Psicanálise

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Conceitos da psicanálise: os principais fundamentos de Freud
Camila Fortes
Conceitos da psicanálise: os principais fundamentos de Freud
Entenda os principais conceitos da psicanálise, como inconsciente, narcisismo, id, ego e superego, transferência, pulsão, complexo de Édipo e outros.

Investigar a psicanálise é explorar o inconsciente, o sofrimento psíquico e o processo analítico. Ela auxilia a entender como funcionam as abordagens sobre o ser humano, os conflitos internos, desejos e traumas que moldam os comportamentos e emoções, ampliando o olhar do sujeito para si e para o mundo.

Nesse caminho, alguns conceitos são centrais para a compreensão do campo, pois ajudam a entender de modo aprofundado como a lente psicanalítica percebe esses fenômenos. Assim, dominar os conceitos da psicanálise é essencial para quem deseja adentrar esse universo, seja para fins acadêmicos, profissionais ou por interesses pessoais.

Esse guia irá apresentar os fundamentos da psicanálise de forma clara e acessível, trazendo referências clássicas, exemplos e indicações para aprofundamento.



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Inconsciente

O inconsciente é, talvez, o conceito mais emblemático da psicanálise. Esse pilar foi elaborado por Sigmund Freud, seu fundador, que definiu o inconsciente como a instância psíquica onde se alojam desejos reprimidos, ideias censuradas e conteúdos que escapam à consciência.

Ao investigar sobre a histeria e sobre o ato de sonhar, lembrar e relatar os sonhos, Freud percebeu que havia algo atuando fora da consciência, que influenciava diretamente os pensamentos e os comportamentos humanos. Assim, o inconsciente seria responsável por revelar as questões que mais foram reprimidas internamente pelo sujeito.

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Repressão

A repressão (ou recalcamento) é o mecanismo pelo qual conteúdos inaceitáveis para o consciente são excluídos da consciência e empurrados para o inconsciente. Freud desenvolveu esse conceito a partir do estudo de pacientes com histeria, ao perceber que lembranças traumáticas eram recalcadas e retornavam em forma de sintomas.

Assim, Freud identificou a repressão como um motor da neurose, pois ela denunciaria um processo de adoecimento. Esse processo estaria ligado ao conflito entre o desejo e as exigências da realidade ou da moralidade.

Clinicamente, compreender o que foi reprimido pode ajudar a aliviar o sofrimento e trazer sentido ao sintoma.


Transferência e contratransferência

Outros conceitos centrais para a psicanálise, trata-se da transferência e da contratransferência.

A transferência é o fenômeno pelo qual o paciente desloca para o analista experiências, sentimentos e desejos inconscientes que originalmente pertenciam a figuras significativas da infância, como os pais ou cuidadores. Freud a considerava um “campo de batalha”, mas também a chave da análise.

a contratransferência se refere às reações emocionais do analista diante do paciente. Inicialmente considerada um obstáculo, a contratransferência passou a ser vista como uma valiosa ferramenta de análise, desde que o analista esteja atento a suas próprias emoções e reações.


Pulsão

Na psicanálise, a pulsão é compreendida como um impulso energético entre o corpo e a mente, que busca aliviar a tensão interna. Ela está entre o somático e o psíquico, não sendo uma necessidade fisiológica, mas um motor de desejo. As pulsões têm fonte corporal, mas se expressam na mente como um empuxo em direção à satisfação.

Freud as distinguiu em pulsões de vida (Eros) e pulsões de morte (Thanatos). Enquanto a primeira teria relação com a união e a preservação da vida, a segunda apontaria para a repetição, a destruição e o retorno ao inorgânico. A segunda, em particular, criou bases para entendimentos sobre a agressividade, sadismo, masoquismo e psicopatologia.

Discutida na obra Além do Princípio do Prazer (1920), a teoria das pulsões é crucial para entender comportamentos compulsivos e autodestrutivos.


Id, ego e superego

Em 1923, Freud propôs um modelo de aparelho psíquico: Id, ego e superego.

Para ele, o id seria uma espécie de reservatório das pulsões, onde habitam os desejos inconscientes, regidos pelo princípio do prazer. Em outras palavras, o id é a fonte dos impulsos inconscientes.

o ego, é a instância mediadora entre o id, o superego e a realidade, buscando satisfazer os desejos de maneira social e moralmente aceitáveis.

O superego, por sua vez, representa a internalização das normas e proibições sociais - entre elas, parentais —, operando como um juiz moral.

Esse modelo permite entender conflitos psíquicos complexos, por exemplo, quando o desejo do id (impulsos) é bloqueado pelo superego (instâncias morais), pode surgir sentimentos e sintomas como culpa.

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Complexo de Édipo

Inspirado na tragédia de Sófocles, Freud formulou o Complexo de Édipo para explicar a estruturação do desejo e da identidade sexual na infância.

Analisando o desenvolvimento infantil a partir de casos clínicos, Freud observou a manifestação do desejo, sobretudo, de meninos, sobre o genitor do sexo oposto, ou seja, a mãe, vendo o pai enquanto um obstáculo.

Para ele, esse conflito gera angústia na criança e precisa ser resolvido para que ela avance em seu desenvolvimento psíquico. A resolução do Complexo de Édipo se daria a partir da renúncia ao desejo incestuoso e a identificação com o genitor do mesmo sexo, o que permitiria a internalização da autoridade e dos limites social e moralmente estabelecidos (superego).


Resistência

O conceito de resistência tem relação com as estratégias de autopreservação do inconsciente. Trata de tudo aquilo que, de forma inconsciente, impede o sujeito de acessar seus conteúdos reprimidos. Essa resistência pode se manifestar por meio da recusa, do silêncio, da evasão, do esquecimento ou da racionalização.

Para alguns estudiosos, a resistência é considerada um obstáculo à associação livre de ideias, pois impede que o paciente não permaneça aberto a falar tudo o que vier à mente no processo analítico. No entanto, é justamente a resistência que revela o ponto exato onde o inconsciente se recusa a se mostrar.

“Só quando a resistência está em seu auge é que pode o analista, trabalhando em comum com o paciente, descobrir os impulsos recalcados que estão alimentando a resistência; e é este tipo de experiência que convence o paciente da existência e do poder de tais impulsos” (Freud, 1914/1996, p. 202).

Sintoma

Para a psicanálise, o sintoma não é apenas um sinal que denuncie uma doença, mas uma forma de expressar um conflito inconsciente, um desejo recalcado. Ele tem um valor simbólico e pode ser interpretado como uma mensagem a ser decifrada.

Em “Inibição, sintoma e angústia” (1926/1980), Freud descreve o sintoma como “um sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu em estado jacente; [o sintoma] é uma consequência do processo de recalcamento” (Freud, 1980, p. 112).

Enquanto Freud percebe o sintoma como fundamentalmente relacionado ao sentido, Lacan o identifica (sinthoma) a partir da linguagem e do processo interpretativo. Assim, para o segundo, o sintoma revelaria a relação do sujeito não apenas com o inconsciente, mas também com o Outro e com o Real a partir da sua dimensão simbólica.

O que a experiência analítica nos ensina em primeiro lugar é que o homem é marcado, é perturbado por tudo aquilo a que se chama sintoma, na medida em que o sintoma é aquilo que o liga aos seus desejos (Lacan, 1992, p. 262-263).



Sonhos

Freud afirma que os sonhos são realizações disfarçadas de desejos inconscientes. Eles funcionam como uma via privilegiada de acesso ao inconsciente, pois dão forma ao que escapa do discurso racional.

Em “Interpretação dos Sonhos” (1899/1900), Freud os identifica como uma “realização disfarçada de um desejo reprimido” (Freud, 1900, p. 45) que não tem relação com os sonhos que se sucedem após eventos traumáticos. Estes últimos estariam mais relacionados à compulsão à repetição, do que ao desejo.


Narcisismo

Definir o conceito de narcisismo é um desafio, na medida em que essa discussão percorre toda a teoria freudiana, sofrendo alterações e aprofundamentos ao longo do tempo.

Para a psicanálise, o narcisismo se refere às manobras da libido que o sujeito faz sobre si mesmo. Diferenciado por Freud como narcisismo primário (infantil) e secundário (retorno do investimento do outro para si), o conceito é central para entender as relações de autoestima e idealização.

O narcisismo primário é uma herança do ideal narcísico dos pais. A criança passaria a ocupar o lugar do que não foi vivido pelos seus cuidadores, cabendo a ela realizar os sonhos e projetos que estes foram obrigados a renunciar. Já o narcisismo secundário teria relação com um refluxo da libido para o próprio eu enquanto sujeito. Em outras palavras, seria o retorno ao eu dos investimentos feitos anteriormente.

“O narcisismo não seria uma perversão, mas o complemento libidinal do egoísmo da pulsão de autoconservação, do qual justificadamente atribuímos uma porção a cada ser vivo” (Freud, 1914/2010, p. 14-15).

O termo “narcisismo” deriva do mito grego de Narciso, elaborado na obra Metamorfoses, de Ovídio. Na história, Narciso foi um jovem de muita beleza que se apaixonou pelo seu próprio reflexo na água - por isso a relação com o termo.



Associação livre

A associação livre é uma técnica que consiste em permitir que o paciente fale livremente, dizendo tudo o que vier à mente. Para Freud, essa é a principal via de acesso ao inconsciente, pois é um espaço onde o discurso se manifesta, e o analista pode ouvir além do que é dito diretamente.

O analista, por sua vez, escuta essas associações em busca de lapsos, contradições e repetições. Assim, a técnica é capaz de revelar o modo como os significantes se encadeiam no discurso e permite interpretar os efeitos de sentido que emergem no processo.


Repetição

a repetição é um fenômeno pelo qual o sujeito revive experiências passadas, especialmente traumas que não foram elaborados. Ao analisar casos clínicos, Freud observou esse padrão em pacientes que, em vez de recordar, repetiam certas situações, mesmo que dolorosas.

Para ele, esse gesto estaria ligado à compulsão à repetição — conceito apontado na obra Além do Princípio do Prazer (1920).

“Uma vez que nenhuma dessas situações que o paciente repete em transferência poderia, no passado, propiciar-lhe prazer, seria de supor que esses elementos hoje tenderiam a emergir como recordações ou em sonhos, causando um desprazer menor do que quando se atualizam na transferência como se fossem novas experiências” (Freud, 2006/1920, p.146-147).

Ato falho

O conceito de ato falho é uma manifestação interessante de ser investigada pela psicanálise. Erros aparentemente banais, como esquecimentos, trocas de palavras, revelariam conteúdos inconscientes, pois a fala “trocada” denunciaria um sintoma.

Para Freud, o ato falho seria uma forma de “tomar conhecimento do que foi reprimido” (Freud, 1923-25/2011, p. 250), sendo caracterizada pelo movimento do sujeito em revelar, negativamente, algo que se encontra recalcado.

Assim, esses “pequenos deslizes” revelariam desejos, resistências e conflitos. Na clínica, a atenção aos atos falhos ajuda a compreender a dinâmica psíquica do inconsciente.

Formas fundamentais de funcionamento psíquico (neurose, psicose e perversão)

Para Freud, a psique humana se organiza a partir de três princípios fundamentais: neurose, psicose e perversão. Cada uma corresponde a um modo de lidar com o desejo, o recalque e a realidade.

A neurose (histeria) teria relação com desejos proibidos não aceitos pela pessoa. Então, ela empurra os desejos para o inconsciente (recalque). No entanto, esses desejos voltam disfarçados em forma de sintoma: ansiedade, fobia, insônia, entre outros. Assim, a neurose estaria ligada à repressão e à formação de sintomas.

a psicose (paranóia), trata da recusa da pessoa em aceitar alguma parte da realidade. Em vez de reprimir ou processar o acontecimento, ela expulsa da mente essa realidade (recusa). Isso faz com que ela crie uma nova realidade, através de delírios e alucinações.

A perversão (fetichismo), por sua vez, envolve a manutenção de desejos proibidos, sem que a pessoa queira abrir mão deles. Em outras palavras, o sujeito tem desejos proibidos e finge que o limite (castração) não existe, então busca encontrar as vias para satisfazer o desejo sem culpa.




Conclusão: conceitos fundamentais da psicanálise e sua importância

Entender os conceitos da psicanálise é mergulhar em uma linguagem que dá forma ao sofrimento humano, aos desejos, conflitos e modos de existir. Mais do que teorias, esses conceitos estão vivos na experiência analítica e na escuta do outro, revelando a singularidade de cada sujeito e a complexidade de sua vida psíquica.

Esses conceitos oferecem ferramentas para interpretar os impasses da vida e para pensar as subjetividades. Por isso, a psicanálise continua sendo um campo vivo, provocativo e cada vez mais necessário para quem deseja compreender o ser humano.

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Referências

https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/11780/11780_3.PDF

FREUD, S. (1920). Além do Princípio do Prazer. In: Escritos Sobre a Psicologia do Inconsciente. Tradução Luis Alberto Hanns (Org). Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 2, p. 123-192.

FREUD, S. (1914). Introdução ao narcisismo. In: ___. Obras completas. São Paulo: Companhia das letras, 2010. Vol. 12.

FREUD, S. (2011) O Eu e o Id, Autobiografia e outros textos In: Sigmund Freud, Obras Completas. São Paulo: Companhia das Letras, v XVI. (Obra Original publicada em 19223-1925)

FREUD, S. (1996). Recordar, repetir e elaborar. In: ______. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1914.

LACAN, J. (1992). O seminário livro 8: a transferência Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Original publicado em 1960-1961).

Inconsciente na psicanálise: o que é e como se manifesta
Ricardo Salztrager
Inconsciente na psicanálise: o que é e como se manifesta
Descubra o que é o inconsciente para Freud, como se manifesta em sonhos, atos falhos e sintomas, importância para a psicanálise e para a nossa vida.

Você já parou para pensar que há forças dentro de você das quais nem sequer tem consciência, mas que influenciam suas escolhas, seus medos e seus desejos mais íntimos? Para a psicanálise, esse território oculto da mente tem nome: inconsciente.

Neste artigo, vamos explorar o que é o inconsciente segundo Freud — sua maior descoberta —, entender como ele se manifesta por meio de sonhos, atos falhos, sintomas e esquecimentos, além de conhecer a relação entre o inconsciente e o recalque, suas diferenças em relação ao pré-consciente e ao consciente, e as contribuições de Jung com a ideia do inconsciente coletivo.

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O que é o inconsciente?

O termo “inconsciente” significa literalmente “aquilo que é desconhecido” (“consciência” em latim significa “conhecido” e o prefixo “in”, neste caso, dá a ideia de negatividade). Ele é tido como a maior descoberta de Freud e principal conceito da psicanálise.

Quando Freud postulou que todos nós possuímos um inconsciente ele considerou, portanto, que todos nós nos desconhecemos. Ou seja, possuímos desejos, fantasias, características ou mesmo traumas que sequer conhecemos. No entanto, estes tantos desejos, fantasias, características ou traumas influenciam nossa vida de maneira crucial.


Freud e a descoberta do inconsciente

Freud (1900/1996) postulou o conceito de inconsciente muito cedo, já em sua primeira obra, o livro “A interpretação de sonhos”.

Tal postulação se deu em virtude dos mais de vinte anos de experiência e de tratamento com suas histéricas. Em linhas gerais, as histéricas eram mulheres que sofriam de alguns sintomas de conversão, ou seja, dores e paralisias corporais sem que nada de anatômico ou fisiológico as explicasse.

Por exemplo, era muito comum que uma histérica ficasse surda. Neste caso, os médicos faziam nela os mais variados exames e não encontravam quaisquer lesões ou defeitos que justificavam aquela surdez. Pelo contrário, todo o seu organismo funcionava de modo absolutamente normal: os ouvidos, as inervações, os órgãos interiores, o cérebro... E por isto nenhum médico conseguia explicar como essa histérica veio a ficar surda.

Tal explicação só veio com Freud. Através da análise dos mais variados casos, ele finalmente descobriu que esses sintomas de conversão eram manifestações de desejos inconscientes e, portanto, desconhecidos às histéricas.


Alguns exemplos de casos clínicos de pacientes histéricas de Freud

Como ilustração, há o famoso caso de Elisabeth von N. (Breuer & Freud, 1895/1996), paciente de Freud que sentia inexplicáveis dores na perna, às vezes chegando mesmo a paralisá-las. Em suas associações livres com Freud, a paciente descobriu que possuía um forte desejo pelo cunhado, mas que, de forma alguma, conseguia “dar um passo a frente” (segundo suas palavras) para conquistá-lo. Desta maneira, a impossibilidade de “dar esse passo à frente” era, de alguma forma, simbolizada na paralisia de suas pernas.

Há também o caso de Dora (Freud, 1905a/1996), histérica que, dentre vários outros sintomas, possuía fortes dores na região do abdômen. Em sua análise com Freud, ela reconheceu-se apaixonada pelo melhor amigo de seu pai, o Sr. K.

Certo dia, este senhor deu-lhe uma investida e a jovem prontamente o recusou. Porém, exatos nove meses após esta cena, ela veio a sentir as benditas dores no abdômen, como se elas representassem a simulação de um parto. Nesta medida, Dora veio a descobrir o quanto lamentava-se por ter recusado as investidas do Sr. K.


O inconsciente e o recalque

Assim, através da análise de sucessivos casos, Freud confirmou a existência de desejos inconscientes em todos os seus pacientes. Mas por que estes desejos se tornam inconscientes?

Freud (1909/1996) demonstra que alguns dos nossos desejos acabam se tornando inconscientes por serem incompatíveis com as regras morais. Segundo ele, nós vivemos em uma sociedade governada por uma “moral sexual civilizada”, ou seja, uma moral que atinge e critica basicamente a nossa vida sexual.

Tal moral reconheceria como corretos apenas os desejos sexuais genitais e heterossexuais, de preferência, direcionados ao contexto matrimonial. Portanto, quando algum dos nossos desejos escapa a esta regra, ele ficaria condenado a tornar-se inconsciente através do processo de recalque.

Nesta medida, o recalque é definido como uma defesa frente à nossa sexualidade. Ele consiste, basicamente, em fazer com que um desejo consciente venha a se tornar inconsciente, ou seja, desconhecido para nós.

No entanto, é necessário frisar que recalcar um desejo sexual não significa matá-lo. Pelo contrário, o desejo passa a se tornar apenas desconhecido. Porém, ele continua vivo dentro de nós, à espera de alguma uma ocasião oportuna para manifestar-se.

Mas, então, como os nossos desejos inconscientes conseguem manifestar-se?

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Como o inconsciente se manifesta?

Segundo Freud, nossos desejos inconscientes manifestam-se de cinco maneiras diferentes: nos sonhos, nos atos falhos, nos esquecimentos, nos chistes ou tiradas espirituosas e nos sintomas. Vejamos cada uma delas.

  • Sonhos: segundo Freud (1900/1996), “os sonhos são realizações de desejos inconscientes”. Conforme destacamos, os desejos inconscientes são muito imorais e até mesmo perigosos. Por isso nos censuramos tanto e fazemos de tudo para que eles permaneçam inconscientes e jamais surjam na consciência.

    No entanto, quando estamos dormindo, deixamos um pouco de nos censurar. Daí tais desejos conseguem disfarçar-se e aparecer nos sonhos. Através deste disfarce, eles conseguem não ser reconhecidos e, assim, burlam a nossa censura. Cabe alertar que é justamente devido a este disfarce que os nossos sonhos parecem tão confusos e disparatados.

  • Atos falhos: os atos falhos são também por Freud (1901/1996) considerados manifestações do inconsciente. Eles são definidos como erros ou enganos nas nossas falas. Ocorrem quando almejamos dizer alguma coisa, mas inesperadamente nos enganamos e acabamos falando outra. Só que através deste engano, acabamos dizendo a verdade.

    Um exemplo citado por Freud é o de um senhor que, em uma reunião social, conversava com uma dama de seios fartos. O papo entre os dois era sobre os preparativos de Berlim para o dia de Páscoa. E, assim, no meio do assunto, ele diz: “A senhora viu a exposição de Wertheim? Está totalmente decotada”.

  • Esquecimentos: Segundo Freud (1901/1996), nossos esquecimentos também são manifestações do inconsciente. Ou seja, quando esquecemos “algo” é porque desejamos efetivamente esquecer este “algo”, ou então, alguma coisa a ele relacionada.

    Um exemplo que aconteceu com o próprio Freud: certo dia, uma amiga pediu-lhe que fosse até o Centro de Viena para comprar-lhe um pequeno cofre. Ele sabia onde ficava a loja em que deveria ir, mas não a encontrou.

    Percorreu ruas e ruas inteiras do centro e nada... Até que quando chega em casa, lembra-se que esqueceu de percorrer apenas uma rua da cidade, justamente onde ficava esta loja. Segundo Freud, tal esquecimento se deu porque nesta rua morava uma família da qual ele queria distanciar-se e jamais manter contato.

  • Chistes ou tiradas espirituosas:: De acordo com Freud (1905b/1996), os chistes ou as diversas tiradas que fazemos em nossas conversas também são manifestações do inconsciente. Elas ocorrem quando almejamos dizer algo proibido e imoral e que, portanto, não podemos falar... Mas fazendo um trocadilho ou uma ironia, acabamos por indiretamente dizer e até provocamos risos em quem nos ouve.

    Um exemplo também fornecido por Freud é o de um senhor que conversava com um amigo sobre alguém que ele odiava. No meio do papo, ele solta: “Bem, a vaidade é um de seus quatro calcanhares de Aquiles”.

    Outro exemplo também mencionado por Freud foi o de Phocion, estadista ateniense. Em certa ocasião, ele termina um discurso para o povo e, então, se vê aplaudido. Como ironia, vira para os amigos e pergunta: “Qual foi a besteira que eu falei agora”? Ora, Phocion encarava o povo como propriamente estúpido e, portanto, se o estavam aplaudindo, certamente era porque ele havia dito alguma asneira durante seu pronunciamento. Com efeito, esta foi uma pergunta irônica e sarcástica que manifestava todo o seu desdém pela população.

  • Sintomas: De acordo com o que explicamos acima a respeito das pacientes histéricas de Freud, os sintomas também são formas de manifestação de um desejo inconsciente.

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Inconsciente e psicanálise

Portanto, a partir de tudo o que foi exposto, podemos dizer que, para a psicanálise, o inconsciente não corresponde apenas “àquilo que foi esquecido”. Pelo contrário, apesar de não termos consciência dos desejos recalcados, eles jamais podem ser considerados inertes ou estanques. Ou seja, não devemos entendê-los como algo que foi retirado da consciência de uma vez por todas, permanecendo inconsciente para todo o sempre.

Para a psicanálise, o inconsciente é ativo. Em outros termos, há todo um dinamismo que lhe é próprio e que faz com que as tendências recalcadas lutem, a todo instante, para novamente se manifestarem na consciência.

A respeito disso, vimos tudo o que se passa no contexto dos sonhos, dos atos falhos, dos esquecimentos, das tiradas e dos sintomas: recalcar um desejo e, assim, torná-lo inconsciente não significa matá-lo ou condená-lo ao esquecimento. Pelo contrário, existe uma luta constante entre o desejo sexual imoral e as tendências que tentam silenciá-lo.




Inconsciente, pré-consciente e consciente

Também é importante marcar que, em seu modelo de aparelho psíquico apresentado em “A Interpretação dos Sonhos”, Freud (1900/1996) o dividiu em três diferentes sistemas: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente.

  1. Inconsciente: Conforme está sendo assinalado, o inconsciente corresponde a uma parcela de si que o sujeito desconhece. Todos os desejos sexuais que escapam à moral são recalcados e assim permanecem à espera de alguma forma de manifestação.

    Resta mencionar que tudo o que é inconsciente é indestrutível, ou seja, jamais se extingue ou é encerrado. Pelo contrário, nossos desejos recalcados permanecem vivos e ativos para todo o sempre.

  2. Pré-consciente: Já o pré-consciente corresponde às tendências momentaneamente inconscientes, mas que podem voltar à consciência sem maiores problemas. Isto porque elas não são propriamente imorais ou perigosas. São apenas coisas que voluntariamente optamos por esquecer momentaneamente ou não dar muita atenção.

    Por exemplo, quando temos planos de fazer uma viagem, mas estamos impossibilitados por quaisquer questões, afastamos este plano do nosso pensamento consciente. Tão logo ressurja a oportunidade, voltamos nosso pensamento para a viagem.

    Ou então, quando temos uma tarefa de trabalho, mas queremos aproveitar o final de semana, deixamos de pensar neste dever. Porém, tão logo chega a segunda-feira, voltamos nossa atenção para o trabalho e, assim, a tarefa volta a se tornar consciente.

  3. Consciente: Já a consciência responde basicamente pela percepção do mundo e pelo conhecimento das informações que dele chegam. Cabe à consciência também a função de percepção dos nossos mais diversos sentimentos, dentre eles, os de prazer e de desprazer.




Freud, Jung e o inconsciente: diferentes percepções

Por fim, é necessário frisar que, ao contrário de Freud, Jung vai falar da existência de dois inconscientes: o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.

De acordo com Silveira (1995), o conceito de inconsciente pessoal é razoavelmente semelhante ao conceito freudiano. Ele diz respeito a determinadas tendências que permanecem inconscientes por serem incompatíveis com a atitude consciente, ou então, por serem demasiado fracas e não disporem de energia suficiente para manifestar-se na consciência.

Já o inconsciente coletivo corresponde às camadas mais profundas da nossa mente. Ele diz respeito a alguns fundamentos estruturais do psiquismo comuns a todos os homens, independente de suas culturas ou raças. Trata-se de uma espécie de herança comum que explica, dentre outras tantas coisas, o estranho fato de indivíduos tão diferentes e tão distantes entre si possuírem desejos, fantasias e comportamentos em muito semelhantes.



Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Breuer, J. & Freud, S. (1893-1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.

Freud, S. (1900). A interpretação de sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vols. 4 e 5. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-650.

_____. (1901). A psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 6. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-290.

_____. (1905a). Fragmentos da análise de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-116.

_____. (1905b). Os chistes e sua relação com o inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 8. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 9-231.

Silveira, N. (2007). Jung: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

Psicanalista: o que faz, onde atua, formação e linhas teóricas
Camila Fortes
Psicanalista: o que faz, onde atua, formação e linhas teóricas
Entenda o que faz o psicanalista, onde atua e como se tornar um. Saiba as diferenças entre psicanalista e psicólogo e conheça as principais abordagens

A figura do psicanalista desperta cada vez mais interesse, seja por quem busca um processo terapêutico mais profundo, seja por estudantes e profissionais que desejam atuar na área. Mais do que trabalhar uma técnica terapêutica, o psicanalista atua em um campo de conhecimento complexo, que investiga o inconsciente e os caminhos singulares de cada pessoa. Em um mundo cada vez mais marcado pela urgência, a formação em psicanálise defende o tempo da escuta, o valor da palavra e a subjetividade do sujeito.

Neste artigo, apresentaremos um guia completo para entender quem é o psicanalista, o que faz, onde atua, como se dá a sua formação e como é o curso. Além disso, iremos abordar as diferenças entre psicanalista e outros profissionais da saúde mental, apresentando as principais linhas da psicanálise e seus conceitos centrais.



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O que é um psicanalista?

O psicanalista é um profissional que atua na escuta e compreensão do inconsciente humano. Sua prática é baseada na psicanálise, um campo criado por Sigmund Freud no século XIX, que busca entender os processos psíquicos profundos através da fala do paciente e da interpretação de sintomas.

O processo interpretativo do psicanalista se baseia não nos sintomas médicos, mas no que está por trás deles: os desejos reprimidos, os traumas inconscientes, as lembranças ocultas, além da interpretação de sonhos e padrões de repetição.

Diferente de outras profissões da saúde mental, o psicanalista foca em tornar conscientes os processos inconscientes que influenciam os comportamentos e ações. Nesse sentido, o profissional da psicanálise tem o potencial significativo de transformar os modos como as pessoas se sentem em relação às suas experiências e ao sofrimento mental.



O que faz um psicanalista?

O psicanalista conduz um processo terapêutico que auxilia o paciente a acessar conteúdos psíquicos que não estão imediatamente disponíveis à consciência, mas que se manifestam por meio das fantasias, sonhos, lapsos, sintomas e repetições.

O seu trabalho consiste em escutar atentamente, interpretar quando necessário e oferecer novas formas de se pensar e ressignificar experiências. Assim, o que o psicanalista faz é construir um espaço seguro para o processo analítico do paciente.

Ao longo do processo terapêutico construído pelo profissional, a sessão se baseia na associação livre, uma técnica em que o paciente é incentivado a falar livremente o que vier à mente, sem censura.

Durante as sessões, emergem fenômenos como a transferência - quando o paciente transfere sentimentos para o psicanalista, relacionados a outras figuras importantes da vida - e a contratransferência - apontada como as reações emocionais do analista ao paciente.

Esses elementos são importantes para a compreensão da dinâmica interna do paciente, pois revelam padrões inconscientes de relacionamento, desejos recalcados e formas de defesa psíquica.

Nesse cenário, é estruturado o que foi denominado por setting analítico, ou seja, um ambiente, um contexto elaborado cuidadosamente para compor as sessões. O objetivo é construir um espaço confiável, com acordos pré-estabelecidos, como a regularidade nos atendimentos, os horários e o formato.

Através da escuta atenta e das interpretações oferecidas em sessão, o psicanalista ajuda o paciente a dar sentido ao que antes era vivido de forma repetitiva, sofrida ou enigmática. Assim, o paciente desenvolve uma nova relação com sua história, podendo romper com repetições que o aprisionam e construir novos caminhos subjetivos.

👉 É importante lembrar que não existe uma “fórmula” para as sessões de psicanálise. O psicanalista não irá oferecer conselhos ou receitas pré-estabelecidas. Cada encontro é único, guiado pelo discurso do paciente e pelas intervenções pontuais do analista.

Por isso, o objetivo terapêutico não é dar “respostas prontas” ao paciente, mas apresentar interpretações que visam abrir caminhos de reflexão e transformação.




Psicanalistas e psicólogos trabalham com a compreensão da mente humana através da escuta. Eles conduzem o processo terapêutico através da investigação sobre questões emocionais e comportamentais, buscando os mecanismos para contribuir com o bem-estar das pessoas.

No entanto, apesar das semelhanças, eles possuem trajetórias, formações, métodos de trabalho e abordagens teóricas bastante distintas. Além disso, também se distinguem na forma como cada um compreende e aborda o sofrimento psíquico. Vamos, então, entender qual a diferença entre esses profissionais.

O psicanalista utiliza o método psicanalítico, baseado nos princípios criados por Freud. Esse método parte do pressuposto de que muitos dos nossos comportamentos e sintomas têm origem no inconsciente, em conteúdos reprimidos, desejos não reconhecidos e memórias recalcadas. O processo analítico envolve não apenas a resolução de sintomas, mas a compreensão inconsciente sobre esses sintomas.

O psicanalista pode atuar em consultórios particulares, clínicas de saúde mental, instituições de ensino, projetos sociais, entre outros espaços. Sua atuação se estende para além da clínica tradicional, podendo contribuir com equipes multidisciplinares e com a produção do conhecimento científico.

Já o psicólogo pode utilizar de diferentes métodos, a depender da sua formação e escolha teórica. Ele tem liberdade para atuar em clínicas, hospitais, escolas, empresas e instituições, e utilizar de diferentes abordagens terapêuticas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Gestalt, Humanista e a Psicologia Analítica.

Além disso, é comum que psicólogos exerçam a própria Psicanálise, após realizar um processo formativo específico para isso.

Ao contrário da prática psicanalítica, as abordagens mais convencionais da psicologia tendem a trabalhar com problemas mais pontuais e objetivos, na busca por estratégias práticas para lidar com eles, visando um alívio mais rápido do sofrimento e a reestruturação do comportamento.

É importante destacar que para se tornar psicólogo, é necessário a formação de graduação na área de Psicologia, com registro no Conselho Regional de Psicologia (CRP). O processo formativo dura, em média, 5 anos, e é necessário realizar estágios supervisionados para exercer a prática clínica.


Como se tornar psicanalista?

Para se tornar psicanalista, primeiramente, é necessário compreender que o processo formativo é apenas o ponto de partida de uma jornada contínua. Dentro da comunidade psicanalítica, há um percurso amplamente reconhecido, que pode nos auxiliar a compreender o que é necessário para essa formação.

  • Interesse e curiosidade pela escuta psicanalítica:

O primeiro passo é conhecer a psicanálise não apenas como técnica, mas como uma forma de compreender o ser humano. Trata-se de um método complexo de compreensão da subjetividade humana, por isso, exige um olhar crítico, atento e curioso pela abordagem e pelos seus contextos.

Assim, investigar, pesquisar e explorar o mundo da psicanálise é essencial.

Uma sugestão de como esse interesse pode ser estimulado, se dá a partir do contato com assuntos relacionados. Livros, cursos introdutórios, filmes, séries e revistas, podem ser um excelente ponto de partida para conhecer mais sobre a psicanálise.

  • Vivência teórica e autoanálise:

Mais do que um curso em psicanálise, esse é um processo de transformação. Se tornar psicanalista não apenas envolve o estudo da teoria, mas também o confronto com o próprio inconsciente e o desenvolvimento de uma escuta refinada e profissional.

Nesse sentido, é importante que seja realizada uma vivência da análise, de preferência, por meio da psicanálise. Passar por um processo analítico estando “do outro lado” é essencial não apenas para compreender como acontece, mas para desenvolver a capacidade de fala e escuta.

Escolher um analista de confiança e explorar essa vivência pode trazer resultados significativos para o processo formativo.

  • Inserção em instituições psicanalíticas:

Muitos profissionais se associam a escolas ou sociedades psicanalíticas para aprofundar os estudos na área. A participação em seminários, congressos, a integração em grupos de pesquisa e a organização de vínculos com a comunidade analítica, também são ótimas vias de acesso à discussões do campo.

Além disso, a busca por cursos reconhecidos e bem avaliados também é necessária, uma vez que a escolha de um instituto ou escola irá influenciar diretamente no processo formativo e na prática psicanalítica.


A formação em psicanálise

O processo formativo acontece, tradicionalmente, a partir do tripé psicanalítico: a análise pessoal, a supervisão clínica, e o estudo teórico das obras de Freud, Lacan, Winnicott, Melanie Klein e outros psicanalistas.

Vamos entender cada etapa:

Na análise pessoal, o foco está na experiência subjetiva do futuro analista - ela é a base da psicanálise. Nessa etapa, ele é estimulado enquanto paciente a explorar seus pensamentos, emoções e sentimentos de forma livre e segura. Geralmente é guiada por algum psicanalista da própria escola ou instituição.

Já na etapa da supervisão clínica, o psicanalista em formação é acompanhado em seus atendimentos por outro analista mais experiente. A supervisão visa auxiliar o profissional a aprimorar suas habilidades terapêuticas e sua capacidade analítica.

Por fim, o estudo teórico é a base conceitual da formação. O conhecimento sobre autores e conceitos como inconsciente, id, superego, pulsão, transferência, desejo, fantasia, são fundamentais na compreensão do comportamento humano a partir da psicanálise.


A formação do psicanalista é singular e se dá fora do sistema universitário tradicional. Embora legalmente não se exija diploma acadêmico para exercer a psicanálise, a maioria dos institutos mais reconhecidos costuma exigir uma formação prévia em áreas como Psicologia, Medicina ou outra das ciências humanas.

Com duração de 1 e 4 anos, a carga horária da formação psicanalítica varia de acordo com a escola ou instituto. Mais do que a formalização acadêmica, o interessante é considerar nesse processo a profundidade e o envolvimento subjetivo do futuro analista.

Além disso, os cursos dos institutos mais reconhecidos mantêm critérios éticos e podem incluir entrevistas de admissão, avaliações regulares e orientações sobre limites éticos da prática analítica.

As sessões de psicanálise, normalmente, adotam um tempo padrão de 50 minutos de duração, podendo variar para mais ou para menos. Independentemente da extensão, o mais importante é a frequência e a constância dos atendimentos.

A regularidade - geralmente de uma a três vezes por semana - é essencial para que o processo analítico ganhe profundidade. Do mesmo modo, é necessário para que o inconsciente possa se expressar em suas repetições, associações e silêncios - que também dizem muito!



Curso de psicanálise: como é?

Os cursos de psicanálise são oferecidos por escolas ou institutos com orientação freudiana, lacaniana, kleiniana, entre outras. Cada linha/escola propõe metodologias de estudo e enfoques específicos.

Entenda:

Psicanálise Freudiana

A escola ou psicanálise freudiana, por exemplo, tem por objetivo analisar as pulsões de vida e morte, as estruturas psíquicas (neurose, psicose e perversão) e a sexualidade. A partir dela, são analisados os sonhos, os padrões e o processo elaborativo do paciente.



Psicanálise Lacaniana

Já a psicanálise lacaniana desenvolvida por Jacques Lacan - também denominada de Escola Francesa -, tem como eixo central a linguagem. Nessa abordagem, a escuta visa captar as rupturas do discurso para tocar o real do sujeito.

Com a linguística, a psicanálise se potencializa para compreender os sentidos de como o paciente se posiciona no mundo e nas relações a partir dos modos como fala.

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Psicanálise Kleiniana

Um outro exemplo é a escola ou psicanálise kleiniana, desenvolvida por Melanie Klein, centrada na relação entre figuras parentais e o mundo interno do bebê. Nessa abordagem, são investigadas as fantasias inconscientes originadas desde a primeira infância, ainda nas primeiras interações, sobretudo, maternas.

Nesse sentido, todas as abordagens investigam sobre o inconsciente, mas cada uma o faz a partir de uma lente específica, com foco em diferentes aspectos do psiquismo e em modos distintos de conduzir a escuta clínica.

banner do curso Melanie Klein e a refundação do eu desenvolvimento psiquico e a teoria das posicoes, do professor Alexandre Patricio, para a Casa do Saber

O que aprendemos sobre o psicanalista: conclusão do guia

Neste artigo, aprendemos como ser psicanalista envolve um compromisso ético profundo com o sofrimento do outro e com uma busca pela autocompreensão do sujeito. Entendemos que a psicanálise não é apenas uma profissão, mas um modo de escutar e compreender o ser humano em sua complexidade.

Se você se interessa pela escuta, pelo inconsciente e pelo cuidado com a subjetividade, a psicanálise pode ser um caminho transformador. E se está em busca de um processo terapêutico profundo, esse método pode proporcionar mudanças e percepções significativas.

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Tripé da Psicanálise: os três pilares da formação do psicanalista
Ricardo Salztrager
Tripé da Psicanálise: os três pilares da formação do psicanalista
Saiba o que é o tripé da psicanálise e por que análise pessoal, supervisão e estudo teórico são indispensáveis na formação de um psicanalista.

Você sabe o que é o tripé da psicanálise? Neste artigo, vamos explorar os três pilares fundamentais para a formação de um psicanalista: a análise pessoal, a supervisão clínica e o estudo teórico. Vamos entender como surgiu a exigência desse tripé, qual a sua importância para a prática ética da psicanálise e de que forma ele ajuda a construir a escuta analítica. Também vamos discutir os riscos de ignorar essas etapas e as implicações éticas na atuação profissional.



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O que é o tripé da psicanálise?

O tripé da psicanálise diz respeito aos três pilares da formação de um psicanalista: análise pessoal, supervisão e estudo teórico. De acordo com Freud (1926/1996), somente uma formação fundamentada nestas três bases tornaria um sujeito apto para ser psicanalista.

A formação psicanalítica

A primeira menção de Freud ao tripé da formação psicanalítica data de 1919 quando publicou o pequeno ensaio “Sobre o ensino da psicanálise nas universidades”. No entanto, foi somente entre os anos de 1925 e 1933 que o obedecimento a este tripé foi oficialmente considerado a condição fundamental para a formação de quem quisesse praticar a psicanálise.

Segundo Roudinesco & Plon (1988), tal oficialização se fez dentro da IPA (Associação Psicanalítica Internacional), primeira instituição de formação de psicanalistas fundada por Freud e seu discípulo Ferenczi em 1910. Ora, como a psicanálise vinha desfrutando de uma imensa fama, era comum que os mais variados tipos de pessoas passassem a praticá-la e a se declararem psicanalistas. E o problema era que muitos destes não tinham a preparação necessária para tal.

Deste modo, era necessário barrar o caminho e a admissão na IPA dos chamados “psicanalistas selvagens”, gíria que na época fazia referência aos maus psicanalistas, espécies de “charlatões” que praticavam a psicanálise. Além deles, seriam barrados os psicóticos, os “gurus” e os líderes religiosos. E, neste contexto, uma longa e polêmica discussão também se fez sobre os que praticavam a psicanálise sem possuir o diploma de médico (Freud, 1926/1996).

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O surgimento do tripé da formação psicanalítica

Daí a instituição do tripé da formação psicanalítica: era preciso colocar um mínimo de ordem em tamanha bagunça. E para tal, passou a ser exigido que os psicanalistas em formação passassem por 1) uma análise pessoal; 2) uma supervisão de seus primeiros atendimentos; e 3) se dedicassem aos mais variados estudos teóricos ao longo deste percurso.

Assim, em primeiro lugar, formulou-se a necessidade de um psicanalista passar por uma análise pessoal com outro psicanalista reconhecido pela IPA. Tal procedimento funcionaria como garantia de que ele estava sendo “bem analisado”. E jamais alguém poderia qualificar-se com o título de psicanalista antes de terminar seu processo de análise pessoal.

Em segundo lugar, havia a necessidade de supervisão. Deste modo, após o término de suas análises pessoais e com a devida autorização de seus psicanalistas, os formandos poderiam começar a atender desde que supervisionados por alguém também reconhecido pela IPA.

Por fim, foi exigido que, ao final de todo este percurso, eles apresentassem um trabalho teórico original a ser comunicado em uma das reuniões científicas da IPA. Tal trabalho seria o resultado dos muitos estudos que eles eram obrigados a fazer durante seus processos de análise pessoal e de supervisão.

Com a aprovação deste trabalho teórico, eles poderiam finalmente declarar-se psicanalistas, praticar a profissão e serem reconhecidos pela IPA (Miller, 1989). A seguir analisaremos detalhadamente cada um dos três pilares do tripé da psicanálise.


Análise pessoal: o mergulho necessário no próprio inconsciente

Conforme estamos demonstrando, a primeira base do tripé é a análise pessoal. Em relação a isto, ficou famosa a intervenção de Freud (1910/1996) quando, durante as conferências proferidas nos Estados Unidos, perguntaram-lhe do que precisaria alguém para tornar-se psicanalista. Ele então respondeu que esta pessoa deveria saber “interpretar os próprios sonhos”.

Deste modo, fica marcado ser imprescindível que o futuro psicanalista tenha certo contato com suas tendências inconscientes. Com efeito, a psicanálise é uma prática que se aprende em um divã. De forma que o manejo psicanalítico em si seja algo impossível de ser aprendido apenas em livros, artigos, palestras e mesmo em universidades e cursos de especialização.

Deve o futuro psicanalista passar por um amplo processo de análise pessoal e é apenas através desta experiência que ele conseguirá entender o que se faz em um consultório. Em suma: só entende o trabalho do psicanalista aquele que se propõe a elaborar suas próprias tendências inconscientes.

Aquele que não aceita passar por uma análise pessoal ficaria mais vulnerável a alguns riscos. Dentre eles:

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a) O risco de projetar-se em seus pacientes

Com efeito, aquele que não se submete a uma análise pessoal pode acabar projetando demais suas próprias questões em seus pacientes.

Nas palavras de Freud (1912/1996), “quem não se tiver dignado a tomar a precaução de ser analisado (...) cairá facilmente na tentação de projetar (...) algumas das peculiaridades de sua própria personalidade (...) e desencaminhará os inexperientes” (pp. 130-131).

Como exemplo, podemos mencionar o de um psicanalista bastante ciumento e que, assim, corre o risco de acabar sugerindo a um de seus pacientes que ele é traído. Ou seja, pode o paciente contar-lhe que, volta e meia, sua esposa sai com as amigas ou mesmo sozinha, mas que ele não vê qualquer problema nisso. No entanto, o analista ciumento por demais pode acabar reagindo a esta fala com um estranho conselho de “cuidado que numa dessas, você pode acabar perdendo ela para outro homem”.

Ou então o exemplo de um psicanalista que não lida muito bem com alguns de seus desejos homossexuais e que, assim, pode acabar concluindo que um de seus pacientes é homossexual, sem nem escutá-lo direito. Neste caso, o paciente pode contar-lhe sobre uma forte amizade que mantém com outro rapaz e, assim, sem nem escutar-lhe direito, o psicanalista pode concluir haver um desejo sexual nesta relação meramente amigável.

b) O risco de criar algumas resistências em seu trabalho

O processo de análise pessoal também ajuda o psicanalista a elaborar algumas de suas questões que, caso contrário, funcionariam como verdadeiras resistências ou entraves à sua escuta. Em outros termos, algumas questões suas ainda mal-elaboradas poderiam gerar alguns “pontos cegos” que viciariam sua escuta e o impossibilitaria de ouvir o que seus pacientes efetivamente dizem:

“O médico (...) não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio. (...) Deve-se insistir, antes, que tenha passado por uma purificação psicanalítica e ficado ciente daqueles complexos seus que poderiam interferir na compreensão do que o paciente lhe diz. (...) Todo recalque não solucionado nele constitui o que foi apropriadamente descrito por Stekel como um ‘ponto cego’ em sua percepção analítica” (Freud, 1912/1996, pp. 129-130).

Como exemplos destas resistências ou “pontos cegos”, podemos mencionar o caso de um psicanalista que, ainda sem ter elaborado suficientemente algumas questões com seus pais, teria sua escuta contaminada por este problema. Assim, supomos que ele culpe seus pais por alguns de seus fracassos na vida. Neste caso, ao ouvir um paciente que se queixa de tristeza, solidão ou timidez, pode o psicanalista apressadamente concluir que os pais deste paciente são os verdadeiros culpados pelo que ele se queixa.

Ou então o exemplo de um psicanalista que tem sua escuta viciada por ainda não lidar muito bem com o fato de um de seus filhos consumir álcool. Neste sentido, ao ouvir um paciente relatar-lhe que seus filhos gostam de sair com amigos para beber (mas sendo isto um mero detalhe em seu discurso e que nem lhe importa muito) pode o psicanalista privilegiar demais este fragmento, ao invés de centrar-se em questões que efetivamente incomodam o paciente.

Supervisão em psicanálise: escutar o que escutamos

A segunda base do tripé é a supervisão. Ela pode ser definida como a prática de um psicanalista (iniciante ou não) de levar seus casos para discuti-los com outro psicanalista mais experiente.

Deste modo, em supervisão, o psicanalista será devidamente alertado a respeito, por exemplo, das projeções que eventualmente faz em seus pacientes, das possíveis resistências ou “pontos cegos” em sua escuta e, sobretudo, se está ou não conseguindo manter com eles uma “atenção flutuante”.

Conforme vimos no texto sobre a associação livre, a “atenção flutuante” corresponde à necessidade de o psicanalista saber escutar seus pacientes sem, a princípio, privilegiar quaisquer aspectos de seus discursos. Trata-se de uma tarefa bastante difícil de ser cumprida e, neste aspecto, uma supervisão pode muito bem auxiliá-lo.

Por exemplo, quando nos concentramos demais em um material que nossos pacientes nos trazem, é certo que negligenciamos outros tantos. E isto não deve ocorrer em nossos consultórios. Caso atuemos desta forma, estaremos arriscados a jamais descobrirmos nada além do que já sabemos. Neste sentido, uma boa supervisão pode ser muito útil.

Fora que quando um psicanalista cede à tentação de privilegiar apenas um ou poucos aspectos dos discursos de seus pacientes, pode-se ter a certeza de que ele assim age em virtude de suas próprias questões.

Por exemplo, vamos supor que um psicanalista possua uma série de problemas com seus irmãos. Neste caso, quando, dentre tantas outras coisas, algum de seus pacientes vem a narrar-lhe uma briga de família, pode o psicanalista acabar centralizando demais sua escuta neste ponto. O problema aqui é que o paciente pode nem ter se importado muito com a briga e efetivamente querer trabalhar outros assuntos. No entanto, o psicanalista mal supervisionado corre o risco de, em virtude de suas próprias questões, acabar privilegiando este aspecto.



Estudo teórico na psicanálise: teoria como sustentação da escuta

Por fim, o terceiro alicerce do tripé da psicanálise é o estudo teórico. De fato, as mais variadas instituições de formação psicanalítica oferecem uma série de cursos, módulos, palestras, debates e grupos de estudos sobre os mais variados temas da psicanálise.

Assim, durante todo o período no qual o psicanalista em formação faz sua análise pessoal e pratica a supervisão de seus primeiros atendimentos, ele também tem a oportunidade de mergulhar em uma série de estudos teóricos.

Tais estudos teóricos podem se dar sobre os principais conceitos da teoria freudiana: o inconsciente, os sonhos, a sexualidade, o narcisismo, as fantasias, a transferência, as pulsões, a angústia e o desamparo, dentre tantos outros.

Há também nas instituições alguns módulos de estudo sobre os principais autores pós-freudianos: Ferenczi, Balint, Winnicott, Lacan, Klein, dentre outros.

E também é interessante notar a presença de muitos grupos de estudos sobre questões atuais cujas discussões em muito auxiliam em nossa prática: debates sobre racismo, homofobia, debates sobre gênero, etc.

O tripé e a ética do trabalho de psicanalista

Portanto, conclui-se ser necessário o cumprimento deste tripé para que alguém venha a tornar-se psicanalista. Em si, seus três pilares são indissociáveis. Ou seja, de nada adiantaria estudar sem fazer uma análise pessoal ou supervisão. Do mesmo modo, de nada adiantaria apenas fazer supervisão sem uma análise pessoal e um estudo teórico. O mesmo vale para alguém que apenas tenha passado por uma análise pessoal, mas se recusa a estudar e a ser supervisionado.

Deste modo, a formulação deste tripé envolve toda uma discussão ética sobre o trabalho daqueles que se recusam a cumpri-lo. Há muitos, por exemplo, que se dizem psicanalistas apenas por possuírem uma faculdade de psicologia e terem aprendido sobre psicanálise, mas que, por exemplo, nunca se submeteram a uma análise pessoal.

Fora os tantos “psicanalistas selvagens”, “gurus”, líderes religiosos e mesmo “charlatães” que, tal como na época de Freud, ainda existem e fazem seus questionáveis atendimentos por aí.


Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Freud, Sigmund. (1910). Cinco lições de psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 11. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 15-65.

______. (1912). “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 123-135.

______. (1919). “Sobre o ensino da psicanálise nas Universidades”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 17. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 185-191.

______. (1926). “A questão da análise leiga”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 20. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 175-249.

Miller, Dominique. (1989). “Tão só como sempre estive em minha relação com a causa analítica”. In: Miller, Gérard. Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Roudinesco, Elisabeth. & Plon, Michel. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Associação Livre na Psicanálise: o que é qual sua importância
Ricardo Salztrager
Associação Livre na Psicanálise: o que é qual sua importância
Associação livre é a técnica central da psicanálise criada por Freud. Entenda o que é, como funciona e como ela permite o acesso ao inconsciente.

A associação livre é considerada por Sigmund Freud a regra fundamental da psicanálise e desempenha um papel central no trabalho clínico. Neste artigo, você vai entender o que é a técnica da associação livre, como ela surgiu, qual sua importância para o acesso ao inconsciente e como é aplicada nas sessões de psicanálise. Também vamos abordar o papel da escuta do analista, o conceito de atenção flutuante, as resistências que podem surgir ao longo do processo e os principais entraves à escuta psicanalítica.

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O que é associação livre?

De acordo com Sigmund Freud (1904/1996), a técnica da associação livre é a regra fundamental da psicanálise. Ela é definida como convite que o psicanalista faz aos seus pacientes para que, durante as sessões, digam tudo o que lhes vêm ao pensamento, sobretudo, o que acharem sem importância ou lhes provoquem dor ou vergonha. Através desta técnica, Freud conseguia chegar mais facilmente às tendências inconscientes que tanto lhes causavam sofrimento.

Como surgiu a técnica da associação livre de Freud?

É difícil precisar o momento em que ela surgiu. De fato, mesmo enquanto praticava a sua auto-análise, Freud (1900/1996) já se servia da técnica da associação livre. Assim, visando interpretar seus sonhos, por exemplo, ele pegava um de seus fragmentos e ia associando-o a tudo o que lhe vinha à mente. Ao longo deste trabalho, ele ia descobrindo uma série de desejos inconscientes seus.

No entanto, é comum situar o caso de Emmy von N. (Breuer & Freud, 1895/1996) como aquele no qual a técnica da associação livre foi utilizada pela primeira vez. Freud nos conta que ele costumava falar bastante com esta paciente e até mesmo interferir no livre curso dos seus pensamentos. Até que, certa vez, ela o adverte para que deixasse de intervir a todo instante, de forma que ela pudesse falar à vontade sobre tudo o que lhe vinha ao pensamento.

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A associação livre na psicanálise

Apesar de ter sido utilizada desde muito cedo, a técnica da associação livre só vai se constituir como técnica privilegiada da psicanálise após Freud abandonar a hipnose.

Como muitos já sabem, Freud iniciou sua prática servindo-se da hipnose, vindo a abandoná-la em alguns poucos anos. Tal abandono se deu por vários motivos. O primeiro foi que a hipnose não era considerada exatamente um método científico e, assim, não desfrutava de muito respeito entre os médicos. O segundo foi que nem todo paciente era hipnotizável e, com isto, Freud deixava de atender uma enormidade deles.

No entanto, o principal motivo que o levou ao abandono da hipnose foi a descoberta de que era possível chegar às tendências inconscientes de seus pacientes mesmo com eles acordados. Bastava que se pedisse que dissessem tudo o que lhes vinha ao pensamento, sem maiores censuras ou restrições. Com isto, a livre associação foi alçada à categoria de regra fundamental da psicanálise (Freud, 1904/1996).

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Como funciona a técnica da livre associação?

Conforme destacamos, a técnica da associação livre possibilita que o paciente associe suas ideias de forma livre e sem maiores interferências do analista. Este se limitaria a escutar e a observar aonde as associações vão chegar. De vez em quando, é claro, cabe ao analista fazer algumas perguntas ao paciente, mas sempre com o intuito de melhor estimular suas associações.

Através desta técnica, o paciente consegue, por exemplo, expor seus pensamentos, falar sobre alguns acontecimentos cotidianos e construir um relato sobre aquilo que o faz sofrer. Ele pode também falar de seus conflitos, de seu passado, dos projetos para o futuro e, inclusive, de suas fantasias e ideias de qualquer ordem (Freud, 1904/1996).

Associação livre e o inconsciente

Com efeito, destacamos que a psicanálise parte do pressuposto de que todos nós possuímos desejos inconscientes (desejos dos quais não temos qualquer conhecimento). Segundo Freud (1909/1996), são justamente estes desejos que se escondem por trás de tudo o que nos faz sofrer. Trata-se de desejos sexuais que tiveram de ser afastados da consciência por serem considerados imorais.

Assim, quando um sujeito vem procurar análise, o psicanalista deve com ele trabalhar para trazer estes desejos novamente à consciência. Desta forma, o paciente consegue elaborar seu sofrimento.

De fato, conduzir o material inconsciente à consciência foi considerado o principal objetivo da clínica psicanalítica, pelo menos nos primeiros anos de trabalho de Freud. Para tal, o analista se serviria da associação livre, propondo que seu paciente tudo dissesse e encadeiasse umas às outras as suas associações. Ao longo deste trabalho, acontecia de o paciente perceber em si algumas tendências inconscientes que ele nem desconfiava existir.

À guisa de ilustração podemos tomar o caso de Elisabeth, paciente de Freud, que em muito sofria em virtude de fortes dores na perna. Nesta medida, através da técnica da associação livre, a paciente ia falando, contando sua história, trazendo seu passado e relatando suas mais diversas fantasias e acontecimentos cotidianos.

Até que, ao longo destas tantas associações, ela descobriu possuir os mais ardentes desejos pelo próprio cunhado. Porém, não conseguia “dar um passo adiante” em seus propósitos, justamente, em virtude dos tantos preceitos morais existentes. Deste modo, Elisabeth concluiu que suas dores na perna eram justificadas por seu desejo sexual pelo cunhado aliado à impossibilidade de correr atrás de seus objetivos (Breuer & Freud, 1895/1996).



O método da associação livre e as resistências

Cabe agora perguntar: por que quando o analista solicita que o paciente diga tudo o que lhe vem ao pensamento, ele frisa para que não se exclua aquilo que considere sem importância, pareça-lhe sem sentido ou lhe cause dor, vergonha ou mesmo asco? A resposta é: porque assim acredita-se que o trabalho de associação livre consiga driblar a força das resistências.

Como se pode imaginar, não é tarefa muito fácil fazer com que, a partir das associações livres, os desejos inconscientes cheguem à consciência. Isto porque, ao longo das sessões, as livres associações frequentemente se esbarram com algumas forças contrárias à conscientização dos desejos. Freud (1904/1996) denominou estas forças de “resistências”. Vejamos alguns de seus tantos exemplos.

Alguns exemplos de resistências na psicanálise

Tais resistências podem se reconhecer, por exemplo, quando o paciente silencia em meio às suas associações, quando sente dificuldade em dizer o que lhe vem à mente, quando prontamente se recusa a falar, quando falta à alguma sessão ou mesmo quando coloca uma série de empecilhos para o prosseguimento da análise.

Mas há também as situações nas quais o paciente se embaraça em virtude do que iria contar ou sente vergonha a respeito do que está narrando. Inclusive, há as situações nas quais o prosseguimento das associações livres lhe cause desconforto, tristeza ou mesmo dor. Ademais, há o caso nos quais suas associações pareçam não fazer muito sentido. Em todos estes casos, Freud (1904/1996) diz fazer-se presente a força das resistências.

Um último exemplo remete ao caso de quando o paciente deixa de contar algo porque o considera irrelevante. Geralmente, este é mais um dos pretextos que funciona como uma arma das resistências. Nesta medida, é sempre surpreendente observar que aquilo que o paciente julga como pouco importante é justamente o que mais diretamente vai conduz aos desejos inconscientes.

Daí o pedido para que o paciente não exclua de seu discurso o que considere sem importância ou que venha lhe causar tristeza, dor ou embaraço dentre tantos outros sentimentos penosos. De fato, quanto mais as associações provocam embaraço, desprazer ou sejam consideradas sem sentido ou mesmo sem importância, pode-se ter a certeza de que elas estão se aproximando das tendências inconscientes.

A escuta psicanalítica

Freud (1912b/1996) também destaca que ao ouvir as associações livres de seus pacientes, o psicanalista deve manter uma “escuta flutuante”.

Por “escuta flutuante” ou “atenção flutuante”, ele caracteriza uma escuta que não privilegia qualquer elemento das associações livres de seus pacientes. Deste modo, tal como deve acontecer com as associações do analisando, a escuta do psicanalista deve ser igualmente livre. Por isto, há o destaque de que o psicanalista deve tudo ouvir, de forma a não se concentrar – pelo menos à princípio – em quaisquer dos elementos narrados.

Caso o analista se concentre por demais em determinado elemento das associações livres, ele corre o risco de negligenciar outra série de elementos que podem ser importantes para o caso. Além do mais, ao fechar os ouvidos para estes outros elementos, ele periga não descobrir nada além do que já sabe e, com isto, recorrer a graves enganos.

Os entraves à escuta psicanalítica

Em relação à escuta flutuante, Freud também coloca que ela deve ser isenta de quaisquer entraves. Dentre eles, os três mais conhecidos são: as concepções teóricas que o psicanalista traz consigo, os diversos preconceitos que ele insiste em manter e também alguns julgamentos seus de qualquer ordem.

Daí a necessidade de o psicanalista do tripé psicanalítico, onde deve fazer uma análise pessoal – além de uma supervisão – para se livrar, ao máximo, destas tendências que prejudicam sua escuta. Ilustremos cada um destes três entraves.

  1. Concepções teóricas

    Há, portanto, a necessidade de o psicanalista se esforçar para, de certa maneira, esquecer parte de seus conhecimentos teóricos, pelo menos enquanto escuta seus pacientes. Deste modo, o psicanalista evitaria acabar aplicando aos casos que atende uma teoria conhecida que, talvez, nada tenha a ver com eles.

    Um exemplo grosseiro remete a uma possível paciente que chegue ao seu consultório sentindo fortes dores nas pernas e ele presuma que, assim como aconteceu com Elisabeth, ela estaria apaixonada pelo cunhado.

    Ou então que, em conformidade com o que aprendeu a respeito do complexo de Édipo, o psicanalista venha a concluir de antemão que a esposa de um paciente seu seja a substituta de sua figura materna. Assim, sem nem escutar direito o paciente, o psicanalista acaba dizendo-lhe: “Você provavelmente briga com a sua esposa, igual brigava com a sua mãe”. Ou: “Você sente ciúmes dela tal qual na infância sentiu ciúmes da sua mãe”.
  2. Preconceitos

    Nesta mesma perspectiva, uma análise pessoal aliada a uma supervisão também poderia impedir que determinados preconceitos do analista venham a prejudicar sua escuta. Como ilustrações, há o caso do psicanalista homofóbico que pode vir a achar que seus pacientes homossexuais são relativamente anormais ou perversos. Há também o caso do psicanalista extremamente machista que pode estranhar e mesmo criticar algumas atitudes e pensamentos de suas pacientes mulheres. Além do caso do psicanalista extremamente religioso e moralizatório que possa vir a fazer longos sermões aos pacientes que utilizam drogas lícitas ou mesmo ilícitas.
  3. Julgamentos pessoais

    Outros exemplos correntes remetem aos próprios julgamentos pessoais do psicanalista que prejudicam sua escuta no caso de não serem bem analisados ou supervisionados. Desta forma, há o caso de uma psicanalista que, por exemplo, sofre por nunca ter conseguido ser mãe e que, assim, tenha dificuldade em escutar os motivos de uma paciente que decidiu abortar uma gravidez indesejada. Ou mesmo o caso de um psicanalista com tendências políticas mais reacionárias e que possa vir a ter dificuldade em escutar alguns comportamentos de seus pacientes com visões mais progressistas.



Associação livre e escuta flutuante

A partir de tudo o que foi acima colocado, podemos concluir que a atenção flutuante está para o analista assim como a associação livre está para o analisando e que ambas se complementam durante o tratamento (Freud, 1912/1996). Assim como as associações do paciente devem ser livres de preconceitos ou julgamentos, a escuta do psicanalista também o deve ser. E se o analista abre mão de sua atenção flutuante, ele inevitavelmente joga fora todo o proveito que se poderia retirar das associações livres de seus pacientes.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

BREUER, J. & FREUD, S. (1893-1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.

FREUD, S. (1900). A interpretação de sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vols. 4 e 5. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-650.

______. O método psicanalítico de Freud. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 233-240.

______. (1909). Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 165-186.

______. (1912). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 121-133.



Entenda as diferenças entre psicanalista e psicólogo
Camila Fortes
Entenda as diferenças entre psicanalista e psicólogo
Veja as diferenças entre psicanalistas e psicólogos: formação, atuação e abordagens terapêuticas. Entenda de vez como atua cada profissional da área.

Muitas pessoas confundem os papéis do psicanalista e do psicólogo. Ambos os profissionais atuam no cuidado em saúde mental, escutam pacientes e trabalham com questões emocionais e comportamentais. No entanto, apesar das semelhanças na prática clínica, existem diferenças importantes entre eles.

O psicanalista e o psicólogo possuem trajetórias, formações e campos de atuação próprios. Os métodos de trabalho e as abordagens teóricas utilizadas também se diferem, refletindo maneiras distintas de compreender o funcionamento psíquico e de conduzir o processo terapêutico.

Neste artigo, vamos entender o que diferencia o psicanalista do psicólogo, as áreas de atuação, a formação e como eles contribuem para o bem-estar emocional e mental das pessoas.



O que faz um psicanalista?

O psicanalista é um profissional da psicanálise, uma abordagem terapêutica criada por Sigmund Freud. O psicanalista analisa os sintomas, investiga os motivos inconscientes por trás desses sintomas, e busca tratá-los. Além disso, explora questões como a linguagem, os traumas e os sonhos do paciente para acessar conteúdos reprimidos pela psique.

Sua prática é marcada pela abordagem do sujeito a partir das manifestações do desejo, sendo que o objetivo não é a cura em seu sentido biomédico, mas o processo de subjetivação e elaboração psíquica de conflitos pessoais.

O processo analítico na psicanálise costuma ser mais longo, pois analisa questões complexas e subjetivas para o paciente. Nesse processo, a interpretação de padrões de pensamento e comportamento são estratégias centrais para a escuta clínica.


O psicólogo opera para compreender os modos como as pessoas se relacionam com o mundo e com elas mesmas. Na prática, o profissional da psicologia auxilia o paciente a entender os pensamentos, as emoções e percepções, dentro de um contexto de sociabilidade, e elabora soluções para se construir um maior bem-estar.

Embora o processo terapêutico seja mais reduzido a depender do objetivo, a área da psicologia inclui uma multiplicidade de abordagens teóricas e práticas clínicas, o que permite diferentes formas de condução do processo analítico.

Entre as abordagens mais utilizadas, destaca-se a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), focada na identificação de padrões de comportamento disfuncionais e na reestruturação cognitiva para promover mudanças práticas no cotidiano.

Já a Psicologia Humanista valoriza a experiência subjetiva do indivíduo e busca promover seu potencial de crescimento através do vínculo terapêutico. A Gestalt-terapia, por sua vez, é centrada na percepção do “aqui e agora” e na responsabilidade pessoal.

Além disso, muitos psicólogos exercem a própria Psicanálise, após passar por uma formação específica nessa abordagem. Eles encontram nela um campo de aprofundamento teórico e clínico que enriquece a sua prática e amplia os modos de escuta e intervenção sobre o sofrimento humano. Assim, um psicólogo pode se tornar membro de uma escola ou sociedade psicanalítica, que reconhece sua capacitação e atuação na área.


Como Psicólogos e Psicanalistas Entendem a Ansiedade: Um Exemplo

Mencionamos que ambos olham para o sofrimento mental de modos distintos. Mas, como isso acontece?

Um diagnóstico de ansiedade , por exemplo, pode ser analisado por psicólogos a partir de modelos teóricos com foco na função adaptativa ou disfuncional do comportamento ansioso. Na prática, a psicologia irá ajudar a identificar os gatilhos emocionais e a reestruturar os pensamentos ansiosos. Além disso, auxiliará a reduzir os sintomas e ensinar técnicas de manejo emocional, com metas e tempo definidos.

Já para a psicanálise, a ansiedade é interpretada como um sintoma subjetivo, com raízes no inconsciente. Ela denunciaria algum outro aspecto psíquico do sujeito, que precisaria ser analisado profundamente. Na prática, o psicanalista investigaria a relação com traumas, desejos, conflitos e padrões de pensamento e comportamento ansiosos, aprofundando o processo terapêutico.

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O que é psicanálise e o que é psicologia?

Antes de aprofundarmos sobre o processo formativo e os campos de atuação, é preciso entender brevemente o que é cada área.

A psicanálise é uma abordagem terapêutica centrada na investigação do inconsciente sobre a personalidade do paciente. Criada por Sigmund Freud no final do século XIX, a terapia psicanalítica investiga o que está fora da consciência, mas que influencia diretamente nos modos de agir, pensar, sentir e sofrer.

Por outro lado, a psicologia é uma ciência que estuda o comportamento humano e os processos mentais. Ela tem por objetivo trabalhar as dimensões cognitivas, afetivas e comportamentais das pessoas, em todas as fases da vida.


A formação em psicanálise e psicologia

O exercício profissional da psicologia acontece por meio de uma formação de graduação universitária, que dura em média, 5 anos. Além disso, para realizar a prática clínica, é necessário realizar estágios supervisionados e se registrar no Conselho Regional de Psicologia (CRP).

Durante a prática, o psicólogo também pode realizar entrevistas clínicas, testes psicológicos e utilizar de outros recursos que auxilie no processo terapêutico.

Já na psicanálise, a formação tem duração de 1 a 4 anos, dependendo da instituição e da carga horária. Além disso, o processo formativo se dá, tradicionalmente, por meio do tripé psicanalítico: análise pessoal, supervisão clínica e estudo teórico. O estudo contínuo das obras de Freud, Lacan, Melanie Klein, Winnicott, entre outros psicanalistas, é fundamental para o desenvolvimento profissional do psicanalista.

Na psicanálise a formação acontece por meio de institutos ou escolas de psicanálise, de forma livre e independente da graduação universitária. Não sendo uma profissão regulamentada por lei no Brasil, a formação psicanalítica não possui conselho e nem exigência de registro profissional.

Embora, legalmente, a formação em psicanálise não exija diploma universitário, a maioria dos institutos mais reconhecidos costuma exigir formação prévia em áreas como psicologia, medicina ou ciências humanas.

Atenção:

É importante destacar que psicanalistas não podem realizar testes ou emitir laudos e pareceres psicológicos. Do mesmo modo, um psicólogo só pode se apresentar como psicanalista se tiver realizado uma formação específica em psicanálise.




Campos de atuação para psicanalistas e psicólogos

A atuação de psicanalistas e psicólogos também acontece de modos distintos, tanto por questões institucionais e legais, quanto pela concepção de saúde e sofrimento mental adotada por cada campo.

Embora ambas possam trabalhar com escuta clínica, seus espaços de trabalho e formas de inserção na sociedade divergem bastante.

O psicólogo pode atuar nas seguintes áreas regulamentadas por lei:

  • Psicologia Clínica: Oferece psicoterapia individual, de casal, em grupo ou família. Trabalha com diferentes abordagens para promover saúde mental, entre elas, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Humanista, Gestalt, Psicologia Analítica e Psicanálise.
  • Psicologia Jurídica ou Forense: Atua no sistema de justiça, realizando avaliação psicológica em vítimas, réus e seus familiares. Contribui com pareceres técnicos e decisões judiciais, quando envolvem questões subjetivas.
  • Psicologia Hospitalar: Trabalha em hospitais, clínicas e unidades de saúde no cuidado emocional de pacientes, familiares e equipes profissionais. Auxilia na adaptação de diagnósticos, internações e processos de luto.
  • Psicologia Educacional ou Escolar: Atua em instituições de ensino promovendo inclusão e desenvolvimento psíquico de alunos. Responde junto a professores e famílias para auxiliar com dificuldades de aprendizagem e relações escolares.
  • Psicologia Organizacional e do Trabalho: Exerce a prática em empresas e instituições com recrutamento de profissionais. Desenvolve ações de prevenção ao estresse, melhorando a gestão de pessoas e a comunicação.
  • Neuropsicologia: Investiga a relação das funções cognitivas do cérebro com o comportamento humano. Com base nos estudos das neurociências, a neuropsicologia atua para entender as influências de questões neurológicas sob a atenção, a memória, o raciocínio, as emoções e o comportamento do paciente.


A formação psicanalítica, por sua vez, pode abrir portas para áreas de atuação não convencionais. O psicanalista pode explorar a:

  • Clínica psicanalítica: Realiza atendimentos individuais, geralmente em processos mais longos e aprofundados. O foco é na investigação sobre o inconsciente através do estudo dos sonhos, das experiências infantis e relações familiares.
  • Formação de outros psicanalistas: Diversos psicanalistas se dedicam ao processo formativo de outros profissionais da psicanálise. O ensino de cursos livres, a supervisão de atendimentos clínicos e a construção de núcleos de estudos teóricos também integram essa formação.
  • Produção acadêmica: Atuam na elaboração do conhecimento científico, participando de eventos, congressos e espaços de discussão intelectual. Produzem livros e artigos, além de ministrar aulas e palestras, com o objetivo de aprofundar as investigações nos estudos sociais e culturais sob o olhar psicanalítico.
  • Interlocuções profissionais: A formação psicanalítica pode ser somada a outras formações, como psicologia, medicina com foco em psiquiatria, filosofia, literatura, sociologia e outras áreas das humanidades.


A psicanálise também tem ganhado espaço em clubes de leitura, atendimentos populares e projetos culturais, sendo utilizada como ferramenta crítica para analisar fenômenos contemporâneos.

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Tanto a psicanálise quanto a psicologia oferecem caminhos legítimos e potentes para o cuidado em saúde mental.

Para quem deseja seguir carreira, a psicologia oferece possibilidades de atuação em múltiplas áreas, sendo assegurado pelo Conselho (CRP). Já a psicanálise, oferece um campo de atuação mais flexível e livre em termos profissionais, mas que exige comprometimento, estudo contínuo e envolvimento com instituições formadoras.

Já para quem busca atendimento, a escolha entre um psicólogo e um psicanalista pode depender do tipo de abordagem que a pessoa deseja experimentar. Diferentes linhas teóricas podem oferecer caminhos igualmente valiosos e profundos. Por isso, ao procurar um psicólogo, é recomendável se informar sobre a abordagem utilizada para entender se ela está alinhada com o que se busca para o processo terapêutico.

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Referências

https://bvsms.saude.gov.br/psicologia-6/

Transferência e Contratransferência: O Papel na Psicanálise
Ricardo Salztrager
Transferência e Contratransferência: O Papel na Psicanálise
Entenda o que são transferência e contratransferência na psicanálise, como surgem na clínica, exemplos e sua importância para o analista desde Freud.

Você já ouviu falar em transferência e contratransferência, mas não sabe exatamente o que esses termos significam na prática da psicanálise? Neste texto, você vai entender o que são transferência e contratransferência, suas origens no pensamento de Freud, como se manifestam na clínica e por que exigem tanto cuidado por parte do analista.

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O que é transferência e contratransferência na psicanálise?

A transferência é definida por Freud como o vínculo que o paciente estabelece com seu analista. Este vínculo pode ser, por exemplo, de amor, de ódio, de idealização, de ciúmes, de inveja, etc. Na maioria das vezes, inclusive, uma relação transferencial engloba vários destes sentimentos ao mesmo tempo.

Já a contratransferência é definida por Freud como o modo através do qual o analista reage às transferências de seus pacientes. Tais reações podem ser igualmente de amor, de ódio e dos demais sentimentos acima elencados.

Freud e a descoberta da transferência

A transferência foi descoberta já nos primórdios da psicanálise enquanto Freud observava a relação da paciente Anna O. com seu médico Joseph Breuer (Breuer & Freud, 1895/1996).

Com efeito, era visível que Anna O. apaixonara-se pelo terapeuta. Ela não parava de falar em Breuer, dizia também sentir muitas saudades dele e até – segundo Ernest Jones (1999), biógrafo de Freud – chegou a desenvolver uma espécie de “gravidez psicológica” durante o tratamento.

O amor de transferência

A partir deste e de tantos outros casos, Freud (1915/1996) concluiu ser comum que se estabeleça na clínica uma relação transferencial amorosa da parte do paciente. Ou seja, em uma relação terapêutica, temos, de um lado, um paciente que sofre demais em virtude de seus tantos conflitos e, de outro, alguém que ele supõe poder curá-lo. Assim, a relação terapeuta e paciente passa a ser marcada por uma idealização tal que o analista vem a assumir uma posição central na vida do paciente.

Deste modo, é comum que o paciente venha a pensar demais em seu psicanalista e que não pare de falar dele para seus familiares e amigos. É também corriqueiro que venha a stalkear as redes sociais do analista visando descobrir alguma informação sobre sua vida privada: onde mora, se é casado, se tem filhos... E muitos pacientes são capazes de passar horas e horas vendo repetidas vezes algumas fotos de seus analistas.

Outros exemplos comuns de transferência no vínculo entre terapeuta e paciente

Como o amor é um sentimento que nunca vem sozinho, é normal que o vínculo entre terapeuta e paciente seja também mesclado por intensos ciúmes, ódios, sentimentos de posse, competições, etc.

  • O ciúme: Se onde há amor há ciúme, nada mais previsível que as relações terapêuticas sejam também por ele marcadas. Assim, pode o paciente, por exemplo, vir a detestar os outros pacientes de seu analista e, nesta medida, às vezes, o ambiente de uma sala de espera é marcado por muita hostilidade. É inclusive comum que um paciente questione: “por que você atende tal paciente por mais tempo que a mim?”, “por que você sorri para ele, mas nunca para mim?” ou então “eu tenho certeza que você prefere a ele que a mim”.
  • O ódio: Em todo este contexto é também de se imaginar que a relação terapeuta e paciente seja marcada por um grande ódio. Com efeito, nós também odiamos aqueles que tanto amamos e, por isto, pode acontecer que o paciente diga coisas horríveis sobre a pessoa de seu analista, tenha sonhos maléficos com ele, ou então, que se entregue às mais variadas brigas e disputas. Desta forma, o analista pode ser alvo de algumas ironias e indiretas e a situação às vezes chega ao limite de o paciente descarregar uma grande raiva em cima de seu terapeuta.
  • O sentimento de posse: Outro exemplo é quando o vínculo entre terapeuta e paciente é acompanhado por um intenso sentimento de posse. Daí pode acontecer de o paciente vir a encher o analista de presentes com o intuito de conquistá-lo, tentar manipular sua agenda para que consiga protagonismo diante de seus outros pacientes ou mesmo de se colocar como alguém gentil e amável para que o analista retribua todo o seu amor.
  • A competição: É também provável que este vínculo seja marcado por forte competição. Ou seja, se o paciente presume que o analista tudo sabe, é capaz que ele próprio insista em defender que sabe muito mais que o terapeuta. Uma relação transferencial baseada na competição pode também incluir questionamentos do paciente sobre quem é mais jovial, bonito, magro ou atlético dentre tantas outras coisas.


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Por que ocorre a transferência?

No artigo “A dinâmica da transferência”, Freud (1912/1996) diz que ela ocorre porque quando uma pessoa está em análise, ela costuma deslocar uma série de tendências suas para o psicanalista. Trata-se, geralmente, de algumas formas de se comportar na vida que o paciente traz consigo desde a infância mais remota e que agora serão direcionadas ao terapeuta.

Como exemplo, podemos citar o caso de uma pessoa que, desde criança, sente muita inveja dos outros. Ela agia desta maneira com seus irmãos e irmãs, com as outras crianças do colégio e, conforme crescia, passou a se comportar assim com os amigos, com aqueles que conseguiam namorados melhores que os seus e mesmo com os que tinham um trabalho mais valorizado.

Ora, nada mais óbvio que quando esta pessoa inicie um tratamento, também passe a sentir inveja do analista, já que ela é assim com todo mundo e é desta forma que ela se relaciona.

A transferência e o inconsciente

No entanto, destaca-se que não necessariamente o paciente possui a exata consciência daquilo que transfere ao analista.

Ou seja, se tomarmos o exemplo acima, podemos dizer que tal paciente talvez nem tenha noção do quanto é invejoso nem do quanto transfere suas relações de inveja para o terapeuta. Pelo contrário, a psicanálise estabelece que todos nós temos um inconsciente, ou seja, todos nós desconhecemos grande parte dos nossos desejos, fantasias e comportamentos. Neste sentido, Freud vai dizer que são justamente estas tendências inconscientes aquelas que com maior frequência estarão presentes na cena transferencial.

Como ilustração, tomemos o exemplo de uma pessoa que se julga extremamente boa. Uma pessoa religiosa, caridosa e incapaz de praticar qualquer maldade. No entanto, ela não possui a exata consciência do quanto é agressiva com os outros, fazendo com eles pequenas maldades como fofocas, intrigas e injustiças.

Ora, quando esta pessoa entra em análise, é exatamente desta forma que ela vai se comportar com o psicanalista. É provável que dirá o tempo inteiro o quanto é boa e íntegra, porém sem perceber, direcionará ao analista todas as suas pequenas agressividades. E, assim, ela só poderá se tornar consciente do quanto é agressiva quando isso for apontado por seu psicanalista.


O caso Dora

Conforme colocamos, Freud descobriu a existência da transferência bastante cedo quando seu colega Breuer atendia a Anna O. Todavia, foi a partir de situações vividas com sua paciente Dora que ele concedeu maior atenção ao tema. O conjunto de suas observações sobre o tema está em “Fragmentos da análise de um caso de histeria” (Freud, 1905/1996).

Dora era uma jovem envolta em paixões por algumas pessoas de seu convívio, paixões estas que jamais se concretizavam. Dentre elas, estava seu apaixonamento pelo melhor amigo de seu pai, o Sr. K. Com ele a jovem mantinha uma relação no mínimo curiosa: sem medir quaisquer esforços, Dora seduzia completamente o Sr. K. e se entregava a tal jogo de sedução com todas as suas armas. Porém, quando ela sentia que estava conseguindo seu objetivo, de repente, abandonava a cena e sumia. Claro que a jovem não tinha a exata consciência de que agia desta maneira.

E foi exatamente assim que Dora se comportou com Freud. Seduziu o analista em demasia a ponto de Freud em muito se dedicar a sua análise e, inclusive, ter o desejo de publicar o caso (algo que não acontecia com qualquer paciente seu). Dora também insistia em não relatar determinadas coisas, deixando Freud extremamente curioso e praticamente em suas mãos. E em meio a tamanho jogo de sedução, de repente, Dora abandonou a análise.

Quando se dá o abandono, Freud finalmente percebe o quanto não tinha se dado conta da transferência de Dora.


A contratransferência na psicanálise

Foram poucas as vezes que Freud escreveu sobre a contratransferência. Em linhas gerais, ela é definida como o conjunto de sentimentos que um paciente é capaz de despertar em seu analista: amores, ódios, invejas, raivas, etc. Vale marcar que assim como a transferência do paciente para o analista é marcada por tendências inconscientes, o psicanalista também não possui a exata consciência daquilo que contratransfere.

Deste modo, o terapeuta pode, por exemplo, desenvolver um apaixonamento por certo paciente sem que disso esteja consciente. Da mesma maneira, pode ter inveja de um paciente sem que exatamente perceba isso. E pode até mesmo, sem saber, desenvolver um sentimento de posse em relação a seus pacientes, o que em muito prejudicaria seu trabalho.

A contratransferência e a importância da análise pessoal

Assim, ao contrário da transferência que é tida como algo a ser estimulado no tratamento psicanalítico, Freud (1915/1996) situa a contratransferência como uma coisa a ser incisivamente evitada. Isto porque um amor, um ódio, uma inveja ou uma raiva que o analista venha a sentir de seus pacientes pode, em muito, atrapalhar seus tratamentos.

Daí a necessidade de os analistas também fazerem uma análise pessoal. Ora, é comum – e até mesmo inevitável – que um terapeuta venha a sentir os mais variados afetos por seus pacientes. Alguns podem despertar-lhes maior interesse, outros podem fazer com que o psicanalista se lembre de traumas e ainda há os que ele possa vir a conceder um exagero de cuidados.

Por isso é imprescindível que um analista seja uma pessoa suficientemente analisada. Com sua análise pessoal, ele conseguirá melhor elaborar seus sentimentos e fazer com que suas próprias questões não interfiram tanto em seu trabalho.


O manejo da contratransferência

Com base nesta discussão, podemos perguntar: como um tratamento analítico poderia progredir se o analista respondesse com raiva aos sentimentos transferenciais de seus pacientes? Com certeza, o vínculo entre terapeuta e paciente passaria a ser marcado por uma raiva imensa que em muito prejudicaria o tratamento.

Ou então: como um tratamento analítico pode progredir se o analista responde com certo cansaço às falas de seus pacientes? Aqui a contratransferência também é prejudicial. E a mesma pergunta deve ser feita em relação a outros sentimentos do analista que venham a se manifestar na contratransferência.

Nesta medida, é importante frisar que o psicanalista não deve necessariamente se portar como uma pedra de gelo diante de seus pacientes, pois isso é humanamente impossível. Enquanto ser humano, ele possui os mais variados sentimentos que sempre se manifestarão independentemente de sua boa vontade e demais esforços. Por isso, certa dose de contratransferência é inevitável ao tratamento. Porém, é importante frisar que determinados exageros sentimentais da parte do analista são prejudiciais e por isto devem ser analisados.

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E quando o terapeuta se apaixona pelo paciente?

Foi para responder esta pergunta que Freud (1915/1996) escreveu o artigo “Observações sobre o amor transferencial”.

Apesar de ser uma coisa rara, nenhum psicanalista está livre de se apaixonar por alguns de seus pacientes. De fato, não controlamos nossos sentimentos e, às vezes, quando menos esperamos, eles acabam transbordando. E, assim, cabe ao psicanalista analisar-se e, com sua paixão devidamente elaborada, decidir se o tratamento prossegue ou termina em virtude de seu amor contratransferencial.

Deve o psicanalista orgulhar-se quando um paciente se apaixona por ele?

Uma discussão sobre esta pergunta também se faz em “Observações sobre o amor transferencial”.

Nele, Freud (1915/1996) é incisivo ao responder que não, alertando ser raro um paciente se apaixonar por seu psicanalista devido aos seus encantos pessoais. Conforme vimos, o amor transferencial é induzido pela própria situação analítica, mas jamais pelo charme, beleza ou inteligência do psicanalista. Por isto o terapeuta não teria motivos para orgulhar-se do fato de um paciente estar por ele apaixonado. Tampouco para entregar-se a uma ardente paixão com um de seus clientes.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

BREUER, J. & FREUD, S. (1895/1996). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago. p. 11-316.

Freud, Sigmund. (1905/1996). Fragmentos da análise de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago. p. 13-116.

_____. (1912/1996). A dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago. p. 107-119.

_____. (1915/1996). Observações sobre o amor transferencial. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago. p. 173-188.

Jones, Ernest. (1999). A Vida e a Obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.

Por Onde Começar a Estudar Psicanálise: Um Guia Completo
Ella Barruzzi
Por Onde Começar a Estudar Psicanálise: Um Guia Completo
Saiba por onde começar a estudar psicanálise: conheça os principais conceitos, autores fundamentais, métodos de estudo e caminhos detalhados.

A psicanálise é uma das principais áreas do conhecimento voltadas para o estudo do inconsciente, dos comportamentos humanos e das emoções.

Criada por Sigmund Freud, essa prática se consolidou como uma ferramenta valiosa para a compreensão profunda da mente humana e tem aplicações tanto na clínica quanto em diversas áreas do conhecimento, como a educação, a filosofia e as artes.

Mas, para quem deseja se aprofundar nesse universo, surge uma dúvida comum: por onde começar a estudar psicanálise?

A jornada exige mais do que simplesmente ler os textos clássicos. É um processo que envolve um mergulho profundo na mente humana, na compreensão das emoções e na capacidade de analisar os fenômenos inconscientes.

Se você deseja embarcar nessa, este guia foi elaborado para fornecer um roteiro claro e bem estruturado, com indicações de leituras fundamentais, cursos disponíveis, métodos de estudo e referências importantes.

Ao final deste artigo, você terá um caminho definido para iniciar seus estudos com confiança e uma base sólida para compreender o pensamento psicanalítico.




Por dentro da história, suas teorias e por onde começar a estudar psicanálise

Antes de decidir onde e como estudar psicanálise, é fundamental entender o que ela abrange.

A psicanálise investiga os processos mentais inconscientes, os mecanismos psíquicos que moldam nossos comportamentos e emoções e as forças internas que influenciam nossos pensamentos e decisões.

Freud postulou que a mente humana é composta por três instâncias psíquicas principais:

  • Id: a parte instintiva, responsável pelos desejos primitivos e inconscientes.
  • Ego: o mediador entre o id e a realidade externa, responsável pelo pensamento racional e pela tomada de decisões.
  • Superego: a instância moral, que internaliza valores e normas sociais.


Além dessa estrutura, a psicanálise se aprofunda em conceitos essenciais, como:

  • O inconsciente e suas manifestações: muitas de nossas ações e emoções são influenciadas por conteúdos reprimidos que escapam à consciência.
  • Os mecanismos de defesa: estratégias psicológicas usadas para lidar com conflitos internos, como a repressão, a projeção e a sublimação.
  • A interpretação dos sonhos: os sonhos são considerados manifestações simbólicas do inconsciente.
  • A transferência e a contratransferência: fenômenos que ocorrem na relação entre o paciente e o analista, essenciais para a prática clínica.
  • O desenvolvimento psicossexual: Freud dividiu o desenvolvimento da personalidade em estágios psicossexuais (oral, anal, fálico, latência e genital).


Embora Freud tenha sido o pioneiro da psicanálise, muitos outros teóricos contribuíram para o avanço dessa ciência. Entre eles estão Carl Jung, Jacques Lacan, Melanie Klein, Donald Winnicott, Wilfred Bion e Erik Erikson, cada um com perspectivas e aprofundamentos distintos.

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Quem pode estudar psicanálise

Diferentemente de algumas áreas da saúde, como a psicologia e a psiquiatria, a formação em psicanálise não exige um curso superior específico.

Essa característica torna a psicanálise uma área acessível, mas também carrega a responsabilidade de uma formação rigorosa e comprometida com a ética e a prática adequada.

No Brasil, qualquer pessoa interessada pode estudar psicanálise e até mesmo atuar como psicanalista, desde que siga um percurso de formação adequado.

Esse percurso envolve não apenas a assimilação teórica dos conceitos psicanalíticos, mas também uma transformação pessoal profunda, já que o trabalho do psicanalista é diretamente influenciado pela sua própria capacidade de autoconhecimento e interpretação das dinâmicas inconscientes.


Para se tornar um psicanalista, é necessário seguir o chamado tripé psicanalítico, um modelo de formação essencial que garante a qualidade e a profundidade da prática. Esse tripé consiste em:

Formação teórica

O estudo aprofundado das obras fundamentais da psicanálise é um compromisso exigente e transformador.

Não se trata apenas de compreender conceitos teóricos, mas de mergulhar em uma leitura que demanda interpretação, reflexão e uma escuta atenta ao que está dito e ao que permanece nas entrelinhas.

Esse estudo não se restringe aos textos inaugurais de Freud – embora eles sejam a base –, mas se expande para os desenvolvimentos realizados por autores como Jacques Lacan, Donald Winnicott, Melanie Klein, Carl Gustav Jung, entre muitos outros.

A teoria psicanalítica exige uma leitura cuidadosa, capaz de captar não apenas o conteúdo explícito das obras, mas também os significados simbólicos, as metáforas e as sutilezas do inconsciente que permeiam esses textos.

Cada autor traz uma perspectiva singular, mas todos convergem na busca por decifrar as complexidades da psique humana.

Freud nos apresenta conceitos fundamentais como o inconsciente, a repressão e a transferência, inaugurando um campo que seria amplamente explorado e revisitado.



Lacan, com sua releitura estruturalista, introduz a primazia da linguagem e do simbólico, convidando-nos a pensar o sujeito como efeito do discurso.

Melanie Klein aprofunda a compreensão dos primeiros vínculos e das fantasias inconscientes, enquanto Winnicott nos oferece a delicada noção de ambiente suficientemente bom e do espaço potencial.

Jung amplia o escopo da psicanálise ao abordar o inconsciente coletivo e os arquétipos, abrindo portas para uma visão mais ampla e simbólica da experiência psíquica.

Esse processo de estudo não é linear. Requer revisitas constantes aos textos, cruzamentos entre diferentes teorias e uma disposição para lidar com as ambiguidades e contradições próprias desse campo.

A psicanálise não oferece respostas definitivas, mas provoca questionamentos contínuos. A interpretação dos textos muitas vezes demanda a escuta de supervisores, a troca com colegas e a experiência pessoal em análise, uma vez que o conhecimento teórico só ganha profundidade quando atravessado pela vivência subjetiva.

Além disso, a leitura psicanalítica implica uma relação dialética entre teoria e prática. A compreensão dos conceitos se enriquece na medida em que são articulados com a experiência clínica, permitindo que o psicanalista desenvolva uma escuta mais sensível e uma interpretação mais precisa.

Esse movimento de ir e vir entre os textos e a prática é fundamental para a formação, possibilitando que a teoria não se cristalize em dogmas, mas permaneça viva e aberta a novas leituras.

Análise pessoal

O estudante deve passar por um processo de análise para compreender seus próprios processos psíquicos.

Esse aspecto é considerado indispensável, já que permite ao futuro psicanalista identificar suas próprias resistências, projeções e transferências, evitando que essas questões interfiram na escuta e na condução dos seus pacientes.

A análise pessoal promove um mergulho nas próprias angústias, desejos e conflitos, tornando-se uma experiência transformadora e essencial para a prática clínica.

Supervisão clínica

O trabalho clínico deve ser supervisionado por um psicanalista experiente. Durante a supervisão, o estudante tem a oportunidade de discutir casos, refletir sobre suas intervenções e receber orientações sobre a condução dos atendimentos.

Esse processo é fundamental para o desenvolvimento da escuta psicanalítica, da interpretação dos sintomas e da construção de uma postura ética na relação com os analisandos.

Sem esse tripé, é difícil garantir a qualidade da formação psicanalítica, pois a psicanálise não se baseia apenas em conhecimento teórico, mas também na vivência e no aprofundamento do inconsciente do próprio analista.

O modelo de formação visa assegurar que o psicanalista seja capaz de oferecer um espaço de escuta qualificada, compreensão empática e intervenções que promovam transformações genuínas no processo terapêutico.

A prática psicanalítica, portanto, é construída a partir de um compromisso contínuo com a própria análise e com o estudo permanente, visto que o inconsciente é uma dimensão inesgotável e sempre aberta a novas interpretações.

Como estudar psicanálise?

Se você está se perguntando como começar a estudar psicanálise, saiba que há diferentes caminhos, e o ideal é combinar métodos teóricos e práticos.

A seguir, apresentamos algumas sugestões para estruturar seus estudos:

Como Indicações
Comece pelos clássicos A base da psicanálise está nas obras de Freud, e seus textos são fundamentais para qualquer iniciante. Por isso, trouxemos algumas indicações de livros para começar a estudar psicanálise:
  • "A interpretação dos sonhos" – um dos principais textos de Freud, no qual ele apresenta sua teoria sobre os sonhos como expressões do inconsciente.
  • "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" – explora o desenvolvimento da sexualidade desde a infância.
  • "O mal-estar na civilização" – analisa o conflito entre os impulsos humanos e as exigências da sociedade.
  • "Totem e Tabu" – relaciona psicanálise e antropologia, explorando a origem das normas sociais.
Aprofunde-se Após Freud, é recomendável estudar os principais autores que deram continuidade ao pensamento psicanalítico:
  • Jacques Lacan – trabalhou a relação entre linguagem e psicanálise, reinterpretando Freud.
  • Carl Jung – desenvolveu a teoria do inconsciente coletivo e dos arquétipos.
  • Melanie Klein – introduziu conceitos fundamentais sobre a psicanálise infantil.
  • Donald Winnicott – abordou o desenvolvimento emocional e a importância do ambiente no psiquismo.
Faça cursos de psicanálise Existem diversas opções de cursos presenciais e online para quem deseja estudar psicanálise. Algumas instituições reconhecidas podem oferecer cursos à distância, na modalidade EAD, como é o caso do Programa +Psicanálise da Casa do Saber. Você consegue acessar a assinatura de cursos de psicanálise, garantindo um repertório inédito e plural para se atualizar em teoria psicanalítica e qualificar sua clínica.
Complemente assistindo filmes e documentários Eles podem ajudar a visualizar conceitos psicanalíticos de forma prática:
  • "Freud, além da alma" – biografia sobre Freud e o nascimento da psicanálise.
  • "Um método perigoso" – relação entre Freud, Jung e Sabina Spielrein.
  • "O gabinete do Dr. Caligari" – clássico do cinema expressionista que remete a questões do inconsciente.
Participe de grupos de estudo Os textos psicanalíticos são densos e, muitas vezes, difíceis de compreender sem discussão. Participar de grupos de estudo permite trocar ideias, esclarecer dúvidas e aprofundar o conhecimento. Esses grupos podem ser presenciais ou online, organizados por instituições ou de forma independente.


Se você busca flexibilidade, o curso de psicanálise EAD é a melhor opção. A Casa do Saber oferece formações completas, com aulas gravadas, materiais de apoio e programas exclusivos, todos com certificado.

Os desafios, transformações e recompensas na jornada psicanalítica

Estudar psicanálise vai muito além da aquisição de conhecimento teórico – é um mergulho profundo em um processo que envolve autoconhecimento, resiliência e uma constante disposição para lidar com a complexidade da mente humana.

Um dos primeiros obstáculos que muitos encontram é a densidade dos textos clássicos. Obras de Freud, Lacan, Klein e outros autores exigem uma leitura cuidadosa e interpretativa, onde cada conceito carrega múltiplos significados, muitas vezes simbólicos e entrelaçados.

A psicanálise não oferece respostas simples ou definitivas, mas convida à reflexão contínua, exigindo paciência e disposição para revisitar ideias sob novas perspectivas.

Outro ponto desafiador é a necessidade de passar pela análise pessoal – um processo transformador e, ao mesmo tempo, confrontador. Ao se colocar no papel de analisando, o futuro psicanalista precisa lidar com suas próprias angústias, resistências e conteúdos inconscientes.



Esse aprofundamento é essencial, já que permite identificar projeções, transferências e defesas, evitando que essas questões interfiram na escuta clínica, como falamos anteriormente.

A supervisão clínica também se apresenta como uma etapa crucial, mas desafiadora. Discutir casos reais sob a orientação de um psicanalista experiente exige humildade e abertura para receber críticas construtivas.

É nesse espaço que o estudante aprende a interpretar sintomas, formular intervenções adequadas e desenvolver uma escuta sensível, sem julgamentos ou precipitações.

No entanto, apesar dos desafios, a formação psicanalítica oferece recompensas profundas. A capacidade de compreender as dinâmicas inconscientes, escutar além das palavras e promover transformações genuínas na vida dos analisandos é um privilégio.

A prática psicanalítica não se resume a uma profissão, mas a um compromisso ético e pessoal com a busca pela verdade psíquica — tanto do outro quanto de si mesmo.

Por fim, a jornada psicanalítica não tem um ponto de chegada definitivo. Trata-se de um processo contínuo de aprendizado, onde cada leitura, análise ou supervisão revela novas camadas de compreensão. É essa eterna abertura ao desconhecido que torna a psicanálise uma prática tão rica, desafiadora e transformadora.

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Referências bibliográficas:

https://www.casadosaber.com.br/blog

https://www.casadosaber.com.br/categorias/psicanalise

FREUD, S. Cinco lições de psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

LACAN, J. O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

WINNICOTT, D. W. Conceitos e distorções. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

Libido e Menopausa: O Prazer e as Mudanças no Desejo Sexual
Xavana Celesnah
Libido e Menopausa: O Prazer e as Mudanças no Desejo Sexual
O que é libido e como a menopausa afeta o desejo sexual? Descubra formas de manter o prazer, aliviar sintomas e melhorar sua qualidade de vida.

Na menopausa, ocorrem transformações hormonais que podem afetar o desejo sexual, reduzindo a libido em muitas mulheres. Curiosamente, algumas mulheres podem experimentar um aumento do desejo sexual nessa fase. Durante esse período da vida, a redução dos níveis hormonais, especialmente do estrogênio, afeta diretamente a sexualidade. Mas, questões psicológicas, emocionais e relacionais também influenciam no desejo sexual.

A menopausa é um marco biológico que acompanha o envelhecimento e provoca uma reconfiguração da identidade feminina. Em alguns casos, mudanças no corpo, como ressecamento vaginal ou alteração na percepção da imagem corporal, podem gerar desconforto, mas existem maneiras de lidar com essas transformações. Este artigo abordará os diversos aspectos relacionados à libido e à menopausa.



O que é libido e como ela se relaciona com a menopausa?

A libido é definida como o desejo sexual ou a energia psíquica que motiva os impulsos sexuais. Sigmund Freud desenvolveu a teoria da libido, onde a enxergava como um componente essencial da psique humana, que, embora ligado ao prazer físico, também carrega dimensões emocionais e psicológicas. A libido e a menopausa se conectam de maneira muito particular, pois a diminuição dos hormônios reprodutivos tende a afetar diretamente a resposta sexual. No entanto, a menopausa não anula o desejo sexual, mas pode promover uma transformação no que se entende por prazer e desejo.

Com a chegada da menopausa, muitas mulheres experienciam uma redução na produção de estrogênio, o que pode causar uma série de efeitos fisiológicos, como secura vaginal e alterações no desejo. No entanto, é possível sentir prazer na menopausa. Por exemplo, mulheres podem explorar novas formas de prazer, como a utilização de lubrificantes ou a abertura para uma sexualidade mais livre de pressões. A ausência da menstruação e a possibilidade de não engravidar também podem proporcionar um alívio psicológico, permitindo uma vivência mais relaxada da sexualidade.

Entretanto, as questões hormonais não são as únicas influências sobre os encontros e desencontros no sexo.No campo da psicanálise, a sexualidade feminina na menopausa é compreendida como um território complexo de desejos inconscientes. A libido, ou energia sexual, não desaparece, mas pode se manifestar de formas diferentes.

Como saber se estou entrando na menopausa?

A menopausa é uma fase natural na vida da mulher, geralmente ocorrendo entre os 45 e 55 anos, marcada pelo fim da menstruação e mudanças hormonais. Para saber se você está entrando nesse período, é importante observar alguns sinais. A transição para a menopausa, conhecida como perimenopausa, pode ocorrer alguns anos antes da última menstruação. Os sintomas da menopausa podem variar de mulher para mulher, mas alguns dos mais comuns incluem:

SINTOMAS DA MENOPAUSA CARACTERÍSTICAS
Ondas de calor (fogachos) Sensação repentina de calor intenso, geralmente acompanhada de suor excessivo
Suores noturnos Suores intensos durante a noite, que podem afetar o sono
Irregularidade menstrual Menstruações mais espaçadas ou com fluxos mais intensos ou mais leves
Dificuldade para dormir Insônia ou sono interrompido, muitas vezes devido a suores noturnos
Alterações no humor Irritabilidade, ansiedade e, em alguns casos, sintomas depressivos
Secura vaginal Ressecamento da vagina, causando desconforto, especialmente durante a relação sexual
Diminuição do desejo sexual Mudanças hormonais podem reduzir a libido
Alterações no cabelo e na pele Cabelo mais fino e queda de cabelo, além de pele mais seca e menos elástica
Aumento de peso Algumas mulheres notam ganho de peso, especialmente na região abdominal
Problemas de memória e concentração Dificuldade para focar ou lembrar de coisas com clareza


Como aumentar a libido feminina durante a menopausa?

Para muitas mulheres, o maior desafio da libido na menopausa é a diminuição do desejo sexual. Contudo, isso não significa que o prazer precisa ser completamente perdido. Existem formas de aumentar a libido feminina, tanto a partir de tratamentos médicos quanto de mudanças no estilo de vida e práticas terapêuticas. Primeiramente, a consulta a um ginecologista pode ser fundamental, pois existem tratamentos que podem aliviar os sintomas da menopausa e restaurar a qualidade de vida sexual, como terapia hormonal, lubrificantes e até mesmo terapias com laser vaginal.

No entanto, é importante também observar o aspecto psicológico da menopausa. A abordagem psicanalítica da sexualidade revela que, muitas vezes, o desejo sexual é afetado por tensões emocionais, autoimagem negativa e até mesmo traumas antigos. A terapia pode ser uma excelente maneira de trabalhar esses aspectos emocionais e promover uma relação mais positiva com a sexualidade. O acompanhamento psicológico ajuda a mulher a entender melhor suas próprias expectativas sexuais e a lidar com o que está envolvido no processo de envelhecimento e de reconfigurar seu desejo sexual.

Além disso, práticas de relaxamento, como yoga, meditação e exercícios físicos regulares, têm mostrado benefícios significativos na melhoria do desejo sexual. O exercício, por exemplo, melhora a circulação sanguínea e reduz o estresse, fatores que podem contribuir para um aumento da libido. Mulheres que sentem que perderam o desejo durante a menopausa podem se beneficiar muito com essas mudanças no estilo de vida, já que elas promovem uma sensação de bem-estar e confiança, aspectos essenciais para o prazer sexual.



É possível sentir prazer na menopausa?

A menopausa é uma fase da vida associada a uma série de mudanças hormonais e físicas. Durante esse período, o corpo passa por transformações, como a diminuição da produção de estrogênio, o que pode impactar a saúde sexual e afetiva. Muitas mulheres acreditam que, com a chegada da menopausa, a libido diminui e o prazer sexual se torna algo do passado. No entanto, essa visão é simplista e não leva em consideração a complexidade do desejo sexual.

É possível sim sentir prazer na menopausa. Mesmo que a diminuição da produção hormonal possa causar alguns desconfortos, como a secura vaginal e as ondas de calor, isso não significa que o prazer sexual esteja fora de alcance. Pelo contrário, muitas mulheres relatam que, ao longo dessa fase, o prazer na menopausa pode se transformar, assumindo novas formas e sendo experimentado de maneiras diferentes.



Mais importante ainda, é o impacto que a percepção de envelhecer tem sobre a sexualidade. Para muitas mulheres, a menopausa pode ser vista como uma libertação das pressões da fertilidade e da procriação, abrindo espaço para um novo tipo de prazer que não está mais vinculado à reprodução, mas sim ao prazer puro e ao autoconhecimento.

A menopausa, ao marcar o fim da fase reprodutiva, pode ser também um período de redescoberta da sexualidade e do prazer, pois muitas mulheres experimentam uma sensação de liberdade emocional que não sentiam antes. O desejo, assim como a libido, não é algo estático. Na menopausa, ele pode ser ressignificado, levando a uma experiência sexual mais focada no prazer emocional e na conexão íntima, em vez de se preocupar com a performance ou dos aspectos físicos relacionados à fertilidade.

Portanto, sim, é possível sentir prazer na menopausa. O prazer sexual pode, sim, ser vivido de uma maneira diferente, mas não menos intensa ou satisfatória. A chave está em compreender as mudanças físicas e psicológicas que essa fase traz e aceitar que o prazer sexual pode ser ressignificado ao longo do tempo.

O impacto psicológico da menopausa na sexualidade

A menopausa é, acima de tudo, um evento psicobiológico que envolve muito mais do que mudanças no corpo. O envelhecimento, em si, traz questões complexas para a mulher, não apenas sobre a perda da fertilidade, mas sobre a percepção de sua própria identidade e sexualidade. A libido na menopausa pode ser uma fonte de ansiedade, principalmente se a mulher associa sua sexualidade à sua capacidade de gerar filhos ou à imagem jovem e sensual que é frequentemente valorizada na sociedade.

A psicanálise, ao explorar as questões do desejo e o processo de envelhecer, ajuda a compreender que a sexualidade não desaparece na menopausa, mas se transforma. O desejo não se extingue, mas é reinterpretado e ressignificado. Nesse sentido, a menopausa pode ser um momento de amadurecimento e autoconhecimento, onde a mulher tem a oportunidade de redefinir o que o prazer significa para ela, independentemente de padrões estéticos ou sociais. Ao longo da vida, as mulheres têm se relacionado com o sexo e o desejo de diferentes maneiras, e a menopausa é apenas mais uma etapa de reconfiguração desse processo.

A psicanálise e a sexualidade entram em cena ao considerar que as experiências passadas, as expectativas frustradas e até as relações familiares podem impactar diretamente na vivência da sexualidade na menopausa. Desejos inconscientes, que surgem como fantasias ou sonhos, podem ajudar a mulher a reconectar-se com sua sexualidade de maneira mais plena. A teoria freudiana também sugere que, durante esse período, ressignificar a própria história sexual pode ser fundamental para o reestabelecimento do desejo.



Qual a diferença entre climatério e menopausa?

A menopausa e o climatério são dois conceitos que se referem a diferentes aspectos da transição hormonal na vida da mulher, mas muitas vezes são confundidos. A menopausa é o momento específico em que a mulher deixa de menstruar permanentemente, marcando o fim da fase reprodutiva. Ela é definida como a ausência de menstruação por 12 meses consecutivos e ocorre, em média, entre os 45 e 55 anos. Esse é um evento biológico que indica a cessação da fertilidade.

Já o climatério é o período de transição que inclui a menopausa, mas vai além dela. Ele abrange a fase de mudanças hormonais que começa anos antes da última menstruação e pode durar até a pós-menopausa, envolvendo tanto os anos de preparação para a menopausa quanto os que se seguem a ela. Durante o climatério, a mulher passa por uma série de alterações no corpo, como variações nos ciclos menstruais e o surgimento de sintomas como ondas de calor, suores noturnos, secura vaginal e alterações de humor.

Portanto, enquanto a menopausa é o evento que marca o fim da menstruação, o climatério é um período mais amplo, que engloba toda a transição hormonal e as mudanças físicas e emocionais que ocorrem antes e após esse momento.

O Complexo de Édipo e a Sexualidade

O complexo de Édipo é um conceito central na teoria psicanalítica de Sigmund Freud, que descreve o conflito emocional e psíquico vivido por uma criança, geralmente entre os 3 e 6 anos de idade, durante o processo de desenvolvimento sexual. Segundo Freud, nesse período, a criança desenvolve um desejo inconsciente pela figura do sexo oposto, geralmente a mãe, e uma rivalidade em relação à figura do mesmo sexo, que, no caso dos meninos, seria o pai. Este processo é visto como uma parte essencial da formação da identidade sexual e das primeiras estruturas psíquicas da pessoa, tendo um impacto duradouro na sexualidade adulta.

Quando se fala de sexualidade na vida adulta, o complexo de Édipo tem relevância, pois muitas das questões e dinâmicas afetivas e sexuais que surgem mais tarde podem estar relacionadas a esse primeiro momento de desenvolvimento. O desejo inconsciente que a criança experimenta por um dos pais e a rivalidade com o outro não são superados automaticamente; ao contrário, essas experiências se refletem nas relações emocionais e sexuais ao longo da vida. Freud acreditava que a resolução bem-sucedida do complexo de Édipo, ou seja, a aceitação da autoridade do pai e o distanciamento dos desejos infantis pela mãe, seria fundamental para o desenvolvimento da sexualidade madura.



No contexto da sexualidade adulta, o que ocorre na fase do complexo de Édipo pode ter efeitos de longo alcance, com suas ressonâncias se manifestando em padrões de relacionamento, desejo e comportamento sexual. Por exemplo, questões não resolvidas relacionadas ao complexo podem levar a padrões de escolha de parceiros que replicam, de forma inconsciente, as figuras parentais. Mulheres podem se envolver com homens que reeditam a figura paterna, e homens podem procurar mulheres que lembram a mãe, muitas vezes sem se dar conta disso. Essas dinâmicas psíquicas inconscientes podem influenciar profundamente a libido e até os padrões de intimidade e afetividade ao longo da vida adulta.

A teoria da libido de Freud coloca o desejo como um impulso psíquico fundamental que atravessa as diferentes fases do desenvolvimento humano. A forma como o complexo de Édipo é vivenciado e superado pode, assim, impactar diretamente na forma como um indivíduo experimenta a sexualidade e o desejo ao longo da vida. É importante destacar que, na abordagem psicanalítica, o complexo de Édipo não é algo que se resolve apenas uma vez, mas sim um processo dinâmico que se reflete em diversas camadas da vida emocional e sexual do adulto.

Além disso, o complexo de Édipo também nos leva a refletir sobre as questões do desejo, e como essas questões podem ser distorcidas ou até reforçadas por ideais e expectativas sociais sobre o papel da mulher e do homem nas relações sexuais e afetivas. A psicanálise nos ajuda a compreender que a sexualidade não é uma questão puramente fisiológica ou social, mas um campo vasto e complexo, enraizado em dinâmicas inconscientes profundas que se originam nas primeiras fases da vida.

Embora seja um conceito que se refira a uma fase inicial do desenvolvimento, suas repercussões podem ecoar durante toda a vida sexual de uma pessoa, influenciando a maneira como ela se relaciona com seu corpo, com os outros e, principalmente, com sua libido e desejos inconscientes. Compreender esses mecanismos pode ser um caminho para o amadurecimento do desejo.

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Conclusão

A libido e menopausa estão interligadas por uma série de fatores fisiológicos, emocionais e psíquicos. Embora a menopausa traga consigo alterações hormonais que podem reduzir o desejo sexual, ela também oferece uma oportunidade para a mulher reconfigurar sua identidade sexual, explorar novas formas de prazer e lidar com as questões do envelhecimento. A chave para viver a sexualidade de maneira plena durante a menopausa está na aceitação das mudanças do corpo e na busca por práticas que favoreçam o bem-estar físico e psicológico.

É possível sentir prazer na menopausa, mas isso envolve uma mudança de perspectiva, um olhar mais livre e autêntico sobre a sexualidade, onde não apenas o físico, mas também os aspectos emocionais e inconscientes desempenham um papel fundamental. Ao trabalhar as questões do desejo, através da psicanálise ou outras terapias, a mulher pode viver sua sexualidade de forma renovada, superando os desafios e aproveitando os novos caminhos que se abrem com a maturidade.

Perguntas Frequentes sobre Libido e Menopausa

  1. A libido realmente diminui durante a menopausa?

    Embora a libido na menopausa possa diminuir devido às mudanças hormonais, não é uma regra para todas as mulheres. Algumas mulheres podem experimentar uma transformação no desejo, enquanto outras podem perceber um aumento na libido.
  2. É possível aumentar a libido feminina durante a menopausa?

    Sim, existem maneiras de aumentar a libido feminina, incluindo tratamentos médicos, terapia hormonal e mudanças no estilo de vida. Além disso, abordagens psicoterapêuticas, como a psicanálise, podem ajudar a lidar com bloqueios emocionais que afetam o desejo.



Referências

https://www.casadosaber.com.br/blog/sexualidade-e-teoria-da-libido-em-freud

https://www.tuasaude.com/sintomas-da-menopausa/




O Que é Histeria? Entenda sua Importância para a Psicanálise
Ella Barruzzi
O Que é Histeria? Entenda sua Importância para a Psicanálise
Entenda o que é histeria, sua importância para a história da psicanálise e como Freud revelou o inconsciente ao relacioná-la aos sintomas corporais.

Provavelmente, você já ouviu alguém dizer: “aquela mulher é histérica!”. Essa expressão tem uma longa história, e não por acaso. Mas o que é histeria? A palavra “histeria” – tema deste post – tem suas raízes na Grécia Antiga, derivada do termo “hystéra”, que significa útero.

Na antiguidade, acreditava-se que a histeria era uma condição exclusivamente feminina, atribuída ao deslocamento do útero pelo corpo – eles achavam que esse movimento do órgão, chegando até regiões como o diafragma ou o cérebro, causava sintomas físicos e emocionais incomuns, levando as mulheres a apresentarem comportamentos considerados estranhos. Como forma de tratamento, eram usados banhos de assento com ervas específicas, acreditando-se que isso ajudaria a “chamar” o útero de volta ao seu lugar.

Essa ideia foi fortemente influenciada pelos escritos de Hipócrates, visto que era ele quem associava os sintomas histéricos a distúrbios do aparelho reprodutor feminino.

Tal visão persistiu por séculos, reforçada pela ideia de que as mulheres eram mais suscetíveis a desordens emocionais devido à sua biologia. Foi apenas no final do século XIX, com o avanço dos estudos médicos e psicológicos, que essa interpretação começou a ser questionada.

Charcot, neurologista francês, teve um papel crucial nesse processo ao demonstrar que a histeria não era restrita ao sexo feminino e que seus sintomas poderiam ser induzidos e aliviados por meio da hipnose – e é aqui que Freud entra.

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A histeria para a psicanálise

Desde as primeiras investigações de Freud até as reformulações propostas por Lacan, a histeria não apenas marcou o início da psicanálise como também permanece relevante para a compreensão das dinâmicas do inconsciente.

Em sua essência, revela a complexidade das relações entre o corpo e a mente, manifestando-se através de sintomas físicos para expressar conflitos psíquicos profundos, como falamos anteriormente.

Sigmund Freud, ao estudar pacientes com sintomas inexplicáveis pela medicina tradicional, percebeu que havia uma conexão entre algumas manifestações e traumas psíquicos reprimidos – sintomas físicos que expressam conflitos psíquicos profundos.

Sendo assim, introduziu a ideia de que a histeria era uma forma de neurose onde o inconsciente se expressava por meio de sintomas somáticos, como paralisias, cegueira histérica ou convulsões, por exemplo.



Esse entendimento foi revolucionário, pois deslocou a visão da histeria como uma condição exclusivamente fisiológica para uma interpretação psicodinâmica.

Jacques Lacan, por sua vez, trouxe uma nova abordagem, destacando a histeria como uma estrutura subjetiva. Para ele, a pessoa histérica está sempre em busca de respostas sobre seu próprio desejo e o desejo do outro. Essa insatisfação constante e a necessidade de reconhecimento são características fundamentais da histeria lacaniana, que ultrapassam a mera manifestação de sintomas físicos e se inserem em uma complexa dinâmica de linguagem e desejo.

Portanto, a histeria é muito mais do que um diagnóstico clínico – é um campo de estudo que permite explorar as profundezas do inconsciente, a construção do desejo e as formas como os sujeitos lidam com suas angústias.

Essa condição, que já foi vista como um mistério ou até mesmo como encenação, hoje é reconhecida como uma chave essencial para entender a psicanálise e a condição humana.

O significado e a origem da histeria

Freud, inspirado pelas pesquisas de Charcot, aprofundou o estudo da histeria ao vinculá-la a traumas psíquicos e desejos inconscientes. Em sua obra "Estudos sobre a Histeria", escrita em parceria com Josef Breuer, apresentou casos clínicos que demonstravam como sintomas físicos sem causa orgânica eram, na verdade, manifestações de conflitos emocionais reprimidos.

Essa abordagem – considerada inovadora – abriu caminho para o desenvolvimento da psicanálise, estabelecendo a histeria como um modelo paradigmático para a compreensão das neuroses.



Hoje, a histeria é reconhecida como uma forma de neurose, caracterizada por manifestações físicas de conflitos psíquicos. Os sintomas histéricos, muitas vezes dramáticos e sem explicação médica aparente, continuam sendo objeto de estudo e debate, revelando a complexa interação entre corpo, mente e desejo.

Casos de histeria coletiva e histeria em massa, por exemplo, mostram como essas manifestações podem se expandir para além do indivíduo, atingindo grupos sociais inteiros em momentos de tensão e ansiedade, como podemos ver no quadro abaixo:

ASPECTO HISTERIA INDIVIDUAL HISTERIA COLETIVA | HISTERIA EM MASSA
ORIGEM Conflitos psíquicos pessoais, como traumas e desejos reprimidos. Emoções compartilhadas, como medo, ansiedade ou excitação, amplificadas socialmente.
EXEMPLOS DE SINTOMAS Paralisias, cegueira histérica, convulsões sem causa orgânica. Desmaios coletivos, sintomas psicossomáticos compartilhados, comportamentos anômalos.
EXEMPLOS HISTÓRICOS Caso Anna O. (Freud e Breuer). Dança de São Vito (século XIV), surtos de pânico em ambientes escolares ou de trabalho.
DESENCADEADORES Traumas psíquicos individuais, repressão de desejos inconscientes. Situações de tensão, ansiedade ou sugestão coletiva.


Apesar de ocorrerem em diferentes escalas, ambos os fenômenos refletem a vulnerabilidade do psiquismo diante de situações de crise, mostrando como o inconsciente individual e o inconsciente coletivo podem se entrelaçar na construção de sintomas histéricos.

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A histeria na psicanálise e a contribuição de Freud

O caso de Anna O., documentado por Freud e Breuer, é um dos exemplos mais conhecidos da histeria na literatura psicanalítica e foi crucial para a formulação de conceitos fundamentais da psicanálise.

Anna O. apresentava um conjunto complexo de sintomas físicos e psíquicos, como paralisias, dificuldades de fala, distúrbios visuais e episódios de alucinação. Esses sintomas não tinham uma causa orgânica identificável, o que os levou a explorar a conexão entre as manifestações somáticas e o estado emocional da paciente.

Através do método catártico, Breuer conseguiu aliviar os sintomas ao ajudá-la a relembrar e verbalizar memórias traumáticas associadas a essas manifestações físicas. Esse processo mostrou como experiências emocionais reprimidas poderiam se expressar de forma somática, inaugurando a ideia de que a fala e a elaboração consciente de eventos traumáticos tinham um efeito terapêutico direto.

Para Freud, a histeria estava intimamente ligada à sexualidade e ao desejo inconsciente. Ele observou que os sintomas histéricos frequentemente derivavam de desejos reprimidos, traumas infantis ou conflitos emocionais não resolvidos. Essa perspectiva foi essencial para a formulação da teoria da sexualidade na psicanálise, que enfatiza a importância dos impulsos inconscientes na formação dos sintomas neuróticos, como visto anteriormente.

Além de Anna O., Freud documentou outros casos clínicos de histeria que se tornaram clássicos na literatura psicanalítica. O caso de Dora, por exemplo, revelou novas dimensões da relação entre repressão, desejo inconsciente e sintomas somáticos.

Esses casos ajudaram a consolidar a compreensão de que a histeria não se limitava a uma condição exclusivamente física, mas envolvia uma intrincada interação entre psique e corpo.

A abordagem psicanalítica proposta por Freud e Breuer, ao dar voz às experiências reprimidas dos pacientes, abriu caminho para a prática da associação livre e a interpretação dos conteúdos inconscientes, pilares da psicanálise moderna.



Neurose histérica e obsessiva, quais as principais diferenças

A neurose histérica e a neurose obsessiva são duas formas distintas de manifestações psíquicas, cada uma refletindo maneiras específicas de lidar com conflitos internos. Embora ambas tenham origens em processos inconscientes, suas expressões e dinâmicas são bastante diferentes. Confira:

Neurose histérica:

  • Sintomas: manifesta-se através de sintomas físicos e emocionais intensos, como paralisias, cegueira histérica, convulsões sem causas orgânicas, dores inexplicáveis e outros sintomas somáticos.
  • Causa: os sintomas representam a expressão simbólica de conflitos psíquicos reprimidos, geralmente ligados a traumas ou desejos inconscientes.
  • Exemplos: casos como a cegueira histérica — onde a pessoa perde a visão sem nenhuma causa orgânica detectável — ou paralisias temporárias sem explicação médica.
  • Dinâmica psíquica: a histeria transforma angústias psíquicas em manifestações corporais, funcionando como uma representação simbólica de questões internas não resolvidas.


Neurose obsessiva:

  • Sintomas: caracteriza-se por pensamentos intrusivos e obsessivos, acompanhados de comportamentos repetitivos ou rituais compulsivos.
  • Causa: surge como um mecanismo de controle para lidar com ansiedades profundas, levando à repetição como forma de alívio temporário.
  • Exemplos: a necessidade de verificar repetidamente se uma porta está trancada, lavar as mãos excessivamente por medo de contaminação ou seguir rituais meticulosos para evitar catástrofes imaginárias.
  • Dinâmica psíquica: nessa neurose, há uma constante luta entre pensamentos obsessivos e as defesas criadas para neutralizá-los, resultando em compulsões e rituais.


Entenda a diferença entre neurose, psicose e perversão neste artigo


Essas duas manifestações psíquicas, apesar de diferentes, mostram como a mente cria mecanismos complexos para enfrentar angústias e conflitos internos, cada uma à sua maneira.

Para finalizar, podemos dizer que a histeria, longe de ser um termo pejorativo ou ultrapassado, revela-se como uma chave fundamental para a compreensão do inconsciente humano.

Desde os primeiros estudos de Freud até as contribuições de Lacan, a histeria mostra como sintomas físicos e emocionais podem ser expressões simbólicas de conflitos psíquicos profundos.

Ao estudar essa estrutura, a psicanálise não só ampliou o entendimento sobre as neuroses, mas também abriu caminhos para uma abordagem mais profunda sobre o desejo, a linguagem e a subjetividade.

Dessa forma, a histeria segue sendo uma peça essencial para entender as complexas interações entre mente e corpo, trazendo à tona questões que ainda ressoam na prática clínica e no estudo do inconsciente.

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Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 3: As psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.





Mitos e Verdades sobre a Psicanálise: entre fatos e mal-entendidos
Ella Barruzzi
Mitos e Verdades sobre a Psicanálise: entre fatos e mal-entendidos
Conheça mitos e verdades sobre a psicanálise, suas abordagens e como ela transforma a compreensão do inconsciente e das relações humanas.

A psicanálise vai muito além da simples compreensão de sintomas psicológicos. Ela investiga o inconsciente, os desejos reprimidos e os conflitos internos que influenciam o comportamento humano. Justamente por ser um tema tão amplo, é cercada por diversas crenças – algumas verdadeiras, outras nem tanto. Por isso, é importante esclarecer os mitos e verdades sobre a psicanálise.

Muitas pessoas acreditam que a psicanálise se restringe a um modelo rígido criado por Freud e que suas ideias permanecem estáticas.

No entanto, ela evoluiu significativamente desde sua fundação, incorporando novas perspectivas e diálogos com outras áreas do conhecimento. Hoje, há diferentes escolas psicanalíticas, como a lacaniana, a winnicottiana e a kleiniana, que ampliam o alcance e a aplicabilidade da teoria freudiana.

Diferentemente de abordagens que focam exclusivamente no alívio sintomático, a psicanálise trabalha com o tempo subjetivo de cada indivíduo. O processo analítico não é imediato, pois envolve a construção de significados, a ressignificação de experiências e a elaboração de conteúdos inconscientes.

Todo psicanalista é psicólogo?

Falar sobre as diferenças entre psicólogo e psicanalista é fundamental para compreender a diversidade de abordagens dentro da saúde mental. Enquanto a Psicologia é uma ciência com base acadêmica formal, a Psicanálise é um campo de estudo e prática que segue uma trajetória formativa distinta, baseada na transmissão de conhecimento entre analistas.

Diferentemente da Psicologia, que exige uma graduação reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) e, no caso do exercício clínico, registro no Conselho Regional de Psicologia (CRP), a Psicanálise não é regulamentada como uma profissão de ensino acadêmico tradicional. Os profissionais que desejam começar a formação psicanalítica precisam seguir três pilares fundamentais:

  1. Estudo teórico: o psicanalista precisa se aprofundar nos textos clássicos e contemporâneos da Psicanálise, incluindo as obras de Sigmund Freud, Jacques Lacan, Melanie Klein, Donald Winnicott, entre outros. Essa formação é conduzida por institutos de Psicanálise, sociedades psicanalíticas, grupos de estudo e cursos livres como o +Psicanálise da Casa do Saber.
  2. Análise pessoal: um dos requisitos mais importantes para um psicanalista é passar pelo próprio processo de análise. Essa experiência é considerada essencial para que o futuro analista compreenda suas próprias questões inconscientes, evitando que interfiram na escuta do paciente.
  3. Supervisão clínica: o aprendizado prático se dá por meio do acompanhamento de casos clínicos, sob a orientação de um psicanalista mais experiente. Esse processo de supervisão garante que o analista em formação refine sua escuta e sua capacidade interpretativa dentro da prática clínica.


Então, se você está se perguntando: “Para ser psicanalista é obrigatório ter curso superior?”, a resposta é não. Isso porque os psicanalistas podem atender sem formação em Psicologia.

Como a Psicanálise não exige uma graduação específica, um psicanalista pode ter diferentes formações acadêmicas – Filosofia, Comunicação, Medicina, Direito, Letras, entre outras. O que define um psicanalista não é um diploma universitário, mas sim seu percurso formativo dentro da tradição psicanalítica.

É importante destacar que sua atuação está focada na escuta do inconsciente e na condução do processo terapêutico a partir das associações livres e da interpretação das formações do inconsciente, como os sonhos e atos falhos.

O psicólogo clínico, por outro lado, tem uma formação acadêmica estruturada e regulamentada. Sua prática envolve o uso de métodos científicos para avaliar e intervir em processos cognitivos, emocionais e comportamentais.

Ou seja, enquanto a Psicanálise enfatiza o papel do inconsciente e das experiências infantis na constituição da subjetividade, a Psicologia Clínica pode adotar uma abordagem mais voltada para padrões de pensamento e comportamento no presente, dependendo da linha teórica escolhida.

Com essas distinções em mente, vamos abordar algumas questões recorrentes sobre a psicanálise para desmistificar, de uma vez por todas, as crenças que o senso comum muitas vezes trata como verdades absolutas – mesmo quando são difíceis de engolir.



Para a psicanálise, todo mundo tem raiva da mãe?

Desde os primeiros momentos da vida, a mãe – ou a figura que representa esse papel – desempenha funções cruciais no desenvolvimento do bebê e constrói essa relação mãe e filho na psicanálise.

Mas não se trata apenas de afeto ou cuidado físico, mas de uma construção subjetiva: é por meio desse vínculo inicial que o indivíduo começa a formar sua identidade, reconhecer limites e estruturar seus primeiros desejos.

Nos primeiros meses, o bebê vive um estado de fusão simbiótica com a mãe, em que não se percebe como separado dela. Gradualmente, à medida que o mundo externo se impõe e outras figuras entram em cena, ocorre a diferenciação entre o “eu” e o “outro”. Esse processo de separação é fundamental para o desenvolvimento emocional e pode ser marcado por momentos de frustração e ambivalência.

Dessa forma, Sigmund Freud formulou o conceito de complexo de Édipo, que descreve como a criança organiza seus primeiros sentimentos amorosos e conflitos em torno das figuras parentais. Nesse processo, é comum que sentimentos contraditórios surjam, incluindo amor, desejo de proximidade, ciúme e até raiva.

No entanto, é um erro interpretar isso de forma literal ou universal – ou como sendo uma verdadeira raiva da mãe na psicanálise. O complexo de Édipo não significa que todas as pessoas desenvolvem ressentimento ou hostilidade contra a mãe. Em vez disso, ele ilustra como as relações familiares moldam a forma como lidamos com nossos afetos e criamos modelos de relacionamento para o futuro.

Outro conceito fundamental vem do pediatra e psicanalista Donald Winnicott, que introduziu a ideia da mãe suficientemente boa. Para ele, não existe uma mãe perfeita, mas uma mãe que atende às necessidades do bebê de forma responsiva, sem sufocar nem abandonar.

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Terapia é coisa de doido?

A ideia de que “terapia é coisa de doido” é um dos mitos mais prejudiciais à saúde mental, pois cria um estigma que impede muitas pessoas de buscarem ajuda psicológica ou psicanalítica.

A verdade é que a terapia não é destinada apenas a quem enfrenta transtornos psíquicos graves, mas a qualquer pessoa que deseje compreender melhor seus sentimentos, comportamentos e desafios emocionais.

Historicamente, a sociedade sempre teve dificuldades em lidar com questões ligadas à mente e às emoções. Durante séculos, distúrbios psíquicos foram associados à loucura, possessões demoníacas ou fraqueza moral.

Além disso, a Psiquiatria, no passado, esteve fortemente ligada à internação compulsória em manicômios, o que contribuiu para reforçar a visão negativa sobre o tratamento da saúde mental.

Com o tempo, o avanço da Psicologia, da Psicanálise e da Neurociência mostrou que o sofrimento psíquico faz parte da experiência humana e que todos podem se beneficiar de um espaço de escuta e reflexão. No entanto, o preconceito ainda persiste em algumas culturas e contextos sociais.

A psicanálise e outras abordagens terapêuticas da psicologia não são exclusivas para quem tem transtornos mentais diagnosticados. Muitos procuram terapia para:

  • Compreender melhor seus sentimentos e padrões de comportamento.
  • Melhorar seus relacionamentos interpessoais e profissionais.
  • Aprender a lidar com momentos de crise, como luto, separação ou mudanças na vida.
  • Desenvolver um senso mais profundo de identidade e propósito.
  • Trabalhar questões como ansiedade, insegurança e autoestima.


Ou seja, buscar terapia não é um sinal de fraqueza, mas um ato de cuidado consigo mesmo. Assim como cuidamos do corpo indo ao médico ou praticando exercícios, cuidar da saúde mental deveria ser encarado como algo natural e necessário.



Psicanalista não fala nada?

A concepção de que o psicanalista permanece em silêncio durante toda a sessão, apenas ouvindo o paciente, é uma das ideias mais equivocadas sobre a psicanálise.

De fato, a escuta ativa é uma parte central do processo terapêutico, mas o papel do psicanalista vai muito além de simplesmente ser um ouvinte passivo – envolve uma participação ativa, com intervenções que estimulam o paciente a refletir sobre seu inconsciente, seus conflitos e seus padrões emocionais.

Freud, o pai da psicanálise, estabeleceu que o psicanalista deve ouvir atentamente as palavras do paciente, mas também prestar atenção nos lapsos, esquecimentos, hesitações e até nos silêncios. Esses aspectos podem revelar o que está reprimido ou fora da consciência, oferecendo pistas preciosas sobre o inconsciente.

Porém, essa escuta ativa não significa que o analista não fale. O psicanalista utiliza a escuta como uma ferramenta para compreender as dinâmicas internas do paciente, mas também intervém de maneira estratégica, questionando, sugerindo e interpretando.

O silêncio do analista, quando presente, não é passividade, mas um espaço que permite ao paciente elaborar seus próprios pensamentos e sentimentos.

Embora a psicanálise se concentre na escuta e no processo de livre associação, onde o paciente fala livremente sobre tudo o que vem à mente, o psicanalista intervém de maneira cuidadosa e ponderada. Essas intervenções podem ocorrer de várias formas:

INTERVENÇÃO NA PRÁTICA
Questões O psicanalista faz perguntas que incentivam o paciente a aprofundar sua reflexão. Essas perguntas muitas vezes buscam explorar inconscientemente os sentimentos e pensamentos que surgem nas associações livres. Elas podem ser simples, mas com grande potencial de provocar uma mudança de perspectiva no paciente.
Interpretações Uma das funções principais do psicanalista é ajudar o paciente a conectar as pontes entre os pensamentos conscientes e os inconscientes. Quando o analista percebe um padrão ou um conflito inconsciente, pode oferecer uma interpretação que ajude o paciente a compreender suas resistências, medos ou desejos ocultos. A interpretação visa trazer à luz o que está reprimido ou não plenamente consciente.
Reflexões O analista também pode refletir sobre o que foi dito pelo paciente, destacando padrões emocionais ou comportamentais que ele observa. Isso pode ajudar o paciente a perceber aspectos da sua psique que talvez não tivesse notado, promovendo insights valiosos sobre seu próprio comportamento.
Contratransferência Refere-se às reações emocionais do analista em relação ao paciente. O psicanalista deve estar ciente de como suas próprias emoções e percepções influenciam a terapia. Muitas vezes, essas reações podem oferecer informações valiosas sobre os sentimentos inconscientes do paciente, e o analista pode usá-las para ajudar a entender melhor a dinâmica da relação terapêutica.


Ao dar ao paciente tempo e espaço para pensar, o psicanalista ajuda a criar um ambiente de liberdade psíquica, no qual o paciente pode se abrir e trazer à tona aspectos mais profundos de sua psique. O silêncio do psicanalista pode, assim, ser visto como uma ferramenta terapêutica importante.



Tudo é sobre sexo?

A afirmação de que "tudo é sobre sexo" é um mal-entendido comum sobre a psicanálise, muitas vezes simplificando excessivamente as ideias complexas de Freud.

Embora a sexualidade seja de fato uma parte fundamental da teoria psicanalítica, ela não é a única área de investigação da psicanálise. O trabalho de Freud estabeleceu a importância da libido, ou energia psíquica relacionada ao desejo, mas sua teoria vai muito além da sexualidade, envolvendo uma análise abrangente das motivações inconscientes, das relações interpessoais e das experiências formativas ao longo da vida.

Sigmund Freud introduziu o conceito de libido como uma energia psíquica que, em sua forma mais simples, está relacionada ao desejo sexual. Em sua teoria inicial, ele sugeriu que a libido se manifesta primariamente na sexualidade e, portanto, muitos dos impulsos humanos e comportamentos são de alguma forma influenciados por desejos sexuais inconscientes.

A ideia central da teoria da libido é que nossas motivações e conflitos não são apenas conscientes, mas também profundamente enraizados em aspectos ocultos da nossa psique.

No entanto, Freud também enfatizou que a libido não se limita ao sexo genital, mas se manifesta em uma variedade de formas ao longo do desenvolvimento humano. Ele sugeriu que a energia libidinal se desloca por diferentes estágios do desenvolvimento sexual, começando com a infância e a fase oral, passando para a fase anal, fálica e, por fim, à fase genital, com diferentes fixações e formas de expressão da libido ao longo desses estágios.

Embora a sexualidade tenha sido um foco central da teoria de Freud, a psicanálise moderna abrange uma gama muito mais ampla de experiências humanas. Freud reconheceu que as pulsões de vida e de morte, a dinâmica do inconsciente e as relações de apego são igualmente cruciais para o entendimento da mente humana.

Para ele, os conflitos inconscientes entre desejos instintivos e a moralidade imposta pela sociedade eram fundamentais para compreender as motivações e os sintomas psíquicos.

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Psicanálise não funciona?

Muitas vezes, as pessoas buscam soluções imediatas para seus problemas emocionais ou psíquicos, mas a psicanálise, ao contrário de métodos terapêuticos mais diretos, é um processo gradual e profundo. Ela não promete alívio instantâneo, mas sim a transformação lenta e consistente de padrões emocionais e comportamentais que podem estar enraizados em experiências passadas e dinâmicas inconscientes.

A psicanálise é um processo de longo prazo, que pode durar anos, dependendo das necessidades do analisando. Ao contrário de terapias mais breves, que se concentram em resolver problemas específicos em um tempo limitado, a psicanálise busca uma compreensão profunda e duradoura da psique humana.

Esse tempo prolongado de análise permite que a pessoa consiga entrar em contato com partes da sua psique que estão geralmente escondidas, e também com sentimentos e memórias reprimidas.

Embora a psicanálise não prometa uma solução rápida ou "cura" para os sintomas, ela tem o potencial de provocar transformações profundas e duradouras.

Ao longo da análise, o paciente pode descobrir as raízes inconscientes de seus conflitos e sintomas, o que muitas vezes permite uma mudança significativa no modo como ele vê a si mesmo e ao mundo ao seu redor.

Outra razão pela qual algumas pessoas podem acreditar que a psicanálise "não funciona" está ligada ao conceito de resistência, um fenômeno central no processo psicanalítico.

A resistência se refere às defesas psíquicas que as pessoas desenvolvem para evitar enfrentar conteúdos emocionais dolorosos ou traumáticos. Isso pode ocorrer de várias formas, como a falta de vontade de falar sobre certos assuntos, a sensação de que o processo não está trazendo resultados ou a tendência a sabotar o próprio progresso.

Outro aspecto fundamental é a relação entre o paciente e o psicanalista. A chamada "transferência" é um processo no qual o paciente projeta sentimentos, desejos e expectativas em relação ao psicanalista, muitas vezes revivendo relacionamentos significativos do passado.

Em um mundo em que a rapidez e a eficiência são muitas vezes vistas como os maiores valores, a psicanálise se destaca por seu compromisso com a exploração mais rica e complexa da mente humana.



O tratamento demora muito?

O tempo de tratamento na psicanálise é frequentemente visto como uma das suas características mais distintas, e também uma das que geram mais questionamentos.

De fato, quando comparada a outras abordagens terapêuticas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que tende a ser mais curta e focada em soluções práticas e imediatas, a psicanálise pode parecer demorada.

No entanto, a duração do tratamento psicanalítico está diretamente relacionada à sua profundidade e ao objetivo de compreensão do inconsciente, tornando-o um processo transformador e, muitas vezes, de longa duração.

Ao contrário de abordagens que visam tratar os sintomas de forma mais rápida e objetiva, a psicanálise se propõe a uma exploração profunda das causas subjacentes dos problemas emocionais e psíquicos do paciente, como dito anteriormente. Ela busca compreender padrões inconscientes, traumas de infância, dinâmicas familiares e os mecanismos psíquicos que moldam o comportamento e os conflitos emocionais.

Esse tipo de análise exige tempo, porque muitas vezes os conteúdos inconscientes estão protegidos por mecanismos de defesa, como a repressão, que impedem que a pessoa tenha acesso imediato às suas questões mais profundas.

O psicanalista, portanto, ajuda o paciente a "desbloquear" esses conteúdos e a enfrentar suas resistências ao longo do processo. Esse trabalho gradual de descobrimento e integração exige tempo para que a pessoa compreenda, aceite e se transforme.

Embora a psicanálise seja geralmente mais longa, a duração do tratamento pode variar amplamente entre os pacientes, dependendo de vários fatores, como a gravidade dos sintomas, os objetivos terapêuticos e a intensidade do trabalho que é necessário para acessar o inconsciente.

Algumas pessoas podem sentir que as questões que estão explorando são resolvidas em menos tempo, enquanto outras podem passar anos em análise, especialmente se estiverem lidando com traumas complexos ou questões emocionais profundamente enraizadas – em muitos casos, a psicanálise não tem um "prazo final" pré-estabelecido.




Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

Psicopatologias e Saúde Mental: Um Olhar Crítico da Psicanálise
Ella Barruzzi
Psicopatologias e Saúde Mental: Um Olhar Crítico da Psicanálise
Entenda como a psicanálise interpreta as psicopatologias, sua relação com a saúde mental e os impactos da sociedade moderna e da medicalização.

A discussão sobre psicopatologias tem ganhado cada vez mais espaço na sociedade contemporânea, refletindo uma preocupação crescente com a saúde mental e os impactos do mundo moderno no bem-estar das pessoas.

No entanto, a forma como essas questões são abordadas pode variar consideravelmente, dependendo do referencial teórico utilizado.

A psicanálise, por exemplo, compreende a psicopatologia de maneira distinta, considerando a subjetividade do indivíduo e sua relação com o inconsciente. Para a abordagem, os sintomas não são apenas sinais de uma doença, mas manifestações de conflitos internos que podem ser trabalhados através da fala e da escuta.

Por isso, neste texto, iremos nos aprofundar em cada um dos aspectos da psicopatologia, explorando significados, além da sua relação com a sociedade contemporânea e as críticas à medicalização do sofrimento.

Saúde mental e sua relação com as psicopatologias

A psicopatologia é o campo de estudo que investiga os transtornos mentais, buscando compreender suas causas, manifestações e formas de tratamento. A palavra vem do grego "psykhē" – alma – e "pathos" – sofrimento –, indicando a análise do sofrimento psíquico.

Desde o século XIX, o conceito de psicopatologia tem sido estudado por diversas correntes, incluindo a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise. A abordagem psicanalítica se diferencia das perspectivas biomédicas ao priorizar o inconsciente, os processos simbólicos e a subjetividade do sofrimento psíquico.

Enquanto a psiquiatria compreende as doenças mentais principalmente como disfunções biológicas ou neuroquímicas passíveis de tratamento medicamentoso e intervenções comportamentais, a psicanálise as interpreta como manifestações de conflitos internos e experiências subjetivas.

A abordagem psiquiátrica, amplamente adotada na medicina moderna, fundamenta-se em classificações diagnósticas como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e a Classificação Internacional de Doenças (CID), que estruturam os critérios para identificação e tratamento dos transtornos mentais.

A psicopatologia psicanalítica, estudada por Freud e aprofundada por diversos autores ao longo do tempo, adota uma perspectiva distinta. Para a psicanálise, os sintomas não são apenas disfunções a serem corrigidas, mas expressões do inconsciente que devem ser compreendidas no contexto da história singular de cada indivíduo.

Dessa forma, um mesmo diagnóstico pode assumir significados completamente diferentes para cada pessoa, dependendo de sua subjetividade, vivências e traumas.

A principal diferença entre essas abordagens está no tratamento: enquanto a psiquiatria frequentemente recorre à prescrição de medicamentos para aliviar os sintomas, a psicanálise propõe um espaço de escuta e elaboração, permitindo que o sujeito compreenda e ressignifique seus conflitos internos.



A relação entre psicopatologias, a sociedade contemporânea e a psicanálise

A psicanálise compreende as psicopatologias como formas de expressão do sofrimento humano ligadas à estrutura psíquica de cada sujeito. Sigmund Freud foi um dos primeiros a categorizar os transtornos mentais de acordo com três estruturas clássicas, que classificou como neurose, psicose e perversão.

  • Neurose: conflitos inconscientes gerando sintomas como ansiedade e fobias.
  • Psicose: perda do contato com a realidade, como ocorre na esquizofrenia.
  • Perversão: modo de organização psíquica em que o desejo se realiza por meio da transgressão das normas e da negação da castração simbólica.

Atualmente, a psicopatologia psicanalítica amplia esses conceitos, incorporando elementos socioculturais e novas formas de sofrimento psíquico, como transtornos relacionados à hiperconectividade e ao mal-estar na sociedade contemporânea.
A sociedade moderna tem desempenhado um papel central no aumento dos diagnósticos de transtornos mentais como depressão, ansiedade e burnout. O ritmo acelerado de vida, o excesso de informação e as exigências de produtividade são fatores que impactam diretamente a saúde psíquica dos indivíduos, criando um cenário no qual o sofrimento emocional se torna cada vez mais presente.
O neoliberalismo, enquanto modelo econômico e ideológico, impôs uma lógica de performance e competitividade, na qual o indivíduo é constantemente incentivado a se reinventar, otimizar seu tempo e alcançar resultados cada vez mais expressivos.

CARACTERÍSTICAS DO NEOLIBERALISMO IMPACTO NA SAÚDE MENTAL RESPOSTA PSICANALÍTICA
Competitividade excessiva Ansiedade e depressão Reflexão sobre o impasse social e individual.
Busca por resultados rápidos Burnout e exaustão Compreensão dos conflitos internos e da pressão externa.
Falta de tempo para o lazer Dificuldades em descansar e certos vícios Aprofundamento do sofrimento psíquico e questionamento do ritmo de vida.




Essa pressão constante tem transformado a saúde mental em uma questão mercadológica – em vez de serem compreendidas como respostas legítimas ao contexto social, angústia, medo e insatisfação passaram a ser tratadas como falhas individuais a serem corrigidas.

A patologização do sofrimento se torna, assim, uma resposta cultural. Muitos buscam soluções rápidas, como o consumo de psicofármacos ou métodos de autoajuda, na tentativa de manter um funcionamento produtivo, ignorando as raízes subjetivas e estruturais do problema.

O sujeito neoliberal se vê como o único responsável pelo próprio sucesso ou fracasso, o que acarreta um sentimento de culpa diante da exaustão e da incapacidade de atender às expectativas impostas.

Podemos dizer que a cultura digital amplificou esse processo ao criar ambientes de exposição e comparação constante. Redes sociais funcionam como vitrines de um ideal de vida bem-sucedida, onde felicidade, beleza e produtividade se tornam métricas de validação social. Essa dinâmica gera uma pressão para que os indivíduos não apenas performem bem no trabalho, mas também exibam uma vida pessoal impecável.

Isso tem levado a um aumento significativo nos índices de depressão e ansiedade, especialmente entre os mais jovens. O fenômeno da "economia da atenção" reforça essa lógica ao transformar o próprio tempo livre em um ativo explorável – o lazer se torna um espaço para autopromoção, e o descanso, uma pausa estratégica para voltar ao jogo da performance.

Diante desse cenário, a psicanálise propõe uma abordagem distinta. Em vez de tratar sintomas como transtornos isolados a serem eliminados, enxerga-os como manifestações subjetivas que carregam significados profundos sobre o indivíduo e seu contexto – a depressão, por exemplo, pode ser entendida não apenas como um distúrbio químico, mas como um sintoma que expressa conflitos internos e impasses da vida moderna.

Ao contrário de soluções padronizadas, a psicanálise incentiva uma reflexão sobre a origem dos sofrimentos psíquicos, possibilitando que o sujeito compreenda seus próprios desejos e angústias de maneira singular. Em um mundo que valoriza a velocidade e a superficialidade, essa abordagem propõe um olhar mais profundo para a existência humana e suas complexidades.

Dessa forma, ao considerar as psicopatologias como respostas subjetivas a uma sociedade marcada por excessos e exigências, é possível não apenas tratá-las, mas questionar as próprias estruturas que as produzem. Afinal, o sofrimento psíquico não é apenas uma falha a ser corrigida, mas um sinal de que algo na forma como vivemos precisa ser repensado.

A medicalização do sofrimento

Uma das principais críticas feitas pela psicanálise à psiquiatria contemporânea é a tendência de transformar todas as formas de sofrimento psíquico em transtornos mentais que exigem tratamento medicamentoso. Esse fenômeno pode ser chamado de medicalização do sofrimento.

A psiquiatria moderna, baseada em evidências biológicas, tem avançado no tratamento de doenças mentais, mas também tem sido alvo de críticas por sua tendência a simplificar o sofrimento humano. Em muitos casos, sintomas como tristeza, angústia e insatisfação são reclassificados como distúrbios que precisam ser corrigidos com medicamentos.

Isso cria uma série de problemas, como a dependência de psicofármacos, a falta de uma compreensão mais profunda dos sintomas e a desconsideração da singularidade de cada indivíduo.

A psicanálise propõe uma abordagem diferente: em vez de buscar eliminar os sintomas rapidamente, ela convida o paciente a compreendê-los. O sintoma, segundo Freud, tem uma função no psiquismo, e tratá-lo exige uma escuta cuidadosa que vá além de um simples rótulo diagnóstico.



Psicopatologias e o corpo: o fenômeno psicossomático

O conceito de psicossomática refere-se à relação entre mente e corpo, destacando como conflitos psíquicos podem se manifestar em sintomas físicos.

Muitas doenças sem explicação médica clara – como dores crônicas, distúrbios gastrointestinais e problemas dermatológicos – podem ter origem em questões emocionais. A psicanálise sugere que, quando um sofrimento não pode ser elaborado psiquicamente, ele pode se expressar no corpo, sendo o organismo uma espécie de "canal" por onde a mente inconsciente comunica suas questões não resolvidas.

Esse fenômeno reforça a importância de abordagens terapêuticas que considerem o sujeito em sua totalidade, e não apenas como um conjunto de sintomas isolados. A psicanálise, por exemplo, oferece uma compreensão mais ampla do sujeito ao integrar o corpo e a mente, considerando que o sofrimento emocional pode se transformar em manifestações físicas quando não encontrado um espaço para sua expressão simbólica.

Nesse contexto, a psicossomática não se limita a um entendimento de que o corpo apenas reflete a mente, mas que o corpo também exerce um papel ativo no processo de comunicação do inconsciente.

Além disso, propõe que, ao trabalhar o sofrimento psíquico por meio da fala e da interpretação, é possível promover um processo de integração entre corpo e mente, permitindo que os conflitos internos sejam elaborados de maneira mais saudável, reduzindo, assim, os sintomas físicos que surgem como consequências de tais conflitos.

Nesse sentido, o tratamento psicanalítico pode oferecer alívio tanto no nível emocional quanto físico, ao restabelecer o equilíbrio entre as dimensões psíquica e corporal.



A compreensão da psicossomática, portanto, vai além da simples ideia de que o corpo manifesta o que está acontecendo na mente. Ela envolve uma complexa interação entre o sofrimento psíquico não elaborado e as respostas do corpo, que, muitas vezes, trazem à tona as dores não processadas do sujeito.

A cura, então, não se dá apenas por meio de medicamentos ou intervenções físicas, mas também por meio de uma escuta profunda e sensível, capaz de compreender as causas emocionais subjacentes aos sintomas.

Em um mundo onde as pressões externas parecem ditar o ritmo da vida, é crucial lembrar que o sofrimento psíquico não deve ser visto como um erro a ser corrigido rapidamente, mas como uma manifestação legítima da complexidade humana.

A psicanálise nos convida a olhar para as psicopatologias com um olhar mais profundo, entendendo-as não como falhas, mas como expressões de conflitos internos que merecem ser ouvidos, compreendidos e trabalhados.

O caminho para o cuidado da saúde mental vai além do tratamento sintomático. Ao integrar corpo e mente, e ao dar espaço para que as dores internas se manifestem de forma simbólica e construtiva, podemos promover um tratamento mais completo e efetivo.

O verdadeiro cuidado com a saúde mental exige não apenas remédios para os sintomas, mas também uma profunda escuta e compreensão do sujeito como um todo.

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Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Introdução à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: O eu e o id. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: A psicopatologia da vida cotidiana. Rio de Janeiro: Imago, 1996.