Muito se fala sobre autoestima, mas poucos sabem que a psicanálise tem uma teoria própria sobre esse tema. Longe das fórmulas da autoajuda, Freud propôs que nossa autoestima está diretamente ligada ao narcisismo e à forma como nos constituímos subjetivamente.
Neste artigo, você vai entender o que é autoestima para a psicanálise, como ela se relaciona com o “eu ideal”, o “ideal do eu” e a sensação de ser amado, além de refletir sobre os caminhos possíveis para compreendê-la — e talvez transformá-la — no divã.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
O que é autoestima?
Para a psicanálise, a autoestima é um sentimento narcísico relacionado à concretização de alguns ideais por parte do sujeito bem como à realização de alguns de seus desejos.
Ou seja, ela é um sentimento que aumenta conforme conseguimos realizar algo para nós e que diminui conforme falhamos nestes mesmos propósitos.
Uma autoestima elevada envolve certa avaliação positiva ou afirmativa de si, com o sujeito atribuindo-se grande valor. Já uma autoestima baixa, ao contrário, envolve uma apreciação crítica de si em virtude dos mais variados fracassos que um sujeito é capaz de colecionar.
Autoestima e psicanálise
Ao longo destes anos de magistério, sempre foi comum eu perceber alguns colegas psicanalistas torcendo completamente o nariz para esta ideia de autoestima. Argumentavam eles que esta era uma noção própria ao senso comum, típica da literatura vulgar de autoajuda e mesmo de uma psicanálise mal difundida por aí.
Ora, eu sempre respondi que eles estavam redondamente enganados já que, ao contrário do que imaginavam, a psicanálise efetivamente possuía uma concepção a respeito da autoestima.
Dizia também que tal concepção era inclusive muito bonita e que figurava nas páginas finais de um dos mais elogiados escritos de Freud e que eles provavelmente já tinham lido trocentas vezes sem perceber que ali constava tal análise. O texto em questão era o famoso “Sobre o narcisismo: uma introdução”, originalmente publicado em 1914.
No entanto, era sempre necessário frisar que, apesar de a psicanálise realmente dispor de uma teoria sobre a autoestima, seu ponto de vista em muito se diferenciava daquele do senso comum. Este último, geralmente, relaciona a autoestima à ideia de amor-próprio.
Assim, uma autoestima alta estaria atrelada a uma espécie qualquer de autoconfiança ou de reconhecimento social por parte de um sujeito. Já uma autoestima baixa se vincularia a certa insegurança emocional, a problemas ligados à imagem corporal e mesmo às sucessivas frustrações advindas de uma comparação social qualquer.
Ora, devo destacar que tudo isto é muito estranho à concepção psicanalítica. Para Freud, a questão das oscilações entre uma autoestima elevada e uma autoestima baixa encontra-se sempre associada ao tema do narcisismo. E, portanto, é sobre ele que devemos nos deter.
Em si, o conceito de narcisismo foi por Freud empregado para denotar o comportamento do sujeito que toma a si próprio como objeto libidinal. Ou seja, uma espécie de “amor a si mesmo”, remetido ao mito grego de Narciso, jovem dotado de uma beleza incomparável que se apaixona por sua imagem refletida nas águas do rio.
Assim, para melhor esmiuçarmos o vínculo da ideia de autoestima com o conceito de narcisismo, começaremos marcando que, para a psicanálise, a ideia de autoestima está relacionada a três pontos:
- à formação do que Freud chamou de “eu ideal”;
- à almejada concretização do que Freud denominou de “ideal do eu”;
- aos acréscimos narcísicos que obtemos quando somos amados por alguém.
Vejamos como tudo isto se apresenta.
A autoestima e o “eu ideal”
Em linhas gerais, dizer que a ideia de autoestima encontra-se atrelada ao que Freud chamou de “eu ideal” implica em considerar que, geralmente, uma criança que foi muito amada e desejada pelos pais possui grandes chances de desenvolver uma elevada autoestima ao longo da vida.
De modo contrário, uma criança que foi sumariamente rejeitada, maltratada e mesmo não desejada teria sérias consequências em relação a esta questão.
Para explicarmos este processo, é necessário nos voltarmos à análise feita por Freud (1914) a respeito das atitudes ternas e idealizatórias dos pais para com seus filhos.
Temos aí a importante observação de que, geralmente, os pais se empenham em supervalorizar os filhos, atribuindo-lhes toda gama de perfeições e, por conseguinte, colocando de lado suas deficiências. A criança é tida como a criatura mais importante do mundo, o verdadeiro centro das atenções que, até onde for viável, não reconhecerá restrições a seus desejos.
De acordo com Freud, estas atitudes das figuras parentais vão conduzindo a criança rumo à construção de uma representação idealizada e supervalorizada de si, imagem esta que, em sua teoria, recebeu o nome de “eu ideal”. Trata-se, em linhas gerais, da imagem da criança como dotada das mais variadas perfeições.
Portanto, a partir destas considerações, podemos dizer que, para a psicanálise, uma importante fração do sentimento de autoestima que desfrutamos em nossa vida adulta seria um resquício deste narcisismo infantil.
Em outros termos, crianças que foram por demais idealizadas durante a infância seriam capazes de desenvolver uma auto estima mais alta, ao contrário do que se sucederia com aquelas que não foram alvo de tanta idealização da parte dos pais.
A autoestima e o “ideal do eu”
Ainda segundo Freud, outra parte considerável da nossa autoestima se origina das possíveis concretizações daquilo que ele chamou de “ideal do eu”.
Segundo a psicanálise, conforme a criança vai crescendo, ela é incisivamente obrigada a abandonar seu narcisismo infantil.
Ora, o contato com outros adultos, com os professores e mesmo com outras crianças no colégio, a levarão à percepção de que ela não é o centro do mundo, tal qual seus pais imaginavam.
Com efeito, existem regras sociais de convívio que todos devem respeitar e, ao longo do entendimento de toda esta questão, seus sentimentos de onipotência vão cedendo aos poucos.
No entanto, é necessário considerar que tal abandono do narcisismo nunca é feito de bom grado, já que nos é bastante difícil abrir mão de um prazer que um dia desfrutamos.
Assim, seria mais exato dizer que a criança abandona seu narcisismo apenas até a página dois, já que passa o resto da vida se empenhando em resgatá-lo sob a forma de um “ideal do eu”.
Em linhas gerais, o “ideal do eu” é uma espécie de meta a qual o sujeito aspira e cuja conquista lhe trará um acrescimento narcísico significativo. Pode ser, por exemplo, a conquista de um diploma universitário que o sujeito lutará bravamente para conseguir.
E eu, como professor, sou testemunha do ímpeto com o qual meus alunos lutam bravamente para consegui-lo e o quanto conseguem elevar suas autoestimas com tal conquista.
Por este viés, quanto mais próximo do diploma o aluno estiver, maior será seu sentimento de autoestima. Inversamente, quando mais distante dele, maior o sentimento de inferioridade.
Porém, é necessário lembrar o quanto este caminho é tortuoso, não apenas em relação a este exemplo, mas a todos os outros que envolvem a concretização de um ideal do eu.
Isto porque o aluno pode, em um momento, estar com o diploma na mão e, no instante seguinte, botar quase tudo a perder por conta de uma reprovação qualquer. Neste sentido, seu sentimento de autoestima vai ora se elevando ora diminuindo, em um processo sempre muito angustiante.
O “ideal do eu” também pode ser representado pela conquista de um casamento feliz. E são muitos os exemplos que lembro de amigas desesperadas para casar, primeiro antes dos vinte, depois antes dos trinta e, enfim, antes dos quarenta. E o desespero era grande, viu? Elas colocaram na cabeça que tinham porque tinham que se casar, engravidar e terem uma família feliz... E, de fato, a vida delas girava unicamente em torno desta aspiração.
Do mesmo modo, quanto mais próximas elas estavam de seus planos, mais suas autoestimas se elevavam. De modo contrário, quanto mais elas percebiam que continuavam encalhadas e que muitas das nossas outras amigas já estavam casadas (e algumas até já se divorciando...) mais o efeito narcísico era devastador. Era uma época engraçada... E eu era o amigo fofo que ficava ouvindo as lamúrias delas todas...rs

A autoestima e a sensação de “ser amado”
Por fim, segundo Freud (1914), uma terceira e última fração do nosso sentimento de autoestima advém da sensação de “sermos amados”.
Com efeito, para a psicanálise, quando estamos apaixonados por alguém sempre ficamos com a nossa autoestima diminuída. Ou seja, por muitas vezes, é fácil reconhecer que um sujeito apaixonado chega a se importar muito mais com o amado do que consigo próprio.
E, nesta medida, ele pode chegar mesmo a sacrificar suas vontades em prol das do objeto, almejando satisfazê-lo a qualquer custo. Aqui é comum perceber que o sujeito apaixonado parece humilde, ao contrário do amado que fica super engrandecido.
Deste modo, Freud é bastante incisivo ao colocar que toda situação de apaixonamento acaba conduzindo a certa perda de autoestima. No entanto, caso o sujeito apaixonado seja devidamente correspondido, ele terá a sua autoestima devidamente aumentada. Assim, se o “amar”, em um primeiro momento, envolve um empobrecimento da autoestima, o “ser amado” a aumenta consideravelmente.
Nesta medida, Freud chega até mesmo a mencionar os casos de sujeitos cuja finalidade da vida afetiva consiste apenas em “serem amados”, visando, através desta condição, um imenso ganho narcísico.
E, aqui, a referência à música “Deixa a menina” da autoria do Chico Buarque vem em boa hora. Ele conta a história de um casal que vai a um samba, o marido permanecendo sentado o tempo inteiro, vendo sua esposa seduzindo todos na pista de dança. Com efeito, ela se diverte com os mil e um homens a seus pés, com a autoestima elevadíssima:
Deixa a menina
(Chico Buarque)
Não é por estar na sua presença
Meu prezado rapaz
Mas você vai mal
Mas vai mal demais
São dez horas, o samba tá quente
Deixe a morena contente
Deixe a menina sambar em paz
Eu não queria jogar confete
Mas tenho que dizer
Cê tá de lascar
Cê tá de doer
E se vai continuar enrustido
Com essa cara de marido
A moça é capaz de se aborrecer
Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz
E atrás dessa mulher mil homens, sempre tão gentis
Por isso para o seu bem
Ou tire ela da cabeça ou mereça a moça que você tem
Brilhante, né?
Ah, e tem também o caso da famosa atriz que todo mundo ama e que nos brinda com os mais variados e possíveis memes. Aquela que se julga muito amada pelo Brasil inteiro, aliás, tão amada quanto Deus...rs
Autoestima alta e autoestima baixa
E eu que, ao contrário dela, tenho toda paciência do mundo com quem está começando, vou montar um quadro bem explicadinho sobre a visão psicanalítica do sentimento de autoestima:
Autoestima alta | Autoestima baixa |
---|---|
Instituição do "eu ideal" durante a infância, com a criança sendo devidamente amada pelos pais | Problemas na constituição do "eu ideal" durante a infância, com a criança sendo rejeitada e pouco desejada pelos pais |
Relativa aproximação dos mais diversos "ideais do eu" que o sujeito estabelece para si | Relativo distanciamento dos mais diversos "ideais do eu" que o sujeito estabelece para si |
Sensação de ser amado pelos outros | Sensação de ser pouco amado pelos outros |
A autoestima alta pode envolver sentimentos conhecidos como "autoconfiança", "segurança emocional", além de um grande "amor próprio" | A autoestima baixa pode envolver sentimentos conhecidos como "insegurança emocional", "questões com a imagem corporal", "dependência de validação social pelos outros", além dos mais diversos pensamentos autodepreciativos |
Como melhorar a autoestima?
Não vai ser através da literatura de autoajuda ou destes manuais motivacionais baratos que encontramos por aí, né?
Em geral, esta literatura peca por fornecer ao leitor a vã esperança de que sua autoestima pode aumentar através do autoconvencimento: “você pode”, “você é guerreiro”, “você consegue” ou “você é capaz”. Quanto a mim, sinceramente, jamais conheci alguém que passou a gostar mais de si através destes métodos...
Na minha humilde opinião, a questão só será resolvida através de um tratamento psicanalítico. De fato, o contato com um psicanalista é capaz de fazer com que reconheçamos que jamais seremos o centro do mundo e que certamente nem temos o direito de sê-lo... E isto pelo simples fato de haver outras pessoas ao nosso redor que ora desejam a mesma coisa que nós, mas ora possuem aspirações diversas.
Para mim, o entendimento de que não somos onipotentes nem podemos desejar sê-lo é crucial para que consigamos nos sentir razoavelmente confortáveis com a nossa autoestima.
Querer aumentá-la a todo custo e a todo instante implica em não reconhecermos os nossos próprios limites e, desta maneira, quaisquer tentativas de nos sentirmos bem conosco estará fadada ao fracasso.
Perguntas frequentes sobre autoestima
Quais os sinais da baixa autoestima?
Os principais sinais da baixa autoestima incluem descontentamento consigo próprio, problemas de autoconfiança, insegurança emocional e questões com a imagem corporal.
A autoestima pode ser trabalhada na psicanálise?
Sim. A psicanálise é um método eficaz para trabalhar a autoestima, pois permite repensar e reelaborar aspirações narcísicas e reduzir o sofrimento decorrente de falhas e expectativas não alcançadas.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.
Referências:
Freud, S. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 75-108.
_____. (1921). Psicologia de grupo e análise do eu. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 18. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 77-154.