
Da paixão pela arte ao protagonismo na televisão, Clara Moneke tem se destacado não apenas pela sua trajetória profissional, mas também pela forma genuína com que compartilha suas vivências e conquistas.
Desde a infância, a atriz se envolveu com o teatro e a arte, e sua jornada como mulher negra no Brasil reflete uma luta pela representação e valorização da identidade no audiovisual.
Clara acredita no poder transformador da arte e, ao longo da sua carreira, tem se tornado uma referência para muitas mulheres, especialmente para as jovens e as mais velhas, que se veem representadas nas telas de forma digna e empoderada.
Nesta entrevista, Clara compartilha sua experiência como atriz, os desafios enfrentados ao longo do caminho e a importância de ser uma figura inspiradora para diversas gerações.

O +Elas é um espaço que tem como objetivo inspirar e provocar as mulheres, trazendo à tona temas relevantes do nosso dia a dia. Um dos pontos que queremos explorar no +Elas é o lado da carreira. Como foi, para você, o processo de se tornar atriz? Esse desejo pelo lado artístico sempre esteve presente na sua vida?
Sim, eu comecei a fazer teatro com sete anos. Antes de ver uma peça, eu não sabia o que era o teatro, qual o impacto que ele tinha. Então, acho muito importante o acesso à cultura. Eu fui com a minha mãe a uma peça em Campo Grande, de um amigo dela, e fiquei apaixonada. Era uma mágica, as luzes, os atores no palco.
Naquele teatro, na lona cultural Elza Osborne, tinha cursos gratuitos de teatro, e foi ali que comecei a me apaixonar. Depois, fiz outros cursos gratuitos, como no Teatro Arthur Azevedo, e fui me aprofundando mais. Fiz também cursos de clown, trabalhei como palhaça em orfanatos, hospitais e asilos. Fiquei no teatro por muitos anos, até 2017, e isso me amadureceu de uma forma muito saudável.
Em uma entrevista que você fez para o Gshow, você disse que o “Brasil quer se ver”. O que significa para você representar tantas mulheres reais na televisão?
Eu acredito muito no poder da arte, enquanto agente transformador da sociedade. Então, eu nunca imaginei que eu pudesse ser artista, que eu pudesse fazer televisão, que eu pudesse fazer teatro, porque eu não conseguia me ver nesses espaços. Eu via televisão e não via pessoas parecidas comigo, mulheres do mesmo tom de pele que o meu, ou até um pouco mais claras. Sempre foi muito difícil, sempre foi muito escasso.
A imagem da mulher negra na televisão, ainda mais em um local de poder, num lugar de vitória, de protagonismo, sempre foi muito escassa essa referência. Eu acho que a ideia de estar hoje na televisão com o corpo que eu tenho é muito sobre referência, é sobre identificação. Porque todas as mulheres que falam comigo, em especial as mulheres negras, existe um fator de identificação muito grande, de poder ver alguém que parece com você na tela da televisão, com dignidade, sendo representada enquanto um ideal de beleza.
A gente não está acostumado a ver pessoas negras nesse lugar de beleza também. Para a mulher, a gente tem essa questão com a nossa imagem que é sempre tão pesada e tão pressionada diante de tudo, até nós mesmas, pelas questões externas. A gente se pressiona muito enquanto mulher. Então, eu acho que você se enxergar na televisão, no audiovisual, no entretenimento, enquanto alguém digno, enquanto alguém bonito, alguém que vive histórias para além de ser uma mulher ou ser uma mulher negra, é muito importante essa questão da referência mesmo. Acho que isso poderia ter mudado muita coisa, talvez mais rápido na minha vida, se tivesse referências.
“Eu sou uma mulher negra, forte, poderosa, sim, porque os meus ancestrais eram poderosos”
Como tem sido para você lidar com o carinho de pessoas que não te conhecem, mas se identificam com você, principalmente as mulheres negras?
Eu me sinto com muita responsabilidade, especialmente pelas jovens que estão se formando e encontrando seu lugar no mundo. As crianças e as idosas me impactam muito. Vejo nas crianças uma esperança, e nas mulheres mais velhas, vejo a trajetória que vale a pena, como se elas olhassem para mim e pensassem: "Nossa, que bom que você está aí agora."
Sempre gosto de tirar fotos com as crianças, dar atenção a elas, porque elas são o futuro do nosso país. Representar essas gerações é algo de muita esperança. É muito bonito quando as pessoas vêm falar comigo, me contam que se sentem representadas. Isso me faz muito feliz.
Em “Dona de Mim”, você interpreta uma personagem que conquistou muita gente. O que você e a Leona têm em comum?
Eu e a Leona temos muito em comum, mas a Leona é mais impulsiva que eu. Sou mais reflexiva antes de tomar decisões. A Leona é forte, tem uma criação matriarcal, foi criada pela avó, assim como eu. Minha criação também foi em grande parte por mulheres, e a configuração familiar da Leona é algo muito representativo, pois muitas famílias no Brasil são comandadas por mulheres. Me identifico muito com a responsabilidade que ela tem com a família, porque também carrego essa responsabilidade de gerar um futuro melhor para os meus.
A Leona tem essa força que muitas mulheres carregam, equilibrando a vida familiar, pessoal e profissional. Eu também fui criada por mulheres; fui criada pela minha avó durante um tempo, porque minha mãe trabalhava, então vim morar no Rio com a minha avó, minha irmã e minha tia. Tenho meu pai muito presente na minha vida, mas a maior parte da minha criação foi por mulheres. A configuração familiar da Leona, com a avó Iara, uma mulher que trabalhou como costureira para sustentar as meninas, é minha história também, a história da minha avó e da minha mãe. Essa história se repete para muitas brasileiras, e me identifico muito.
Desde a estreia da novela, o que mudou para você?
Desde a minha primeira novela, “Vai na Fé”, sempre fui muito impactada nas ruas. A Leona tem sido bem recebida, as pessoas a chamam e se identificam com ela, o que é muito interessante, pois é uma personagem com várias camadas. Estou muito feliz com o reconhecimento da Leona, especialmente porque ela é uma personagem ambígua, que comete erros, é impulsiva, mas tem um forte julgamento moral. Fico feliz que as pessoas estejam gostando dela, mesmo com todas as suas imperfeições.
Como você lida com as críticas?
Desde que comecei na televisão, entendi que as críticas são uma parte normal do processo. A crítica, seja positiva ou negativa, faz parte do trabalho de quem está na mídia. Sou tranquila e não me afeto pessoalmente pelas críticas.
Quando vejo algo que me interessa, vou nas redes sociais para ver o que estão falando, mas sei que nem todos vão gostar do meu trabalho, e isso é normal. Sei que é o fruto do meu trabalho e trajetória, então sigo em frente, sem me deixar levar por elogios ou críticas, sempre com os pés no chão. Meu trabalho é arte, e arte sempre será discutida.
Recentemente, você viajou para a Nigéria para homenagear os 20 anos da morte do seu avô. Como foi vivenciar essa experiência, conhecer mais sobre a cultura nigeriana e se conectar com sua origem paterna?
Isso foi incrível. Foi uma das experiências mais impactantes da minha vida, que mais me fizeram me entender enquanto pessoa. Estou sempre aprendendo e me reconhecendo no dia a dia, mas poder viajar para a Nigéria, para o local onde minha ancestralidade toda se encontra, foi muito importante. Apesar de minha família ser brasileira, fiz um teste de ancestralidade com a minha avó, e deu 99% África, praticamente 100%, e outra parte do Oriente Médio.
Eu sou brasileira, tenho muito orgulho disso, mas o meu sangue, enquanto mulher candomblecista, minha ancestralidade, a minha cerne, está na África. Voltar às minhas origens me fez me entender muito, no mundo, enquanto pessoa. Minha família tem uma linhagem muito bonita e rica. Meu avô era um líder social, um chefe da comunidade, e a minha família é muito forte na Nigéria. Vi que a nossa história não é só sofrimento, morte, pobreza e guerra; também há muita riqueza, prosperidade, beleza, inteligência e poder.
Isso tem a ver com quem sou, com o que quero ser e onde quero chegar. Estar lá foi como um resgate, reafirmando meu lugar no mundo e o que quero me tornar. Sou uma mulher negra, forte e poderosa, sim, porque meus ancestrais eram poderosos. Foi uma experiência muito especial.
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