Psicanálise

Psicose: o que é, tipos e exemplos na psicanálise

Psicose: o que é, tipos e exemplos na psicanálise
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Quando ouvimos a palavra “psicose”, é comum virem à mente imagens distorcidas, exageradas ou até assustadoras — muitas vezes influenciadas por filmes e estereótipos populares. Mas o que a psicanálise realmente entende por psicose?

Neste artigo, vamos explorar esse conceito a partir das contribuições de Freud e Lacan, entender como age uma pessoa psicótica, qual a diferença entre delírio e fantasia, e por que a escuta clínica da psicose exige sensibilidade, conhecimento técnico e uma abordagem multidisciplinar.



O que é psicose na teoria psicanalítica?

Segundo Freud, a psicose corresponde a um quadro no qual o sujeito se desliga da realidade por achá-la insuportável.

Com isto, ele passa a substituí-la por um delírio, ou seja, uma realidade alternativa que vem a corrigir tudo o que ele considera intolerante na realidade em si.

Como age uma pessoa psicótica?

Esta é uma pergunta sempre feita em sala de aula e cuja resposta pode provocar certo assombro em alguns de vocês. Isto porque – tal como ocorre com os mais variados conceitos psiquiátricos e psicanalíticos – o conceito de psicose é muito mal difundido por aí e muitas vezes acaba adquirindo um sentido completamente diferente do original.

Neste sentido, eu aposto que muitos que me lêem imaginam o psicótico como um personagem de filme de terror ou então como um maníaco ou serial killer que vagueia pelas madrugadas das cidades à procura de alguma vítima inofensiva... Nada disso!


O psicótico é uma pessoa quase sempre inofensiva que se difere de nós em apenas alguns poucos aspectos.


Deste modo, podemos dizer que as características mais marcantes de um psicótico são seus delírios e alucinações.

Em linhas gerais, o delírio é definido como uma realidade alternativa que o psicótico constrói para si. Com efeito, os psicóticos acabam perdendo o contato com a realidade por considerá-la insuportável e, em seu lugar, constroem outra.

A questão é que esta realidade delirante passa a ser por eles considerada como a verdadeira e, por isso, de nada adianta contradizê-los ou fazê-los crer na falsidade de seus delírios. Neste sentido, não há argumento, evidências ou raciocínios lógicos que façam o psicótico deixar de crer naquilo que efetivamente acreditam.

Alguns exemplos de psicose

Lembro-me que poucas semanas atrás, estava eu caminhando aqui no bairro e vi uma senhora bem idosa – bem idosa mesmo – sentada em um banco, bem magrinha e que aparentava ter mais de noventa anos. Daí ela deixou cair algo no chão e eu gentilmente peguei o objeto para ela.

Ela abriu um sorriso e me disse: “Obrigado, meu rapaz, é que eu não posso me agachar... eu estou grávida... de nove meses!”.

Eu fiquei completamente boquiaberto com a informação recebida, mas logo percebi que se tratava de um delírio. Assim, por curiosidade perguntei quem era o pai do bebê, ao que ela com um sorriso apaixonado me respondeu: “O Fábio Junior!”

E há também os tantos outros casos que já vi pelas ruas e instituições de promoção de saúde. Lembro-me de um que se dizia o Bob Marley e de outro que se dizia o Raul.

Teve também um que se dizia constantemente perseguido por bonecas com facas em punho e outra que dizia estar grávida e que a criança que ela esperava era o demônio.

E, com efeito, estes dois últimos exemplos servem para demonstrar que um delírio pode trazer uma extrema angústia ao psicótico e torná-lo presa de um sofrimento psíquico grave.

De resto, os psicóticos geralmente são pessoas com histórias curiosas, estranhas, irreais e às vezes até engraçadas, que podem conviver numa boa em sociedade se devidamente tratadas...

Por fim, é necessário frisar que, durante estes momentos de crise, é muito comum que uma pessoa psicótica passe a fazer um uso bastante peculiar da linguagem.

De fato, em crise, um psicótico costuma tomar as palavras pelas coisas, ou seja, desmetaforizar as palavras que falam, fazendo com que elas deixem de remeter a diferentes sentidos.

Neste aspecto, é bastante feliz o exemplo do paciente de Neusa Santos Souza (1999) que, após uma enfermeira ter-lhe tirado a pressão, colocou-se em uma postura de total relaxamento. Quando perguntado pelo motivo de tal postura, o paciente respondeu: “Ué, ela tirou a minha pressão!”.



Freud e o caso Schreber

Retrato de Daniel Paul Schreber, jurista alemão do 'Caso Schreber' analisado por Freud
Daniel Paul Schreber (1842–1911), cuja autobiografia foi analisada por Freud no estudo do caso Schreber. Fonte: Wikipedia

Sabe-se que Freud atendeu poucos psicóticos e que suas principais concepções sobre o tema surgiram da análise que ele fez da autobiografia de Daniel Paul Schreber, Presidente do Tribunal de Apelação da cidade de Leizpig.

Trata-se do caso de um sujeito que, certa manhã, teve o pensamento súbito de como seria bom tornar-se mulher e, assim, submeter-se ao coito.

A partir daí, Schreber constrói uma realidade delirante na qual era a esposa de Deus e que, junto a ele, viria a procriar uma humanidade bem melhor que esta.

Schreber seria, assim, o verdadeiro salvador do mundo e único capaz de resgatar a felicidade perdida em nosso planeta.

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A psicose em Freud: a diferença entre delírio e fantasia

Outros dois escritos de Freud são centrais para a compreensão do tema das psicoses.

São eles: “Para introduzir o narcisismo(Freud, 1914) e “Neurose e psicose” (Freud, 1923).

Conforme estamos destacando, é em função de certo desinvestimento da realidade que, também nestes ensaios, Freud faz girar o problema das psicoses.

De fato, todos nós – psicóticos ou não – consideramos a realidade algo extremamente cruel. Ora, a gente possui os mais variados desejos que tanto acalentamos e que, no entanto, não conseguimos realizar.

A realidade raramente corresponde àquilo que desejamos e, assim, para nos protegermos das tantas decepções precisamos às vezes desinvestir do mundo externo.

No entanto, há dois diferentes modos de nos defendermos desta realidade cruel: a defesa neurótica e a defesa psicótica.

O sujeito neurótico seria aquele que para defender-se destas tantas frustrações acaba construindo uma série de fantasias. Ou seja, ele não se desliga exatamente da realidade, mas rearruma seus diversos elementos de uma maneira que lhe proporcione mais prazer.

Um exemplo:

o sujeito vai a uma festa achando que vai pegar geral, mas volta para casa sozinho. É óbvio que ele ficou sozinho porque ninguém se interessou por ele.

Porém, para se livrar do desprazer ocasionado, ele constrói a fantasia de que ninguém o olhou porque ele foi infeliz na escolha da camisa que trajou na festa ou porque está meio fora de forma. E que se reaparecesse na festa mais malhadinho ou vestindo outra coisa, certamente, se tornaria irresistível.

Já o sujeito psicótico é aquele que compensa as frustrações da realidade por sua completa substituição por uma outra. Daí o nascimento de um delírio.

E em relação a este mesmo exemplo, podemos dizer que um psicótico reagiria à situação de não pegar ninguém na festa através do pensamento de que, efetivamente, todas as mulheres dali o desejaram, mas ele não pegou ninguém porque Deus apareceu para ele pedindo para que morra casto.

Ou então pelo delírio de que as mais variadas mulheres se interessaram por ele, porém, quando elas foram se aproximando, pequenas serpentes começaram a sair dos poros de suas peles.

Segundo Freud, a diferença entre fantasia e delírio é que enquanto a primeira diz respeito a uma mera rearrumação dos elementos da realidade de uma forma que dê prazer ao sujeito, o segundo corresponde a criação de uma nova realidade.





Os diferentes tipos de psicose

Segundo Freud (1914), há dois diferentes tipos de psicose: a esquizofrenia e a paranoia.

Ambas possuem como sintomas o delírio, as alucinações, além do já mencionado uso desmetaforizado da linguagem. No entanto, diferem em relação à representação que tais sujeitos possuem de si próprios.

Ou seja, enquanto o esquizofrênico vivencia a si mesmo como alguém despedaçado e completamente fragmentado, o paranoico, pelo contrário, possui uma imagem de si super inflada e exageradamente valorizada.

Assim, lembro-me novamente da época em que trabalhava em instituições de promoção de saúde e tinha contato com esquizofrênicos que não reconheciam partes de seu próprio corpo como suas.

Tinha um que, em momentos de crise, dizia que sua boca falava sozinha e à sua revelia. Tinha um também que, certo dia, ao ter a sua perna engessada, passou a desconhecê-la como sendo sua.

Mas o exemplo mais marcante foi o de uma esquizofrênica que dizia que mais de setenta pessoas moravam dentro dela. Cada uma tinha seu nome, sua história e ela conversava com todos. Inclusive, suas próprias fezes eram encaradas como uma destas pessoas que ora entravam, ora saíam de seu corpo.

Quanto aos paranóicos, já tive contato com alguns cujos egos por demais inflados o faziam crer que eles eram Deus, capitães de navios negreiros ou profetas místicos. Teve um que, inclusive, se dizia o próprio Roberto Carlos.

De acordo com Freud, estes delírios que acabam por inflar demais seus egos fazem com que os paranoicos passem a se achar as pessoas mais importantes do mundo, verdadeiros centros das atenções. Daí, nada mais óbvio que comecem a pensar que os outros o estão perseguindo, almejando tomar seus lugares ou fazer-lhes algum tipo de maldade.

ATENÇÃO!

De acordo Freud, todos nós possuímos as nossas paranoias. E isto é absolutamente normal! Ou seja, todos nós já pensamos que estávamos sendo perseguidos por alguém ou que uma pessoa qualquer almejaria roubar nosso lugar ou algo que a nós pertence.

Até aí, tudo ok! Ainda que tais sensações de perseguição sejam duradouras, angustiantes e frequentes, elas não fazem de ninguém um psicótico.

O que diferencia essas paranoias comuns de uma paranoia propriamente psicótica é a presença de delírios e alucinações.



Quadro esquemático – Tipos e sintomas psicóticos:

Presença de delírios e alucinações Uso desmetaforizado da linguagem durante as crises Representação de si
Esquizofrenia Geralmente sim Geralmente sim Ego fragmentado
Paranoia Geralmente sim Geralmente sim Ego super inflado


Diferença entre neurose, perversão e psicose

Jacques Lacan, discípulo de Freud, vai falar de uma estrutura psicótica contraposta a uma estrutura neurótica e outra perversa.

De uma maneira bem resumida, teríamos na neurose um sujeito que se defende dos seus desejos através do mecanismo de recalque. Assim, o neurótico passa a negar seus desejos, desconhecendo-os e fazendo com que estes reapareçam disfarçados sob a forma de sintomas.

Já os perversos são aqueles que lidam com a castração através da denegação. Eles efetivamente reconhecem a castração, porém se fixam a um objeto geralmente inanimado – o fetiche – que, em suas fantasias, serve para suturar e administrar a castração no outro.

Deste modo, eles se tornam verdadeiros legisladores nos mais variados ambientes que frequentam, além de senhores das mais diversas situações que presenciam.

A psicose, por sua vez, diz respeito a uma estrutura construída a partir da foraclusão do Nome-do-Pai. Com esta expressão, Lacan faz referência a sujeitos que não trazem consigo qualquer inscrição da castração. Esta foraclusão faz com que a castração não inscrita insistentemente reapareça nos mais variados quadros alucinatórios (Dor, 1995).

Estrutura clínica Modo de lidar com o desejo e com a castração
Neurose Recalque
Perversão Denegação
Psicose Foraclusão




Escutar a psicose hoje: reflexões sobre os tempos atuais

Eu, particularmente, considero o tratamento da psicose um verdadeiro desafio. Nos dias atuais, há uma série de discussões sobre a necessidade de oferecer a eles um tratamento multidisciplinar, ponto de vista do qual sou partidário.

Neste sentido, sou de opinião que a escuta analítica sozinha jamais consegue dar conta do sofrimento psicótico. Assim, ela deve ser necessariamente complementada pela escuta psiquiátrica e também construir uma série de alianças com outros profissionais como terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas ou psicopedagogos.

Esta multidisciplinaridade é uma das principais características da clínica contemporânea com sujeitos psicóticos e ela se faz presente, inclusive, nas instituições públicas de promoção de saúde.

E é apenas com a união entre uma escuta analítica, uma medicação ajustada (mas jamais exagerada) e as técnicas terapêuticas próprias aos outros profissionais de saúde que um tratamento adequado pode ser oferecido à psicose.

Perguntas frequentes sobre Psicose (Freud)

Como Freud define a psicose?

Freud define a psicose como um quadro caracterizado pela presença de delírios e alucinações.

Qual a diferença entre neurose e psicose?

Enquanto na neurose há a construção de fantasias para que o sujeito consiga lidar com a realidade insuportável, na psicose há a construção de um delírio.



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Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.






Referências:

Dor, Joel. (1995). Estruturas e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Taurus.

Freud, Sigmund. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 75-108.

_______. (1923). Neurose e psicose. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 153-161.

Souza, Neusa Santos. Psicose. São Paulo: Revinter, 1999.

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