
É comum ouvir falar em relacionamento tóxico, mas identificar quando um vínculo deixa de ser saudável nem sempre é simples. Pequenos sinais de controle, desgaste emocional e perda de autonomia podem surgir de forma sutil, confundindo quem vive a relação. Entender esses movimentos é essencial para reconhecer padrões de adoecimento e buscar caminhos de reconstrução.
Neste artigo, vamos esclarecer o que é um relacionamento tóxico, como ele se forma, quais sinais merecem atenção e o que pode ajudar a romper esse ciclo.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
- O que é um relacionamento tóxico (e o que não é)
- Como o relacionamento tóxico se forma: dependência afetiva e repetições inconscientes
- Sinais de alerta de um relacionamento tóxico: como identificar
- Por que é tão difícil sair de um relacionamento tóxico
- Impactos psicológicos e sociais
- Como romper o ciclo e reconstruir a autonomia emocional
- Amor saudável: entre a autonomia e o encontro
- Para seguir na investigação do tema: caminhos de reflexão, cura e aprofundamento
- Perguntas frequentes sobre relacionamento tóxico
Nos últimos anos, o termo “relacionamento tóxico” se tornou comum nas redes sociais, sendo frequentemente usado para descrever vínculos desgastantes, controladores ou abusivos. Mas, ao mesmo tempo em que a popularização do termo ajudou a dar visibilidade a formas sutis de violência emocional, ela também trouxe o risco da banalização.
De longe, é fácil apontar o que é um relacionamento tóxico, mas de perto, quase nunca é. Por isso, entender essa diferença é essencial para reconhecer os sinais de adoecimento e violência, e buscar caminhos de reconstrução emocional.
Segundo a psicóloga norte-americana Lillian Glass, que cunhou o termo em 1995, um relacionamento tóxico é “qualquer vínculo entre pessoas que se sentem drenadas, desrespeitadas ou emocionalmente instáveis após interagir”.
Mas o conceito vai além da convivência difícil: ele envolve padrões de poder, manipulação e desequilíbrio que comprometem diretamente a autonomia e a autoestima do outro, podendo, inclusive, ocorrer não apenas em relacionamentos amorosos como também, familiares, profissionais ou entre amigos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada três mulheres no mundo já sofreu algum tipo de violência física ou psicológica por parte de um parceiro íntimo.
No Brasil, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2025) mostra que somente em 2024, houve mais de 51 mil registros de violência psicológica e moral. Esses números reforçam o quanto o adoecimento nas relações é também um problema social e de saúde pública.

O que é um relacionamento tóxico (e o que não é)
Um relacionamento tóxico é aquele em que o vínculo deixa de ser espaço de crescimento e passa a funcionar por desequilíbrio emocional, controle e perda de autonomia, gerando medo, insegurança e desgaste contínuo.
Sabemos que crises, diferenças e frustrações fazem parte de qualquer relacionamento. No entanto, diferentemente de relações apenas conflituosas, o relacionamento tóxico se caracteriza por dinâmicas que anulam, confundem e aprisionam, afastando a pessoa de si mesma e do que lhe faz bem.
A psicanalista Carol Tilkian, em seu curso Como Fazer o Amor Ser Possível Hoje?, aponta que muitas relações adoecem quando confundimos amor com dependência. Segundo ela aponta, “nós passamos a acreditar que o outro precisa nos salvar do desamparo, e então o vínculo deixa de ser escolha e passa a ser necessidade.”
Esse desamparo - conceito trazido por Freud em Projeto para uma Psicologia científica (1886-1889/1996) – é parte da condição humana, mas quando não é elaborado, transforma o amor em tentativa de cura. Assim, buscamos no outro uma sensação de completude que, inevitavelmente, gera frustração.
A fantasia de que existe “alguém que nos complete” é uma das mais persistentes ilusões amorosas, pois ela nos coloca numa posição de falta constante e abre espaço para relações marcadas por controle e idealização.
E é justamente nessa fantasia que muitos vínculos começam a se tornar aprisionantes: quando o outro deixa de ser alguém com quem compartilhamos a vida e passa a ser o único responsável pela nossa felicidade, o amor se desequilibra.
Diferente de um relacionamento apenas conflituoso, o relacionamento tóxico opera por padrões de desequilíbrio emocional, no qual um exerce poder, o outro se adapta, se anula, se desculpa. É uma dinâmica de desgaste contínuo e, muitas vezes, silenciosa.

Como o relacionamento tóxico se forma: dependência afetiva e repetições inconscientes
Um relacionamento tóxico é aquele em que o vínculo deixa de ser espaço de crescimento e passa a funcionar por desequilíbrio emocional, controle e perda de autonomia, gerando medo, insegurança e desgaste contínuo.
Diferentemente de relações apenas conflituosas, ele se caracteriza por dinâmicas que anulam, confundem e aprisionam, afastando a pessoa de si mesma e do que lhe faz bem.
Para entender como um relacionamento tóxico se forma, precisamos lembrar que um vínculo tóxico não surge do nada, pois ele é o resultado de um encontro entre histórias emocionais, carências e repetições inconscientes.
A psicanalista e doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da USP, Lígia Vampré Humberg, explica que “alguns relacionamentos funcionam como uma adição emocional, em que o prazer e o sofrimento se misturam” . Assim como em outras formas de vício, há uma oscilação entre o desejo de se libertar e o medo de perder o objeto amado.
Complexo, né? Mas Freud já havia descrito esse mecanismo como repetição compulsiva: o impulso inconsciente de reviver situações antigas na esperança de obter um desfecho diferente.
Este comportamento também é analisado pelas lentes da psicologia analítica, como ilustrado pela psicóloga clínica e diretora do Centro Junguiando Clínica e Estudo de Psicologia Analítica, Tatiana Paranaguá, no curso Como Ressignificar os Relacionamentos?.
A psicóloga narra o caso de uma paciente que, ao revisitar seus relacionamentos passados, percebeu o mesmo padrão de escolha de parceiros que a feriam. Foi apenas ao reconhecer esse “roteiro” que ela pôde encerrar o ciclo.Para Tatiana Paranaguá, muitas vezes, escolhemos parceiros que representam aspectos inconscientes de nós mesmos.
Em trecho de outro curso em que analisa os relacionamentos amorosos segundo a teoria de Jung, Paranaguá lembra que “nossas escolhas afetivas não são racionais, pois são convites do inconsciente para integrar partes de nós que ainda não conhecemos”.
Por isso, vínculos tóxicos nem sempre são causados apenas pelo outro; eles também refletem as nossas próprias feridas. O desafio é reconhecer quando o amor deixa de ser espelho e se transforma em prisão.
Sinais de alerta de um relacionamento tóxico: como identificar

Os sinais de um relacionamento tóxico nem sempre são evidentes no começo. Muitas vezes, ele começa com intensidade, paixão e promessas de cuidado. É só aos poucos que surgem os comportamentos de controle e manipulação.
Entre os principais sinais estão:
- Controle e isolamento: quando o(a) parceiro(a) monitora onde você vai, com quem fala ou tenta afastá-lo(a) de amigos e familiares.
- Ciúmes disfarçado de cuidado: frases como “quero te proteger” podem esconder tentativas de dominação.
- Desvalorização constante: críticas disfarçadas de humor, comparações e ataques à autoestima.
- Chantagem emocional: uso da culpa ou da ameaça de afastamento para conseguir o que deseja.
- Gaslighting: manipulação psicológica em que a pessoa faz o outro duvidar da própria percepção (“você está exagerando”, “isso nunca aconteceu”).
Esses comportamentos configuram violência emocional, e é uma forma de abuso psicológico reconhecida pela Lei nº 14.188/2021, que inclui o dano emocional e a manipulação como tipos de violência doméstica.
Se você estiver estiver vivendo algo parecido:
- Converse com alguém de confiança. Pode ser um amigo, parente ou profissional.
- Busque apoio psicológico: o acompanhamento terapêutico ajuda a reconhecer e interromper ciclos de abuso.
- Em situações de risco ou violência, ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou procure a rede de acolhimento da sua cidade.
Por que é tão difícil sair de um relacionamento tóxico
Romper um vínculo tóxico é um processo doloroso, pois ele envolve não apenas a separação física, mas também a reconstrução emocional. Muitas pessoas permanecem nessas relações não por fraqueza, mas por dependência afetiva, culpa e medo.
Além disso, o ciclo de abuso muitas vezes inclui momentos de carinho e reconciliação que confundem a vítima, fazendo com que ela acredite que a situação pode melhorar. Esse efeito, chamado de “lógica do ciclo do abuso”, cria uma esperança de mudança e reforça a ligação emocional, mesmo diante de sofrimento contínuo.
A baixa autoestima e a internalização de culpa também fazem com que a pessoa se sinta responsável pelos conflitos, dificultando a tomada de decisão de se afastar. Além dos aspectos psíquicos, há fatores sociais que dificultam a ruptura: dependência financeira, medo de retaliação, pressão familiar e o peso do julgamento social.
Por isso, romper um relacionamento tóxico e superar um término exige não apenas coragem da vítima, mas também suporte emocional, compreensão do padrão de abuso e, muitas vezes, orientação profissional para reconstruir a autonomia e a segurança pessoal.
Impactos psicológicos e sociais
As consequências de um relacionamento tóxico podem atingir a saúde mental, o corpo e a vida social.
Depressão, ansiedade, insônia, baixa autoestima e isolamento são sintomas frequentes de quem passou por uma relação prejudicial, que deixou marcas profundas.
Em Curando o Coração, Carol Tilkian fala sobre o “medo da morte simbólica” que acompanha o fim de um amor. Segundo ela, “quando vivemos à deriva, sem raízes internas, o fim de um vínculo parece o fim de tudo”.
Essa sensação de desamparo é o que faz muitas pessoas permanecerem em relações destrutivas, mesmo quando estão conscientes dos danos que sofrem.
Do ponto de vista social, o impacto é igualmente grave. Relações abusivas tendem a reproduzir violência em cadeia, afetando filhos e redes familiares. A OMS reconhece a violência psicológica como uma das principais causas de adoecimento mental entre mulheres.
Tratar o tema como questão de saúde pública é essencial, pois o sofrimento relacional não é apenas individual: ele reflete desigualdades de gênero, cultura e poder.

Como romper o ciclo e reconstruir a autonomia emocional
Romper um relacionamento tóxico é abrir caminho para um processo de reconstrução do “eu”.
Em Conversas Corajosas, a escritora e psicanalista Elisama Santos lembra que toda relação saudável começa com limites claros: “Se tudo é negociável, a gente se perde; se nada é negociável, a gente se fecha. Amar é dançar nesse equilíbrio.”
Estabelecer limites é, portanto, um ato de amor próprio e de respeito mútuo!
O caminho da saída envolve:
- Reconhecimento: admitir que o vínculo é prejudicial.
- Apoio emocional e profissional: buscar ajuda psicológica e, se houver risco, acionar redes de acolhimento e canais de denúncia (como o 180).
- Rede de apoio: reconectar-se com amigos e familiares que ofereçam suporte sem julgamento.
- Reconstrução da autoestima: resgatar a autonomia e o prazer de existir fora do vínculo.
A psicanalista Carol Tilkian propõe exatamente esse movimento de libertação:
“Resgatar-se é se libertar da culpa e da história que te aprisiona. É entender que o amor próprio não começa quando tudo está resolvido, mas quando você decide se tratar com gentileza.”
- citação de Carol Tilkian, no curso "Resgate do Eu
Isso significa dizer que romper o ciclo também exige olhar para dentro, compreender o que levou à repetição e reconhecer as próprias vulnerabilidades sem se culpar.
Como diz Tatiana Paranaguá, “o autoconhecimento é o fim de uma peça e o início de outra; você não precisa apagar a história, mas pode escolher novos papéis”.
Amor saudável: entre a autonomia e o encontro
Acerta quem diz que amar não é se fundir, é se encontrar. O amor saudável se apoia no respeito, na liberdade e na escuta, e é fundamental destacar que ele não exige perfeição, mas sim presença.
A psicanálise nos ensina que o amor é sempre um encontro entre faltas, nunca entre completudes. O desafio, portanto, é transformar a falta em espaço de criação, não em prisão.
Tudo o que nos aprisiona e nos impede de ser quem somos, nos afasta do nosso potencial de vida enquanto ser humano no mundo.
Como diz Jung, citado por Tatiana Paranaguá, o amor é “a maior força formadora do universo”, e só pode florescer quando há espaço para o outro ser quem é.
Por isso, é necessário destacar que o amor saudável não é aquele que nos completa, mas o que nos acompanha. Não podemos e nem conseguimos ser perfeitos, mas podemos nos esforçar para crescer juntos, respeitando nossas individualidades e limites.
O amor saudável se manifesta no apoio mútuo, na escuta atenta e na valorização das diferenças, permitindo que cada pessoa se desenvolva plenamente sem medo de julgamento ou controle.
Diferente de relacionamentos tóxicos, ele não prende nem diminui, mas potencializa nossas capacidades, fortalecendo a autoestima e a conexão genuína com o outro.
Por isso, o amor saudável se revela na liberdade de ser e na alegria de estar junto. Ele não aprisiona nem exige perfeição, mas celebra o crescimento mútuo, o respeito pelas diferenças e a capacidade de se apoiar sem se perder.
Amar assim, é construir um vínculo que fortalece, acolhe e transforma, permitindo que cada pessoa floresça plenamente enquanto se conecta de forma genuína com o outro. E você merece viver isso.
Para seguir na investigação do tema: caminhos de reflexão, cura e aprofundamento
Se você deseja compreender mais profundamente os padrões relacionais, fortalecer sua autonomia emocional ou iniciar um processo de reconstrução após experiências difíceis, estes cursos da Casa do Saber oferecem perspectivas complementares, unindo psicanálise, psicologia analítica, filosofia e ferramentas práticas de transformação.
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Conversas Corajosas - Elisama Santos
Uma jornada sobre limites, comunicação empática e relações mais saudáveis. Ideal para quem deseja fortalecer vínculos, desenvolver assertividade e transformar padrões conversacionais. -
Resgate do Eu - Carol Tilkian
Curso fundamental para quem sente que perdeu a própria referência dentro de um relacionamento. Aborda o eu ideal, as feridas vinculares e o processo de reconstrução da identidade. -
Vício e Dependência do Outro - Lygia Vampré Humberg
Uma análise profunda dos relacionamentos adictivos, em que o outro se torna um “objeto de dependência emocional”. O curso investiga por que repetimos padrões destrutivos e como romper esse ciclo. -
As Relações Amorosas e Seus Contratempos: Uma Abordagem Interdisciplinar - Alessandra Affortunati Martins
Aulas que combinam psicanálise, filosofia e artes para analisar as complexidades das relações amorosas. O curso discute dinâmicas de sedução, poder, jogo amoroso, ciúme, inveja e ressentimento, ajudando a compreender as estruturas afetivas que sustentam os vínculos - e como (re)pensá-las rumo a relações mais conscientes e saudáveis. -
Como Ressignificar os Relacionamentos? - Tatiana Paranaguá
Um convite para olhar os relacionamentos a partir da psique. O curso explora símbolos, padrões inconscientes e repetições afetivas, oferecendo ferramentas para ampliar a consciência e transformar modos de se vincular. -
As Escolhas Amorosas Segundo Jung - Tatiana Paranaguá
Uma investigação das forças inconscientes que moldam nossas escolhas amorosas. A partir dos arquétipos, o curso ajuda a identificar por que insistimos em certos padrões e como podemos transformá-los. -
Predadores Amorosos: Uma Visão Junguiana Sobre Relações Corrosivas - Tatiana Paranaguá
Um estudo sobre os “predadores da psique”, sabotadores internos que influenciam escolhas afetivas e favorecem relações corrosivas. A partir de mitos e símbolos arquetípicos, o curso ajuda a reconhecer padrões destrutivos e compreender como o predador interno pode se manifestar nos vínculos amorosos.
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Perguntas frequentes sobre relacionamento tóxico
Como sei se meu relacionamento é saudável?
Um relacionamento saudável respeita suas diferenças, apoia seu crescimento e permite que você seja você mesmo, sem medo ou controle.
E se eu estiver em um relacionamento tóxico?
Reconheça os sinais, cuide da sua autoestima e busque apoio de pessoas de confiança ou profissionais. Estabelecer limites claros, priorizar sua segurança e autoestima, e planejar a ruptura de forma segura, quando necessário, são medidas fundamentais para recuperar autonomia e bem-estar.
Onde posso buscar ajuda se eu estiver sofrendo algum tipo de violência?
Você pode procurar apoio em familiares, amigos de confiança, profissionais de saúde mental, Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), a Casa da Mulher Brasileira, a Central de Atendimento à Mulher pelo 180, ou o CVV pelo 188. Esses serviços oferecem orientação, acolhimento e recursos para garantir sua segurança e bem-estar.
Fontes:
- Organização Mundial da Saúde (OMS), Relatório de Violência Contra a Mulher, 2024.
- Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Anuário 2024.
- Instituto Maria da Penha, Relatório Nacional 2023.
- IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2024.
- FREUD, Sigmund. Projeto para uma Psicologia científica (1886-1889/1996).
- Cursos da Casa do Saber: Carol Tilkian (Como Fazer o Amor Ser Possível Hoje?, Curando o Coração, Resgate do Eu), Tatiana Paranaguá (Predadores Amorosos, As Escolhas Amorosas Segundo Jung), Lígia Vampré Humberg (Vício e Dependência do Outro), Elisama Santos (Conversas Corajosas).

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