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O problema das adicções na atualidade

O problema das adicções na atualidade
“As pessoas usam drogas e álcool não somente para escapar,mas para encontrar a si mesmas”. (Eigen, 2011, p. 17)


As adicções são um dos maiores problemas da humanidade, com consequências pessoais e sociais de grande porte.

Além da dependência de álcool e drogas, têm sido reconhecidos outros tipos de adicções – as adicções sem drogas – dentre elas, as adicções a comida, compras, jogos, sexo ou as amorosas, ou seja, quando o amor pelo outro, a dependência do outro, é vivido tal como uma adicção.

Em todas elas encontramos as mesmas características das adições a drogas, tais como a fissura irresistível, a perda da capacidade de escolha e a manutenção do vício a despeito dos prejuízos pessoais, sociais, familiares, financeiros e da própria saúde.

Procuro, neste artigo, apresentar uma visão geral, sucinta, sobre este problema, abordando: a possibilidade de reconhecer quando estamos lidando como um comportamento aditivo; a gênese das adicções; o lugar e ação das famílias na gênese, manutenção e/ou cuidado com os adictos; os relacionamentos adictivos; as políticas públicas dedicadas a este problema; e os jogos online, como um aspecto atual deste problema, extremamente preocupante.

O que é e como reconhecer um adicto

Começaremos com critérios para que seja possível uma pessoa se reconhecer e reconhecer a um outro como um adicto. Neste caminho, colocarei em destaque alguns pontos importantes do comportamento adictivo, a saber:

  • O adicto é aquele que perdeu a capacidade de escolher.
  • É um escravo de uma única solução parar cuidar e/ou lidar com as suas dores ou angústias
  • Apesar de sofrerem os prejuízos que as adicções provocam, os adictos não conseguem abandonar seu objeto-droga.


Por que uso a palavra adicto ao invés de viciado? O termo adicto é associado à saúde e relaciona a adicção a um sintoma. Já o termo viciado, tem sentidos e conotações morais (referindo-se a uma falha, defeito, falta, corrupção moral ou desvio), perspectiva que avalia o caráter da pessoa e a responsabiliza (culpabiliza) pela sua falha de caráter ou de vontade.

Tomemos algumas das concepções gerais mais aceitas atualmente sobre as adicções, para que possamos ter uma apreensão do tipo de problema que estamos enfrentando.

Gabor Maté (1944), médico canadense com abordagem humanista em relação à saúde e ao bem-estar, considera que o problema deve ser abordado em função da dor que está a ela associada, sendo o adicto alguém que procura lidar com a dor e angústia que o assombra.

Donald Winnicott (1896-1971), pediatra e psicanalista inglês, considera as adicções como relacionadas a falhas ambientais, num momento em que a criança está começando a distinguir entre o que é ela e o que é o mundo externo. Logo, associando as adicções a um problema de apreender a si mesmo.

Joyce McDougall (1820-1911), psicanalista de origem neo zelandesa, radicada na França, considera que as adicções estão associadas a um tipo de “teatro do corpo” encenando os sofrimentos psíquicos. As adicções são, para ela, uma tentativa de autocura, um “remédio” para suas dores emocionais crônicas, um remédio que promete mas não entrega.

Em todos eles, o que aparece como entendimento principal sobre a gênese das adicções é o fato de que elas são um tipo tentativa, do adicto, de aliviar ou eliminar as suas dores emocionais crônicas.

Logo, a pergunta não deveria ser “Qual ‘é o seu vício?”, mas sim: qual é a sua dor?. Isto nos colocaria numa outra posição para entender e para tratar do adicto, afastando-nos da culpabilização e das acusações morais aos adictos.

A Gênese das Adicções

As adicções são causadas ou geradas por múltiplos fatores conjugados: pode haver algum tipo de disposição ou fragilidade orgânica (ainda não objetivamente detectada pela medicina, mas cuja presença não pode ser descartada);

já a história da vida socioafetiva dos adictos não é, necessariamente, dramática ou traumática (ainda que, nalguns casos também seja), mas é uma história que deixou marcas de desencontros e de sofrimentos que não encontraram solução ou acolhimento, gerando dores crônicas;

dores ou sofrimentos causados por falhas de sustentação ambiental, por falta de sintonia (comunicação e acolhimento) entre o adicto e seus cuidadores ou pessoas de que depende e ama, causam sentimentos de despersonalização, de vazio, de impotência, de medo da dependência, de fragilidade, de insegurança e outros sentimentos afins a estes.

Os objetos-droga, sejam eles de que tipo forem, são tentativas de cuidar destas dores. É neste sentido que Michael Eigen diz: “As pessoas usam drogas e álcool não somente para escapar, mas para encontrar a si mesmas”. (Eigen, 2011, p. 17)

O lugar e ação das famílias nas adicções

A Família é o solo e o lugar onde nascem e crescem as pessoas, o lugar onde também é gerado o adicto. Ele é fruto deste ambiente, determinado por ele, e pelas pessoas reais deste ambiente, pelas ações que realizam, mas também por quem são, pelas suas próprias histórias. Mas, a família também é o lugar que pode cuidar, acolher e contribuir para que o adicto se cure.

O que temos, em geral, no entanto, não é, propriamente, um adicto, mas sim, uma família que tem no adicto uma de suas produções. Sinteticamente, guardadas algumas proporções e evitando exageros, não temos um adicto mas uma família adicta (cada membro ocupando um lugar neste ambiente).

Os relacionamentos adictivos

É comum encontrarmos nas relações familiares, nos cônjuges de adictos, relações de grande adesão, às vezes permeadas por conflitos, agressões, a intensas relações, de modo a reconhecermos que a pessoa que está assim ligada no adicto funciona como um co-dependente.

Reconhecemos que determinadas relações afetivas funcionam com a mesma dinâmica das adicções, ou seja, há pessoas que se relacionam com o outro como se este fosse a sua droga, configurando aquilo que denominamos de relacionamentos adictivos.

Ao identificarmos estes fenômenos ampliamos nosso campo de percepção e reconhecimento das adicções, e nosso entendimento das diversas pessoas que precisam ser tratadas e, neste sentido, podemos providenciar cuidados pessoais, grupais e profissionais (médicos, psicólogos, assistentes sociais etc.) que compreendam o contexto social e familiar em que a adicção se manifesta, bem com sua origem (em dores afetivas crônicas), e possam estar em melhores condições de realizar ações e tratamentos mais adequados.

As políticas públicas dedicadas às adicções

As adicções não são, como disse, um problema individual, mas sim grupal e familiar, mais ainda, são um problema das nações presente na história sociopolítica da humanidade. São, neste sentido, um problema do Estado. Há diversas políticas de combate e tratamento das adicções, dentre elas duas perspectivas que se opõe: a guerra contra as drogas e as políticas de redução de danos.

A política mundial denominada “Guerra as drogas” (começou em 1971 com Richard Nixon que disse que o inimigo número 1 dos USA era o uso de drogas), ou ainda, “Tolerância Zero”, com políticas de combate repressivo de natureza militar, e que acaba pregando, ao adicto, a proibição radical na expectativa de que este “remédio” possa gerar abstinências totais e o abandono das adicções por parte dos adictos. Nesta perspectiva procura-se eliminar a droga ou a adicção, sem eliminar a sua causa: é como tentar eliminar o incêndio.

Esta política não tem obtido bons resultados, nem em termos qualitativos nem quantitativos, nem em termos individuais nem grupais-sociais. De modo que alternativas têm sido buscadas e implementadas.

Dentre elas, as políticas de descriminalização, associada a uma proposta de cuidado que reconhece, em muitos casos, a impossibilidade de eliminar a adicção, propondo a política e tratamentos de Redução de Danos.

Países como Portugal e Holanda, dentre outros, têm adotado medidas deste tipo com resultados muito mais positivos, com a diminuição das adicções e de todo o cenário de criminalidade e violência a ela associado.

Este tipo de análise também leva a apresentar uma perspectiva de entendimento e tratamento baseada na compreensão dos motivos e dores que impulsionam os adictos, diferenciando-se de uma perspectiva proibitiva, punitiva e diretiva.

Os jogos e outras adicções online

Com a inserção da internet e das interações online, como veículo de contato e trocas sociais, estamos assistindo, numa velocidade impressionante, surgirem formas de adicções online, sejam facilitadas pelo ambiente online seja oferecendo o próprio meio online como possibilidades de consumo.

Os tipos de adição impulsionados ou criados por e com estes modos de interação online, têm se expandido. Elas parecem atingir a todas as pessoas, ou seja, até mesmo pessoas que não teriam falhas e/ou grandes perturbações no seu processo de desenvolvimento emocional estariam sujeitas a tornarem-se adictas, por exemplo na dependência do uso dos celulares, na necessidade imperioso de ver se há recados etc. Parece que tudo que necessitamos está ao alcance da mão! Sem custos para chegar até o que precisamos (não existe mais espaço a percorrer, tempo a esperar).

Assim, assistimos o surgimento e imposição de novas formas de adicção: às telas, aos jogos, à pornografia, aos aplicativos de encontro, à necessidade de estar sempre em contato, de ser visto e clicado, de postar tudo o que é vivido ou até mesmo nem mesmo vivido, enfim, são inúmeras as possiblidades e manifestações.

É neste contexto que surgem os jogos on-line ou bets, acompanhadas de uma propaganda intensa “vendendo ilusões”, os jogos são apresentados como uma inocente atividade (por exemplo, os jogos do tigrinho), amáveis, oferecendo a possibilidade de riqueza imediata, com pequenos gastos.

Por trás desta propaganda enganosa, com a ajuda da internet, os cassinos online são colocados à disposição imediata, à mão, de cada um. Os efeitos catastróficos e a gênese de adicções, sem nenhum controle, estão presentes em cada lar, nos espaços públicos e privados. Vendem o paraíso para todos, e mais ainda para aqueles que se sentem no inferno, ou ainda, pobres em relação a seus desejos e aspirações de consumo.




Referências:

Eigen, M. (2011). Contact with the Depths. Karnac Books.

Humberg, L. V. (2016). Relacionamentos adictivos. Vício e dependência do outro. CLA Editora.

Maté, G. (2024). Vício. O Reinos dos Fantasmas Famintos. Sextante.

McDougall, J. (2001). L´économie psychique de l´addiction. In Anorexie, adiction et fragilités narcisiques. PUF.

Winnicott, D. W. (1953c). Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais. In O brincar e a realidade (pp. 13–51). UBU, 2019.

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