Psicanálise

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Método catártico: Freud, hipnose e a origem da psicanálise
Ricardo Salztrager
Método catártico: Freud, hipnose e a origem da psicanálise
Descubra o que foi o método catártico, como Freud usou a hipnose ao lado de Breuer e por que essa técnica marcou o início da psicanálise.

Antes da psicanálise existir como método clínico, Freud já buscava formas de aliviar o sofrimento psíquico de suas pacientes. O primeiro caminho encontrado foi o método catártico, desenvolvido ao lado de Breuer.

Neste artigo, você vai entender o que foi essa técnica baseada no uso da hipnose, como ela ajudou a identificar traumas inconscientes e por que, mesmo abandonada, deixou marcas importantes na história da psicanálise.

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O que é o método catártico?

O método catártico foi a primeira técnica terapêutica utilizada por Freud. Elaborado em parceria com seu colega Joseph Breuer, tal método consistia em hipnotizar os pacientes para que se descobrisse os traumas que originaram seus sintomas. Era também necessário que, ainda sob hipnose, os pacientes efetuassem certa descarga emocional para finalmente se livrarem de seus traumas.

O método catártico e a história da psicanálise

Freud iniciou seus trabalhos na década de 1880. Na época, ele era um jovem estudante intrigado com os fenômenos histéricos e já havia participado das aulas ministradas por Charcot – grande autoridade no assunto – no Hospital de Salpêtrière em Paris.

Pintura histórica retratando uma aula clínica em Salpêtrière, com médicos observando uma paciente em crise histérica
Une leçon clinique à la Salpêtrière – André Brouillet, 1887

Retornando à Viena, conheceu outro eminente médico, o Dr. Joseph Breuer que, inclusive, já dispunha das principais bases do método catártico. Os dois se tornaram amigos, passaram a trabalhar juntos e, inclusive, publicaram em parceria os famosos “Estudos sobre a histeria” (Breuer & Freud, 1895).



Trauma psíquico e sintomas histéricos

Proponho que antes de discutir o que exatamente era o método catártico, falemos um pouco sobre as famosas histéricas de Freud. Pela experiência que tenho em sala de aula, isto em muito facilitará a compreensão do que será dito em seguida.

Pois bem, em linhas gerais, a histeria era definida por esta época, como uma enfermidade predominantemente do sexo feminino. Ninguém sabia exatamente o porquê, mas é fato que eram poucos os homens com tal diagnóstico.

A principal característica da histeria era algo que gerava um profundo estranhamento não apenas entre os médicos, mas à sociedade como um todo: os chamados “sintomas de conversão”. Estes diziam respeito a sofrimentos corporais que, embora extremamente intensos, não eram explicados por nenhum exame anatômico ou fisiológico.

Por exemplo, uma histérica podia apresentar um sintoma de cegueira. No entanto, os médicos faziam mil exames nela e concluíam que tudo em seu organismo funcionava exatamente bem: tanto os seus olhos, quanto o cérebro e as inervações. Ou seja, absolutamente nada explicava tal cegueira.

A histérica também podia manifestar uma paralisia em um braço ou perna. Da mesma maneira, ela era submetida a uma bateria imensa de exames e nada era acusado: nada de mais era detectado em seus ossos, músculos, ou mesmo, nos neurônios.

E se até os dias de hoje este quadro gera tanto estranhamento, imaginem naquela época! Imaginem só uma mulher jovem e bonita chegando no consultório de um médico de fins do século XIX completamente cega e este não conseguindo encontrar nada...

Ora, muitos destes médicos resolviam a situação acusando as histéricas de simularem estas tantas dores e paralisias. E, em meio a esse caos, Breuer e Freud talvez tenham sido os primeiros dispostos a escutá-las.



Assim, conforme escutavam suas pacientes, Breuer e Freud foram concluindo que a causa destes estranhos sintomas histéricos era sempre um trauma psíquico. Tudo se passava como se elas tivessem vivenciado um trauma no passado, porém na ocasião, não conseguiram reagir emocionalmente a ele de maneira adequada.

Vejamos através de um exemplo clínico como todo este processo ocorria.

Um exemplo clínico: o caso Emma

Pela minha experiência, de todos os casos por Freud analisados neste início de carreira, acredito que o que melhor ilustra as suas primeiras concepções sobre a histeria é o caso de Emma (Freud, 1895).

Trata-se da história de uma jovem histérica que apresentava como sintoma uma fobia de entrar em lojas sozinha. Emma associa este medo a uma cena ocorrida pouco tempo antes na qual entrara numa loja sozinha e vira dois vendedores rindo.

Automaticamente, ela pensou que os dois riam dela... mais especificamente das roupas ainda muito infantis que trajava na ocasião. Porém, tal lembrança em nada explicava sua estranha fobia.

Assim, no decorrer do tratamento, Freud foi descobrindo que seu sintoma histérico foi causado por um trauma: quando ainda criança, Emma estava sozinha em uma confeitaria e o confeiteiro a bulinou por cima de suas roupas. Durante o ato, o homem olhava para a criança e dava uma risadinha sarcástica...

E, deste modo, tudo estava explicado: a cena de infância efetivamente justificava o sintoma histérico da jovem. Na ocasião, ela obviamente ficara sem qualquer reação. A lembrança deste trauma ficara guardada em sua memória inconsciente e acabou gerando sua fobia.

Vale sublinhar que caso Emma tivesse gritado, chorado ou procurado ajuda na ocasião – ou então reagido de outra forma razoavelmente adequada – a cena não teria adquirido um efeito tão traumatizante.



O método catártico de Breuer e Freud

Montagem com fotos de Josef Breuer, Bertha Pappenheim (Anna O.) e Sigmund Freud, nomes centrais nos estudos sobre a histeria
Breuer, Anna O. e Freud

Pois bem, agora que entendemos o que é a histeria, bem como as concepções iniciais de Breuer e Freud a seu respeito, podemos finalmente discutir o método catártico.

Em linhas gerais, o método catártico é um modo de tratamento que consistia no uso da hipnose para que se descobrisse o trauma que veio a causar os sintomas histéricos.

Hipnotizava-se a paciente e, logo após, era-lhe solicitado que associasse algumas ideias relacionadas a seus sintomas, deixando que ela desse livre curso a seus pensamentos. Após algumas repetições deste procedimento, chegava-se ao trauma psíquico que teria desencadeado todo o seu sofrimento.

No entanto, para que as histéricas pudessem livrar-se de seus sintomas, era também necessário que, ainda sob hipnose, elas conseguissem exteriorizar todo o afeto retido e que não pudera ser descarregado na ocasião do trauma. Tratava-se, portanto, de uma espécie de catarse emocional e daí o nome “método catártico”.



Anna O.: o caso paradigmático

Fotografia de Bertha Pappenheim, conhecida como Anna O., com traje da época e chapéu, figura importante na história da psicanálise
Anna O. era o pseudônimo de Bertha Pappenheim

Sempre que o assunto é o método catártico, o leitor espera encontrar algumas linhas a respeito do caso da Anna O. Então vamos lá!

Este é o caso mais conhecido de aplicação do método. Tratava-se de uma jovem de vinte e um anos atendida por Breuer em 1881. O relato de sua história encontra-se na íntegra no já mencionado “Estudos sobre a histeria” (Breuer & Freud, 1895).

Anna O. possuía uma série de sintomas histéricos, todos surgidos nos dois anos anteriores, enquanto cuidava do pai gravemente enfermo. Dentre tais sintomas, havia uma paralisia espástica, perturbações da visão, tosse nervosa intensa, repugnância a certos alimentos, dificuldade de beber água, além de um curioso esquecimento da língua materna, no caso, o alemão.

E efetivamente Breuer descobriu que todos estes sintomas histéricos foram gerados por alguns traumatismos. Tomemos dois deles como ilustração: o sintoma da hidrofobia e o de perturbação da visão.

Em relação ao sintoma de hidrofobia, marca-se que, durante seis semanas, Anna O. se pôs a repudiar qualquer copo d´água que lhe era oferecido. Nestas ocasiões, tão logo o levava aos lábios, repelia-o automaticamente sem saber a causa deste estranho comportamento.

Certa vez, durante a hipnose, a histérica relatou que há algum tempo tivera uma dama de companhia e, uma noite, vira-lhe dar de beber a seu cãozinho em um copo. Ao presenciar a cena, Anna O. sentiu um enorme nojo, mas nada exteriorizara por simples polidez.

Quando, em hipnose, conseguiu exteriorizar seu nojo, ela livrou-se de toda a cólera retida. Ao acordar do transe, finalmente pediu de beber, coisa que fez sem o menor embaraço.

Quanto às suas perturbações de visão, Breuer descobriu que estas se associavam à época na qual, com os olhos marejados, ela estava junto ao leito do pai doente. Certo dia, de repente, este acordou perguntando-lhe as horas. E Anna O. teve que reprimir as lágrimas para que o pai não percebesse o quanto ela sofria.

O sintoma em questão também cedeu quando, sob hipnose, a paciente conseguiu exteriorizar sua tristeza.



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Os “Estudos sobre a histeria”

Capa do livro Estudos sobre a histeria (1893-1895), de Sigmund Freud e Josef Breuer
Capa dos “Estudos sobre a histeria” da Editora Autêntica

É hora de falar um pouco desta obra. Trata-se do primeiro livro de Freud, publicado em conjunto com Breuer no ano de 1895.

A grande maioria dos meus alunos costumam julgar sua leitura como bastante fácil e, por isto, muitos a consideram como a melhor maneira de introduzir-se nos textos de psicanálise. Recomendo bastante a sua leitura!

O livro é dividido em quatro partes:

A primeira é a famosíssima “Comunicação preliminar” na qual constam as principais teorizações de Freud e Breuer sobre os sintomas histéricos.

A segunda contém cinco casos clínicos bastante conhecidos: além do relato de Anna O., ainda há os casos de Emmy von N., Miss Lucy, Katharina e Elisabeth von R.

Em seguida, há a terceira parte também de “Considerações teóricas”.

E a quarta “A psicoterapia da histeria” escrita apenas por Freud. Nesta última, o método catártico é explicado em seus mínimos detalhes.

O método catártico e a associação livre

Por que Freud abandonou a hipnose?

Com efeito, Freud julgava a hipnose um procedimento bastante incerto. Ora, ele sempre se denominou um “homem da ciência” e como a hipnose gozava de pouca credibilidade neste meio, Freud abdicou de seu uso.

Além do mais, muitas histéricas eram imunes à hipnose e, portanto, por mais que se tentasse aplicar o método catártico, elas jamais entravam em transe. Por fim, houve a constatação de que a hipnose acabava por silenciar as resistências das pacientes e, bem ou mal, estas funcionavam como importantes pistas para saber se o tratamento estava chegando ao seu devido lugar.

Assim, com o rompimento com Breuer, Freud construiu seu próprio método de tratamento: a psicanálise e, com ela, a regra fundamental da associação livre. De fato, Freud descobriu que o tratamento poderia chegar à causa dos sintomas com o paciente acordado, bastando que se solicitasse que ele dissesse tudo o que lhe vinha ao pensamento sem maiores censuras ou preconceitos.

No entanto, acho interessante frisar que, por outras vias e de outros modos, certa “catarse” ainda permaneceu associada à clínica psicanalítica. Isto porque não se pode negar que associar livremente diante de um psicanalista causa um efeito aliviante no paciente.

Com frequência, saímos das nossas sessões de análise, de certa maneira, renovados, leves e mesmo confortados.

Falar possui, portanto, um efeito catártico. E talvez tenha sido esse o principal ensinamento de Freud com estes atendimentos iniciais. Neste sentido, cada vez mais, a clínica psicanalítica irá valorizar a palavra, aquilo que o paciente consegue nos dizer e, com isto, ir elaborando seu sofrimento.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Breuer, Joseph. & Freud, Sigmund. (1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.

Freud, Sigmund. (1895). Projeto para uma psicologia científica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 1. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 333-454.

Roudinesco, Elisabeth. & Plon, Michel. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Mecanismos de Defesa do Ego: O que são, Tipos e Exemplos
Camila Fortes
Mecanismos de Defesa do Ego: O que são, Tipos e Exemplos
Conheça os 11 principais mecanismos de defesa descritos por Freud e Anna Freud e saiba como eles influenciam seus comportamentos.

Você já percebeu como, diante de situações difíceis, tendemos a reagir de forma inesperada? Para a psicanálise, comportamentos como negação, culpabilização ou projeção podem ser expressões da atuação dos mecanismos de defesa do ego.

Os mecanismos de defesa do ego são processos inconscientes utilizados pelo ego para lidar com conflitos internos, angústias e desejos incompatíveis com a realidade ou com os princípios morais. Esses mecanismos têm a função de proteger o indivíduo contra sentimentos potencialmente dolorosos, ao evitar o acesso direto à conteúdos psíquicos percebidos como ameaçadores.

A denominação foi inicialmente formulada por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, e posteriormente sistematizado e ampliado por sua filha, Anna Freud, especialmente na obra “O Ego e os Mecanismos de Defesa” (1936).

Esses mecanismos são parte essencial da estrutura psíquica, composta por id, ego e superego, e ajudam a manter o equilíbrio psíquico frente às demandas do inconsciente e da realidade externa.

Neste texto, iremos explorar os principais mecanismos de defesa do ego, explicando como eles operam no inconsciente e apresentando os seus exemplos práticos.

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Repressão ou recalque

A repressão ou recalque é considerada um dos mecanismos de defesa mais fundamentais. Trata-se do processo de empurrar para o inconsciente desejos, pensamentos, lembranças ou impulsos considerados inaceitáveis ou ameaçadores para o ego.

Mas como eles funcionam no inconsciente? Bem, os conteúdos reprimidos não desaparecem, mas permanecem ativos no inconsciente, podendo retornar de maneira distorcida, como em sonhos, atos falhos ou fantasias. A repressão exige um gasto constante de energia psíquica para manter os conteúdos afastados da consciência.

Exemplo: uma pessoa que sofreu um abuso na infância pode não se lembrar do fato conscientemente, mas pode desenvolver sintomas de ansiedade, fobias ou dificuldades de relacionamento que indiquem a persistência de um trauma reprimido ou recalcado.


Negação

A negação é o mecanismo pelo qual o sujeito se recusa a reconhecer aspectos dolorosos da realidade ou de si mesmo. Em outras palavras, para evitar entrar em choque ou sofrer diante uma situação dolorosa, o indivíduo entra em negação diante o acontecimento. Esse comportamento é comum em momentos de perda, trauma ou choque emocional.

No inconsciente, o ego tenta evitar o sofrimento imediato que o reconhecimento dessa realidade traria. Nesse sentido, trata-se de uma defesa primitiva, na qual muitas vezes só é identificada quando se sofre as consequências de permanecer em negação por muito tempo.

Em vez de perceber a impressão dolorosa e, subsequentemente, cancelá-la mediante a retirada do respectivo investimento, está ao alcance do ego recusar o encontro, pura e simplesmente, com a situação perigosa externa. Pode fugir-lhe e, assim, no mais verdadeiro sentido da palavra, “evitar” as ocasiões de dor” (Freud, 1936/2006, p. 71).

Exemplo: uma pessoa que perde um ente querido pode continuar agindo como se ele ainda estivesse vivo, mantendo hábitos rotineiros, como conversar com a pessoa ausente. O mesmo pode ocorrer diante um relacionamento abusivo. Para não lidar com o sofrimento causado por um cônjuge violento, a pessoa pode negar as agressões, traições e omissões.



Projeção

Você já ouviu a frase: “A culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser”? Pois bem, esse é o princípio da projeção. A projeção ocorre quando o sujeito atribui a outra pessoa sentimentos, desejos ou pensamentos que não reconhece como seus, por considerá-los inaceitáveis.

No inconsciente, esse mecanismo age da seguinte forma: o ego evita o conflito interno causado pelos impulsos proibidos, projetando-os no outro. Assim, o sujeito se isenta da responsabilidade pelo conteúdo rejeitado.

Exemplo: Uma pessoa com desejos de infidelidade que não consegue aceitá-los em si, pode desconfiar constantemente da fidelidade do parceiro. Ou, considerar colegas de trabalho como inimigos, mesmo quando a própria pessoa é competitiva.

Formação reativa

A formação reativa, por sua vez, é um mecanismo pelo qual o sujeito adota comportamentos, sentimentos ou atitudes opostas aos desejos inconscientes que deseja reprimir.

No inconsciente, a formação reativa funciona como uma máscara. O ego se protege expressando o oposto do que realmente sente, numa tentativa de esconder, inclusive de si mesmo, o conteúdo real. A função defensiva da formação reativa é, portanto, dupla: ao mesmo tempo que protege o ego da angústia provocada pelo desejo recalcado, também atua para preservar uma imagem de si compatível com as normas e ideais internalizados.

Exemplo: Uma pessoa que sente atração por pessoas do mesmo sexo pode se tornar homofóbica para proteger o ego do conflito entre o desejo e as normas morais. Ou, uma mãe pode se tornar excessivamente protetora para esconder a ausência de amor por um filho.


Isolamento

O isolamento é a separação de um pensamento ou acontecimento do seu contexto, impedindo que a pessoa se sinta abalada pelo fato. Em outras palavras, o isolamento afeta o componente afetivo de uma ideia ou lembrança, separando o conteúdo emocional e mantendo apenas o relato.

No inconsciente, esse mecanismo permite lidar com experiências dolorosas sem sentir o sofrimento associado.

O isolamento pode ser explicado e argumentado da seguinte maneira: na histeria um evento traumático pode cair na amnésia, na neurose obsessiva a experiência não é esquecida, mas destituída de afeto, e suas conexões associativas são suprimidas ou interrompidas, de modo que permanece como isolada” (Freud, 1926, p. 121).

Exemplo: Uma mulher que sofreu uma violência sexual pode relatar o ocorrido de forma objetiva e desprovida de emoção, como se estivesse contando um fato rotineiro. Ou, uma pessoa que é diagnosticada com alguma doença grave, mas simplesmente o ignora e não se importa, pode estar usando o isolamento para se proteger.

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Anulação (ou desmentido)

Já a anulação envolve realizar ações ou pensamentos que têm a função simbólica de “desfazer” ou “anular” algo inaceitável. A pessoa age como se pudesse apagar o que foi feito, dito ou sentido.

No inconsciente, se materializa enquanto uma tentativa de controlar a culpa ou a ansiedade associada a certos impulsos. Frequentemente aparece em comportamentos compulsivos ou supersticiosos.

“A anulação, também consiste essencialmente no desejo de que, por uma anulação mágica do tempo, o que aconteceu e perturba torne-se não acontecido” (Freud, 1926, p. 120).

Exemplo: Após assistir um filme de terror, a pessoa pode querer consumir imediatamente algum conteúdo mais leve ou divertido. Ou, após ter um pensamento considerado inapropriado ou catastrófico, a pessoa pode fazer o “sinal da cruz”, como uma forma de “anular” o pensamento.

Racionalização

Outro mecanismo que merece destaque é a racionalização. Ela busca justificar com argumentos lógicos e socialmente aceitáveis um comportamento, sentimento ou decisão que, na verdade, tem origem em motivos inconscientes ou inaceitáveis.

Em outros termos, trata-se de uma forma de maquiar a verdadeira motivação psíquica por trás de uma ação, oferecendo ao sujeito e aos outros uma explicação mais palatável ou razoável, que evita o confronto com conteúdos internos desconfortáveis.

Esse mecanismo do inconsciente ajuda a proteger o ego da pessoa de sentimentos de culpa ou vergonha, criando uma explicação que pareça mais razoável diante do fato.

Exemplo: Se uma pessoa se sente triste, pode racionalizar dizendo que “não importa” ou que “não é tão grave”. Ou, um estudante que não passou em um concurso afirma que não queria o cargo de verdade, pois o salário era baixo.

Deslocamento

O deslocamento consiste em transferir a carga emocional de um objeto ou pessoa considerada perigosa ou proibida, para outro objeto ou pessoa mais segura ou acessível. Ou seja, transfere-se as emoções de um alvo original para um alvo substituto, que seja menos ameaçador.

No inconsciente, o deslocamento permite que o sujeito expresse suas emoções, sobretudo, agressivas, sem confrontar diretamente sua fonte ideal. Essa manobra psíquica reduz o risco de punição, rejeição ou culpa, pois a energia emocional é redirecionada.

Exemplo: Um funcionário pode descontar em seus filhos a frustração com o chefe no trabalho. Ou, um adolescente que sofre bullying na escola pode se tornar agressivo com seus colegas.


Sublimação

Considerado um mecanismo de defesa razoavelmente saudável, a sublimação consiste em transformar impulsos primitivos ou inaceitáveis em atividades criativas ou artísticas. Ela opera como um canalizador de cargas emocionais, direcionando a energia para atividades que exijam estímulo psíquico.

No inconsciente, ela opera ao redirecionar o desejo reprimido ou negado, para fins nobres. É uma via de expressão simbólica altamente valorizada na vida psíquica adulta, pois permite que os conflitos internos encontrem uma saída produtiva e socialmente aceita.

Ao invés de reprimir o impulso, como ocorre em outros mecanismos, a sublimação transforma sua força em motor criativo e/ou intelectual, por isso, é frequentemente associada à maturidade emocional e ao desenvolvimento de talentos e vocações.

Exemplo: Um sujeito que sofre por algo pode transferir a frustração para a arte, criando obras que expressam esses sentimentos de forma socialmente aceitável. Ou, uma pessoa que sente muita raiva ou estresse no cotidiano pode começar a praticar um esporte de contato, como o jiu jitsu, para canalizar emoções de forma saudável.


Identificação

A identificação, por sua vez, é o processo de incorporação de características, valores ou comportamentos de outra pessoa, muitas vezes significativa para o sujeito. Trata-se de uma forma de aprendizado psíquico profundo, que molda a forma como o indivíduo se percebe e se posiciona no mundo.

No inconsciente, pode ocorrer por admiração, desejo de pertencimento, amor ou medo. Tem papel central na formação da personalidade e na interiorização de normas sociais. Ao se identificar com figuras, personalidades e identidades, internalizam-se também expectativas e modos de se comportar socialmente.

Exemplo: Um adolescente que admira um cantor começa a se vestir e falar como ele, internalizando seu estilo como forma de construir sua própria identidade. Ou, uma criança pode internalizar características e comportamentos de afeto ou violência dos pais para se sentir mais valorizada.

Regressão

Por fim, a regressão é o retorno a modos de funcionamento psíquico e comportamentos de fases anteriores do desenvolvimento, especialmente em situações de estresse ou conflito. Nela, o objetivo é aliviar a tensão ou o medo ao recorrer a formas mais antigas – e geralmente mais seguras - de lidar com a realidade.

Para Freud (1916/1917), a regressão é relativa ao desenvolvimento sexual, uma vez que ela tem uma função libidinal – a obtenção do prazer e da satisfação:

“O que até agora tratamos como regressão [...] significou exclusivamente um retorno da libido a anteriores pontos de interrupção de seu desenvolvimento – isto é algo inteiramente diferente, em sua natureza, da repressão, e inteiramente independente desta (Freud, 1916-17/1996, p. 346)”.

No inconsciente, a regressão representa uma tentativa de fuga temporária para estágios onde as exigências externas eram menores e o cuidado era mais garantido, como na infância. Embora possa ser útil em momentos críticos, oferecendo alívio momentâneo, quando se torna recorrente pode indicar resistência a amadurecer frente a desafios.

Exemplo: Uma pessoa em situações de estresse, pode começar a chorar de forma infantil. Ou, um fumante que, diante de um conflito, passa a fumar mais para se sentir seguro.


Conclusão: defesas não são falhas, são estratégias psíquicas

Neste texto, tratamos sobre os mecanismos de defesa, que são recursos do ego para garantir a manutenção do equilíbrio emocional frente a ameaças internas ou externas.

Longe de serem “erros” ou “falhas”, essas defesas representam tentativas de autorregulação emocional frente às exigências conflitantes do inconsciente, da realidade e das normas sociais.

Embora possam gerar sintomas quando utilizados de forma excessiva ou inadequada, sua função primordial é de autoproteção. Elas atuam como estratégias psíquicas que ajudam o sujeito a sobreviver emocionalmente diante de sentimentos como angústia, culpa, medo, vergonha ou desejo.

Assim, ao invés de condenar sua existência, é preciso reconhecê-las como parte do funcionamento mental humano saudável, ainda que, por vezes, sejam expressões de sofrimento.

Para Anna Freud (1936/2006), “tudo o que provém do ego é também uma resistência, em todos os sentidos da palavra: uma força dirigida contra a emergência do inconsciente”. Nesse sentido, conhecer os mecanismos de defesa é um passo importante para entendermos não só o sofrimento psíquico, mas também os caminhos possíveis para sua transformação.

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Referências

FREUD, S. (1996). Conferência XXII: Algumas ideias sobre desenvolvimento e regressão – etiologia. In S. Freud, Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 16). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1916-17).

FREUD, Sigmund. Inibições, Sintomas e Ansiedade. Em S. Freud, Obras Completas de Freud (pp. Vol. XX, p. 79-171). Rio de Janeiro: Imago, 1926.

FREUD, Anna. [1936] “O ego e os mecanismos de defesa”. Tradução, consultoria e supervisão: Francisco F. Settineri. Porto Alegre: Artmed editora, 2006.

Inconsciente na psicanálise: o que é e como se manifesta
Ricardo Salztrager
Inconsciente na psicanálise: o que é e como se manifesta
Descubra o que é o inconsciente para Freud, como se manifesta em sonhos, atos falhos e sintomas, importância para a psicanálise e para a nossa vida.

Você já parou para pensar que há forças dentro de você das quais nem sequer tem consciência, mas que influenciam suas escolhas, seus medos e seus desejos mais íntimos? Para a psicanálise, esse território oculto da mente tem nome: inconsciente.

Neste artigo, vamos explorar o que é o inconsciente segundo Freud — sua maior descoberta —, entender como ele se manifesta por meio de sonhos, atos falhos, sintomas e esquecimentos, além de conhecer a relação entre o inconsciente e o recalque, suas diferenças em relação ao pré-consciente e ao consciente, e as contribuições de Jung com a ideia do inconsciente coletivo.

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O que é o inconsciente?

O termo “inconsciente” significa literalmente “aquilo que é desconhecido” (“consciência” em latim significa “conhecido” e o prefixo “in”, neste caso, dá a ideia de negatividade). Ele é tido como a maior descoberta de Freud e principal conceito da psicanálise.

Quando Freud postulou que todos nós possuímos um inconsciente ele considerou, portanto, que todos nós nos desconhecemos. Ou seja, possuímos desejos, fantasias, características ou mesmo traumas que sequer conhecemos. No entanto, estes tantos desejos, fantasias, características ou traumas influenciam nossa vida de maneira crucial.


Freud e a descoberta do inconsciente

Freud (1900/1996) postulou o conceito de inconsciente muito cedo, já em sua primeira obra, o livro “A interpretação de sonhos”.

Tal postulação se deu em virtude dos mais de vinte anos de experiência e de tratamento com suas histéricas. Em linhas gerais, as histéricas eram mulheres que sofriam de alguns sintomas de conversão, ou seja, dores e paralisias corporais sem que nada de anatômico ou fisiológico as explicasse.

Por exemplo, era muito comum que uma histérica ficasse surda. Neste caso, os médicos faziam nela os mais variados exames e não encontravam quaisquer lesões ou defeitos que justificavam aquela surdez. Pelo contrário, todo o seu organismo funcionava de modo absolutamente normal: os ouvidos, as inervações, os órgãos interiores, o cérebro... E por isto nenhum médico conseguia explicar como essa histérica veio a ficar surda.

Tal explicação só veio com Freud. Através da análise dos mais variados casos, ele finalmente descobriu que esses sintomas de conversão eram manifestações de desejos inconscientes e, portanto, desconhecidos às histéricas.


Alguns exemplos de casos clínicos de pacientes histéricas de Freud

Como ilustração, há o famoso caso de Elisabeth von N. (Breuer & Freud, 1895/1996), paciente de Freud que sentia inexplicáveis dores na perna, às vezes chegando mesmo a paralisá-las. Em suas associações livres com Freud, a paciente descobriu que possuía um forte desejo pelo cunhado, mas que, de forma alguma, conseguia “dar um passo a frente” (segundo suas palavras) para conquistá-lo. Desta maneira, a impossibilidade de “dar esse passo à frente” era, de alguma forma, simbolizada na paralisia de suas pernas.

Há também o caso de Dora (Freud, 1905a/1996), histérica que, dentre vários outros sintomas, possuía fortes dores na região do abdômen. Em sua análise com Freud, ela reconheceu-se apaixonada pelo melhor amigo de seu pai, o Sr. K.

Certo dia, este senhor deu-lhe uma investida e a jovem prontamente o recusou. Porém, exatos nove meses após esta cena, ela veio a sentir as benditas dores no abdômen, como se elas representassem a simulação de um parto. Nesta medida, Dora veio a descobrir o quanto lamentava-se por ter recusado as investidas do Sr. K.


O inconsciente e o recalque

Assim, através da análise de sucessivos casos, Freud confirmou a existência de desejos inconscientes em todos os seus pacientes. Mas por que estes desejos se tornam inconscientes?

Freud (1909/1996) demonstra que alguns dos nossos desejos acabam se tornando inconscientes por serem incompatíveis com as regras morais. Segundo ele, nós vivemos em uma sociedade governada por uma “moral sexual civilizada”, ou seja, uma moral que atinge e critica basicamente a nossa vida sexual.

Tal moral reconheceria como corretos apenas os desejos sexuais genitais e heterossexuais, de preferência, direcionados ao contexto matrimonial. Portanto, quando algum dos nossos desejos escapa a esta regra, ele ficaria condenado a tornar-se inconsciente através do processo de recalque.

Nesta medida, o recalque é definido como uma defesa frente à nossa sexualidade. Ele consiste, basicamente, em fazer com que um desejo consciente venha a se tornar inconsciente, ou seja, desconhecido para nós.

No entanto, é necessário frisar que recalcar um desejo sexual não significa matá-lo. Pelo contrário, o desejo passa a se tornar apenas desconhecido. Porém, ele continua vivo dentro de nós, à espera de alguma uma ocasião oportuna para manifestar-se.

Mas, então, como os nossos desejos inconscientes conseguem manifestar-se?

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Como o inconsciente se manifesta?

Segundo Freud, nossos desejos inconscientes manifestam-se de cinco maneiras diferentes: nos sonhos, nos atos falhos, nos esquecimentos, nos chistes ou tiradas espirituosas e nos sintomas. Vejamos cada uma delas.

  • Sonhos: segundo Freud (1900/1996), “os sonhos são realizações de desejos inconscientes”. Conforme destacamos, os desejos inconscientes são muito imorais e até mesmo perigosos. Por isso nos censuramos tanto e fazemos de tudo para que eles permaneçam inconscientes e jamais surjam na consciência.

    No entanto, quando estamos dormindo, deixamos um pouco de nos censurar. Daí tais desejos conseguem disfarçar-se e aparecer nos sonhos. Através deste disfarce, eles conseguem não ser reconhecidos e, assim, burlam a nossa censura. Cabe alertar que é justamente devido a este disfarce que os nossos sonhos parecem tão confusos e disparatados.

  • Atos falhos: os atos falhos são também por Freud (1901/1996) considerados manifestações do inconsciente. Eles são definidos como erros ou enganos nas nossas falas. Ocorrem quando almejamos dizer alguma coisa, mas inesperadamente nos enganamos e acabamos falando outra. Só que através deste engano, acabamos dizendo a verdade.

    Um exemplo citado por Freud é o de um senhor que, em uma reunião social, conversava com uma dama de seios fartos. O papo entre os dois era sobre os preparativos de Berlim para o dia de Páscoa. E, assim, no meio do assunto, ele diz: “A senhora viu a exposição de Wertheim? Está totalmente decotada”.

  • Esquecimentos: Segundo Freud (1901/1996), nossos esquecimentos também são manifestações do inconsciente. Ou seja, quando esquecemos “algo” é porque desejamos efetivamente esquecer este “algo”, ou então, alguma coisa a ele relacionada.

    Um exemplo que aconteceu com o próprio Freud: certo dia, uma amiga pediu-lhe que fosse até o Centro de Viena para comprar-lhe um pequeno cofre. Ele sabia onde ficava a loja em que deveria ir, mas não a encontrou.

    Percorreu ruas e ruas inteiras do centro e nada... Até que quando chega em casa, lembra-se que esqueceu de percorrer apenas uma rua da cidade, justamente onde ficava esta loja. Segundo Freud, tal esquecimento se deu porque nesta rua morava uma família da qual ele queria distanciar-se e jamais manter contato.

  • Chistes ou tiradas espirituosas:: De acordo com Freud (1905b/1996), os chistes ou as diversas tiradas que fazemos em nossas conversas também são manifestações do inconsciente. Elas ocorrem quando almejamos dizer algo proibido e imoral e que, portanto, não podemos falar... Mas fazendo um trocadilho ou uma ironia, acabamos por indiretamente dizer e até provocamos risos em quem nos ouve.

    Um exemplo também fornecido por Freud é o de um senhor que conversava com um amigo sobre alguém que ele odiava. No meio do papo, ele solta: “Bem, a vaidade é um de seus quatro calcanhares de Aquiles”.

    Outro exemplo também mencionado por Freud foi o de Phocion, estadista ateniense. Em certa ocasião, ele termina um discurso para o povo e, então, se vê aplaudido. Como ironia, vira para os amigos e pergunta: “Qual foi a besteira que eu falei agora”? Ora, Phocion encarava o povo como propriamente estúpido e, portanto, se o estavam aplaudindo, certamente era porque ele havia dito alguma asneira durante seu pronunciamento. Com efeito, esta foi uma pergunta irônica e sarcástica que manifestava todo o seu desdém pela população.

  • Sintomas: De acordo com o que explicamos acima a respeito das pacientes histéricas de Freud, os sintomas também são formas de manifestação de um desejo inconsciente.

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Inconsciente e psicanálise

Portanto, a partir de tudo o que foi exposto, podemos dizer que, para a psicanálise, o inconsciente não corresponde apenas “àquilo que foi esquecido”. Pelo contrário, apesar de não termos consciência dos desejos recalcados, eles jamais podem ser considerados inertes ou estanques. Ou seja, não devemos entendê-los como algo que foi retirado da consciência de uma vez por todas, permanecendo inconsciente para todo o sempre.

Para a psicanálise, o inconsciente é ativo. Em outros termos, há todo um dinamismo que lhe é próprio e que faz com que as tendências recalcadas lutem, a todo instante, para novamente se manifestarem na consciência.

A respeito disso, vimos tudo o que se passa no contexto dos sonhos, dos atos falhos, dos esquecimentos, das tiradas e dos sintomas: recalcar um desejo e, assim, torná-lo inconsciente não significa matá-lo ou condená-lo ao esquecimento. Pelo contrário, existe uma luta constante entre o desejo sexual imoral e as tendências que tentam silenciá-lo.




Inconsciente, pré-consciente e consciente

Também é importante marcar que, em seu modelo de aparelho psíquico apresentado em “A Interpretação dos Sonhos”, Freud (1900/1996) o dividiu em três diferentes sistemas: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente.

  1. Inconsciente: Conforme está sendo assinalado, o inconsciente corresponde a uma parcela de si que o sujeito desconhece. Todos os desejos sexuais que escapam à moral são recalcados e assim permanecem à espera de alguma forma de manifestação.

    Resta mencionar que tudo o que é inconsciente é indestrutível, ou seja, jamais se extingue ou é encerrado. Pelo contrário, nossos desejos recalcados permanecem vivos e ativos para todo o sempre.

  2. Pré-consciente: Já o pré-consciente corresponde às tendências momentaneamente inconscientes, mas que podem voltar à consciência sem maiores problemas. Isto porque elas não são propriamente imorais ou perigosas. São apenas coisas que voluntariamente optamos por esquecer momentaneamente ou não dar muita atenção.

    Por exemplo, quando temos planos de fazer uma viagem, mas estamos impossibilitados por quaisquer questões, afastamos este plano do nosso pensamento consciente. Tão logo ressurja a oportunidade, voltamos nosso pensamento para a viagem.

    Ou então, quando temos uma tarefa de trabalho, mas queremos aproveitar o final de semana, deixamos de pensar neste dever. Porém, tão logo chega a segunda-feira, voltamos nossa atenção para o trabalho e, assim, a tarefa volta a se tornar consciente.

  3. Consciente: Já a consciência responde basicamente pela percepção do mundo e pelo conhecimento das informações que dele chegam. Cabe à consciência também a função de percepção dos nossos mais diversos sentimentos, dentre eles, os de prazer e de desprazer.




Freud, Jung e o inconsciente: diferentes percepções

Por fim, é necessário frisar que, ao contrário de Freud, Jung vai falar da existência de dois inconscientes: o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.

De acordo com Silveira (1995), o conceito de inconsciente pessoal é razoavelmente semelhante ao conceito freudiano. Ele diz respeito a determinadas tendências que permanecem inconscientes por serem incompatíveis com a atitude consciente, ou então, por serem demasiado fracas e não disporem de energia suficiente para manifestar-se na consciência.

Já o inconsciente coletivo corresponde às camadas mais profundas da nossa mente. Ele diz respeito a alguns fundamentos estruturais do psiquismo comuns a todos os homens, independente de suas culturas ou raças. Trata-se de uma espécie de herança comum que explica, dentre outras tantas coisas, o estranho fato de indivíduos tão diferentes e tão distantes entre si possuírem desejos, fantasias e comportamentos em muito semelhantes.



Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Breuer, J. & Freud, S. (1893-1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.

Freud, S. (1900). A interpretação de sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vols. 4 e 5. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-650.

_____. (1901). A psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 6. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-290.

_____. (1905a). Fragmentos da análise de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-116.

_____. (1905b). Os chistes e sua relação com o inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 8. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 9-231.

Silveira, N. (2007). Jung: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

Transferência e Contratransferência: O Papel na Psicanálise
Ricardo Salztrager
Transferência e Contratransferência: O Papel na Psicanálise
Entenda o que são transferência e contratransferência na psicanálise, como surgem na clínica, exemplos e sua importância para o analista desde Freud.

Você já ouviu falar em transferência e contratransferência, mas não sabe exatamente o que esses termos significam na prática da psicanálise? Neste texto, você vai entender o que são transferência e contratransferência, suas origens no pensamento de Freud, como se manifestam na clínica e por que exigem tanto cuidado por parte do analista.

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O que é transferência e contratransferência na psicanálise?

A transferência é definida por Freud como o vínculo que o paciente estabelece com seu analista. Este vínculo pode ser, por exemplo, de amor, de ódio, de idealização, de ciúmes, de inveja, etc. Na maioria das vezes, inclusive, uma relação transferencial engloba vários destes sentimentos ao mesmo tempo.

Já a contratransferência é definida por Freud como o modo através do qual o analista reage às transferências de seus pacientes. Tais reações podem ser igualmente de amor, de ódio e dos demais sentimentos acima elencados.

Freud e a descoberta da transferência

A transferência foi descoberta já nos primórdios da psicanálise enquanto Freud observava a relação da paciente Anna O. com seu médico Joseph Breuer (Breuer & Freud, 1895/1996).

Com efeito, era visível que Anna O. apaixonara-se pelo terapeuta. Ela não parava de falar em Breuer, dizia também sentir muitas saudades dele e até – segundo Ernest Jones (1999), biógrafo de Freud – chegou a desenvolver uma espécie de “gravidez psicológica” durante o tratamento.

O amor de transferência

A partir deste e de tantos outros casos, Freud (1915/1996) concluiu ser comum que se estabeleça na clínica uma relação transferencial amorosa da parte do paciente. Ou seja, em uma relação terapêutica, temos, de um lado, um paciente que sofre demais em virtude de seus tantos conflitos e, de outro, alguém que ele supõe poder curá-lo. Assim, a relação terapeuta e paciente passa a ser marcada por uma idealização tal que o analista vem a assumir uma posição central na vida do paciente.

Deste modo, é comum que o paciente venha a pensar demais em seu psicanalista e que não pare de falar dele para seus familiares e amigos. É também corriqueiro que venha a stalkear as redes sociais do analista visando descobrir alguma informação sobre sua vida privada: onde mora, se é casado, se tem filhos... E muitos pacientes são capazes de passar horas e horas vendo repetidas vezes algumas fotos de seus analistas.

Outros exemplos comuns de transferência no vínculo entre terapeuta e paciente

Como o amor é um sentimento que nunca vem sozinho, é normal que o vínculo entre terapeuta e paciente seja também mesclado por intensos ciúmes, ódios, sentimentos de posse, competições, etc.

  • O ciúme: Se onde há amor há ciúme, nada mais previsível que as relações terapêuticas sejam também por ele marcadas. Assim, pode o paciente, por exemplo, vir a detestar os outros pacientes de seu analista e, nesta medida, às vezes, o ambiente de uma sala de espera é marcado por muita hostilidade. É inclusive comum que um paciente questione: “por que você atende tal paciente por mais tempo que a mim?”, “por que você sorri para ele, mas nunca para mim?” ou então “eu tenho certeza que você prefere a ele que a mim”.
  • O ódio: Em todo este contexto é também de se imaginar que a relação terapeuta e paciente seja marcada por um grande ódio. Com efeito, nós também odiamos aqueles que tanto amamos e, por isto, pode acontecer que o paciente diga coisas horríveis sobre a pessoa de seu analista, tenha sonhos maléficos com ele, ou então, que se entregue às mais variadas brigas e disputas. Desta forma, o analista pode ser alvo de algumas ironias e indiretas e a situação às vezes chega ao limite de o paciente descarregar uma grande raiva em cima de seu terapeuta.
  • O sentimento de posse: Outro exemplo é quando o vínculo entre terapeuta e paciente é acompanhado por um intenso sentimento de posse. Daí pode acontecer de o paciente vir a encher o analista de presentes com o intuito de conquistá-lo, tentar manipular sua agenda para que consiga protagonismo diante de seus outros pacientes ou mesmo de se colocar como alguém gentil e amável para que o analista retribua todo o seu amor.
  • A competição: É também provável que este vínculo seja marcado por forte competição. Ou seja, se o paciente presume que o analista tudo sabe, é capaz que ele próprio insista em defender que sabe muito mais que o terapeuta. Uma relação transferencial baseada na competição pode também incluir questionamentos do paciente sobre quem é mais jovial, bonito, magro ou atlético dentre tantas outras coisas.


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Por que ocorre a transferência?

No artigo “A dinâmica da transferência”, Freud (1912/1996) diz que ela ocorre porque quando uma pessoa está em análise, ela costuma deslocar uma série de tendências suas para o psicanalista. Trata-se, geralmente, de algumas formas de se comportar na vida que o paciente traz consigo desde a infância mais remota e que agora serão direcionadas ao terapeuta.

Como exemplo, podemos citar o caso de uma pessoa que, desde criança, sente muita inveja dos outros. Ela agia desta maneira com seus irmãos e irmãs, com as outras crianças do colégio e, conforme crescia, passou a se comportar assim com os amigos, com aqueles que conseguiam namorados melhores que os seus e mesmo com os que tinham um trabalho mais valorizado.

Ora, nada mais óbvio que quando esta pessoa inicie um tratamento, também passe a sentir inveja do analista, já que ela é assim com todo mundo e é desta forma que ela se relaciona.

A transferência e o inconsciente

No entanto, destaca-se que não necessariamente o paciente possui a exata consciência daquilo que transfere ao analista.

Ou seja, se tomarmos o exemplo acima, podemos dizer que tal paciente talvez nem tenha noção do quanto é invejoso nem do quanto transfere suas relações de inveja para o terapeuta. Pelo contrário, a psicanálise estabelece que todos nós temos um inconsciente, ou seja, todos nós desconhecemos grande parte dos nossos desejos, fantasias e comportamentos. Neste sentido, Freud vai dizer que são justamente estas tendências inconscientes aquelas que com maior frequência estarão presentes na cena transferencial.

Como ilustração, tomemos o exemplo de uma pessoa que se julga extremamente boa. Uma pessoa religiosa, caridosa e incapaz de praticar qualquer maldade. No entanto, ela não possui a exata consciência do quanto é agressiva com os outros, fazendo com eles pequenas maldades como fofocas, intrigas e injustiças.

Ora, quando esta pessoa entra em análise, é exatamente desta forma que ela vai se comportar com o psicanalista. É provável que dirá o tempo inteiro o quanto é boa e íntegra, porém sem perceber, direcionará ao analista todas as suas pequenas agressividades. E, assim, ela só poderá se tornar consciente do quanto é agressiva quando isso for apontado por seu psicanalista.


O caso Dora

Conforme colocamos, Freud descobriu a existência da transferência bastante cedo quando seu colega Breuer atendia a Anna O. Todavia, foi a partir de situações vividas com sua paciente Dora que ele concedeu maior atenção ao tema. O conjunto de suas observações sobre o tema está em “Fragmentos da análise de um caso de histeria” (Freud, 1905/1996).

Dora era uma jovem envolta em paixões por algumas pessoas de seu convívio, paixões estas que jamais se concretizavam. Dentre elas, estava seu apaixonamento pelo melhor amigo de seu pai, o Sr. K. Com ele a jovem mantinha uma relação no mínimo curiosa: sem medir quaisquer esforços, Dora seduzia completamente o Sr. K. e se entregava a tal jogo de sedução com todas as suas armas. Porém, quando ela sentia que estava conseguindo seu objetivo, de repente, abandonava a cena e sumia. Claro que a jovem não tinha a exata consciência de que agia desta maneira.

E foi exatamente assim que Dora se comportou com Freud. Seduziu o analista em demasia a ponto de Freud em muito se dedicar a sua análise e, inclusive, ter o desejo de publicar o caso (algo que não acontecia com qualquer paciente seu). Dora também insistia em não relatar determinadas coisas, deixando Freud extremamente curioso e praticamente em suas mãos. E em meio a tamanho jogo de sedução, de repente, Dora abandonou a análise.

Quando se dá o abandono, Freud finalmente percebe o quanto não tinha se dado conta da transferência de Dora.


A contratransferência na psicanálise

Foram poucas as vezes que Freud escreveu sobre a contratransferência. Em linhas gerais, ela é definida como o conjunto de sentimentos que um paciente é capaz de despertar em seu analista: amores, ódios, invejas, raivas, etc. Vale marcar que assim como a transferência do paciente para o analista é marcada por tendências inconscientes, o psicanalista também não possui a exata consciência daquilo que contratransfere.

Deste modo, o terapeuta pode, por exemplo, desenvolver um apaixonamento por certo paciente sem que disso esteja consciente. Da mesma maneira, pode ter inveja de um paciente sem que exatamente perceba isso. E pode até mesmo, sem saber, desenvolver um sentimento de posse em relação a seus pacientes, o que em muito prejudicaria seu trabalho.

A contratransferência e a importância da análise pessoal

Assim, ao contrário da transferência que é tida como algo a ser estimulado no tratamento psicanalítico, Freud (1915/1996) situa a contratransferência como uma coisa a ser incisivamente evitada. Isto porque um amor, um ódio, uma inveja ou uma raiva que o analista venha a sentir de seus pacientes pode, em muito, atrapalhar seus tratamentos.

Daí a necessidade de os analistas também fazerem uma análise pessoal. Ora, é comum – e até mesmo inevitável – que um terapeuta venha a sentir os mais variados afetos por seus pacientes. Alguns podem despertar-lhes maior interesse, outros podem fazer com que o psicanalista se lembre de traumas e ainda há os que ele possa vir a conceder um exagero de cuidados.

Por isso é imprescindível que um analista seja uma pessoa suficientemente analisada. Com sua análise pessoal, ele conseguirá melhor elaborar seus sentimentos e fazer com que suas próprias questões não interfiram tanto em seu trabalho.


O manejo da contratransferência

Com base nesta discussão, podemos perguntar: como um tratamento analítico poderia progredir se o analista respondesse com raiva aos sentimentos transferenciais de seus pacientes? Com certeza, o vínculo entre terapeuta e paciente passaria a ser marcado por uma raiva imensa que em muito prejudicaria o tratamento.

Ou então: como um tratamento analítico pode progredir se o analista responde com certo cansaço às falas de seus pacientes? Aqui a contratransferência também é prejudicial. E a mesma pergunta deve ser feita em relação a outros sentimentos do analista que venham a se manifestar na contratransferência.

Nesta medida, é importante frisar que o psicanalista não deve necessariamente se portar como uma pedra de gelo diante de seus pacientes, pois isso é humanamente impossível. Enquanto ser humano, ele possui os mais variados sentimentos que sempre se manifestarão independentemente de sua boa vontade e demais esforços. Por isso, certa dose de contratransferência é inevitável ao tratamento. Porém, é importante frisar que determinados exageros sentimentais da parte do analista são prejudiciais e por isto devem ser analisados.

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E quando o terapeuta se apaixona pelo paciente?

Foi para responder esta pergunta que Freud (1915/1996) escreveu o artigo “Observações sobre o amor transferencial”.

Apesar de ser uma coisa rara, nenhum psicanalista está livre de se apaixonar por alguns de seus pacientes. De fato, não controlamos nossos sentimentos e, às vezes, quando menos esperamos, eles acabam transbordando. E, assim, cabe ao psicanalista analisar-se e, com sua paixão devidamente elaborada, decidir se o tratamento prossegue ou termina em virtude de seu amor contratransferencial.

Deve o psicanalista orgulhar-se quando um paciente se apaixona por ele?

Uma discussão sobre esta pergunta também se faz em “Observações sobre o amor transferencial”.

Nele, Freud (1915/1996) é incisivo ao responder que não, alertando ser raro um paciente se apaixonar por seu psicanalista devido aos seus encantos pessoais. Conforme vimos, o amor transferencial é induzido pela própria situação analítica, mas jamais pelo charme, beleza ou inteligência do psicanalista. Por isto o terapeuta não teria motivos para orgulhar-se do fato de um paciente estar por ele apaixonado. Tampouco para entregar-se a uma ardente paixão com um de seus clientes.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

BREUER, J. & FREUD, S. (1895/1996). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago. p. 11-316.

Freud, Sigmund. (1905/1996). Fragmentos da análise de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago. p. 13-116.

_____. (1912/1996). A dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago. p. 107-119.

_____. (1915/1996). Observações sobre o amor transferencial. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago. p. 173-188.

Jones, Ernest. (1999). A Vida e a Obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.

Associação Livre na Psicanálise: o que é qual sua importância
Ricardo Salztrager
Associação Livre na Psicanálise: o que é qual sua importância
Associação livre é a técnica central da psicanálise criada por Freud. Entenda o que é, como funciona e como ela permite o acesso ao inconsciente.

A associação livre é considerada por Sigmund Freud a regra fundamental da psicanálise e desempenha um papel central no trabalho clínico. Neste artigo, você vai entender o que é a técnica da associação livre, como ela surgiu, qual sua importância para o acesso ao inconsciente e como é aplicada nas sessões de psicanálise. Também vamos abordar o papel da escuta do analista, o conceito de atenção flutuante, as resistências que podem surgir ao longo do processo e os principais entraves à escuta psicanalítica.

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O que é associação livre?

De acordo com Sigmund Freud (1904/1996), a técnica da associação livre é a regra fundamental da psicanálise. Ela é definida como convite que o psicanalista faz aos seus pacientes para que, durante as sessões, digam tudo o que lhes vêm ao pensamento, sobretudo, o que acharem sem importância ou lhes provoquem dor ou vergonha. Através desta técnica, Freud conseguia chegar mais facilmente às tendências inconscientes que tanto lhes causavam sofrimento.

Como surgiu a técnica da associação livre de Freud?

É difícil precisar o momento em que ela surgiu. De fato, mesmo enquanto praticava a sua auto-análise, Freud (1900/1996) já se servia da técnica da associação livre. Assim, visando interpretar seus sonhos, por exemplo, ele pegava um de seus fragmentos e ia associando-o a tudo o que lhe vinha à mente. Ao longo deste trabalho, ele ia descobrindo uma série de desejos inconscientes seus.

No entanto, é comum situar o caso de Emmy von N. (Breuer & Freud, 1895/1996) como aquele no qual a técnica da associação livre foi utilizada pela primeira vez. Freud nos conta que ele costumava falar bastante com esta paciente e até mesmo interferir no livre curso dos seus pensamentos. Até que, certa vez, ela o adverte para que deixasse de intervir a todo instante, de forma que ela pudesse falar à vontade sobre tudo o que lhe vinha ao pensamento.

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A associação livre na psicanálise

Apesar de ter sido utilizada desde muito cedo, a técnica da associação livre só vai se constituir como técnica privilegiada da psicanálise após Freud abandonar a hipnose.

Como muitos já sabem, Freud iniciou sua prática servindo-se da hipnose, vindo a abandoná-la em alguns poucos anos. Tal abandono se deu por vários motivos. O primeiro foi que a hipnose não era considerada exatamente um método científico e, assim, não desfrutava de muito respeito entre os médicos. O segundo foi que nem todo paciente era hipnotizável e, com isto, Freud deixava de atender uma enormidade deles.

No entanto, o principal motivo que o levou ao abandono da hipnose foi a descoberta de que era possível chegar às tendências inconscientes de seus pacientes mesmo com eles acordados. Bastava que se pedisse que dissessem tudo o que lhes vinha ao pensamento, sem maiores censuras ou restrições. Com isto, a livre associação foi alçada à categoria de regra fundamental da psicanálise (Freud, 1904/1996).

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Como funciona a técnica da livre associação?

Conforme destacamos, a técnica da associação livre possibilita que o paciente associe suas ideias de forma livre e sem maiores interferências do analista. Este se limitaria a escutar e a observar aonde as associações vão chegar. De vez em quando, é claro, cabe ao analista fazer algumas perguntas ao paciente, mas sempre com o intuito de melhor estimular suas associações.

Através desta técnica, o paciente consegue, por exemplo, expor seus pensamentos, falar sobre alguns acontecimentos cotidianos e construir um relato sobre aquilo que o faz sofrer. Ele pode também falar de seus conflitos, de seu passado, dos projetos para o futuro e, inclusive, de suas fantasias e ideias de qualquer ordem (Freud, 1904/1996).

Associação livre e o inconsciente

Com efeito, destacamos que a psicanálise parte do pressuposto de que todos nós possuímos desejos inconscientes (desejos dos quais não temos qualquer conhecimento). Segundo Freud (1909/1996), são justamente estes desejos que se escondem por trás de tudo o que nos faz sofrer. Trata-se de desejos sexuais que tiveram de ser afastados da consciência por serem considerados imorais.

Assim, quando um sujeito vem procurar análise, o psicanalista deve com ele trabalhar para trazer estes desejos novamente à consciência. Desta forma, o paciente consegue elaborar seu sofrimento.

De fato, conduzir o material inconsciente à consciência foi considerado o principal objetivo da clínica psicanalítica, pelo menos nos primeiros anos de trabalho de Freud. Para tal, o analista se serviria da associação livre, propondo que seu paciente tudo dissesse e encadeiasse umas às outras as suas associações. Ao longo deste trabalho, acontecia de o paciente perceber em si algumas tendências inconscientes que ele nem desconfiava existir.

À guisa de ilustração podemos tomar o caso de Elisabeth, paciente de Freud, que em muito sofria em virtude de fortes dores na perna. Nesta medida, através da técnica da associação livre, a paciente ia falando, contando sua história, trazendo seu passado e relatando suas mais diversas fantasias e acontecimentos cotidianos.

Até que, ao longo destas tantas associações, ela descobriu possuir os mais ardentes desejos pelo próprio cunhado. Porém, não conseguia “dar um passo adiante” em seus propósitos, justamente, em virtude dos tantos preceitos morais existentes. Deste modo, Elisabeth concluiu que suas dores na perna eram justificadas por seu desejo sexual pelo cunhado aliado à impossibilidade de correr atrás de seus objetivos (Breuer & Freud, 1895/1996).



O método da associação livre e as resistências

Cabe agora perguntar: por que quando o analista solicita que o paciente diga tudo o que lhe vem ao pensamento, ele frisa para que não se exclua aquilo que considere sem importância, pareça-lhe sem sentido ou lhe cause dor, vergonha ou mesmo asco? A resposta é: porque assim acredita-se que o trabalho de associação livre consiga driblar a força das resistências.

Como se pode imaginar, não é tarefa muito fácil fazer com que, a partir das associações livres, os desejos inconscientes cheguem à consciência. Isto porque, ao longo das sessões, as livres associações frequentemente se esbarram com algumas forças contrárias à conscientização dos desejos. Freud (1904/1996) denominou estas forças de “resistências”. Vejamos alguns de seus tantos exemplos.

Alguns exemplos de resistências na psicanálise

Tais resistências podem se reconhecer, por exemplo, quando o paciente silencia em meio às suas associações, quando sente dificuldade em dizer o que lhe vem à mente, quando prontamente se recusa a falar, quando falta à alguma sessão ou mesmo quando coloca uma série de empecilhos para o prosseguimento da análise.

Mas há também as situações nas quais o paciente se embaraça em virtude do que iria contar ou sente vergonha a respeito do que está narrando. Inclusive, há as situações nas quais o prosseguimento das associações livres lhe cause desconforto, tristeza ou mesmo dor. Ademais, há o caso nos quais suas associações pareçam não fazer muito sentido. Em todos estes casos, Freud (1904/1996) diz fazer-se presente a força das resistências.

Um último exemplo remete ao caso de quando o paciente deixa de contar algo porque o considera irrelevante. Geralmente, este é mais um dos pretextos que funciona como uma arma das resistências. Nesta medida, é sempre surpreendente observar que aquilo que o paciente julga como pouco importante é justamente o que mais diretamente vai conduz aos desejos inconscientes.

Daí o pedido para que o paciente não exclua de seu discurso o que considere sem importância ou que venha lhe causar tristeza, dor ou embaraço dentre tantos outros sentimentos penosos. De fato, quanto mais as associações provocam embaraço, desprazer ou sejam consideradas sem sentido ou mesmo sem importância, pode-se ter a certeza de que elas estão se aproximando das tendências inconscientes.

A escuta psicanalítica

Freud (1912b/1996) também destaca que ao ouvir as associações livres de seus pacientes, o psicanalista deve manter uma “escuta flutuante”.

Por “escuta flutuante” ou “atenção flutuante”, ele caracteriza uma escuta que não privilegia qualquer elemento das associações livres de seus pacientes. Deste modo, tal como deve acontecer com as associações do analisando, a escuta do psicanalista deve ser igualmente livre. Por isto, há o destaque de que o psicanalista deve tudo ouvir, de forma a não se concentrar – pelo menos à princípio – em quaisquer dos elementos narrados.

Caso o analista se concentre por demais em determinado elemento das associações livres, ele corre o risco de negligenciar outra série de elementos que podem ser importantes para o caso. Além do mais, ao fechar os ouvidos para estes outros elementos, ele periga não descobrir nada além do que já sabe e, com isto, recorrer a graves enganos.

Os entraves à escuta psicanalítica

Em relação à escuta flutuante, Freud também coloca que ela deve ser isenta de quaisquer entraves. Dentre eles, os três mais conhecidos são: as concepções teóricas que o psicanalista traz consigo, os diversos preconceitos que ele insiste em manter e também alguns julgamentos seus de qualquer ordem.

Daí a necessidade de o psicanalista do tripé psicanalítico, onde deve fazer uma análise pessoal – além de uma supervisão – para se livrar, ao máximo, destas tendências que prejudicam sua escuta. Ilustremos cada um destes três entraves.

  1. Concepções teóricas

    Há, portanto, a necessidade de o psicanalista se esforçar para, de certa maneira, esquecer parte de seus conhecimentos teóricos, pelo menos enquanto escuta seus pacientes. Deste modo, o psicanalista evitaria acabar aplicando aos casos que atende uma teoria conhecida que, talvez, nada tenha a ver com eles.

    Um exemplo grosseiro remete a uma possível paciente que chegue ao seu consultório sentindo fortes dores nas pernas e ele presuma que, assim como aconteceu com Elisabeth, ela estaria apaixonada pelo cunhado.

    Ou então que, em conformidade com o que aprendeu a respeito do complexo de Édipo, o psicanalista venha a concluir de antemão que a esposa de um paciente seu seja a substituta de sua figura materna. Assim, sem nem escutar direito o paciente, o psicanalista acaba dizendo-lhe: “Você provavelmente briga com a sua esposa, igual brigava com a sua mãe”. Ou: “Você sente ciúmes dela tal qual na infância sentiu ciúmes da sua mãe”.
  2. Preconceitos

    Nesta mesma perspectiva, uma análise pessoal aliada a uma supervisão também poderia impedir que determinados preconceitos do analista venham a prejudicar sua escuta. Como ilustrações, há o caso do psicanalista homofóbico que pode vir a achar que seus pacientes homossexuais são relativamente anormais ou perversos. Há também o caso do psicanalista extremamente machista que pode estranhar e mesmo criticar algumas atitudes e pensamentos de suas pacientes mulheres. Além do caso do psicanalista extremamente religioso e moralizatório que possa vir a fazer longos sermões aos pacientes que utilizam drogas lícitas ou mesmo ilícitas.
  3. Julgamentos pessoais

    Outros exemplos correntes remetem aos próprios julgamentos pessoais do psicanalista que prejudicam sua escuta no caso de não serem bem analisados ou supervisionados. Desta forma, há o caso de uma psicanalista que, por exemplo, sofre por nunca ter conseguido ser mãe e que, assim, tenha dificuldade em escutar os motivos de uma paciente que decidiu abortar uma gravidez indesejada. Ou mesmo o caso de um psicanalista com tendências políticas mais reacionárias e que possa vir a ter dificuldade em escutar alguns comportamentos de seus pacientes com visões mais progressistas.



Associação livre e escuta flutuante

A partir de tudo o que foi acima colocado, podemos concluir que a atenção flutuante está para o analista assim como a associação livre está para o analisando e que ambas se complementam durante o tratamento (Freud, 1912/1996). Assim como as associações do paciente devem ser livres de preconceitos ou julgamentos, a escuta do psicanalista também o deve ser. E se o analista abre mão de sua atenção flutuante, ele inevitavelmente joga fora todo o proveito que se poderia retirar das associações livres de seus pacientes.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

BREUER, J. & FREUD, S. (1893-1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.

FREUD, S. (1900). A interpretação de sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vols. 4 e 5. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-650.

______. O método psicanalítico de Freud. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 233-240.

______. (1909). Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 165-186.

______. (1912). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 121-133.



Consciente, Inconsciente e Pré-consciente: como funcionam?
Gabriel Cravo Prado
Consciente, Inconsciente e Pré-consciente: como funcionam?
Entenda as três instâncias psíquicas propostas por Freud, fundamentais para a psicanálise.

Compreender os conceitos de consciente, pré-consciente e inconsciente é essencial para entender a teoria psicanalítica. Essas três instâncias psíquicas são fundamentais para a compreensão do aparelho psíquico proposto por Freud, que descreve a dinâmica complexa e o funcionamento distinto de cada uma delas.

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O Consciente

O conceito de consciente em Freud refere-se à instância do aparelho psíquico que contém os processos de pensamento, percepção e sentimentos dos quais o sujeito tem plena consciência. Ele é, junto com o pré-consciente e o inconsciente, uma das três áreas principais na primeira tópica freudiana.

O consciente envolve tudo aquilo que o sujeito é capaz de perceber de forma direta, como as sensações e pensamentos imediatos, e tem um papel essencial na interação do indivíduo com a realidade externa. Freud, em suas primeiras formulações, afirmou que o consciente não está ligado a uma área específica do cérebro, mas representa um processo psíquico complexo e dinâmico.

A consciência, para Freud, vai além da simples percepção do mundo externo. Ela está relacionada à capacidade de fazer ligações simbólicas e racionais, permitindo ao sujeito ordenar e interpretar suas experiências.

No entanto, o acesso ao consciente pode ser dificultado por processos internos como o recalque e a censura, que podem impedir que certos conteúdos psíquicos, especialmente os conflitivos ou traumáticos, se tornem acessíveis à consciência. Esses processos são fundamentais na formação de defesas e no desenvolvimento de sintomas.

Freud também introduziu a ideia de que o consciente interage com o inconsciente e o pré-consciente, e sua função não é estática. Ele propôs que a consciência emerge e desaparece dinamicamente, com as percepções sendo processadas, mas não deixando vestígios permanentes.

Esse processo é comparável ao de uma "lousa mágica", onde as informações são apagadas após a tomada de consciência. Isso mostra que a consciência não retém as experiências de forma fixa, mas permite um fluxo contínuo de informações, atualizando constantemente o que é percebido.

Embora Freud tenha dado grande ênfase ao inconsciente, ele nunca ignorou o papel do consciente. Para ele, a psicopatologia não se resume a um conflito entre o consciente e o inconsciente, mas envolve um processo mais complexo de interação entre as diversas forças psíquicas.

O estudo dos sonhos e das defesas psíquicas revelou como a consciência pode ser moldada e distorcida, mostrando que ela não é apenas um reflexo direto da realidade externa, mas uma construção influenciada por fatores internos e inconscientes.



O Pré-Consciente

O conceito de pré-consciente foi introduzido por Sigmund Freud para designar uma das três instâncias fundamentais de sua primeira tópica, junto com o consciente e o inconsciente.

Diferente dos conteúdos inconscientes, que estão totalmente fora do alcance da consciência, os conteúdos do pré-consciente estão à disposição da consciência, embora não estejam imediatamente presentes. O pré-consciente pode ser entendido como uma espécie de "armazém" de informações que, embora não ativas, podem ser acessadas com facilidade quando necessário, por meio da atenção ou do esforço consciente.

Freud introduziu o termo de forma mais sistemática em sua correspondência com Wilhelm Fliess, em 1896, associando-o às representações verbais e ao "eu oficial". O pré-consciente, em sua visão, é o sistema que contém as informações que podem emergir para a consciência, desde que atendidas certas condições, como o grau de intensidade ou a ativação por um foco de atenção.

Essa instância funciona como uma espécie de filtro, permitindo que conteúdos sejam trazidos à consciência sem a interferência direta do inconsciente, que exige uma modificação maior para acessar a consciência.

Uma característica fundamental do pré-consciente é sua proximidade com o inconsciente. Enquanto o pré-consciente é descrito como inconsciente ele se diferencia do inconsciente dinâmico, já que seus conteúdos podem ser trazidos à consciência com maior facilidade, mesmo que, às vezes, necessitem de uma "censura" para evitar o acesso de conteúdos indesejáveis.

Freud, em O eu e o isso, apontou que o pré-consciente age como uma barreira entre o inconsciente e a consciência, com um sistema de triagem que impede que desejos inconscientes, potencialmente perturbadores, se manifestem diretamente na consciência.

Apesar de sua função de "filtro", o pré-consciente também está intimamente ligado ao processo secundário, que regula o pensamento lógico e racional, diferente do processo primário, que está mais relacionado aos impulsos primitivos do inconsciente.

Embora o pré-consciente tenha a função de selecionar e organizar informações, ele pode, de maneira "normal", permitir que certos pensamentos reprimidos ou "restos diurnos" reapareçam, como no caso dos sonhos. Ao longo de sua obra, Freud manteve a ideia de que o pré-consciente tem um papel crucial na mediação entre o inconsciente e o consciente, sendo particularmente relevante na relação com a linguagem e a formação dos pensamentos conscientes.

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O Inconsciente

O conceito de inconsciente passou por uma transformação significativa ao longo do tempo, especialmente com a psicanálise de Sigmund Freud.

Embora o termo tenha sido utilizado de maneira geral na língua comum para descrever processos mentais fora da consciência, foi Freud quem fez dele um pilar central de sua teoria psicanalítica.

O inconsciente freudiano não é apenas uma parte oculta do psiquismo, mas uma instância ativa, onde residem conteúdos reprimidos, impulsos e desejos que não têm acesso direto à consciência. Para Freud, esses conteúdos podem se manifestar de maneiras indiretas, como nos sonhos, atos falhos e lapsos de linguagem, revelando-se de formas disfarçadas, mas significativas.

A psicanálise freudiana introduziu a ideia de que o inconsciente não é apenas um reservatório de conteúdos reprimidos, mas um espaço dinâmico governado por leis próprias, como o processo primário, que se manifesta nos sonhos e nas fantasias.

Esses conteúdos inconscientes estão frequentemente relacionados a pulsões que buscam expressão, mas não podem se tornar conscientes diretamente devido ao recalque. Com o tempo, Freud foi refinando a teoria do inconsciente, especialmente com a introdução da segunda tópica, onde ele passou a situar o inconsciente como uma característica tanto do isso, quanto do eu e do supereu.

O conceito de inconsciente:a importância para a psicanálise

A partir da década de 1920, Freud reestruturou suas ideias sobre o inconsciente, ampliando sua concepção para incluir não apenas os conteúdos reprimidos, mas também a dinâmica entre as instâncias psíquicas, como o isso e o eu. A partir de então, ele afirmou que o inconsciente é uma função fundamental na formação da personalidade, essencial para a psicanálise.

No entanto, com a evolução da psicanálise, outros pensadores, como Melanie Klein e Jacques Lacan , revisitaram e expandiram o conceito, com Lacan, por exemplo, propondo uma teoria inovadora em que o inconsciente é estruturado pela linguagem, o que introduziu uma nova dimensão ao entendimento freudiano.

Para Lacan, o inconsciente é “o discurso do outro”, e sua estrutura é profundamente ligada à linguagem e ao significante, oferecendo uma visão mais complexa e simbólica da psique humana.

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Referências Bibliográficas

ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.




O que é recalque e repressão na psicanálise de Freud
Ella Barruzzi
O que é recalque e repressão na psicanálise de Freud
Saiba o que é recalque e repressão na psicanálise de Freud, explorando como os processos psíquicos moldam nossos pensamentos e comportamentos.

O conceito de inconsciente, presente na teoria de Sigmund Freud, é amplamente conhecido e fundamental para a psicanálise e o entendimento da mente humana.

Pode até parecer verdade – e muitos leigos pensam assim –, mas o inconsciente não é somente aquilo que esquecemos – ou que gostaríamos de esquecer –, mas sim um espaço psíquico ativo, que influencia nossas emoções, pensamentos e comportamentos de maneira indireta.

É no inconsciente que ocorrem mecanismos como o recalque, impedindo que certos conteúdos traumáticos ou inaceitáveis se tornem conscientes.

Para Freud, dentro desse contexto, existiam certas manifestações do inconsciente, tais como:

  • Sonhos – que ele chamava de "a via régia para o inconsciente".
  • Atos falhos – com certeza você já cometeu algum, como trocar o nome do parceiro, por exemplo (polêmico, mas pode revelar um pensamento reprimido).
  • Sintomas neuróticos – fobias, ansiedades e compulsões.


Compreender o inconsciente freudiano é essencial para entendermos como nossa mente lida com desejos, traumas e conflitos internos, para isso é preciso observar para além de um depósito de memórias esquecidas.

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O conceito de repressão através da história da psicanálise

Falar sobre o recalque pode parecer bastante simples quando pensamos no conceito disseminado pela internet, onde a imagem de um iceberg está sempre em evidência. Tudo bem! É importante desmistificar algumas teorias e trazê-las para o universo contemporâneo, ampliando o alcance de muitos conteúdos acadêmicos.

Porém, também é necessário um certo aprofundamento a fim de termos embasamento suficiente para entendermos como existe um emaranhado de outros conceitos e teorias por trás de cada um dos detalhes apresentados por nomes como Sigmund Freud.

Quando pesquisamos para a elaboração deste texto, esbarramos em um grande conjunto complexo de explicações colocadas por Freud em diferentes épocas de seu trabalho, onde iremos destacar alguns de seus escritos.

No volume XX, que traz trabalhos de 1925 a 1926 – Um estudo autobiográfico: inibições, sintomas e ansiedade; a questão da análise leiga e outros trabalhos – o apêndice A nos oferece algumas referências em que podemos encontrar os conceitos de recalque, bem como de repressão.

O primeiro uso do termo “repressão” apareceu na “Comunicação preliminar”, de 1974 – edição brasileira. Já em “Estudos sobre histeria”, Freud cita o conceito diversas vezes, estando misturado à “defesa”, que começou a desaparecer após o período de Breuer.

Foi então que “repressão” se tornou predominante em suas obras, tendo sido quase que exclusivamente utilizada no famoso caso “Dora” e nos “Três ensaios”. Uma mudança que foi efetivamente chamada à atenção em um artigo sobre sexualidade das neuroses, em 1905.

Encarava a própria divisão psíquica como o efeito de um processo de repulsão que naquela ocasião denominei de “defesa”, e depois, de “repressão”. Freud, em “A história do movimento psicanalítico" (1914d), Edição Standard Brasileira, Vol. XIV, p. 20, IMAGO Editora, 1974.

E foi após 1905 que a palavra “repressão” teve sua dominância, como por exemplo na análise do texto “O homem dos ratos” – de 1909. Dito isso, podemos trazer uma pincelada sobre o sentido de “repressão” para Freud.

Para aprofundar ainda mais, trouxemos uma sugestão de curso que irá oferecer uma abordagem simples e acessível para explorar as origens e os significados de diversos conceitos, com base em algumas das obras mais relevantes de Freud. As aulas servem como uma introdução à psicanálise para iniciantes e uma excelente fonte de novas perspectivas para aqueles que já conhecem o tema.



O conceito de repressão de Sigmund Freud

Quando sentimos um impulso instintivo, como um desejo ou necessidade, ele pode encontrar obstáculos que tentam bloqueá-lo. Se fosse um estímulo externo – algo vindo de fora, como um som alto ou um cheiro forte – a solução natural seria fugir. Mas, quando o impulso vem de dentro de nós, não há para onde escapar.

Nesse caso, o que acontece é esse processo inconsciente chamado repressão, uma operação psíquica que procura repelir – ou manter no inconsciente – pensamentos, lembranças, traumas ou imagens que não conseguimos lidar e que podem nos ameaçar a experienciar o desprazer.

Esse conceito foi desenvolvido na psicanálise e ajuda a explicar como lidamos com desejos ou pensamentos que nos causam certo desconforto. Mas a pergunta que fica é: “por que um impulso instintivo precisaria ser reprimido?

Isso acontece quando a ideia de satisfazê-lo causa mais desprazer do que prazer. Normalmente, nossos instintos nos levam a buscar sensações agradáveis.

No entanto, algumas circunstâncias podem fazer com que algo que deveria ser prazeroso se torne incômodo ou doloroso. Por exemplo, na mente, quando um desejo reprimido se torna desconfortável, nosso cérebro pode tentar afastá-lo para evitar sofrimento.

Vale ressaltar que a repressão, ao contrário do que muitas pessoas pensam, também não acontece uma única vez, de forma definitiva.

Para que a repressão ocorra, primeiro precisa haver uma divisão entre o consciente e o inconsciente. No início, ela impede que um pensamento ou desejo desconfortável chegue ao consciente. Depois, continua atuando sobre ideias e lembranças associadas a esse conteúdo reprimido.

Porém, o que foi reprimido não desaparece. Ele pode se reorganizar no inconsciente, influenciando nossas emoções, comportamentos e até mesmo reaparecendo de formas indiretas, como em sonhos, atos falhos ou sintomas psicológicos, como falamos no início do texto.

Além disso, a repressão exige um esforço contínuo para se manter ativa. Se essa "força de repressão" enfraquece, o conteúdo reprimido pode tentar emergir novamente, exigindo novos esforços para ser contido. Ou seja, a repressão não é um evento único e fixo, mas um processo dinâmico e constante ao longo da vida psíquica.

E é nesse ponto que entramos no conceito de recalque, um mecanismo psíquico mais profundo e estruturado dentro da teoria freudiana. Se a repressão atua como uma barreira inicial, impedindo que certos conteúdos entrem na consciência, o recalque é o processo responsável por mantê-los no inconsciente de forma mais duradoura.

Agora, se você já está estudando conteúdos e conceitos como esses – ou já está atuando na clínica –, é imprescindível ter uma base de conhecimento que auxilie no desenvolvimento da escuta, além de ampliar toda a sua base teórica.

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O que significa recalque?

O recalque é um tipo específico de repressão, podemos dizer que mais profundo e estruturado. Freud usava esse conceito para explicar como certos pensamentos, memórias ou desejos incômodos são "empurrados" para o inconsciente de forma duradoura.

Isso significa que a pessoa não tem acesso direto a esse conteúdo, mas ele continua influenciando sua vida, podendo reaparecer de maneira disfarçada, como em sonhos, atos falhos ou até sintomas neuróticos, como fobias e ansiedades – o que anda lado a lado com a repressão, convenhamos.

Antes de seguirmos, é importante ter atenção ao seguinte adendo: supressão e repressão não são a mesma coisa para Freud:

  • Repressão (Verdrängung): como já citado, é um mecanismo de defesa inconsciente, ou seja, ocorre sem que a pessoa perceba. O ego "expulsa" desejos, memórias ou pensamentos indesejáveis da consciência e os mantém no inconsciente para evitar sofrimento.
  • Supressão: diferente da repressão, a supressão é um ato consciente. A pessoa decide deliberadamente afastar um pensamento incômodo ou evitar lembrar de algo desagradável – um processo que pode ser revertido quando a pessoa quiser acessar aquela memória ou pensamento novamente.


Ou seja, enquanto a repressão acontece de forma involuntária e inconsciente, a supressão é um esforço consciente de afastar um pensamento incômodo.

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Voltando… diferente da supressão, onde conscientemente evitamos pensar em algo, o recalque acontece de forma involuntária, sem que a pessoa perceba. Ele funciona como um mecanismo de defesa da mente para evitar o sofrimento, impedindo que certos conteúdos perturbadores cheguem à consciência.

No entanto, Freud destacava que o material reprimido não desaparece – ele pode se acumular e se manifestar de outras formas, como angústia, dificuldades emocionais ou padrões de comportamento disfuncionais.

O trabalho da psicanálise, segundo Freud, é justamente trazer esses conteúdos recalcados de volta à consciência, ajudando a pessoa a compreendê-los e, assim, aliviar seus efeitos. Afinal, podemos esquecer por causa do recalque, mas o que é reprimido sempre encontra uma maneira de retornar.

Lendo assim, parece bem confuso de entender – e, acredite em mim, também de explicar –, mas vamos a um resumo prático, com exemplos, a fim de clarificar mais as ideias:

CONCEITO EXPLICAÇÃO EXEMPLO
Repressão

Mecanismo de defesa inconsciente que afasta pensamentos, desejos ou lembranças que causam sofrimento. O ego, para evitar o desprazer, bloqueia esses conteúdos e os mantém no inconsciente. Pode ter duas fases:

  • Repressão primária: quando o desejo ou pensamento nunca chega a se tornar consciente.
  • Repressão propriamente dita: quando um conteúdo que já foi consciente é "empurrado" para o inconsciente.

Uma pessoa que sofreu um trauma na infância pode não se lembrar conscientemente do evento, mas ainda sentir ansiedade ou medo sem saber a origem.

Recalque

Tipo específico de repressão, mais profundo e estruturado, que está na base da formação do inconsciente. Quando algo é recalcado, ele não só é reprimido, mas também se fixa no inconsciente de forma duradoura, gerando sintomas indiretos. O recalque está na base da teoria freudiana sobre os conflitos psíquicos e a formação dos sintomas neuróticos.

Um desejo proibido (como uma raiva intensa contra os pais) pode ser recalcado e reaparecer de forma distorcida, como dificuldade em se relacionar com figuras de autoridade.



Todo recalque é um tipo de repressão, mas nem toda repressão é um recalque.




A barreira do recalque e seu funcionamento

Você sabia que nem tudo o que a gente sente ou pensa chega à consciência? Pois é! Alguns conteúdos podem não conseguir atingir esse lugar, como se passassem por um grande filtro, porém, eles não desaparecem e interferem indiretamente na vida.

Os relacionamentos são um excelente exemplo, visto que crianças que foram rejeitadas pelos pais podem ter dificuldades na vida adulta – seja para confiar nas pessoas ou para escolher seus parceiros (que acabam reforçando essa sensação de abandono).

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Mas essa barreira da mente não é perfeita, visto que alguns desses conteúdos encontram brechas para emergir – através de pequenos deslizes ou pelos conteúdos oníricos dos sonhos (esse é um conceito de Jung que cabe muito bem aqui).

O recalque acontece porque nossa mente busca evitar o sofrimento. Mas o problema é que ignorar um problema não faz com que ele desapareça – apenas o esconde. Com o tempo, conteúdos recalcados podem surgir como ansiedade, fobias ou comportamentos autossabotadores.

A psicanálise acredita que, para reduzir os efeitos negativos do recalque, é necessário trazer esses conteúdos reprimidos à consciência. Dessa forma, terapia, autoconhecimento e até a análise dos sonhos são formas de acessar esses conteúdos e integrá-los à vida de forma saudável.

Em outras palavras, aquilo que você recalca não some – apenas encontra outras formas de se manifestar.

Agora que você já conhece um pouco mais sobre como os conteúdos recalcados podem impactar sua vida – e a vida dos pacientes – de maneira indireta , que tal se aprofundar os aprendizados com os cursos da plataforma da Casa do Saber+?

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Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: A interpretação dos sonhos (segunda parte) e sobre os sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Um estudo autobiográfico. Inibições, sintomas e ansiedade. A questão da análise leiga e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.





Entenda as diferenças entre psicanalista e psicólogo
Camila Fortes
Entenda as diferenças entre psicanalista e psicólogo
Veja as diferenças entre psicanalistas e psicólogos: formação, atuação e abordagens terapêuticas. Entenda de vez como atua cada profissional da área.

Muitas pessoas confundem os papéis do psicanalista e do psicólogo. Ambos os profissionais atuam no cuidado em saúde mental, escutam pacientes e trabalham com questões emocionais e comportamentais. No entanto, apesar das semelhanças na prática clínica, existem diferenças importantes entre eles.

O psicanalista e o psicólogo possuem trajetórias, formações e campos de atuação próprios. Os métodos de trabalho e as abordagens teóricas utilizadas também se diferem, refletindo maneiras distintas de compreender o funcionamento psíquico e de conduzir o processo terapêutico.

Neste artigo, vamos entender o que diferencia o psicanalista do psicólogo, as áreas de atuação, a formação e como eles contribuem para o bem-estar emocional e mental das pessoas.



O que faz um psicanalista?

O psicanalista é um profissional da psicanálise, uma abordagem terapêutica criada por Sigmund Freud. O psicanalista analisa os sintomas, investiga os motivos inconscientes por trás desses sintomas, e busca tratá-los. Além disso, explora questões como a linguagem, os traumas e os sonhos do paciente para acessar conteúdos reprimidos pela psique.

Sua prática é marcada pela abordagem do sujeito a partir das manifestações do desejo, sendo que o objetivo não é a cura em seu sentido biomédico, mas o processo de subjetivação e elaboração psíquica de conflitos pessoais.

O processo analítico na psicanálise costuma ser mais longo, pois analisa questões complexas e subjetivas para o paciente. Nesse processo, a interpretação de padrões de pensamento e comportamento são estratégias centrais para a escuta clínica.


O psicólogo opera para compreender os modos como as pessoas se relacionam com o mundo e com elas mesmas. Na prática, o profissional da psicologia auxilia o paciente a entender os pensamentos, as emoções e percepções, dentro de um contexto de sociabilidade, e elabora soluções para se construir um maior bem-estar.

Embora o processo terapêutico seja mais reduzido a depender do objetivo, a área da psicologia inclui uma multiplicidade de abordagens teóricas e práticas clínicas, o que permite diferentes formas de condução do processo analítico.

Entre as abordagens mais utilizadas, destaca-se a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), focada na identificação de padrões de comportamento disfuncionais e na reestruturação cognitiva para promover mudanças práticas no cotidiano.

Já a Psicologia Humanista valoriza a experiência subjetiva do indivíduo e busca promover seu potencial de crescimento através do vínculo terapêutico. A Gestalt-terapia, por sua vez, é centrada na percepção do “aqui e agora” e na responsabilidade pessoal.

Além disso, muitos psicólogos exercem a própria Psicanálise, após passar por uma formação específica nessa abordagem. Eles encontram nela um campo de aprofundamento teórico e clínico que enriquece a sua prática e amplia os modos de escuta e intervenção sobre o sofrimento humano. Assim, um psicólogo pode se tornar membro de uma escola ou sociedade psicanalítica, que reconhece sua capacitação e atuação na área.


Como Psicólogos e Psicanalistas Entendem a Ansiedade: Um Exemplo

Mencionamos que ambos olham para o sofrimento mental de modos distintos. Mas, como isso acontece?

Um diagnóstico de ansiedade , por exemplo, pode ser analisado por psicólogos a partir de modelos teóricos com foco na função adaptativa ou disfuncional do comportamento ansioso. Na prática, a psicologia irá ajudar a identificar os gatilhos emocionais e a reestruturar os pensamentos ansiosos. Além disso, auxiliará a reduzir os sintomas e ensinar técnicas de manejo emocional, com metas e tempo definidos.

Já para a psicanálise, a ansiedade é interpretada como um sintoma subjetivo, com raízes no inconsciente. Ela denunciaria algum outro aspecto psíquico do sujeito, que precisaria ser analisado profundamente. Na prática, o psicanalista investigaria a relação com traumas, desejos, conflitos e padrões de pensamento e comportamento ansiosos, aprofundando o processo terapêutico.

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O que é psicanálise e o que é psicologia?

Antes de aprofundarmos sobre o processo formativo e os campos de atuação, é preciso entender brevemente o que é cada área.

A psicanálise é uma abordagem terapêutica centrada na investigação do inconsciente sobre a personalidade do paciente. Criada por Sigmund Freud no final do século XIX, a terapia psicanalítica investiga o que está fora da consciência, mas que influencia diretamente nos modos de agir, pensar, sentir e sofrer.

Por outro lado, a psicologia é uma ciência que estuda o comportamento humano e os processos mentais. Ela tem por objetivo trabalhar as dimensões cognitivas, afetivas e comportamentais das pessoas, em todas as fases da vida.


A formação em psicanálise e psicologia

O exercício profissional da psicologia acontece por meio de uma formação de graduação universitária, que dura em média, 5 anos. Além disso, para realizar a prática clínica, é necessário realizar estágios supervisionados e se registrar no Conselho Regional de Psicologia (CRP).

Durante a prática, o psicólogo também pode realizar entrevistas clínicas, testes psicológicos e utilizar de outros recursos que auxilie no processo terapêutico.

Já na psicanálise, a formação tem duração de 1 a 4 anos, dependendo da instituição e da carga horária. Além disso, o processo formativo se dá, tradicionalmente, por meio do tripé psicanalítico: análise pessoal, supervisão clínica e estudo teórico. O estudo contínuo das obras de Freud, Lacan, Melanie Klein, Winnicott, entre outros psicanalistas, é fundamental para o desenvolvimento profissional do psicanalista.

Na psicanálise a formação acontece por meio de institutos ou escolas de psicanálise, de forma livre e independente da graduação universitária. Não sendo uma profissão regulamentada por lei no Brasil, a formação psicanalítica não possui conselho e nem exigência de registro profissional.

Embora, legalmente, a formação em psicanálise não exija diploma universitário, a maioria dos institutos mais reconhecidos costuma exigir formação prévia em áreas como psicologia, medicina ou ciências humanas.

Atenção:

É importante destacar que psicanalistas não podem realizar testes ou emitir laudos e pareceres psicológicos. Do mesmo modo, um psicólogo só pode se apresentar como psicanalista se tiver realizado uma formação específica em psicanálise.




Campos de atuação para psicanalistas e psicólogos

A atuação de psicanalistas e psicólogos também acontece de modos distintos, tanto por questões institucionais e legais, quanto pela concepção de saúde e sofrimento mental adotada por cada campo.

Embora ambas possam trabalhar com escuta clínica, seus espaços de trabalho e formas de inserção na sociedade divergem bastante.

O psicólogo pode atuar nas seguintes áreas regulamentadas por lei:

  • Psicologia Clínica: Oferece psicoterapia individual, de casal, em grupo ou família. Trabalha com diferentes abordagens para promover saúde mental, entre elas, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), Humanista, Gestalt, Psicologia Analítica e Psicanálise.
  • Psicologia Jurídica ou Forense: Atua no sistema de justiça, realizando avaliação psicológica em vítimas, réus e seus familiares. Contribui com pareceres técnicos e decisões judiciais, quando envolvem questões subjetivas.
  • Psicologia Hospitalar: Trabalha em hospitais, clínicas e unidades de saúde no cuidado emocional de pacientes, familiares e equipes profissionais. Auxilia na adaptação de diagnósticos, internações e processos de luto.
  • Psicologia Educacional ou Escolar: Atua em instituições de ensino promovendo inclusão e desenvolvimento psíquico de alunos. Responde junto a professores e famílias para auxiliar com dificuldades de aprendizagem e relações escolares.
  • Psicologia Organizacional e do Trabalho: Exerce a prática em empresas e instituições com recrutamento de profissionais. Desenvolve ações de prevenção ao estresse, melhorando a gestão de pessoas e a comunicação.
  • Neuropsicologia: Investiga a relação das funções cognitivas do cérebro com o comportamento humano. Com base nos estudos das neurociências, a neuropsicologia atua para entender as influências de questões neurológicas sob a atenção, a memória, o raciocínio, as emoções e o comportamento do paciente.


A formação psicanalítica, por sua vez, pode abrir portas para áreas de atuação não convencionais. O psicanalista pode explorar a:

  • Clínica psicanalítica: Realiza atendimentos individuais, geralmente em processos mais longos e aprofundados. O foco é na investigação sobre o inconsciente através do estudo dos sonhos, das experiências infantis e relações familiares.
  • Formação de outros psicanalistas: Diversos psicanalistas se dedicam ao processo formativo de outros profissionais da psicanálise. O ensino de cursos livres, a supervisão de atendimentos clínicos e a construção de núcleos de estudos teóricos também integram essa formação.
  • Produção acadêmica: Atuam na elaboração do conhecimento científico, participando de eventos, congressos e espaços de discussão intelectual. Produzem livros e artigos, além de ministrar aulas e palestras, com o objetivo de aprofundar as investigações nos estudos sociais e culturais sob o olhar psicanalítico.
  • Interlocuções profissionais: A formação psicanalítica pode ser somada a outras formações, como psicologia, medicina com foco em psiquiatria, filosofia, literatura, sociologia e outras áreas das humanidades.


A psicanálise também tem ganhado espaço em clubes de leitura, atendimentos populares e projetos culturais, sendo utilizada como ferramenta crítica para analisar fenômenos contemporâneos.

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Já para quem busca atendimento, a escolha entre um psicólogo e um psicanalista pode depender do tipo de abordagem que a pessoa deseja experimentar. Diferentes linhas teóricas podem oferecer caminhos igualmente valiosos e profundos. Por isso, ao procurar um psicólogo, é recomendável se informar sobre a abordagem utilizada para entender se ela está alinhada com o que se busca para o processo terapêutico.

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Referências

https://bvsms.saude.gov.br/psicologia-6/

Psicanálise: o que é, conceitos, autores, como funciona e formação
Paula Delgado
Psicanálise: o que é, conceitos, autores, como funciona e formação
Descubra o que é a psicanálise, como surgiu, principais conceitos e autores. Veja como funciona a sessão de psicanálise e como se tornar psicanalista.

A psicanálise é muito mais do que uma teoria sobre o inconsciente: ela é uma forma de escuta, um método clínico e um campo vasto de investigação sobre o funcionamento da mente humana. Criada por Sigmund Freud no final do século XIX, a psicanálise revolucionou o modo como compreendemos nossos pensamentos, desejos e comportamentos.

Neste artigo, você vai entender o que é psicanálise, quais são seus principais conceitos, quem foram os autores que ajudaram a moldá-la, como funciona uma sessão psicanalítica e de que forma é possível iniciar sua formação na área.



A origem da psicanálise: um breve histórico do surgimento

A história da psicanálise começa antes mesmo dela receber este nome e para isso é importante entender como Sigmund Freud se tornou o “pai da psicanálise”.

Na passagem do século XIX para o século XX, Freud observou que alguns de seus pacientes apresentavam sintomas que não tinham explicações fisiológicas - chamados à época de casos de histeria. Foi quando propôs uma nova forma de olhar para a origem dos sofrimentos.

A partir de então, Freud começou a desenvolver a ideia do que hoje conhecemos como psicanálise: a noção de que os sintomas dos pacientes histéricos são expressões de ideias que estão fora da consciência. Inicialmente, ele utilizou o termo “psico-análise” em um artigo publicado em 1896. Somente mais tarde a psicanálise se consolidou como uma ciência humana e uma prática clínica.

A psicanálise marcou uma ruptura com a medicina tradicional, uma vez que passou a utilizar a escuta subjetiva como instrumento terapêutico e de tratamento. A partir de então, esse campo se expandiu e várias escolas e vertentes teóricas foram sendo desenvolvidas.


O que é psicanálise, afinal?

A psicanálise é um método analítico-terapêutico, criado por Sigmund Freud no final do século XIX, voltado à compreensão da mente humana e de suas manifestações conscientes e inconscientes.

A psicanálise trabalha a partir de alguns conceitos específicos que tem como fim comum compreender o funcionamento da mente humana. O conceito principal para entender o que é psicanálise é o inconsciente.

Primeiramente, inconsciente é o elemento principal no qual o analista vai trabalhar. Quem cunhou este conceito foi Freud em seu livro A Interpretação de Sonhos(1900).

De forma geral, o inconsciente é o lugar onde residem desejos reprimidos, experiências traumáticas e lembranças inaceitáveis para o ego. Resumidamente, por meio do conceito de inconsciente, Freud diz que nós não nos conhecemos totalmente.

Como o inconsciente influencia tanto nossos pensamentos quanto nossas atitudes - e não pode ser compreendido dentro da lógica consciente - ele precisa de outros meios para ser alcançado. A psicanálise, então, oferece o método de escuta como um caminho para acessá-lo.

A partir do momento que o psicanalista oferece a escuta, dá-se início ao processo ativo de investigação clínica, o que Freud chamou de Associação Livre. Você vai entender sobre este e outros conceitos mais adiante.

Ao longo do tempo, a psicanálise foi ressignificada por diversas escolas e autores, mas preserva como essência o compromisso com a escuta dos processos psíquicos e o cuidado com os conflitos que emergem do inconsciente.

Principais conceitos da psicanálise

Agora que você já entendeu o que é a psicanálise, podemos aprofundar nesse universo explorando alguns de seus conceitos fundamentais. O principal deles - e marco inaugural da teoria freudiana - é o inconsciente. Confira um pouco mais sobre este e outros conceitos abaixo.

Inconsciente

É no inconsciente que se encontram os desejos e características das quais não temos conhecimento e que mesmo assim influenciam a nossa vida, comportamento e relações sociais.

Freud foi quem formulou essa noção revolucionária: a de que não somos senhores em nossa própria casa. Ou seja, há algo em nós que nos dirige, mesmo sem sabermos. Este conteúdo inconsciente se manifesta de maneiras indiretas e de forma disfarçada, como em sonhos, atos falhos e lapsos de linguagem.

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Transferência e contratransferência

Os conceitos de transferência e contratransferência foram também desenvolvidos por Sigmund Freud. A transferência refere-se ao vínculo estabelecido entre paciente e analista.

Nesta relação, o paciente pode deslocar sentimentos inconscientes, desejos e experiências passadas em relação a figuras significativas de sua vida (geralmente os pais) para a figura do terapeuta. Freud percebeu que esses sentimentos podem ser tanto positivos quanto negativos e que podem revelar aspectos profundos do inconsciente do paciente.

Já a contratransferência é definida por Freud como o modo através do qual o analista reage às transferências de seus pacientes, que deve ser manejado com cautela pelo profissional.

Associação livre

A associação livre é o processo no qual o paciente é incentivado a falar livremente, abrindo espaço para o analista acessar o inconsciente e interpretar o que é dito de forma distante. Por isso, a psicanálise é comumente conhecida como “terapia da fala”.

ID, Ego e Superego

Id, Ego e Superego são três conceitos da segunda tópica freudiana, que propõe explicar o funcionamento da psique a partir da divisão do aparelho psíquico nesses 3 conceitos.

📌 Nota sobre os termos Id, Ego e Superego

Caso você veja os termos escritos como “Eu”, “Isso” e “Supereu”, existe uma explicação. Freud nasceu em Freiberg, então parte do Império Austro-Húngaro, e escrevia em alemão — sua língua materna. Os termos originais usados por ele eram “Ich” (Eu), “Es” (Isso) e “Über-Ich” (Supereu).

Esses termos foram traduzidos para o inglês como Ego, Id e Superego, utilizando o latim numa tentativa de conferir um tom mais científico à teoria psicanalítica. Essa versão inglesa, feita por James Strachey, tornou-se referência mundial e influenciou as primeiras traduções brasileiras, que foram feitas a partir do inglês — e não diretamente do alemão. Por isso, até hoje, é comum encontrar nos textos em português as formas Id, Ego e Superego, embora elas não correspondam literalmente ao vocabulário original de Freud.



Segundo Freud, o Ego (eu) é a instância psíquica que estrutura a nossa personalidade. Ele representa o mundo externo, ou seja, é formado a partir da relação entre o sujeito e a realidade. Sendo assim, o ego é o elemento conciliador das exigências do ID (isso).

Uma vez que o Ego é responsável por essa mediação, a nossa mente busca estratégias para se proteger de situações de sofrimento, e Freud deu nome a este processo de mecanismos de defesa do ego. Para ele, esses mecanismos atuam como uma defesa para evitar dores e ansiedades diante de conflitos internos ou externos.

Os principais mecanismos de defesa do ego:



Já o ID (isso), para Freud, é o que representa o mundo interno, a instância psíquica inconsciente, a fonte dos impulsos, desejos e satisfação dos nossos instintos voltados para o prazer. O ID é desconhecido, é indomável.

Por último, temos o Superego, que é a instância psíquica formada a partir do ego que une os valores morais e culturais. Ele é o representante das normas e regras internas que correspondem às expectativas do Eu ideal.

O Superego pode ser considerado como o herdeiro do Complexo de Édipo, uma vez que se torna um representante das influências sociais e culturais, como educação religião imoralidade, que o sujeito recebeu de seus pais e, por isso, exerce a posição de vigiar, julgar e punir o Ego (eu).

Complexo de Édipo

Para entender o Complexo de Édipo, é interessante saber antes: quem foi Édipo?

Édipo é o personagem de uma tragédia grega escrita por Sófocles. Ele era o príncipe de Tebas, filho do rei Laio e da rainha Jocasta.

Édipo foi abandonado ao nascer após seu pai ouvir uma profecia que dizia que o próprio filho o mataria e se casaria com a mãe. Sem saber de sua origem, Édipo cumpre o destino: mata Laio e casa-se com Jocasta. Ao descobrir a verdade, Jocasta se suicida e Édipo fura os próprios olhos.

Freud se inspirou na tragédia grega para exemplificar o que acreditava estar reprimido no inconsciente infantil. Segundo o médico, a criança, na primeira infância, desenvolve um desejo (amoroso e/ou hostil) inconsciente para com os pais.

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Ato falho

O ato falho, conceito também cunhado por Sigmund Freud, é uma manifestação do inconsciente através de deslizes verbais ou comportamentais, que parecem insignificantes, mas que revelam desejos reprimidos ou conflitos internos.

Esses podem surgir em momentos de estresse ou tensão, expondo sentimentos ou pensamentos que estão inconscientes, mas que ainda assim influenciam as ações.

Narcisismo

Conceito muito importante também elaborado por Freud, narcisismo é o termo que se refere a transição do autoerotismo para a escolha de um objeto de amor, etapa crucial no desenvolvimento do eu. E ele pode se dividir em primário e secundário.

Narcisismo primário: Este é o estado em que a criança investe toda a libido em si mesma, ou seja quando a libido está direcionada ao próprio eu. Nesse momento, o sujeito ainda não distingue o eu dos objetos externos e não há direcionamento da libido para o outro. É uma fase em que o bebê vive uma relação de completude consigo mesmo, sendo ele o centro de seu mundo psíquico. Esse tipo de narcisismo é considerado normal e necessário nas primeiras etapas da vida.

Narcisismo secundário: Neste estágio, a libido que foi anteriormente direcionada a objetos externos é retirada e reinvestida no próprio eu. Esse movimento costuma ocorrer quando o sujeito experimenta frustrações ou falhas nas relações com o outro, passando a buscar no eu a fonte de satisfação e proteção psíquica.


Principais autores da psicanálise

Embora Freud tenha fundado a psicanálise, ela vai muito além de sua obra. No começo do século XX, o médico austríaco começou a formar grupos com alguns seletos seguidores que contribuíram muito para o desenvolvimento e difusão da psicanálise.

Às quartas-feiras à noite, Freud convidava um grupo de homens, que era composto por médicos, educadores, intelectuais da época, para dialogar sobre qualquer produção cultural ou científica que fosse relacionada aos estudos psicanalíticos.

A partir disso, fundou-se a Sociedade Psicanalítica de Viena, em 1906, composta inicialmente por Carl Jung, Karl Abraham, Ernest Jones. Ademais, em 1912, Freud criou o “Comitê Secreto “ ou “Círculo Íntimo “ com alguns dos seus integrantes mais próximos, como Ferenczi, Otto Rank e outros ilustres da época.

Apesar de divergências nas abordagens, conceitos e perspectivas teóricas, Freud e seus seguidores contribuíram de forma decisiva para a construção da psicanálise como a conhecemos hoje. Entre os nomes que marcaram a trajetória da psicanálise estão Jacques Lacan, Melanie Klein, Donald Winnicott, Sándor Ferenczi, Wilfred Bion, entre muitos outros.

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Carl Jung

Freud e Jung, desde o início do relacionamento profissional, já anunciavam grandes discordâncias sobre pontos cruciais, como o papel da sexualidade na vida do indivíduo.

Apesar das diferenças, os dois concordavam quanto à relevância do inconsciente e dos processos psíquicos profundos, o que levou a Freud a se interessar pelas pesquisas e experiências de Jung.

Enquanto Freud enfatizava os impulsos instintivos, a libido como ponto central da vida psíquica, Jung propôs um olhar no qual a libido não era apenas sexual, mas uma força mais ampla e criativa.

Além disso, Freud debruçou-se sobre a importância dos traumas da infância na construção do indivíduo. Ao passo que Jung apresentou o conceito de inconsciente coletivo, o qual defende que as experiências universais moldam o psiquismo. Após o rompimento entre os dois, Jung fundou a psicologia analítica.

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Melanie Klein

Melanie Klein, nascida em 1882, é uma psicoterapeuta austríaca e desenvolveu diversos conceitos e estudos sobre a psicanálise infantil, além de grande contribuição na compreensão do conceito de inconsciente.

Alguns dos conceitos desenvolvidos e revisados por Klein foram:

  • Análise do brincar
  • Relações objetais primárias
  • Posição esquizo-paranóide
  • Posição depressiva
  • Teoria da inveja e gratidão
  • Revisão do complexo de Édipo


Suas inovações abriram novos horizontes para a compreensão da análise infantil e novas abordagens na teoria e na clínica psicanalítica.

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Jacques Lacan

Jacques Lacan foi um dos principais psicanalistas pós-freudianos. Ele propôs uma reinterpretação das teorias de Freud a partir da linguística saussuriana, da filosofia heideggeriana e estruturalismo de Lévi-Strauss.

Uma das suas principais contribuições para a psicanálise foi a ideia de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem e que nossos pensamentos e desejos são fundamentados a partir disso, influenciando a forma como percebemos o mundo.

Além disso, também introduziu um conceito de estádio do espelho, que descreve o momento em que a criança, ao se olhar no espelho, torna-se capaz de reconhecer a sua própria imagem e ter uma percepção da sua totalidade corporal - a percepção do eu.

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Como funciona uma sessão de psicanálise?

Agora você já conheceu alguns dos principais autores e conceitos da psicanálise. Antes de entendermos como funciona uma sessão de psicanálise, é importante termos compreensão sobre qual a função do psicanalista durante a consulta para saber o que esperar de uma sessão.

Primeiramente, é preciso entender que existem diferentes linhas da psicanálise e cada uma leva a uma condução diferente da sessão. Entretanto, existe um ponto necessariamente comum: a função do psicanalista na construção do setting analítico.

Entendendo o que é o setting psicanalítico

O termo “setting”, do inglês, pode ser traduzido como "configuração” ou “contexto". Portanto, setting psicanalítico refere-se à construção simbólica compartilhada entre analista e paciente que estabelece as diretrizes e procedimentos variáveis, visando criar um ambiente propício para que o tratamento tenha êxito.

O setting se desenvolveu com a consolidação da psicanálise como teoria e prática. Com isso, ele é definido pelo método, pela técnica e pela ética. Em seu texto “Recordar, repetir e elaborar” (1914), Freud aponta alguns dos elementos que compõe o conjunto do setting psicanalítico:

  • analista
  • paciente
  • tempo
  • pagamento
  • regra fundamental
  • atenção flutuante


Resumindo: o setting psicanalítico é uma construção da posição simbólica que o analista assume no percurso de uma análise para que o tratamento tenha êxito.

A sessão de psicanálise

A sessão de psicanálise, segundo os fundamentos de Sigmund Freud, deve ser um espaço de escuta e fala livre - associação livre -, onde o paciente é incentivado a associar ideias sem censura. É comum o analista incentivar que o paciente relate seus sonhos como forma de estimular o acesso ao conteúdo presente em seu inconsciente.

O trabalho com os sonhos é um processo sofisticado que envolve as associações do paciente e, quando pertinente, intervenções do analista. A interpretação dos sonhos, nesse contexto, não é uma decodificação pronta, mas um recurso clínico que busca abrir sentidos a partir do que emerge na fala do analisando.

O setting analítico é fundamental para que a relação flua e seja criado um ambiente de segurança. Desta forma, o paciente sente-se confortável para falar livremente e o profissional consegue exercer de fato a função do psicanalista, que é escutar sempre sem julgamentos, favorecendo o surgimento e o trabalho da transferência.

O final de uma análise é um tema complexo. Algumas pessoas interrompem o processo ao perceberem mudanças significativas, sentindo-se mais capazes de lidar com suas questões — o que pode ser, paradoxalmente, um sinal de que o tratamento está surtindo efeito. Outras continuam por entender que ainda há aspectos importantes a serem trabalhados.

O término da análise não é definido unilateralmente, mas construído ao longo do processo. Cabe ao psicanalista, com escuta atenta e ética, ajudar o paciente a avaliar se ainda há caminhos a serem percorridos ou se chegou o momento de encerrar a travessia analítica.


A dúvida sobre as diferenças entre o psicanalista e o psicólogoé muito comum. Uma questão importante a ser sobre o assunto refere-se ao laudo, configurando uma das grandes diferenças entre eles, além do caminho de formação.

Todo psicólogo pode ser psicanalista, mas a recíproca não é verdadeira. As diferenças entre psicanalista e psicólogo existem, mas os dois profissionais têm como propósito comum cuidar da saúde mental dos pacientes e ajudá-los no tratamento de seus conflitos psíquicos.

O psicólogo é o profissional graduado em Psicologia, podendo se especializar em psicanálise e atuar como psicanalista ou escolher outras abordagens da psicologia para seguir, como a Terapia Cognitivo-Comportamental, Psicologia Analítica, entre tantas outras. Além disso, tem autorização legal para emitir laudos e pareceres psicológicos.

o psicanalista pode ter formação em outras áreas do conhecimento — como Filosofia, Medicina, Letras ou Sociologia — desde que complemente sua formação por meio de estudos específicos em psicanálise. No entanto, por não ser regulamentado por um conselho profissional, o psicanalista não está autorizado a emitir laudos psicológicos formais.

O psicanalista assume a função de escutar o paciente, ajudá-lo a lidar com suas dores e enfrentar os seus conflitos internos, e não de patologizar a sua condição.


Como se tornar psicanalista?

O interesse pela psicanálise vem crescendo e cada vez mais pessoas estão buscando conhecimento e caminhos para começar a estudar psicanálise.

A psicanálise é reconhecida como uma ocupação profissional e, por isso, pode ser exercida por pessoas formadas em diversas áreas do conhecimento, desde que tenham realizado uma formação específica ou especialização em psicanálise.

Embora não exista um caminho único e formalmente regulamentado no Brasil para se tornar um psicanalista, critérios éticos e formativos reconhecidos pelas principais escolas psicanalíticas orientam o exercício da profissão.

Entre esses critérios, destaca-se o chamado tripé da formação psicanalítica: a análise pessoal, o estudo teórico e a supervisão clínica, considerados pilares essenciais na formação de um psicanalista.

Alguns dos caminhos que podem te levar à formação em psicanálise clínicas são:

  • Especialização
  • Programa de mestrado
  • Programas de doutorado
  • Residência



Caso você seja um psicanalista e queira aprofundar os seus conhecimentos, você pode buscar cursos para se aperfeiçoar, conhecer novas perspectivas, ficar a par das discussões atuais, novas tendências, debates e autores relevantes para dar continuidade ao processo de aprendizado infinito que a área proporciona e se manter sempre atualizado.

Agora, se você quer se tornar um psicanalista, como já foi dito anteriormente, precisa ter concluído algum curso de graduação. Para exercer a psicanálise clínica, é indicado procurar por cursos de psicanálise de instituições reconhecidas, além de seguir investindo no estudo contínuo.

Caso você queira, antes de começar a profissionalização, dar os primeiros passos para introdução na psicanálise, você pode participar de eventos, workshops e fazer cursos para começar a ter contato com a teoria e prática da psicanálise.

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Existem diversas áreas, como a literatura e a filosofia, que utilizam a psicanálise fora do ambiente clínico como ferramenta para entender processos inconscientes.

A psicanálise ajuda a compreender mais sobre quem somos em diferentes contextos. Uma boa dica para explorar o tema, por exemplo, é o curso "A Literatura no Divã: Um Olhar da Psicanálise Sobre Grandes Obras" , de Saulo Durso.

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Esperamos que esse artigo tenha te ajudado a dar os primeiros passos na busca por mais conhecimento sobre o grande e rico universo da psicanálise.

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Referências

BARROS, Glória. O setting analítico na clínica cotidiana. Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte, n. 40, p. 71–78, 2013.

PENA, Breno Ferreira; GUERRA, Andréa Máris Campos. Supereu e neurose: dos pecados do pai à demanda do Outro. aSEPHallus, [S.l.], n. 6, p. 1–9, 2019.

Conheça os principais autores da psicanálise e seus conceitos
Paula Delgado
Conheça os principais autores da psicanálise e seus conceitos
Conheça os principais nomes da psicanálise, como Freud, Lacan, Klein, Winnicott, Ferenczi e Bion e entenda suas contribuições para a psicanálise.

A psicanálise, também conhecida como “terapia da fala”, é uma teoria e prática clínica que busca, a partir da análise do inconsciente, entender a mente humana.

Embora tenha sido fundada por Sigmund Freud no final do século XIX, outros autores e teóricos contribuíram para que a psicanálise se desenvolvesse até como a conhecemos hoje.

Freud reuniu um grupo de colaboradores, o que resultou na criação da Sociedade Psicanalítica de Viena. Apesar das divergências conceituais, os debates entre ele e seus seguidores foram fundamentais para os desdobramentos da psicanálise.

Vamos agora conhecer alguns dos principais autores da psicanálise, os conceitos elaborados por eles e suas ideias.

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Sigmund Freud

Foto de Sigmund Freud

Sigmund Freud (Reprodução)


Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg in Mähren, no antigo Império Austríaco. Filho de comerciantes de lã, mudou-se ainda criança com a família para Viena.

Em 1873, ingressou na Universidade de Viena para cursar medicina. Interessou-se por biologia e neurociência, com destaque para os estudos sobre o cérebro humano.

Apesar de sua inicial preferência, foi da clínica que nasceu sua principal contribuição: a psicanálise.

Observando pacientes com sintomas histéricos, Freud percebeu que as causas do sofrimento não eram apenas fisiológicas. Aos poucos, distanciou-se dos métodos médicos tradicionais e passou a investigar os conflitos psíquicos.

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Os principais conceitos de Sigmund Freud são:

Inconsciente:

O inconsciente é um pilar fundamental da psicanálise, porque é nele que se encontram os conteúdos da mente que escapam à consciência, mas que influenciam nossos pensamentos, comportamentos e relações.

A partir do método da associação livre, o psicanalista auxilia o paciente a encontrar as origens do sofrimento psíquico presentes no inconsciente, possibilitando a transformação de sua jornada subjetiva e pessoal.

Transferência e contratransferência:

Os conceitos de transferência e contratransferência tem grande importância para a psicanálise. A transferência ocorre quando o paciente projeta no analista sentimentos e experiências ligadas a figuras do passado, revelando conteúdos inconscientes.

Já a contratransferência é a reação emocional do analista diante do vínculo estabelecido com o paciente. Embora inicialmente vista por Freud como um obstáculo, passou a ser compreendida como um recurso valioso para compreender o paciente e fortalecer o vínculo terapêutico.

Id, ego e superego:

Estes três conceitos fazem parte da estrutura do aparelho psíquico que Freud construiu na segunda tópica freudiana.

Ego

O ego é a instância psíquica com dimensões conscientes e inconscientes que representa a realidade, formado pelas interações sociais. Atua como instância mediadora entre os impulsos do id, as exigências do superego e a realidade externa.

Uma vez que é responsável pela mediação dos impulsos do id e as exigências do superego, ele substitui o princípio do prazer pelo da realidade.

Id

O id é a instância inconsciente e instintiva da mente, controlada pelo princípio do prazer. Ele representa impulsos, desejos e pulsões, buscando satisfação imediata. Segundo Freud, é a origem de conflitos e sintomas psíquicos, uma vez que abriga conteúdos reprimidos que podem gerar sintomas e conflitos internos.

Superego

Por fim, o superego, considerado por Freud como herdeiro direto do complexo de Édipo. Este é a instância psíquica que se situa entre o consciente e o inconsciente.

Ao passo que ele representa normas, valores e moralidade internalizados ao longo da vida, acaba atuando como um juiz interno dos pensamentos, desejos e ações, punindo desvios com sentimentos como culpa e vergonha. Sendo assim, influencia profundamente o comportamento do indivíduo.




Jacques Lacan

Foto de Jacques Lacan

Jacques Lacan (Reprodução)


Jacques Lacan nasceu em Paris, em 14 de abril de 1901. Criado em uma família católica, rompeu cedo com a religião e se interessou por Nietzsche, Spinoza e Freud. Em 1919, ingressou na Faculdade de Medicina de Paris e, em 1927, iniciou seus estudos em psiquiatria no Hospital Sainte-Anne.

Conhecido por revisar e divulgar a obra freudiana, Lacan reformulou a psicanálise a partir da linguística, filosofia e estruturalismo, sendo um dos teóricos mais influentes da psicanálise contemporânea.

Conheça alguns dos principais conceitos de Jacques Lacan:

Inconsciente estruturado como uma linguagem

Segundo Lacan, o inconsciente é estruturado como uma linguagem.

Influenciado por Saussure, entendeu que o inconsciente segue uma lógica própria, guiada por metáforas e metonímias, manifestando desejos e conteúdos reprimidos em sonhos, atos falhos e sintomas. Assim, não se revela explicitamente, mas como um texto que precisa ser interpretado.

Estádio do espelho

O Estádio do Espelho é um momento no qual a criança é capaz de reconhecer a sua própria imagem refletida no espelho, sendo assim, ela passa a ser capaz de perceber a sua totalidade corporal. Esta é uma etapa fundamental na constituição do sujeito.

Desejo na teoria de Lacan

O desejo, para Lacan, se diferencia do impulso ou da necessidade, porque o desejo lacaniano nunca se satisfaz completamente. Ele não é algo que possuímos, mas algo que nos constitui.

Desta forma, desejo não é algo que possuímos, mas sim algo que nos constitui. Ele é a tentativa de preencher uma falta, um vazio que nunca sana.

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Melanie Klein

Foto de Melanie Klein

Melanie Klein (Reprodução)


Melanie Klein nasceu em 30 de março de 1882, em Viena. Apesar do desejo de cursar medicina, estudou história por limitações financeiras.

Ela teve uma vida pessoal turbulenta, desde uma relação conturbada com a mãe até a perda de vários entes queridos, incluindo seu filho Hans.

Melanie Klein ficou conhecida por desenvolver a psicanálise infantil e ampliar as ideias de Freud. Para ela, os conflitos psíquicos começam mais cedo do que Freud havia indicado, ainda nos primeiros meses de vida.

Alguns dos conceitos mais importantes de Melanie Klein:

Análise do brincar

De acordo com Melanie, brincar é uma das principais formas de expressão do inconsciente durante a infância, assemelhando-se aos sonhos e à associação livre dos adultos.

O ato de brincar permite que as crianças expressem suas emoções, manifestando suas fantasias e desejos inconscientes. Sendo assim, o psicanalista é capaz de interpretar os processos inconscientes da criança.

Relações objetais primárias

As relações objetais primárias se referem aos primeiros vínculos afetivos da criança, sobretudo com a mãe. Para Klein, o primeiro objeto não é a mãe inteira, mas o seio materno.

Sendo assim, a amamentação, além da função nutritiva, é vista como um momento fundamental de interação entre mãe e filho, influenciando profundamente as futuras formas de se relacionar com os outros.

Complexo de Édipo

Melanie Klein fez uma releitura do Complexo de Édipo proposto por Sigmund Freud.

Na visão de Klein, o Complexo de Édipo - a expressão de sentimentos como inveja e ciúme - inicia-se no primeiro ano de vida da criança, portanto, mais cedo do que Freud propôs.

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Donald Winnicott

Foto de Donald Winnicott

Donald Winnicott (Reprodução)


Donald Winnicott nasceu em 7 de abril de 1896, na Inglaterra. Formou-se em medicina em 1920 e iniciou sua formação psicanalítica em 1927. Durante esse período, vivenciou o conflito entre os seguidores de Anna Freud e Melanie Klein na Sociedade Britânica de Psicanálise. Apesar de adotar uma postura independente, teve maior afinidade com a escola kleiniana.

Winnicott destacou-se por suas contribuições ao desenvolvimento infantil, enfatizando o papel fundamental do ambiente e dos cuidados maternos no amadurecimento emocional saudável da criança.

Conceitos de Donald Winnicott:

Mãe suficientemente boa

Segundo Donald, a mãe suficientemente boa é aquela que é capaz de se adaptar e proporcionar um ambiente seguro e acolhedor para a criança. Portanto, este contexto deve oferecer estabilidade emocional para que o verdadeiro self da criança possa se expressar e o bebê seja capaz de desenvolver a sua autonomia psíquica.

Objeto transicional

De acordo com Winnicott, o objeto transicional trata-se de um item que a criança escolhe para simbolizar a mãe (como um cobertor ou um brinquedo). Este objeto representa um sentimento de segurança, especialmente no momento em que o bebê percebe que a mãe é uma parte separada dele. Sendo assim, ele ajuda a criança a lidar com a fase de transição entre a realidade interna e externa.

Verdadeiro e Falso self

Enquanto verdadeiro selfie representa a autenticidade da personalidade da criança, que se desenvolve a partir de um cuidado adequado e um ambiente seguro e acolhedor, o falso self se manifesta como uma defesa diante de um ambiente inadequado para que o verdadeiro selfie se apresente, porém isso impede a expressão autêntica da pessoa.


Sándor Ferenczi

Foto de Sandor Ferenczi

Sándor Ferenczi (Reprodução)


Sándor Ferenczi nasceu em 7 de julho de 1893, na Hungria, e iniciou seus estudos em medicina na Faculdade de Medicina de Viena, especializando-se em neurologia e neuropatologia.

Embora colaborador estimado de Freud e ter feito parte de seu círculo íntimo, chegando integrar o “Comitê Secreto”, divergiam em alguns conceitos e práticas.

Freud e Jung também tiveram uma relação inicial de colaboração, mas se separaram devido a diferenças teóricas. Freud via o inconsciente como repressor, enquanto Jung introduziu o conceito de inconsciente coletivo, ampliando o foco. Essa divergência marca um rompimento que impactou profundamente a psicanálise moderna.



Conhecido como enfant terrible, Ferenczi revolucionou a psicanálise introduzindo novos conceitos e um olhar inovador sobre o papel do psicanalista, impactando tanto o campo teórico quanto o clínico.

Alguns conceitos de destaque de Ferenczi:

Elasticidade da técnica

Ferenczi rompeu com a rigidez técnica proposta por Freud e defendeu uma postura mais flexível, empática e responsiva do analista durante a sessão.

Desta forma, o profissional poderia acolher o sofrimento do paciente de forma mais humanizada. Ferenczi acreditava que o método deveria se adaptar ao paciente e não ao contrário.

Transferência e introjeção

Sándor Ferenczi fez uma releitura do conceito de transferência de Freud. Para ele, a transferência era mais do que uma repetição de experiências traumáticas, mas sim uma tentativa de reparação.

Já a introjeção é um processo no qual o paciente internaliza experiências e figuras importantes, assumindo a culpa pelo que aconteceu. Para Ferenczi, este era um mecanismo central do trauma.

Teoria do trauma

Para Sándor, o trauma é mais do que o evento em si, mas também as consequências emocionais da negação ou do silêncio frente ao trauma vivido.

Ele ainda complementa que, para ressignificar o sofrimento, é necessário que haja confiança na relação analista e paciente. Desta forma, uma análise empática seria o caminho para que o analisado encontrasse a cura.


Wilfred Bion

Foto de Wilfred Bion

Wilfred Bion (Reprodução)


Wilfred Bion, nascido em 8 de setembro de 1897 no Punjab, foi um autor contemporâneo da psicanálise, destacando-se pela sua originalidade teórica sobre o pensamento e as experiências emocionais primitivas.

Na década de 1920, depois de ter contato com as obras de Freud, decidiu estudar medicina na University College London. Influenciado por Melanie Klein, aprofundou suas pesquisas nos processos psíquicos iniciais e na construção do aparelho mental, marcando a psicanálise com novas abordagens e ideias.

Alguns dos principais conceitos de Wilfred Bion:

Teoria do pensar

Segundo Wilfred Bion, a mente se desenvolve a partir da necessidade de significar as experiências emocionais. Esse processo é o primeiro passo da função Alfa, que permite a transformação de emoções brutas em pensamentos.

A partir dessa capacidade de transformação, a mente cria pensamentos e o sujeito se torna capaz de se tornar um pensador.

Função alfa e beta:

A teoria alfa-beta de Bion descreve como a mente processa experiências emocionais. A função alfa transforma essas experiências sensoriais em pensamentos, palavras ou sonhos (elementos alfa).

Quando falha, cria elementos beta, experiências brutas que não podem ser pensadas e podem gerar angústia, e a pessoa acaba projetando-as. Se ausente, o analista ajuda a transformar esses elementos por identificação projetiva.

Identificação projetiva

Para Bion, a identificação projetiva é uma forma de comunicação primitiva, em que o paciente projeta conteúdos brutos no analista.

Sendo assim, o analista, ao acolher e transformar essas projeções, pode devolvê-las de forma mais compreensível. Isso possibilita ao paciente integrar essas partes e desenvolver sua capacidade de pensar.


Obras selecionadas de cada um dos autores da psicanálise para você conhecer

  • A Interpretação dos Sonhos – Sigmund Freud (1900)

  • O Estádio do Espelho como Formador da Função do Eu – Jacques Lacan (1949)

  • A Psicanálise de Crianças – Melanie Klein (1932)

  • Bebês e Suas Mães – Donald Winnicott (1983)

  • Thalassa: Um Ensaio sobre a Teoria da Genitalidade – Sándor Ferenczi (1924)

  • O Aprender com a Experiência – Wilfred Bion (1963)


Este texto pode ter sido um passo importante na sua imersão na psicanálise. Trata-se de um campo com muitos caminhos para você desbravar e mergulhar cada vez mais na compreensão da mente humana.

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Referências:

PAVÃO, Antônio Carlos. A teoria projetiva da consciência. Revista Simbio-Logias, v. 13, n. 19, 2021.

BION, Wilfred. O conceito de continente e contido. Revista Mineira de Psiquiatria, v. 24, n. 2, p. 44-48, jul./dez. 2022.

WINNICOTT, Donald W. Processos de amadurecimento e ambiente facilitador: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. São Paulo: Ubu Editora, 2022.

FEBRAPSI. Wilfred Ruprecht Bion.

FEBRAPSI. Donald Woods Winnicott



Formação reativa: o que é e como age esse mecanismo de defesa
Ricardo Salztrager
Formação reativa: o que é e como age esse mecanismo de defesa
Formação Reativa é um mecanismo de defesa descrito por Freud. Entenda como agimos de forma contrária ao que sentimos e veja exemplos.

Às vezes, o comportamento mais recatado pode esconder um desejo intenso. A gentileza exagerada, uma raiva contida. Para a psicanálise, essas inversões não são por acaso: fazem parte de um mecanismo chamado formação reativa.

Neste artigo, você vai entender o que é esse conceito desenvolvido por Freud, como ele atua como defesa contra desejos inconscientes e por que, muitas vezes, somos exatamente o oposto do que parecemos ser.



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O que é formação reativa?

Segundo a psicanálise, a formação reativa é um mecanismo de defesa que leva um sujeito a comportar-se da maneira oposta à que ele realmente é. Através da formação reativa alguém pode, por exemplo, defender-se de todo o ódio que sente pelos outros comportando-se socialmente de maneira exageradamente bondosa. Ou então, defender-se de seus intensos desejos sexuais comportando-se de forma extremamente pudica ou recatada.

Para Freud, este é um mecanismo de defesa que todos nós utilizamos para nos proteger de alguns desejos inconscientes e, portanto, inaceitáveis.



A formação reativa em Freud

De acordo com Freud (1909), todos nós possuímos desejos ou tendências inconscientes. Em geral, estes são desejos sexuais ou agressivos e, portanto, contrários à moral que governa a nossa sociedade. E é em obediência a tais padrões morais que somos obrigados a recalcá-los, ou seja, tornar esses desejos inconscientes.

No entanto, para a teoria freudiana, o recalque de um desejo não significa exatamente a sua extinção. Significa apenas fazer com que ele se torne inconsciente, ou seja, desconhecido para nós. Porém, mesmo inconsciente, o desejo continua vivo e sempre à espreita de alguma situação para realizar-se.

Deste modo, o desejo inconsciente impõe uma pressão constante em nosso psiquismo, algo que gera em nós um conflito imenso. Por isso temos que nos defender dele de alguma maneira, sendo a formação reativa um destes possíveis mecanismos de defesa. Através da formação reativa, substituímos este desejo sexual ou agressivo pelo seu exato oposto e, assim, nos tornamos o contrário daquilo que verdadeiramente somos (Freud, 1926).

A psicanálise e os mecanismos de defesa do ego

Segundo a teoria freudiana, a formação reativa é um dos possíveis mecanismos de defesa, mas não o único. As outras defesas que frequentemente utilizamos contra os nossos desejos sexuais ou agressivos são o recalque, a negação, o isolamento, a anulação retroativa e a projeção, apenas para citar os mais conhecidos.




Exemplos de formação reativa

São muitos os exemplos de formação reativa que guardo comigo. Em geral, eles costumam ajudar meus alunos na compreensão de todo este mecanismo. E o melhor de tudo: são exemplos retirados da minha própria vida cotidiana, da simples observação do comportamento de pessoas próximas.

Acredito que vocês, ao lerem estes exemplos, poderão também percebê-los em pessoas de seus convívios, de repente em seus núcleos familiares ou de amizade mais chegados. Pode ser até que consigam visualizá-los em vocês mesmos...

Exemplo 1: Quando o desejo sexual se transforma em pudor


Cenas do filme Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock

O primeiro exemplo é de uma senhora com quem convivi por alguns anos. Tratava-se de uma mulher respeitadíssima, ultra religiosa e sempre preocupada com a sexualidade dos outros. Vale frisar: ela era preocupada apenas com a sexualidade dos outros, já que insistia em dizer que nunca teve desejos sexuais... No máximo, assumia que esforçara-se para ter alguma vontade nas ocasiões em que engravidou.

Fato é que esta mesma senhora que insistia em negar seus desejos sexuais tinha um comportamento um tanto estranho: todo dia, ao sair do banho, enrolava-se na toalha e ia vestir-se em seu quarto... Porém, acidentalmente, sempre esquecia a cortina aberta. E o problema é que ela morava no andar térreo de um prédio e, colada a sua janela, ficava uma vila repleta de casas.

E ela era a alegria da vila! Os púberes que por lá moravam chegavam mesmo a compor uma imensa e feliz plateia para assistir ao espetáculo. E ela nem se tocava...

Quem se tocou fui eu! Certo dia, informei-lhe que a vila inteira já tinha visto ela peladona. Como era de se esperar, ela ficou estupefata, morreu de vergonha e prometeu a si própria que, a partir de então, passaria a cuidar para que a cortina ficasse bem fechada.

No entanto, como todos sabem, estas promessas não valem lá muita coisa... E, assim, após alguns dias de intenso zelo, a senhora voltou a acidentalmente esquecer a cortina aberta. Tornou-se novamente a despudorada do andar térreo, sempre a postos para satisfazer a alegria da meninada. E eu como não sou muito fã de confusão pra cima de mim, deixei quieto!

Ora, assim percebemos o quanto um sujeito detentor de desejos sexuais super intensos é capaz de, através de uma formação reativa, tornar-se extremamente pudico e recatado. De fato, graças a uma formação reativa, esta senhora se transformou no exato oposto do que ela verdadeiramente era... E quem a conheceu sabe que sua pudicícia era extremamente exagerada, fazendo dela uma pessoa até mesmo chata pelo tanto de pudor que preconizava por aí.

Só que é aí que mora o perigo: a formação reativa é um mecanismo de defesa sempre falho. Ora, Freud salienta que a verdade do desejo inconsciente não consegue ser escondida por tanto tempo. E, assim, cedo ou tarde, ela acaba sempre aparecendo, fazendo-nos defrontar com aquilo que consideramos mais inaceitável em nós.

Como no exemplo acima, por mais que esta senhora empregasse sucessivas formações reativas no intento de livrar-se da sexualidade que efetivamente possuía, todos os seus esforços eram em vão... Às vezes estas formações reativas até que funcionavam e, de fato, ela conseguia fazer com que todos acreditassem piamente em seu recato (inclusive ela própria...). No entanto, volta e meia estas formações reativas vinham a falhar fazendo com que ela se tornasse a peladona da rua.



Exemplo 2: Quando o amor se transforma em ódio


Há também o exemplo de um casal da minha própria família. Sem qualquer exagero da minha parte, posso afirmar que nunca os vi sem brigar um com outro... Nunca! Foi sempre muita briga, muita briga, muita briga... E como se não bastasse tanta briga, elas ainda brigavam em alemão!

Bastava ele falar uma coisa que ela retrucava. Bastava ela dar opinião em algo que ele implicava. Bastava ele querer ver o futebol que ela desandava a falar sem parar. Bastava ela dizer que queria jantar às 19hs que ele dizia preferir às 19:15hs...

E assim eles eram casados, muitas vezes começando a brigar quando acordavam e só deixando as brigas na hora de dormir! Todo santo dia prometiam o divórcio, todo santo dia juravam as maiores ameaças um pro outro e todo santo dia era a maior berraria. A princípio, se odiavam...

E, no entanto, se amavam! Efetivamente, quem os conhecia, sabe que um não conseguia viver sem o outro. Era muito amor que estava em jogo, tanto amor, mas tanto amor, que os dois nunca se largavam: acordavam juntos, tomavam café juntos, trabalhavam juntos, almoçavam juntos, voltavam pra casa juntos e realmente só se separavam na hora do Jornal Nacional que coincidia com a hora da novela do SBT.

Enfim, o que acontece é que, às vezes, a formação reativa faz com que um grande amor só consiga se manifestar na forma de um aparente ódio. Mas todo mundo sabia que, no fundo, eles se amavam! Menos eles que juravam que não...rs

Exemplo 3: Quando a agressividade se transforma em bondade


Certo dia, estava eu na fila de um buffet a quilo e, na minha frente, estava uma moça pronta para pegar a comida. Assim que entrei na fila, ela virou sorrindo pra trás e me indagou: “O senhor quer passar na minha frente”? Eu agradeci e respondi que não. Estranhei bastante aquela pergunta...

Passaram alguns segundos e ela virou novamente para trás com o mesmo sorriso doce: “Olha, se o senhor desejar pegar a comida na minha frente, pode tá? Eu tô sem pressa alguma...”. Estranhei de novo o comportamento dela, mas agradeci. Ela voltou-se para frente ainda com o sorriso doce.

Daí pegou a comida dela, eu peguei a minha, e na hora de pesar, ela começou a falar sorrindo para a funcionária que cuidava da balança: “Muito obrigado pelo serviço de vocês. É sempre um prazer almoçar aqui. Minhas lembranças ao seu marido e à sua família”. E virou-se de novo para mim com o mesmo sorriso: “Bom apetite!”

Agradeci e pensei comigo mesmo: “Caramba, essa mulher deve ser uma bruxa!” E fui comer bem longe dela...

Ora, quem conhece o conceito de formação reativa sabe que devemos desconfiar destas pessoas muito boazinhas, muito legais, muito prestativas e muito zelosas com os outros. De acordo com a lógica da formação reativa, tamanha bondade, por muitas vezes, só serve para esconder uma imensa agressividade! E, neste caso, talvez possamos afirmar que enquanto esta moça sorria para mim oferecendo-me a frente da fila, ela provavelmente estava se corroendo por dentro de tanto ódio...

Vale a pena determo-nos um pouco na explicação deste processo.

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Formação reativa, pulsão de morte e superego

De fato, a psicanálise considera a transformação da agressividade em uma imensa bondade o exemplo paradigmático de formação reativa.

Podemos dizer que, para a teoria freudiana, o exemplo paradigmático de formação reativa é o da transformação da agressividade em bondade.

Segundo Freud (1923), todos nós somos dotados de uma série de impulsos agressivos, impulsos estes representados pelo conceito de pulsão de morte. Trata-se, propriamente, do conceito que explica porque somos constantemente tomados por uma série de desejos violentos e cruéis com os outros. E, com efeito, por muitas vezes, é absolutamente comum que nos peguemos desejando o mal a uma série de pessoas do nosso convívio.

No entanto, por questões estritamente morais, nossos impulsos agressivos não podem ser satisfeitos. Caso contrário, estaríamos todos presos... (Imaginem vocês se pudéssemos matar todo mundo que a gente odeia?). Deste modo, para evitar tamanho caos, Freud (1923) coloca que cada sujeito deve erigir em si uma instância psíquica chamada “superego” (“supereu”). Este teria como função, dentre outras tantas coisas, impor os mais severos limites aos nossos impulsos agressivos.

E, assim, graças à atuação do superego, nos tornamos estas pessoas extremamente bondosas e moralizadas que somos! Alguns menos, outros mais e outros ao ponto de por duas vezes oferecer a um estranho seu lugar na fila de uma comida a quilo...

É, portanto, o superego que promove este tipo de formação reativa. Graças a esta transformação da nossa agressividade na mais pura bondade, tornamo-nos sujeitos aparentemente incapazes de desejar mal aos outros. Mas isso até a página dois!

Ou seja, como foi acima ressaltado, para a teoria freudiana, a formação reativa é um mecanismo de defesa fundamentalmente falho. O que quer dizer que jamais o superego consegue transformar em bondade a totalidade dos nossos impulsos agressivos.

Um tanto de agressividade sempre continua vivo em nós. Às vezes, ela consegue forçar a passagem e se dirigir aos outros. Porém, às vezes, ela permanece retraída e toma a nós mesmos como seu objeto... O que pode ser igualmente perigoso, visto as tantas situações de autoagressão e de autoculpabilização que costumamos vivenciar.

“As perigosas pulsões de morte são tratadas no indivíduo de diversas maneiras: (... ) em parte são desviadas para o mundo externo sob a forma de agressividade; enquanto que em grande parte continuam, sem dúvida, seu trabalho interno sem estorvo” - (Freud, 1923/1996 - “O ego e o id”, p. 66)


Este é, portanto, o conceito de formação reativa. Um mecanismo de defesa bastante comum e de suma importância na clínica. De fato, a cada paciente que atendemos e a cada história que ouvimos em nossos consultórios, é frequente que nos deparemos com uma série imensa de formações reativas. E se fizermos o exercício de olharmos para nossas próprias características e comportamentos, com certeza, vamos perceber uma série delas em nós mesmos!

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Freud, Sigmund. (1909). Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 165-186.

_____. (1923). O eu e o isso. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-80.

_____. (1926). Inibições, sintomas e angústia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 20. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 79-171.

O que são chistes na psicanálise? Freud, o humor e o inconsciente
Ricardo Salztrager
O que são chistes na psicanálise? Freud, o humor e o inconsciente
O que são chistes na psicanálise? Veja como Freud conecta humor e inconsciente, e por que certas piadas dizem mais do que parecem.

Algumas frases ditas de forma espontânea podem carregar muito mais do que apenas uma piada. Para Freud, os chamados chistes revelam desejos inconscientes e funcionam como uma via de escape para pensamentos que normalmente seriam reprimidos.

Neste artigo, você vai entender o que são os chistes na psicanálise, qual sua relação com o inconsciente e por que essas tiradas espirituosas dizem tanto sobre nós.

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O que é um chiste?

Em linhas gerais, os chistes respondem por tudo aquilo que se relaciona à ordem do cômico. Segundo a psicanálise, através do humor, o sujeito conseguiria manifestar algumas das suas tendências inconscientes, sejam elas agressivas ou mesmo obscenas.

O significado de chiste para a psicanálise

Para a psicanálise, ao contrário do que muitos pensam, os chistes não são exatamente piadas. Trata-se, aqui, de um antigo mal-entendido ocasionado pela problemática tradução do alemão “Witz” (termo empregado por Freud) por “chiste” que, literalmente, significa “piada”. No entanto, a ideia presente no texto freudiano não é exatamente esta.

Nesta perspectiva, destaca-se a opção de Lacan (1998) que, em seu “Seminário 5”, defendeu a tradução de “Witz” por “tirada espirituosa”. Para mim, esta é uma opção mais compatível com as análises de Freud e com os exemplos por ele mencionados. Por este viés, não seria através de qualquer piada que o inconsciente se manifestaria, mas apenas através de um tipo particular delas: as tiradas.

Uma “tirada” pode ser definida como qualquer fala, observação ou comentário mais ou menos espontâneo que através de jogos de palavras, trocadilhos ou neologismos consegue provocar riso nos outros. Em todas as tiradas, é comum haver certa dose de cinismo, ironia ou mesmo sarcasmo. E, de fato, qualquer um de nós reconhece que através de uma tirada, conseguimos dizer uma série de coisas que jamais poderiam ser ditas de outra maneira.

Qual a diferença entre chiste e piada?

Ao contrário do que muitos pensam, quando Freud escreveu sobre os chistes, ele não estava se referindo às piadas de maneira geral. Porém, a apenas um tipo delas: as “tiradas”.

As “tiradas” são espécies de trocadilhos, neologismos ou jogos de palavras que fazemos durante uma conversa e através dos quais conseguimos manifestar algumas das nossas tendências inconscientes.


Freud e o humor

São muitos os exemplos de chistes ou tiradas fornecidos por Freud. A maioria sem graça alguma... Há uns dois ou três mais engraçadinhos, mas mesmo assim, nem tanto.

Lembro de já ter compartilhado com alguns amigos psicanalistas a estranha sensação de não ter rido de quase nenhuma das tiradas apresentadas por Freud (muitas delas, inclusive, sequer entendi...). Como eles também confessaram não ter rido, concluímos que das duas uma: ou Freud era um péssimo piadista ou então há coisas que realmente só tem graça em alemão. Ou as duas coisas...

Trata-se de algo semelhante ao que acontece quando, por exemplo, assistimos à transmissão do Oscar e também não rimos de exatamente nenhuma piada. E isso enquanto o apresentador conta mil delas no palco e a plateia inteira se esgoela de tanto rir. Deve haver coisas que só tem graça pra eles mesmo...


O chiste segundo Freud

Enfim, seguem os dois exemplos de tiradas mais ou menos engraçadinhas apresentadas por Freud:

Exemplo 1: A vaidade e os quatro calcanhares de Aquiles

O primeiro é o de dois amigos que conversavam sobre alguém que eles odiavam. Tratava-se de uma figura em evidência e bastante eminente na época. Durante a conversa, um comenta com o outro: “Bem, a vaidade é um de seus quatro calcanhares de Aquiles”.

Obviamente, o amigo riu de tamanha espirituosidade e sarcasmo. Uma tirada bem engraçadinha! Ora, percebe-se que ao referir-se à pessoa nestes termos, o piadista quis igualá-la a um animal, já que somente estes possuem quatro calcanhares.

Segundo Freud (1905/1996), o que ocorreu nesta ocasião foi o seguinte: o piadista possuía um impulso hostil em relação a alguém eminente, mas, por motivos óbvios, tal hostilidade não podia de forma alguma transparecer. Ante esta impossibilidade, ele acaba construindo um dito irônico capaz de expressar seus duros sentimentos.

Exemplo 2: Phocion e o elogio irônico

O outro exemplo é o de Phocion, estadista ateniense. Quando, em certa ocasião, ele termina um discurso e se vê aplaudido pelo povo, vira para os amigos e pergunta: “Qual foi a besteira que eu falei agora”?

Ora, para quem não entendeu a tirada, é necessário explicar que Phocion encarava o povo como propriamente estúpido. Portanto, se o estavam aplaudindo, certamente era porque ele havia dito alguma asneira durante seu pronunciamento. De fato, esta foi uma fala irônica e sarcástica que manifestava todo o seu desdém pela população.


O chiste e sua relação com o inconsciente

Com a publicação do livro “Os chistes e suas relações com o inconsciente”, em 1905, Freud encerrava a sua trilogia sobre o conceito de inconsciente.

A trilogia se inicia com “A interpretação de sonhos” de 1900 e prossegue com a “Psicopatologia da vida cotidiana” de 1901. Através destas três obras, Freud realizou suas intenções de analisar como o inconsciente se estrutura e funciona, além de também examinar como ele se manifesta.

Nestes três livros, Freud nos mostra as cinco formas de manifestação do inconsciente: os sonhos, os atos falhos, os lapsos, os sintomas e os chistes.

Mas, então, como os chistes se relacionam com o inconsciente?

Para a psicanálise, tudo se passa como se tivéssemos um domínio inconsciente no qual encontram-se algumas das nossas tendências recalcadas. Ou seja, vivemos em uma sociedade que não nos permite dar livre curso a tudo o que desejamos e, neste sentido, não podemos deixar que tais tendências proibidas se manifestem. Trata-se de desejos sexuais e obscenos, ou então, de tendências por demais agressivas que, por motivos meramente morais, não podemos realizar.

Porém, através de um chiste, de um trocadilho ou de um jogo de palavras conseguimos dar livre curso a estas tendências imorais. Com efeito, através de uma tirada espirituosa podemos dizer alguma coisa querendo, no fundo, dizer outra. Assim, algo proibido e inconveniente pode finalmente ser mostrado, conforme atestam os exemplos a seguir.

Uma tirada é uma maneira não tão direta de falarmos sobre coisas imorais, sejam elas sexuais ou agressivas: algo que jamais poderia ser dito de forma nua e crua o pode através de um jogo de palavras engraçado e inteligente.


Alguns exemplos de chistes

Segundo Freud (1905/1996), os chistes ou tiradas mais comuns são os obscenos, os agressivos e os cínicos. Vejamos exemplos dos três:

  • Chiste ou tirada obscena

    No escurinho do cinema
    Chupando drops de anis

    Longe de qualquer problema
    Perto de um final feliz

    Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck
    Não vou bancar o santinho
    Minha garota é Mae West
    Eu sou o Sheik Valentino

    Mas de repente o filme pifou
    E a turma toda logo vaiou
    Acenderam as luzes, cruzes!
    Que flagra, que flagra, que flagra!

    (Rita Lee & Roberto de Carvalho – Flagra)

    Imaginem uma roqueira brasileira e seu marido, os dois ardendo de paixão, querendo fazer uma música repleta de obscenidades em plena ditadura militar? Não ia dar!

    Então, a solução foi apelar para a espirituosidade. E o verso “Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck” é uma tirada que entrega tudo! Ora, Deborah Kerr e Gregory Peck são dois atores antigos de Hollywood. E Rita e Roberto fizeram um trocadilho interessantíssimo com o nome dos dois: algo que soa como “Se a Deborah quer que o Gregory peque”.

    Assim, através do humor e da espirituosidade, os dois conseguiram manifestar suas tendências obscenas, compondo uma música sobre como deve ser praticar o sexo oral no escurinho do cinema. Neste sentido, os versos “chupando drops de anis”, “perto de um final feliz” e “acenderam as luzes, cruzes, que flagra!” adquirem novos sentidos para além do literal. Sentidos, aliás, engraçadíssimos!

  • Chiste ou tirada agressiva

    Diz pra eu ficar muda, faz cara de mistério
    Tira essa bermuda que eu quero você sério
    Tramas do sucesso, mundo particular
    Solos de guitarra não vão me conquistar

    Uh, eu quero você como eu quero
    Uh, eu quero você como eu quero

    (...)

    Longe do meu domínio, cê vai de mal a pior
    Vem que eu te ensino como ser bem melhor

    (Leoni & Paula Toller – Como eu quero)

    Ao contrário do que muitos pensam, esta não é uma música de amor, mas sim, de ódio. E o alvo de tanto ódio é uma ex-empresária do Kid Abelha que, na época, namorava o antigo baterista da banda. Um relacionamento bastante conturbado por ela ficar exigindo que o músico abandonasse seu trabalho para dedicar-se a algo mais sério. Daí os versos “tira essa bermuda que eu quero você sério” e “solos de guitarra não vão me conquistar”.

    A tirada está no refrão: notem que não há vírgula em “eu quero você como eu quero”. Ou seja, não se trata de uma exclamação (eu quero você, como eu quero!), mas sim, de uma imposição: eu quero você como eu quero (que você seja...). Uma sacada inteligente e engraçada.

    Com efeito, através do humor e aproveitando dos duplos sentidos de algumas expressões, a gente consegue dizer um bando de coisas e ainda passarmos desapercebidos.

  • Chiste ou tirada cínica

    Oh, musa do meu fado
    Oh, minha mãe gentil
    Te deixo consternado
    No primeiro abril

    Mas não sê tão ingrata
    Não esquece quem te amou
    E em tua densa mata
    Se perdeu e se encontrou
    Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
    Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

    (...)

    Guitarras e sanfonas
    Jasmins, coqueiros, fontes
    Sardinhas, mandioca
    Num suave azulejo
    E o rio Amazonas
    Que corre trás-os-montes
    E numa pororoca
    Deságua no Tejo

    Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
    Ainda vai tornar-se um império colonial

    (Ruy Guerra & Chico Buarque – Fado tropical)

    “Fado tropical” é super irônica. Trata-se de uma composição do ano de 1973, época na qual a censura perseguia por demais o Chico Buarque e não o deixava gravar quase nada... Então, ele era obrigado a compor músicas repletas de trocadilhos e jogos de palavras com o intuito de burlar os censores.

    Esta música, então, conseguiu passar pela censura que, aliás, amou a letra. E isto porque eles pensaram que o Chico estava fazendo um elogio saudosista aos tempos nos quais o Brasil era uma colônia portuguesa. Tal interpretação se fez graças aos versos “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal”, “E o rio Amazonas que corre trás-os-montes e numa pororoca deságua no Tejo” e, sobretudo, “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um império colonial”.

    No entanto, não era nada disso. Os elogios do Chico aos portugueses, bem como os anseios para que o Brasil se tornasse um imenso Portugal, se deram porque exatamente naquele ano, a Revolução dos Cravos destruía uma ditadura que já durava décadas... Daí o Chico querer que o mesmo acontecesse ao Brasil! Outra tirada, portanto, super espirituosa, sarcástica e irônica!

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Chistes, prazer e laço social

Por fim, é necessário frisar a interessante ideia de Freud (1905/1996) de que os chistes ou tiradas se constituem como verdadeiros promotores de laços sociais.

De fato, há no mínimo três sujeitos envolvidos no contexto de uma tirada: o sujeito que joga com as palavras, aquele que o ouve, além do objeto da ironia ou sarcasmo. E quando esta tirada é replicada por aquele que a ouve ainda podem inserir-se nesta cadeia outros tantos sujeitos.

Portanto, uma rede de laços sociais mais ou menos extensa e feita a partir de um prazer compartilhado. Prazer este promovido por uma espécie de “suspensão” (ainda que momentânea) do recalque que alguns ditos espirituosos conseguem tão bem promover.


Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Freud, S. (1905). Os chistes e sua relação com o inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 8. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 9-231.

LACAN, J. (1999). O Seminário livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.