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Inteligência artificial na educação: avanços, desafios e dilemas

Inteligência artificial na educação: avanços, desafios e dilemas

Nos últimos anos, a expressão “inteligência artificial na educação” deixou de soar como ficção científica para se tornar parte do cotidiano de estudantes e professores. Em universidades, escolas e plataformas digitais, a IA já aparece como ferramenta de estudo, apoio pedagógico e personalização de conteúdo.

Mas junto às promessas de inovação, surgem também dilemas éticos, riscos de desigualdade e debates sobre o futuro da aprendizagem.

O desafio não é apenas tecnológico, mas humano: como usar a IA para ampliar o potencial crítico e criativo dos estudantes, sem reduzir a educação a uma sucessão de respostas rápidas ou à dependência de algoritmos?

Neste artigo, você vai entender como a inteligência artificial está transformando a educação em diferentes contextos, conhecer exemplos concretos de uso da tecnologia em escolas, universidades e plataformas digitais, refletir sobre os dilemas éticos e sociais que ela traz e explorar as perspectivas para o futuro do ensino com IA.



Inteligência artificial na educação: avanços e exemplos práticos

De acordo com pesquisa da Abmes e Educa Insights (2024), sete em cada dez estudantes brasileiros já utilizam ferramentas de inteligência artificial em sua rotina de estudo. Destes, 29% de forma diária e 42% semanalmente.

Os números mostram que a IA deixou de ser exceção e se tornou parte do repertório estudantil, muitas vezes por meio de aplicativos gratuitos ou plataformas de ensino adaptativo.

Entre os avanços mais evidentes está a personalização da aprendizagem. Softwares baseados em IA conseguem identificar o nível de conhecimento de cada estudante, ajustando atividades e conteúdos ao seu ritmo.

Essa lógica já é aplicada em sistemas de ensino de idiomas, que adaptam exercícios conforme os erros cometidos, e em plataformas de matemática que reforçam os pontos de maior dificuldade do aluno.

Algumas iniciativas caminham nessa direção. Em países da Ásia, governos adotaram sistemas inteligentes de análise de desempenho escolar, capazes de cruzar milhares de dados para orientar políticas públicas.

A própria UNESCO aponta que, se aplicada de forma inclusiva, a IA pode acelerar o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na área da educação.

Pessoa digitando em computador de mesa durante atividade online de estudo ou trabalho
A IA como aliada na educação: personalização do aprendizado e apoio à rotina escolar. Foto: Curated Lifestyle/Unsplash

No Brasil, o debate sobre políticas públicas também está em curso. De 10 a 29 de outubro, o Ministério da Educação (MEC) disponibiliza uma consulta pública sobre o uso de inteligência artificial na educação, convidando a sociedade a participar da construção de diretrizes para a adoção da tecnologia nas escolas.

Juntas, essas tendências indicam que a IA não apenas transforma práticas pedagógicas, mas também cria oportunidades para uma educação mais equitativa, conectada às demandas do século XXI e capaz de potencializar tanto professores quanto estudantes.

Sete em cada dez estudantes brasileiros já usam inteligência artificial em seus estudos — e quase um terço faz isso todos os dias.

IA na educação e saúde mental de crianças, adolescentes e professores

O uso crescente da inteligência artificial na educação também levanta impactos importantes na saúde mental de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Para estudantes, especialmente crianças e adolescentes, a exposição constante a plataformas digitais e sistemas de IA pode gerar cansaço mental, ansiedade e pressão por desempenho imediato, além de afetar a capacidade de concentração e o desenvolvimento da autonomia no aprendizado.

Por outro lado, quando utilizada de forma equilibrada, a tecnologia pode oferecer suporte pedagógico, por exemplo, por meio de feedback personalizado, recursos de gamificação e trilhas de aprendizagem adaptativas, que ajudam a reduzir frustrações e reforçam a motivação.

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Entre apoio pedagógico e sobrecarga docente

Para os professores, a IA pode ser uma aliada no planejamento de aulas, correção de atividades e acompanhamento do progresso dos alunos, aliviando parte da sobrecarga de trabalho.

No entanto, também pode gerar estresse relacionado à adaptação a novas ferramentas, ao medo de depender demais da tecnologia ou à pressão para integrar sistemas avançados em contextos de infraestrutura limitada.

Assim, é fundamental que o uso da IA seja acompanhado de estratégias pedagógicas e de bem-estar, promovendo equilíbrio entre inovação e cuidado emocional.

O foco deve ser criar ambientes de aprendizado que respeitem o ritmo dos estudantes, valorizem a presença do professor e priorizem a saúde mental como parte integrante de uma educação de qualidade.

Para os professores, a IA pode ser tanto uma aliada no planejamento e correção de atividades quanto uma fonte de estresse diante de novas exigências tecnológicas.

Desafios da inteligência artificial na educação: ética, desigualdade e aprendizado

Se por um lado a inteligência artificial abre horizontes, por outro levanta questões profundas que estão no centro do debate educacional.

No curso Dilemas da Inteligência Artificial da Casa do Saber, quatro especialistas discutem a respeito dos efeitos da inteligência artificial sobre as formas como nos relacionamos com a tecnologia, a ética, a criatividade e as outras pessoas.

Nele, a pesquisadora Nina da Hora chama atenção para como a “a tecnologia não é neutra”. Cada sistema é moldado pelos dados usados em seu treinamento e pelas escolhas políticas e de design de quem o desenvolve. Isso significa que a IA carrega vieses de gênero, raça ou classe, que podem reproduzir desigualdades já existentes.

Esses vieses já foram observados em diferentes contextos. Um relatório de 2023 da UNESCO aponta que algoritmos usados em processos de avaliação escolar, por exemplo, tendem a reforçar padrões de exclusão, favorecendo estudantes que se encaixam em determinados perfis de linguagem ou comportamento. O risco é que, em vez de democratizar, a IA acabe cristalizando barreiras invisíveis.

Alunos utilizando computadores em uma sala de aula moderna equipada com tecnologia digital e telas interativas
Será que nossas escolas estão preparadas para usar a IA de forma justa e inclusiva? Foto: Curated Lifestyle/Unsplash





Superficialização do aprendizado e perda de autonomia

Outro ponto crítico é a superficialização da aprendizagem. Estudo conduzido pela Microsoft e pela Carnegie Mellon University mostrou que alunos que usam IA para resolver tarefas retêm menos conhecimento a longo prazo.

Em termos práticos, a tecnologia pode se tornar uma espécie de “atalho cognitivo”: útil para entregar resultados imediatos, mas empobrecedora quando o objetivo é formar pensamento crítico e autonomia intelectual.

A psicanalista Carol Tilkian reforça a preocupação ao observar que a IA responde ao desejo humano de certezas imediatas. Como a psicanalista aponta, “quanto mais buscamos respostas prontas, menos sustentamos a dúvida, que é parte essencial da experiência humana de aprender e se relacionar”.

Sua análise aponta para como a educação não é apenas transmissão de informação, mas também experiência de incerteza, de questionamento e de convivência com o erro.

Essa mesma perspectiva é compartilhada pelo filósofo Eric Fromm, ao destacar que aprender envolve lidar com a incerteza, a ambiguidade e o inesperado – experiências que nenhum algoritmo consegue reproduzir.

A escola, portanto, mantém um papel insubstituível: formar indivíduos capazes de pensar criticamente, conviver com dúvidas e dialogar com diferentes perspectivas.

Estudos mostram que o uso excessivo de IA pode reduzir o esforço cognitivo e afetar a capacidade de retenção e pensamento crítico a longo prazo.

Desigualdade digital e novos tipos de exclusão

No Brasil, esses dilemas também passam pelo acesso desigual. Enquanto escolas privadas já experimentam soluções sofisticadas como plataformas adaptativas e assistentes de estudo, grande parte da rede pública enfrenta obstáculos básicos, como laboratórios de informática desatualizados ou conexões de internet precárias.

De acordo com levantamento do Cetic.br (2023), apenas 41% das escolas públicas urbanas possuem laboratório de informática em funcionamento, e em muitas delas a velocidade da rede não suporta aplicações avançadas.

O risco desse déficit é a criação de uma nova camada de exclusão digital: alguns estudantes aprendendo com suporte de ponta, outros limitados a métodos tradicionais.

Do ponto de vista geopolítico, o problema se amplia. O desenvolvimento de sistemas avançados está concentrado em poucas grandes corporações, sediadas majoritariamente nos Estados Unidos e na China.

Outro ponto de atenção se dá em relação ao processo de treinamento e evolução de modelos de fronteira, que depende de investimentos bilionários, muitas vezes privados. Este fato pode levantar dúvidas sobre a soberania e autonomia dos países no campo educacional.

No Brasil, 56% dos professores já utilizam ferramentas de inteligência artificial (IA) no ensino, seja para preparar aulas ou para tornar o aprendizado mais eficiente, número que supera a média internacional, que é de 36%.

A pesquisa Talis 2024, divulgada pela OCDE, entrevistou professores e diretores de 53 países, com foco principalmente nos anos finais do ensino fundamental, do 6º ao 9º ano.

Entre os usos mais frequentes da IA estão:

  • criação de planos de aula (77%)
  • adaptação automática da dificuldade dos materiais às necessidades dos alunos (64%)
  • auxílio na aprendizagem e resumo de conteúdos (63%)


Diante de todos esses dados, para países como o Brasil, que convivem com desigualdades históricas na educação, surge um dilema: como garantir que todos tenham acesso a essas tecnologias sem comprometer a autonomia dos professores na condução do processo pedagógico?

A solução passa por políticas educacionais que promovam inovação e inclusão de forma equilibrada, garantindo que a IA seja usada como ferramenta de apoio, fortalecendo a criatividade, o pensamento crítico e o desenvolvimento integral dos estudantes.

Futuro da educação com inteligência artificial: equilíbrio entre humano e tecnologia

Embora os dilemas sobre o uso da inteligência artificial (IA) na educação sejam reais, também é inegável que ela oferece oportunidades para reinventar práticas pedagógicas de forma positiva.

O desafio principal é encontrar um equilíbrio entre aproveitar os recursos tecnológicos e fortalecer a dimensão humana do aprendizado, garantindo que a inovação complemente, e não substitua, a presença e o olhar crítico do professor.

No curso “Dilemas da Inteligência Artificial”, o professor e mestre em filosofia Marcus Bruzzo alerta para o risco de reduzir a criatividade e o pensamento autônomo se a IA for tratada como substituta do esforço humano.

Segundo ele aponta, “a inteligência é biológica, não tecnológica. O que importa não é se a IA é inteligente, mas como ela interfere na vida humana”.

Nesse sentido, algoritmos não devem ser vistos como respostas definitivas, mas como instrumentos que provocam novas perguntas, estimulam a reflexão e ampliam o repertório de estratégias de ensino, incentivando os alunos a explorar, questionar e propor soluções próprias.

O papel do professor na era da inteligência artificial

Dentro desse cenário, o papel do professor se torna ainda mais estratégico. Em vez de competir com a tecnologia, os educadores podem atuar como mediadores críticos, orientando os alunos a usar a IA de forma ética e consciente.

Isso inclui desenvolver habilidades de checagem de informações, analisar vieses, discutir questões de privacidade e compreender os limites da tecnologia.

Dessa forma, a IA deixa de ser um fim em si mesma e passa a ser uma ferramenta que potencializa o aprendizado, sem abrir mão do pensamento crítico, da criatividade e da empatia, elementos essenciais na formação de cidadãos preparados para os desafios do século XXI.

Um exemplo interessante desse uso ético e criativo da tecnologia vem da própria experiência brasileira. A Casa do Saber lançou recentemente a Sofia.AI, uma assistente que permite aos usuários conversar sobre temas relacionados aos cursos da plataforma - como filosofia, psicanálise, artes ou história - e receber recomendações personalizadas de trilhas de conhecimento.

Em vez de oferecer respostas prontas, a ferramenta atua como mediadora do aprendizado, incentivando o diálogo, a curiosidade e o pensamento crítico - valores centrais da própria missão educativa da instituição.

Além disso, a Casa do Saber concede bolsas de acesso gratuito à plataforma Casa do Saber+ para professores e servidores das redes públicas municipais e estaduais, ampliando o acesso a conteúdos de qualidade e contribuindo para a formação contínua de educadores em todo o país.

Iniciativas como essa mostram que, quando guiada por propósitos educacionais, a inteligência artificial pode ser aliada da autonomia intelectual e da democratização do conhecimento.

O professor é o mediador crítico entre tecnologia e aprendizado: cabe a ele orientar o uso ético da IA e desenvolver o pensamento reflexivo nos alunos.

Reflexão final: como tornar a inteligência artificial uma aliada da educação

Embora possa parecer por vezes assustador, o futuro da educação com inteligência artificial não é fixo e nem determinado; ele será definido pelas escolhas que fizermos coletivamente como sociedade.

Se utilizada de forma acrítica ou apenas como atalho, a tecnologia corre o risco de ampliar desigualdades, enfraquecer o pensamento autônomo e reduzir a aprendizagem a interações superficiais e padronizadas em sala de aula.

Por outro lado, quando entendida como parceira do professor e da curiosidade humana, a IA pode abrir caminhos inéditos para democratizar o conhecimento, apoiar processos criativos e potencializar habilidades e talentos individuais.

É preciso compreender que educar não é apenas transmitir informações de forma mecânica, mas formar cidadãos capazes de pensar criticamente, criar soluções próprias e interagir de maneira ética e empática em sociedade.

Nesse contexto, a IA funciona como uma ferramenta poderosa para enriquecer o aprendizado, mas não substitui a experiência humana de descobrir, errar, refletir e dialogar.

Além disso, a tecnologia pode ajudar a personalizar trajetórias educativas, permitindo que cada estudante avance no seu ritmo, explore seus interesses e desenvolva competências de forma mais significativa.

Entretanto, essa potencialidade só se concretiza quando há mediação consciente: professores preparados para orientar, questionar, contextualizar e estimular a autonomia de seus alunos.

Portanto, a questão não é se a IA será parte da educação, mas como será usada. O futuro depende de escolhas intencionais: transformar a tecnologia em aliada do aprendizado humano, e não em substituta daquilo que é insubstituível, ou seja, a criatividade, o pensamento crítico, a curiosidade e a capacidade de se relacionar com outros seres humanos de forma ética e reflexiva.

Cursos para se aprofundar em inteligência artificial e educação

Para quem deseja se aprofundar no tema, a Casa do Saber oferece uma curadoria de cursos que exploram os impactos da tecnologia, da inteligência artificial e da educação no desenvolvimento humano.

A seguir, confira sugestões relevantes para ampliar sua compreensão e prática nessa interseção entre inovação, ensino e cultura.

Dilemas da Inteligência Artificial

Com Marcus Bruzzo, Nina da Hora, Diogo Cortiz e Carol Tilkian

Esta série apresenta as perspectivas de quatro especialistas sobre os efeitos da inteligência artificial nas relações humanas, na ética e na criatividade. Cada episódio convida a pensar criticamente sobre o papel do humano diante das novas tecnologias.

Inteligência Artificial e Criatividade

Com Roberto Vilhena

O curso reflete sobre o papel da criatividade em um mundo automatizado. Diante do avanço dos algoritmos, Roberto Vilhena mostra como o pensamento criativo se torna a principal expressão da potência humana e um diferencial diante da tecnologia.

A Formação do Humano: Cultura, Educação e as Humanidades

Com Renato Janine Ribeiro

O filósofo reflete sobre o papel da educação e da cultura na formação do humano. Um convite para compreender a relação entre saberes, ética e desenvolvimento integral em tempos de transformação tecnológica.

TDAH e Hiperconectividade

Com Nina Saroldi, Andrea Campagnolla e Marielle Kellermann

Em tempos de hiperconectividade, o curso investiga como o excesso de estímulos digitais afeta a atenção, o comportamento e o aprendizado. As aulas unem medicina, psicanálise e filosofia para compreender os impactos da tecnologia sobre a mente humana.

Adolescência e Cultura de Ódio

Com Telma Vinha

O curso discute como as redes sociais e a exposição digital influenciam o comportamento de adolescentes e o aumento da violência nas escolas. Uma reflexão essencial para educadores sobre empatia, convivência e educação emocional.

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Referências:

https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2024-08/sete-cada-dez-estudantes-usam-ia-na-rotina-de-estudos

https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2025/outubro/mec-abrira-consulta-publica-sobre-ia-na-educacao

https://bolsas.casadosaber.com.br

https://ondemand.casadosaber.com.br/curso/607/dilemas-da-inteligencia-artificial

https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por?posInSet=1&queryId=17b9f643-c96b-4f22-9e9b-7c900a030f25

https://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pesquisa_talis/resultados/2024/relatorio_nacional_talis_2024.pdf

https://cetic.br/pt/tics/educacao/2023/escolas/

Artigo escrito por
Camila Fortes
Pesquisadora. Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde do ICICT/FIOCRUZ/RJ.