A esquizofrenia é um dos transtornos mentais mais estigmatizados e incompreendidos da saúde mental. Não são raros os casos em que as pessoas chamam de “esquizofrênico” qualquer indivíduo que assume um comportamento considerado impróprio socialmente.
No entanto, esse é um estigma que precisa ser rompido, pois a esquizofrenia trata-se de uma condição psíquica grave, que faz com que a pessoa apresente perdas de contato com a realidade, afetando diretamente suas relações.
Marcada por sintomas como delírios, alucinações e alterações no pensamento, ela afeta cerca de 1% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que entre 0,3% a 2,4% possuem o transtorno.
Neste artigo, vamos abordar de forma clara o que é a esquizofrenia, seus sintomas, causas, diagnóstico, tipos, formas de tratamento e, principalmente, como oferecer acolhimento.
O artigo abordará os seguintes tópicos:

O que é esquizofrenia e qual a sua origem?
A esquizofrenia é um transtorno psicótico que afeta a forma como a pessoa vê a si e ao mundo. Caracterizado por distorções do pensamento e da percepção, a pessoa esquizofrênica tem a sensação constante de que seus sentimentos, pensamentos e atos são partilhados por outros, como se estivesse sendo analisada e vigiada frequentemente.
O termo “esquizofrenia” foi cunhado em 1911 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, a partir da junção dos termos schizo (dividir) e phren (mente), para descrever uma “divisão” entre pensamento, emoção e comportamento.
Não se trata de uma “dupla personalidade”, como muitos acreditam equivocadamente, mas sim de um transtorno mental crônico que afeta a forma como a pessoa percebe a realidade.
A esquizofrenia costuma surgir no final da adolescência ou início da vida adulta, entre os 15 e 35 anos, embora existam casos de esquizofrenia infantil ou início tardio (após os 40 anos). O transtorno pode se manifestar de forma leve ou grave, e nem todos os casos envolvem comportamentos agressivos ou perigosos.
Principais sintomas da esquizofrenia
Os sintomas da esquizofrenia costumam ser divididos em três grupos principais: positivos, negativos e cognitivos.
Vamos compreender melhor:
Sintomas positivos
São assim chamados porque “acrescentam” algo à experiência psíquica do indivíduo. Incluem:
-
Delírios: Crenças falsas e fixas, que não se abalam mesmo diante de evidências contrárias.
Exemplo: Acreditar que está sendo perseguido ou que possui poderes especiais. -
Alucinações: Percepções sensoriais sem estímulo real.
Exemplo: Ouvir vozes (o sintoma mais comum). -
Pensamento desorganizado: Dificuldade para organizar ideias e falas.
Exemplo: Falas incoerentes, saltos de pensamento e raciocínio confuso. -
Comportamento motor acelerado: Pode variar da agitação à catatonia, gerando ansiedade.
Exemplo: Ficar imóvel e distante no pensamento por um longo tempo ou desenvolver movimentos repetitivos.
Sintomas negativos
São déficits emocionais e sociais que comprometem a qualidade de vida da pessoa esquizofrênica. Os sintomas negativos incluem:
- Apatia ou falta de expressão emocional, sem muita capacidade de resposta;
- Isolamento e reclusão social;
- Diminuição da fala e das interações;
- Falta de motivação, prazer ou interesse em atividades antes agradáveis.
Sintomas cognitivos
Têm relação com a dificuldade de pensamento, com um comprometimento da memória e dos processos de tomada de decisão.
- Memória de curto prazo prejudicada;
- Mau funcionamento de processos cognitivos complexos, como a resolução de problemas, tomada de decisões e planejamento;
- Déficits de atenção.
A pessoa com esquizofrenia pode desenvolver delírios de que forças externas influenciam nos seus pensamentos e ações, além de exibir um raciocínio vago e obscuro, acreditando que situações cotidianas possuem um significado complexo, relacionado exclusivamente com ela.
O humor geralmente é superficial ou incongruente, acompanhado de momentos de inércia, negativismo ou estupor.
É importante destacar que a esquizofrenia não tende a começar com delírios e alucinações, mas sim com um isolamento social e outras mudanças de comportamento que fazem com que a pessoa seja vista como “diferente” por aqueles do seu convívio.
Leia Mais:
Causas e fatores de risco para a esquizofrenia
Ainda não existe uma causa única para a esquizofrenia. O transtorno é multifatorial e precisa ser investigado com bastante atenção, para identificar os fatores de risco.
No entanto, uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde aponta que o modelo de maior aceitação para compreender suas causas e fatores de risco é o da “vulnerabilidade versus estresse”. Em outras palavras, uma predisposição genética interage com estressores ambientais e psicológicos, aumentando a possibilidade do desenvolvimento do transtorno.
Assim, vemos a interferência de:
Fatores genéticos:
Casos de esquizofrenia na família aumentam a probabilidade do desenvolvimento do transtorno. No entanto, é importante ressaltar: ter histórico familiar aumenta o risco, mas não garante o desenvolvimento do quadro.
Fatores neurobiológicos:
Alterações na química cerebral, especialmente nos neurotransmissores dopamina e glutamato (responsáveis pelo prazer, motivação e excitação, respectivamente), estão associados ao transtorno.
Disfunções nesse sistema podem explicar os sintomas negativos e o pensamento desorganizadocaracterísticos da esquizofrenia.
Fatores ambientais:
Situações de estresse intenso, como perdas significativas, violência ou mudanças abruptas na vida, podem desencadear ou agravar sintomas em pessoas predispostas. Traumas na infância, como abuso físico, sexual ou negligência emocional, também estão associados a um maior risco.
Outro fator importante é o uso abusivo de substâncias psicoativas, especialmente em fases críticas do desenvolvimento, como a adolescência. Drogas como cocaína, LSD e metanfetaminas podem precipitar surtos psicóticos ou antecipar o início dos sintomas de esquizofrenia em indivíduos vulneráveis.
Além disso, complicações na gestação e no parto, como infecções virais intrauterinas, sofrimento fetal, desnutrição materna ou exposição a toxinas, podem afetar o desenvolvimento neurológico e contribuir para alterações cerebrais relacionadas ao transtorno.
Diagnóstico de esquizofrenia e seus tipos
O diagnóstico de esquizofrenia é feito por médicos psiquiatras com base na avaliação clínica, levando em conta a história de vida, os sintomas e a duração deles.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) orientam os critérios diagnósticos.
Segundo o CID, o transtorno esquizofrênico inclui diferentes apresentações clínicas. Os tipos mais conhecidos são:
Esquizofrenia paranoide
É o tipo mais comum e costuma se manifestar com delírios de perseguição e alucinações auditivas, mas com preservação do pensamento e da afetividade.
Na esquizofrenia paranoide, os delírios são geralmente organizados e sistemáticos, fazendo com que a pessoa acredite, por exemplo, estar sendo espionada, vigiada ou alvo de uma conspiração. As alucinações auditivas são frequentes, com vozes críticas ou ameaçadoras.
Apesar disso, a capacidade de se comunicar e a expressão emocional podem estar relativamente preservadas, o que pode dificultar o reconhecimento do transtorno por quem convive com a pessoa.
Esquizofrenia hebefrênica (ou desorganizada)
Caracteriza-se por desorganização do pensamento, fala incoerente e comportamento inadequado. Frequentemente inicia-se de modo precoce.
O comportamento tende a ser imprevisível ou infantilizado, com risos inapropriados ou ações sem propósito claro. O discurso pode ser difícil de seguir, com trocas rápidas de assunto, frases desconexas ou uso de palavras inventadas.
Esquizofrenia catatônica
Envolve distúrbios motores extremos, desde imobilidade total (catatonia) até movimentos repetitivos.
A pessoa pode permanecer longos períodos em posturas rígidas, sem falar ou reagir ao ambiente ao redor, ou, ao contrário, apresentar agitação motora intensa e movimentos repetitivos, como bater as mãos ou andar em círculos.
Esquizofrenia simples
É mais difícil de ser identificada, pois é marcada principalmente pelos sintomas negativos. Pode ser confundida com depressão ou transtornos de personalidade.
Os sintomas se desenvolvem de forma lenta e progressiva, sem episódios psicóticos evidentes. A pessoa pode começar a se isolar socialmente, perder o interesse por atividades antes prazerosas e mostrar desmotivação.
Tratamento para esquizofrenia
Embora seja um transtorno crônico, a esquizofrenia pode ser tratada para alcançar estabilidade, autonomia e bem-estar.
Antipsicóticos
A base do tratamento envolve o uso de antipsicóticos, que regulam a atividade dos neurotransmissores. Os efeitos variam entre os pacientes, e o acompanhamento médico regular é essencial para ajustar doses e manejar os efeitos colaterais.
Psicoterapia
Abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a psicanálise e o fortalecimento da escuta clínica ajudam na elaboração dos sintomas, na reconstrução do laço social e na melhoria da autoestima.
Reabilitação psicossocial
A inserção na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com foco nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), além de oficinas terapêuticas e grupos de convivência, compõem estratégias de reabilitação psicossocial, sendo fundamentais para a autonomia e o pertencimento.
Para saber mais sobre a RAPS e os centros de atendimento psicoterapêutico, se informe nos sites oficiais do Ministério da Saúde ou procure o CAPS mais próximo de você na rede pública da sua cidade.
A importância da rede
O tratamento para esquizofrenia exige uma rede de cuidados integrada entre usuários do sistema de saúde mental, familiares, profissionais da saúde e serviços públicos. A construção dessa rede passa por políticas públicas de saúde mental assistenciais, somada ao combate à exclusão social.

Como acolher uma pessoa com esquizofrenia?
Viver com esquizofrenia ou conviver com alguém com esse diagnóstico exige empatia, paciência e informação.
Confira algumas práticas essenciais:
- Evite julgamentos: não invalide ou ridicularize os relatos da pessoa. Lembre-se que, para ela, o que ela está contando é real.
- Ofereça escuta: ouvir vozes, por exemplo, não é sinônimo de “loucura”, mas um sinal que merece atenção.
- Se informe: compreender o transtorno ajuda a lidar com ele sem medo.
- Promova vínculos: o isolamento agrava os sintomas. Laços afetivos são essenciais.
- Esteja atento a recaídas: mudanças no comportamento, no sono ou no humor podem sinalizar necessidade de reforço no tratamento.
Mitos sobre a esquizofrenia
Muitos são os estereótipos sobre a pessoa com esquizofrenia. A imagem de que são sujeitos perigosos, potencialmente violentos e agressivos, está na percepção social há séculos.
No entanto, para tratar o transtorno, amenizar os sintomas e reduzir os estigmas, é necessário informação para romper com esses preconceitos.
A seguir, alguns dos mitos mais comuns, e o que a ciência e a experiência clínica dizem de fato:
“Pessoas com esquizofrenia são perigosas”
Esse é um dos estigmas mais danosos. A maioria das pessoas com esquizofrenia não é violenta. Na realidade, elas estão mais vulneráveis a sofrerem violência do que a cometê-la.
O comportamento agressivo, quando existe, geralmente está associado à ausência de tratamento, ao uso de substâncias ou a contextos de profunda exclusão social.
“Esquizofrenia é sinônimo de múltiplas personalidades”
Esse também é um equívoco comum, mas, não. A esquizofrenia não é um transtorno dissociativo de identidade. Quem convive com esquizofrenia pode ter delírios e alucinações, mas não vive como se houvesse em si “duas ou mais pessoas”.
A confusão entre esses quadros dificulta a compreensão adequada da condição.
“Esquizofrenia é causada por ‘fraqueza emocional’”
A esquizofrenia tem base neurobiológica e multifatorial, envolvendo alterações químicas no cérebro, predisposição genética e fatores psicossociais e ambientais. Não é um sinal de fragilidade, falta de força de vontade e nem é uma escolha individual.
“Pessoas com esquizofrenia morrem cedo”
Embora existam riscos aumentados de doenças associadas (como as cardiovasculares) e vulnerabilidade social, pessoas com esquizofrenia não necessariamente terão uma expectativa de vida reduzida.
“Quem tem esquizofrenia sempre precisa ser internado”
Falso. A internação é uma medida excepcional, usada em casos graves e pontuais, geralmente quando há risco à vida ou necessidade de estabilização rápida.
É fundamental lembrar que a proposta do cuidado em saúde mental, sobretudo no Brasil através da RAPS, é valorizar o cuidado em liberdade, com suporte no território, tratamento ambulatorial e vínculo com os CAPS.
Indicação da Casa
Alguns livros clássicos tratam sobre o processo de construção de estigmas sobre a pessoa com transtornos mentais. Entre eles, podemos mencionar A História da Loucura na Idade Clássica (1961) de Michel Foucault e Loucura na Civilização: Uma história cultural da insanidade (2023) de Andrew T. Scull.
Além disso, obras como Entre a Razão e a Ilusão: Desmistificando a Esquizofrenia (2023) de Jorge Cândido de Assis, Cecília Villares e Rodrigo Bressan tratam especificamente sobre a esquizofrenia e a convivência com o transtorno.
Na Casa do Saber, você pode explorar mais cursos sobre o tema:
- A Clínica Psicanalítica da Loucura, com Marcelo Veras
- Inteligência Emocional, com Ana Carolina Souza
- Como Encontrar o Sentido da Vida?, com Flavio Gonzalez
- Em Busca de Sentido Para a Vida, com Tatiana Paranaguá
- Somos Todos Loucos? De Perto, Ninguém é Normal, com Marcelo Veras
Quer ampliar sua compreensão sobre os transtornos mentais e aprofundar seu olhar sobre o sofrimento psíquico?
Na Casa do Saber+, você encontra cursos sobre saúde mental, psicanálise, psicopatologia e subjetividade — com professores que abordam temas como loucura, escuta clínica e cuidado em liberdade, com profundidade e responsabilidade.
Explore os cursos e mergulhe no universo da saúde mental
Referências:
https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/pcdt-esquizofrenia-livro-2013-1.pdf