Psicanálise

Como é uma sessão de psicanálise?

Como é uma sessão de psicanálise?

Muita gente tem curiosidade, mas ainda não sabe ao certo o que acontece dentro de uma sessão de psicanálise. O psicanalista fala ou só escuta? Usa mesmo aquele divã? Precisa contar tudo?

Neste artigo, vamos esclarecer como é uma sessão de psicanálise na prática: o que o analista faz, como o tempo e a frequência influenciam no tratamento e por que a escuta é tão importante quanto a fala nesse processo de autoconhecimento e elaboração do sofrimento.



Como é uma sessão de psicanálise?

Uma sessão de psicanálise é aquela na qual o paciente fala livremente a respeito de sua história, sofrimentos e questões. Já o analista o escuta de forma receptiva, com uma atenção flutuante e intervindo quando necessário.

O que acontece em uma sessão de psicanálise?

Temos aqui novamente uma das perguntas que mais são feitas a mim em sala de aula ou mesmo na minha vida cotidiana. Como sou psicanalista, são muitos os que me procuram desejando saber como funciona a psicanálise na prática.

Alguns fazem perguntas até engraçadas como, por exemplo, “vocês psicanalistas hipnotizam seus pacientes?” ou “psicanalistas trabalham com essas coisas de regressão ao útero ou vidas passadas?”.

Outros tantos me abordam querendo saber se nós psicanalistas falamos muito durante as sessões, se damos conselhos, se fornecemos respostas aos nossos pacientes ou se receitamos ritalina, rivotril ou qualquer outro medicamento...

Enfim, a psicanálise encontra-se novamente popularizada, devidamente na boca do povo e todos querem saber o que se passa em uma sessão de análise.

Quanto a mim, quando estas perguntas são feitas em sala de aula, costumo respondê-las da forma mais geral possível, dizendo que uma sessão de psicanálise é aquela marcada pelo dispositivo da associação livre.



Como o psicanalista conduz uma sessão

Segundo Freud (1904), a associação livre é a regra fundamental da psicanálise, definida como convite que o psicanalista faz aos seus pacientes para que eles digam tudo o que lhes vêm ao pensamento, sobretudo, o que acharem sem importância ou provoquem dor ou vergonha.

Assim, através da associação livre, o paciente pode falar sobre si da forma mais ampla possível e sem maiores interferências da parte de nós analistas.

Ele consegue, por exemplo, expor seus pensamentos, falar sobre alguns acontecimentos cotidianos e construir um relato sobre aquilo que o faz sofrer. Ele pode também falar sobre seus conflitos, sobre o seu passado, de seus projetos para o futuro e, inclusive, das suas fantasias e ideias de qualquer ordem.

A aposta do psicanalista é a de que, desta maneira, será possível escutar as tendências inconscientes que tanto causam sofrimento ao paciente. E assim, ao conduzir nossos pacientes a falarem livremente sobre si, almejamos que eles consigam repensar suas histórias e reelaborar seus problemas.

Com isto, suas angústias vão diminuindo e seus problemas vão, aos poucos, se esvaindo. De fato, uma sessão de psicanálise pode ser definida como um verdadeiro palco no qual o paciente vai reencenar sua história e passar a contá-la por outro viés que, com certeza, lhe causará menos sofrimento.

Ao analista cabe escutar e observar aonde a fala do paciente vai chegar. Neste sentido, Freud (1912) coloca que ele deve ter uma “atenção flutuante”, ou seja, uma escuta que não privilegia qualquer elemento das associações livres de seus pacientes.

Deste modo, tal como deve acontecer com as associações do paciente, a escuta do psicanalista deve ser igualmente livre.

Por isto, há o destaque na ideia de que o psicanalista deve tudo ouvir, de forma a não se concentrar – pelo menos à princípio – em quaisquer dos elementos narrados.

Associação livre: método criado por Freud em 1904, no qual o paciente é convidado a falar livremente o que lhe vem à mente. Esse processo permite que conteúdos inconscientes emerjam espontaneamente durante a análise.



O papel do divã na psicanálise

Ta aí outra pergunta que vivem me fazendo, já que o trabalho do psicanalista é muitas vezes associado ao uso do divã.

O divã tem uma história curiosa! Ele consiste em uma peça de mobília de aparência intermediária entre um sofá e uma cama, de modo que quem nele se coloca não fique nem exatamente deitado nem sentado, mas sim, recostado. Uma postura semelhante à que ficamos, por exemplo, em uma daquelas “cadeiras” de pegar sol.

Divã original de Sigmund Freud em seu consultório em Viena, coberto por tapetes orientais e almofadas, símbolo do setting psicanalítico.
O divã de Freud. Reprodução

Na época de Freud, o divã era uma mobília muito comum nos lares das famílias europeias. Sua utilidade era que as pessoas nele se recostassem para fazer uma espécie de sesta após o almoço.

Naqueles anos, muito antes de qualquer espécie de neoliberalismo, era costume dos que trabalhavam fora almoçarem em casa. E como se não bastasse tanta moleza, eles ainda tinham tempo de recostar por vinte minutinhos após as refeições...

Daí a presença do divã: algo não tão aconchegante como uma cama, mas também não tão incômodo quanto um sofá ou uma cadeira... recostava-se lá rapidinho e partia-se para o segundo round do trabalho.

E como o divã era uma peça de mobília tão comum, Freud colocou um deles em seu consultório. No divã, o paciente poderia recostar-se e sentir-se razoavelmente confortável enquanto associava livremente.

A poltrona do analista, por sua vez, ficava atrás do divã. Isto porque Freud achava mais conveniente trabalhar desta forma, já que nesta posição, os pacientes não ficavam olhando para ele durante as sessões, o que em muito lhe incomodaria.

Visão ampla do consultório de Freud com o divã e mesa de trabalho, repleto de esculturas e tapetes orientais.
Representação do consultório de Freud. Reprodução

De lá pra cá, muitas coisas mudaram nesta organização do setting analítico. Hoje é comum ficar a critério de cada psicanalista ter ou não um divã em seu consultório, sendo que sua opção em nada interferirá nos atendimentos.

Muitos preferem atender seus pacientes deitados em uma cama, outros preferem mobiliar o setting com um sofá e ainda há os que optam por estar frente a frente com seus pacientes para observarem seus gestos, trejeitos e demais expressões corporais. E ainda há os que atendem online e que, por motivos mais do que óbvios, não podem fazer uso do divã.

Ou seja, vai de cada um! Quem quiser usar o divã usa e, quem não quiser, não terá problemas em relação a isso...

O icônico divã utilizado por Freud foi, na verdade, um presente recebido de sua paciente Madame Benvenisti , em 1890. Estima-se que mais de 500 pacientes tenham se deitado neste divã, que está exposto no Museu de Freud em Londres.

O silêncio do analista e suas intervenções

Também é muito corrente a imagem do psicanalista como um profissional frio e que permanece em total silêncio durante as sessões. Quanto a isso, tudo o que eu posso dizer é que é mentira esse bilete e que uma sessão de psicanálise não ocorre tal como é representada nos filmes, novelas e seriados.

Já ouvi por aí muitas frases do tipo: “Ai Ricardo, preciso de uma indicação de psicólogo, mas uma amiga minha (ou “uma prima” ou até mesmo “a comadre da minha vizinha) disse que era para não procurar um psicanalista. Eles ficam em silêncio o tempo todo e não dão as respostas ou os conselhos que a gente precisa...”.

Ainda bem né? Afinal de contas, se o psicanalista possui um inconsciente, isso quer dizer que ele se desconhece... E se ele não possui conhecimento sobre si, obviamente não possuirá conhecimento sobre os outros...rs

Trocando em miúdos: conselho a gente pega com a comadre da vizinha! A comadre da minha tem, inclusive, uns conselhos ótimos! Sempre que a encontro na rua, volto para casa super acreditando no meu potencial, convencido de que eu sou um guerreiro ou, no mínimo, mais confortável porque passo a ter certeza que no fundo de todo poço existe uma mola! E o melhor de tudo: os conselhos dela são 0800. Quem quiser o zap dela, é só me pedir!

Quanto ao psicanalista, é óbvio que ele não atua dando conselhos aos seus pacientes. Tampouco respostas! Mas isso não quer dizer que ele fique em silêncio durante as sessões, né?

Na verdade, o psicanalista faz algo muito melhor do que dar respostas ou conselhos: ele ouve o sofrimento dos seus pacientes, estimula as suas associações livres e faz com que eles próprios consigam se escutar.

Neste sentido, o psicanalista intervém sempre que necessário, fazendo umas perguntas que nenhum outro profissional conseguiria fazer e – o que é mais importante – através destas tantas intervenções, o próprio paciente consegue encontrar algum caminho que o faça sofrer menos!

O psicanalista não dá conselhos — ele conduz o paciente a descobrir, por si mesmo, o que o faz sofrer e como lidar com isso.



Tempo e frequências das sessões

Uma sessão de psicanálise dura em média 45 minutos. Óbvio que há sessões que precisam ser mais longas e outras mais curtas, mas geralmente é esta a média.

Há também o famoso “tempo lógico” lacaniano, tipo de intervenção bastante elogiado e que faz com que as sessões tenham durações bastante variadas.

Quanto à frequência dos atendimentos, é recomendável que um paciente faça análise uma ou duas vezes durante a semana.

No entanto – e mais uma vez por questões neoliberais – atualmente, há muitos pacientes que pedem sessões quinzenais... E há psicanalistas que aceitam!

Eu, particularmente, sou contra sessões quinzenais, pois ocorre um espaçamento muito grande entre uma sessão e outra, o que em muito prejudica o desenrolar do tratamento.

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A primeira sessão de psicanálise: o que esperar?

Esta talvez seja a pergunta que mais angustia aqueles que pensam em procurar um psicanalista.

Costumo responder aos que me procuram que, geralmente, uma primeira sessão é apenas um primeiro encontro entre analista e paciente.

Nela o paciente conta os motivos que os levou a procurar atendimento, além de um pouco da sua história e de outras questões que julgue relevantes.

Nesta primeira sessão, o paciente também decide se gostou do psicanalista e se deseja prosseguir os atendimentos.

Não costumo cobrar este primeiro atendimento, pois ele é algo que serve para que psicanalista e paciente se conheçam, ainda sem qualquer compromisso.

Ao final da primeira sessão, decidimos a respeito do pagamento das sessões seguintes e da frequência dos atendimentos.

Como saber se escolhi o psicanalista certo?

Ora, esta é uma questão muito simples de ser respondida: se o seu sofrimento está cedendo, então é sinal de que o tratamento está sendo bom...

Porém, costumo alertar que o sofrimento é algo que vai cedendo aos poucos. E é importante frisar isto porque muitas vezes ocorre de a demanda do analisando ser de uma cura muito rápida e quase instantânea. Assim, por não consegui-la após algumas poucas sessões, ele pode achar que não escolheu o psicanalista correto.

Em todo caso, se alguém está com dúvidas se escolheu ou não o psicanalista certo, é interessante trazer essa questão para o próprio atendimento. Tantas dúvidas podem ser efeitos de uma transferência ou mesmo de uma resistência que, se devidamente faladas nas sessões, podem ser trabalhadas e irem se esvaindo...

São também comuns os casos de pacientes que possuem dúvidas se escolheram os analistas corretos por encararem seus psicanalistas como muito frios e ausentes, como se não se importassem muito com o sofrimento deles.

Aqui, mais uma vez, é recomendável que tudo isso seja dito ao analista. Desta simples dúvida podem surgir inúmeras questões interessantes de serem trabalhadas em análise.

Por fim, outros tantos possuem dúvidas deste tipo pelo fato de seus analistas não lhes darem os devidos conselhos ou respostas para seus problemas...

Quanto a isto, é necessário que o paciente entenda que cabe a ele próprio encontrar algumas saídas para seus sofrimentos e que o psicanalista estará lá para possibilitar que isto aconteça.

Com efeito, enquanto sofremos, tudo o que mais procuramos é um aconselhamento ou uma resposta... Porém, como frisamos acima, aconselhamentos adiantam muito pouco...

Muito mais eficaz do que os conselhos ou respostas é esta proposta de o psicanalista conduzir seus pacientes para que eles próprios encontrem o que fazer em relação às suas angústias.

Perguntas frequentes sobre Sessão de Psicanálise

Quanto tempo dura uma sessão de psicanálise?

Uma sessão de psicanálise dura em média 45 minutos, embora esta duração possa variar.


O psicanalista fala durante a sessão?

Sim, o psicanalista fala durante a sessão, embora não seja conveniente que ele forneça conselhos ou dê respostas ao paciente. O trabalho do psicanalista é intervir para que o próprio paciente consiga encontrar as respostas que tanto procura.


O que acontece na primeira sessão de psicanálise?

A primeira sessão de psicanálise é para que analista e paciente se conheçam. O paciente relata os motivos que o levaram a procurar um psicanalista, além de coisas que julgue relevante em sua história. Ao final desta primeira sessão, é acordado o preço e a frequência das sessões seguintes.


É normal meu psicanalista não falar nada?

Cada psicanalista tem um modo singular de trabalhar. Há os que falam mais e os que falam menos. O importante é que o psicanalista não dê respostas ou conselhos ao paciente, mas sim, que intervenha para que o próprio paciente consiga encontrar as respostas que tanto procura.


Como saber se o meu psicanalista é bom pra mim?

Se o seu sofrimento está diminuindo, então, o processo analítico está funcionado. É importante apenas que o paciente compreenda que seus conflitos não se resolverão da noite para o dia. Tamanha ânsia pode dar a impressão de que ele não está se consultando com um bom profissional.


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Referências:

Freud, S. (1904). O método psicanalítico de Freud. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 233-240.

_____. (1912). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 121-133.

Artigo escrito por
Ricardo Salztrager
Psicanalista e professor associado da UNIRIO e na Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.
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