Psicanálise

História da Psicanálise: como surgiu, Freud, escolas e autores

História da Psicanálise: como surgiu, Freud, escolas e autores

A psicanálise não surgiu pronta, nem foi imediatamente aceita. Ela nasceu de rupturas, controvérsias e ideias que desafiaram profundamente a forma como o ser humano se compreendia no início do século XX.

Neste artigo, vamos percorrer a história da psicanálise desde suas origens com Freud, passando por seus primeiros sucessos, conflitos e dissidências, até o desenvolvimento das grandes escolas psicanalíticas e seus principais autores. Um percurso que revela como a psicanálise se transformou ao longo do tempo e por que ela continua sendo uma das teorias mais influentes para compreender o sofrimento humano.



A origem da psicanálise

Neste 2025, a psicanálise completa exatos 125 anos de existência! E com a saúde, a cervical e a libido de uma adolescente!

São 125 anos de sucesso (óbvio que com alguns períodos de baixa), com as mais variadas teorias de Freud ganhando o mundo e as discussões nas mídias, nas redes sociais, etc. Enfim, trata-se, sem dúvida, do melhor dispositivo inventado para trabalhar o sofrimento humano.

E é sabido que toda esta saga se iniciou com o seu considerado marco inaugural, a publicação do famoso “A interpretação dos sonhos”, no ano de 1900.

Aliás, 1900 uma vírgula! Pois já no que diz respeito a seu marco zero, a psicanálise não deixou de criar algumas controvérsias...

Ou seja: sim, “A interpretação dos sonhos” foi publicada em 1900. Porém (e isso quase ninguém sabe...) já estava prontinha havia uns 3 ou 4 anos. E toda esta demora em publicá-la se deu porque o ambicioso Freud queria fazê-lo somente na virada do século, desejando que uma data tão marcante coincidisse com a da inauguração de sua ciência.

Sigmund Freud
Sigmund Freud

E, de fato, Freud era muito pretensioso... Mas acabou flopando (termo que o tiozão que vos escreve aprendeu no contato com seus queridos alunos). E, assim, durante os cinco primeiros anos do século XX, sua “Interpretação de sonhos” tinha vendido apenas míseros 350 exemplares... Uma miséria! Coisa que qualquer escritor mediano de autoajuda consegue hoje facinho, facinho...

E é óbvio que o pai da psicanálise não curtiu este fracasso. Porém, a partir de um encontro cósmico entre os astros das mais variadas galáxias, ainda na primeira década do século passado, ele conseguiu assistir ao estrondoso sucesso de sua primeira obra! Orgulhou-se em ver a Europa inteira passando a ler “A interpretação dos sonhos” e a discutir as principais ideias da psicanálise. Um verdadeiro sucesso!

"A interpretação dos sonhos”, considerada a obra inaugural da psicanálise, foi publicada em 1900, mas já estava pronta havia cerca de três ou quatro anos. Freud aguardou a virada do século para lançar o livro, desejando que o nascimento de sua teoria coincidisse simbolicamente com o início de uma nova era.


O sucesso inaugural

Mas como explicar tamanho fracasso seguido por este sucesso esplendoroso?

Ora, aconteceu que, na época, o público em geral reagiu às ideias de Freud tal qual reagem hoje em dia. Inicialmente, com um estranhamento incisivo... Com efeito, a postulação de um inconsciente em muito assustou os europeus e, assim, um continente inteiro veio a torcer o nariz para a psicanálise.

Freud revolucionou a maneira de entender o ser humano (até então plenamente consciente de si). Ademais, seus estudos com a histeria (desde a época de aplicação do método catártico) romperam com muito do que era preconizado pela medicina e pela filosofia tradicionais.

Fora as suas polêmicas concepções a respeito da sexualidade que em muito escandalizaram a sociedade de então... Ou seja: nada mais óbvio que quase todos tenham fechado os ouvidos para ele.

Todavia, em pouco tempo, o mundo foi reconhecendo seus méritos e logo vieram a valorizar seu pensamento. Com isto, Freud e a psicanálise passaram a ser abraçados pela sociedade e, inclusive em 1908, ele veio a receber um convite para no ano seguinte proferir cinco palestras introdutórias à psicanálise na Clark University de Massachusetts. Ou seja, tamanho foi o êxito de suas teorias que em apenas oito anos ela ultrapassou o oceano e tornou-se “intercontinentalmente” conhecida.

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A fundação da IPA

Tamanho sucesso e difusão da psicanálise, levou Freud e seus seguidores a criarem, no ano de 1910, a IPA (Associação Psicanalítica Internacional). Tal fato marcou incisivamente todo o desenvolvimento da psicanálise, na medida em que a função desta instituição seria a de reunir os diferentes grupos de psicanalistas dos mais diferentes países.

Cabia inicialmente à IPA a editoração dos periódicos internacionais de psicanálise, além da organização de um congresso anual, no qual todos apresentavam seus trabalhos teóricos e casos clínicos.

Como praticamente todos os psicanalistas eram judeus (e vale lembrar que por aquela época o antissemitismo corria solto por todo o solo europeu), Freud julgou mais adequado confiar a presidência da IPA a seu (até então) fiel escudeiro Carl Gustav Jung. Este, por sua vez, aceitou o convite de muito bom grado.

E a história destes dois merece um capítulo à parte...

A dissidência de Jung

Jung era um médico suíço muito jovem e que teve como principal função trazer o tema das psicoses para o domínio da psicanálise. De fato, Freud não atendia pacientes com tal diagnóstico e foi através do contato com Jung que ele foi se interessando pelo tema.

Carl G. Jung
Carl G. Jung

E os dois eram muito amigos e parceiros profissionais. Jung via em Freud um grande mestre e Freud via em Jung o sucessor perfeito. Tanto que confiou-lhe a presidência da IPA! Os dois trabalhavam juntos, trocavam correspondências, criavam ideias, até que...

Quando ninguém esperava, deu-se o rompimento. A versão oficial do barraco é que Jung começou a discordar da importância que Freud concedia ao papel da sexualidade em sua teoria, sobretudo ao conceito de sexualidade infantil, maaaaaaaas...

De acordo com Roudinesco (a Léo Dias da Psicanálise), estas briguinhas teóricas só serviram para esconder o verdadeiro motivo do rompimento entre os dois. Diz a linguaruda que Jung rompeu com Freud depois de ter ficado possesso quando o amigo foi até a Suíça visitar o colega Bleuer e não lhe fez sequer uma visitinha!

Rolou um quiprocó infernal, com alfinetadas e intrigas para todos os cantos. Um vexame! E toda a situação terminou com o rompimento dos dois e um desmaio de Freud em pleno congresso da IPA!


O freudismo

Os anos posteriores – aqueles marcados pela velhice e morte de Freud – ficaram conhecidos como os anos do “Freudismo”. Esta foi uma nomenclatura forjada para denotar um universo teórico e clínico que incluía a totalidade das correntes psicanalíticas, independentemente das divergências que se davam entre elas.

Com efeito, foi imenso o sucesso da psicanálise nas primeiras décadas do século XX. E, assim, não apenas médicos, mas também artistas, filósofos e até mesmo líderes religiosos passaram a abraçar a psicanálise, alguns fazendo dela um uso bastante peculiar.

Daí todas as reformulações que se deram na IPA durante os anos 30. De fato, diante do perigo de “toda a Europa querer exercer a psicanálise”, a IPA deixou de ser uma instituição fundamentalmente voltada para a pesquisa e divulgação da psicanálise e passou a exercer uma função burocrática de autoridade propriamente dita.

Deste modo, só poderia dizer-se psicanalista quem passasse por um processo de formação em alguma instituição vinculada à IPA. Tamanho marco histórico veio a instituir o famoso “tripé da psicanálise”, ou seja, aquele que preconiza que para alguém se tornar psicanalista deve necessariamente fazer uma análise didática, estudar a teoria a fundo, além de dedicar-se a um trabalho de supervisão de seus primeiros atendimentos.

E foi justamente em instituições filiadas à IPA que, pelo mundo, surgiram alguns autores pós-freudianos de suma importância para a história da psicanálise. Vamos a eles!

Ferenczi e seus “pacientes difíceis”

Ferenczi não foi exatamente um pós-freudiano, mas sim, um contemporâneo a Freud que, aliás, foi seu psicanalista. E a transferência conturbada entre os dois foi, inclusive, o mote para que Freud escrevesse um de seus mais famosos escritos, o “Análise terminável e interminável”.

Sándor Ferenczi
Sándor Ferenczi

Resumidamente, podemos dizer que Ferenczi foi um psicanalista conhecido por atender os chamados “pacientes difíceis”, ou seja, aqueles que os demais recusavam-se prontamente a atender. E isto porque tais pacientes escapavam à dinâmica neurótica com a qual todos estavam acostumados a trabalhar.

Mas fato foi que, justamente por atender esta clientela tão diversa, Ferenczi conseguiu elaborar um conjunto de técnicas tão diversas que vieram a marcar história no desenvolvimento da psicanálise.

Dentre as principais contribuições de Ferenczi para a psicanálise estão:

  • o conceito de introjeção;
  • um conjunto de reformulações para a clínica psicanalítica que envolvem as chamadas “técnica ativa” e a “análise mútua”;
  • uma revisão crucial da teoria freudiana do trauma que Ferenczi preferiu situar em relação às situações de desmentido.



Melanie Klein e a análise com crianças

Melanie Klein foi o principal nome da Escola Inglesa de Psicanálise. Seu trabalho foi marcado por uma dedicação extrema ao trabalho com crianças, o que a conduziu a uma releitura interessante de algumas ideias de Freud a respeito da sexualidade infantil.

Melanie Klein
Melanie Klein

Sua clínica a ensinou, por exemplo, que o supereu é uma instância já existente desde os primórdios da vida psíquica e não algo que surge apenas ao final do complexo de Édipo.

Ademais releu toda a história do desenvolvimento infantil, compreendendo-o a partir de suas concepções sobre as posições depressivas e esquizo-paranoide.

Dentre as principais contribuições de Klein situam-se:

  • o desenvolvimento de uma clínica psicanalítica voltada para a infância;
  • o mérito de ter sido a primeira autora pós-freudiana a valorizar o conceito freudiano de pulsão de morte;
  • a criação de um estilo interpretativo próprio, marcado pela incessante construção de significações (via transferência) ao discurso de seus pacientes.



Winnicot e a ideia de “mãe suficientemente boa”

Donald Winnicott foi também um membro da Escola Inglesa de Psicanálise. De formação pediátrica, dedicou-se (tal como Klein) principalmente à análise com crianças.

Donald Winnicott
Donald Winnicott

Ao estudar a fundo a relação das mães com seus filhos, formulou seu mais famoso conceito: o de “mãe suficiente boa”. Por esta nomenclatura, Winnicott se referiu às mais que sabem devidamente dar amor aos seus filhos, mas também frustrá-los na medida certa. Tudo isto visando favorecer o bom desenvolvimento da criança.

Dentre as principais contribuições de Winnicott estão:

  • a criação do conceito de self e da ideia de falso-self;
  • a valorização clínica da ideia de criatividade;
  • uma revisão da teoria de Freud sobre as relações de objeto com a formulação da ideia de objeto transicional.



Lacan e a valorização da linguagem

Jacques Lacan foi o principal nome da Escola Francesa de Psicanálise. Dono de uma extensa obra, teve como mérito maior a aproximação da psicanálise com o campo da linguística.

Jacques Lacan
Jacques Lacan

Dentro do âmbito clínico, fundou a ideia de “tempo lógico”, ou seja, uma concepção as sessões de psicanálise deveriam ter tempos variáveis. Neste contexto, houve a valorização do corte do discurso do paciente tão logo ele conseguisse concluir algo durante a consulta. Intervenção que eu julgo interessantíssima.

Dentre as principais contribuições de Lacan estão:

  • a construção do conceito de Outro (grande Outro) como tesouro de significantes e lugar da lei e da cultura;
  • a valorização da ideia de que os sujeitos se constituem a partir do desejo deste Outro;
  • a releitura do funcionamento subjetivo a partir das dimensões do Real, do Simbólico e do Imaginário;
  • a criação dos conceitos de gozo e de “objeto a”.



A psicanálise contemporânea

Hoje em dia, são muitos os herdeiros destes cinco grandes autores acima elencados: Freud, Ferenczi, Klein, Winnicott e Lacan. E, neste sentido, podemos dizer que todo psicanalista que se pretenda sério tenha lido ou tido contato com pelo menos um ou dois deles.

São eles (além daqueles que beberam de suas fontes) que se fazem presentes nas discussões, jornadas e congressos das mais variadas formações de psicanalistas, além de tudo o que se produz nos meios universitários.

E para terminar... Confira as obras mais famosas de Freud:

De brinde, uma espécie de linha histórica das obras mais famosas de Freud:

  • 1900 – A interpretação de sonhos
  • 1901 – A psicopatologia da vida cotidiana
  • 1905 – As tiradas e suas relações com o inconsciente
  • 1905 – Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade
  • 1913 – Totem e tabu
  • 1914 – Para introduzir o narcisismo
  • 1914 – Recordar, repetir e elaborar
  • 1915 – A pulsão e seus destinos
  • 1920 – Além do princípio de prazer
  • 1923 – O eu e o isso
  • 1930 – O mal-estar na civilização



Perguntas frequentes sobre a história da psicanálise

Quem criou a psicanálise e por que?

A psicanálise foi criada por Sigmund Freud em 1900. Freud criou a psicanálise após descobrir que suas pacientes histéricas sofriam por desejos dos quais elas não possuíam qualquer conhecimento. Daí a postulação do inconsciente.


Como a psicanálise evoluiu após Freud?

Após a morte de Freud, foram criadas algumas Escolas de Psicanálise, sendo as mais famosas a Escola Inglesa e a Escola Francesa. A primeira traz consigo nomes como Melanie Klein e Winnicott e a segunda tem como principal expoente a figura de Jacques Lacan.


A psicanálise ainda é relevante hoje?

Sim, sem dúvidas. A psicanálise ainda é reconhecida como o dispositivo mais eficaz para trabalhar o sofrimento humano. As teorias de Freud a respeito do inconsciente, da sexualidade e da transferência continuam atuais.


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Referências:

Dunker, C. “Aspectos históricos da psicanálise pós-freudiana”. In: Jacó-Vilela (et al). História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau, 2007. pp. 347-411.

Roudinesco, E. & Plon, M. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

Artigo escrito por
Ricardo Salztrager
Psicanalista e professor associado da UNIRIO e na Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.