que a razão é “escrava das paixões”, porque ela pode fornecer informações sobre os meios para atingir certos fins, mas são os sentimentos que determinam os fins e a aprovação ou não das ações.

Ou seja, a razão é um instrumento da paixão, enquanto os sentimentos são que conduzem os juízos morais. Dessa forma, o julgamento de determinada ação como boa ou não é uma reação afetiva, não um pensamento lógico.
A moral, para Hume, é construída a partir da simpatia, esta é uma capacidade humana de se colocar no lugar do outro, entendê-lo e partilhar sentimentos.
É esse mecanismo psicológico que permite a compreensão do bem e do mal e, consequentemente, serve de base para os juízos morais.
Portanto, para ele, não existe um fundamento racional absoluto que justifique os valores morais, porque eles são fruto da natureza humana e da convivência social.
Rompendo com a rigidez racionalista, Hume valoriza a complexidade emocional da vida ética e reconhece os limites da razão na formação do juízo moral.
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Qual a importância de David Hume para a ciência moderna?
As ideias de David Hume tiveram um forte impacto na filosofia moderna, especialmente quanto a Immanuel Kant.
Uma vez que Hume questionou os fundamentos da causalidade, da identidade pessoal e da moralidade racional, ele abalou as bases do racionalismo. Foi sua crítica ao princípio de causalidade que levou Kant a dizer que Hume o “despertou do sono dogmático”.
Com isso, Kant buscou estabelecer novos fundamentos para o conhecimento, equilibrando razão e experiência (racionalismo e empirismo). Assim, a filosofia kantiana nasce do confronto direto com o ceticismo.
Ao passo que Hume impôs limites à razão e à metafísica especulativa, abriu espaço para uma filosofia crítica, que questiona as certezas absolutas.
Tão fortes são as ideias de David Hume que até hoje influenciam a filosofia contemporânea, principalmente, ao trazer uma nova perspectiva do “eu”.
Perguntas frequentes:
Qual método David Hume defendia?
David Hume utilizou o método empírico para desenvolver suas ideias, o qual afirma que o conhecimento deriva da observação da experiência sensível.
Ele aplicava esse método empirista com uma postura cética, principalmente ao investigar conceitos como causalidade, identidade pessoal e substância.
Portanto, seu método era uma combinação de empirismo e ceticismo, especialmente voltado para os limites do entendimento humano e contrário à metafísica especulativa sem base na experiência.
Qual a principal ideia de David Hume?
Resumidamente, a principal ideia de David Hume é que todo conhecimento humano vem da experiência sensível e existem limites na utilização da razão para explicar a realidade.
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Referências:
Curso da Casa do Saber - Trilha da filosofia | Temporada 4 - Aula 02: O empirismo em Locke e Hume.
SCRUTON, Roger. Introdução à filosofia moderna
STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. David Hume.
Vários autores. História das grandes ideias do mundo ocidental. Volume 2.