Viver com o transtorno de borderline (ou transtorno de personalidade borderline - TPB) pode ser uma experiência intensa e muitas vezes solitária, tanto para quem recebe o diagnóstico quanto para familiares e pessoas próximas.
Embora não existam dados e estatísticas sobre a incidência de pessoas com transtorno de borderline no Brasil, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) estima que cerca de 2 milhões de brasileiros vivem com essa condição.
Apesar de afetar milhões de pessoas no mundo todo, o transtorno ainda é cercado de estigmas, julgamentos e desinformação, o que dificulta ainda mais a relação com a condição psíquica.
Ainda assim, o diagnóstico de borderline muitas vezes é tardio, equivocado ou envolto de preconceitos, o que pode dificultar o acesso ao tratamento adequado.
Compreender o que é ser borderline é um passo essencial para promover cuidado em saúde mental. Não se trata de rotular ou reduzir a pessoa ao diagnóstico, mas de reconhecer sinais, oferecer apoio e ampliar o acesso a tratamentos eficazes.
Por isso, neste texto, trataremos sobre o que é o transtorno de borderline, quais os sintomas e fatores de risco, além de o diferenciar de outros transtornos e explorar as possibilidades de tratamento.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
- O que é o transtorno de borderline?
- Quais os principais sintomas do transtorno de borderline?
- Quais as causas e fatores de risco para o transtorno de borderline?
- Como se dá o diagnóstico de borderline?
- Confusões com outros transtornos
- Quais os tratamentos para o transtorno de borderline?
- Como lidar com uma pessoa borderline?
- Conclusão: a informação é o principal acesso para o cuidado

O que é o transtorno de borderline?
O transtorno borderline (CID F60.3) é um tipo de transtorno de personalidade marcado por instabilidade emocional intensa. É acompanhado de comportamentos impulsivos, medo persistente de abandono e dificuldade em manter relacionamentos estáveis.
Também conhecido como síndrome de borderline, o TPB interfere diretamente na forma como a pessoa se percebe, se relaciona e lida com o mundo ao redor.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM V, o TPB afeta a percepção do indivíduo, criando um padrão de instabilidade que altera a forma como ele se relaciona com pessoas e situações no cotidiano.
Pessoas com transtorno de borderline costumam vivenciar emoções de modo extremo, com flutuações rápidas de humor e reações desproporcionais a eventos rotineiros. Essa dificuldade de regulação emocional pode causar sofrimento significativo e impactar a qualidade de vida da pessoa.
Em geral, o comportamento de uma pessoa com TPB se manifesta como se ela estivesse sempre prestes a explodir, em um limite emocional. Há uma intensa dificuldade em lidar com frustrações, por isso, a oscilação de humor e a impulsividade são características tão presentes.
Para a neuropsicologia, o transtorno de borderline apresenta um déficit nas funções executivas, como a ausência de um controle inibitório e a desregulação emocional. Além disso, há comprometimento nos estímulos psíquicos, na memória e na capacidade de percepção visual e espacial.
Quais os principais sintomas do transtorno de borderline?
Os sintomas do transtorno de borderline variam em intensidade e frequência, mas costumam seguir alguns padrões característicos.
Listamos abaixo os sintomas mais comuns, segundo o DSM-V:
- Instabilidade emocional: mudanças rápidas de humor, com episódios de raiva, estresse, tristeza, melancolia ou ansiedade;
- Impulsividade: comportamentos autodestrutivos, como gastos excessivos, abuso de substâncias, apostas em jogos de azar, direção imprudente ou relações sexuais de risco;
- Medo intenso de abandono: esforço constante para evitar rejeições reais ou imaginadas, com reações exageradas a pequenas ausências ou mudanças;
- Relacionamentos instáveis e intensos: alternância entre a idealização e a desvalorização das pessoas próximas;
- Autoimagem instável: sentimento de vazio com o que vê no espelho, baixa autoestima;
- Automutilação e comportamento suicida: cortes, queimaduras ou pensamentos frequentes sobre a morte podem surgir como formas de lidar com a dor emocional;
- Desconfiança ou dissociação: episódios breves de paranoia ou sensação de desligamento com a realidade, especialmente em momentos de estresse emocional.
Pessoas com transtorno de borderline podem sabotar a si mesmos quando estão prestes a alcançar um objetivo. Abandonar a universidade ou pedir demissão de um emprego promissor, podem ser alguns exemplos.
No entanto, nem toda pessoa com o transtorno apresenta todos os sintomas. Há também tipos de borderline com diferentes perfis predominantes. São eles: borderline impulsivo, borderline afetivo e borderline autodestrutivo.
Os sintomas se apresentam na adolescência, mas podem ser visíveis no início da fase adulta.

Quais as causas e fatores de risco para o transtorno de borderline?
Não existe uma causa única para o transtorno de personalidade borderline. A maioria dos especialistas aponta para uma combinação entre fatores biológicos, psicológicos e ambientais.
Históricos de traumas na infância, como abuso físico, emocional ou sexual, podem desencadear a condição. Ambientes familiares negligentes ou instáveis, com vínculos inseguros, também podem ser responsáveis.
Além disso, há fatores genéticos, especialmente quando se apresenta um histórico familiar de transtornos de personalidade. De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (AAP), parentes de primeiro grau de pacientes com transtorno de borderline são 5 vezes mais propensos a ter a condição do que a população em geral.
Também não podem ser desconsideradas as alterações neurobiológicas, que são relacionadas ao funcionamento do córtex pré-frontal e que é uma área ligada à regulação emocional.
É fundamental destacar que não há uma culpa pelo desenvolvimento do transtorno. Assim, a compreensão sobre suas causas é complexa e ainda está em evolução e investigação.
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Como se dá o diagnóstico de borderline?
O diagnóstico de borderline deve ser feito por um profissional de saúde mental, com base em uma avaliação clínica aprofundada. É necessário considerar a história de vida da pessoa, seus sintomas e o impacto dessas características na rotina diária.
O diagnóstico é feito com base em entrevistas clínicas estruturadas, que podem incluir testes psicológicos e conversas com pessoas próximas, quando autorizado pelo paciente. Esse processo pode levar algum tempo, justamente porque o transtorno envolve uma série de sintomas que podem variar em intensidade e contexto.
Quando realizado com ética e sensibilidade, o diagnóstico de TPB torna-se o primeiro passo para um cuidado real, que considera não apenas os sintomas, mas também a complexidade de quem vive com o transtorno.
⚠️ Atenção: Evite autodiagnósticos
A sobreposição de sintomas com outros transtornos como ansiedade, depressão, bipolaridade ou outros transtornos de personalidade, exige o olhar qualificado de um psicólogo ou psiquiatra.
Confusões com outros transtornos
Não são incomuns os diagnósticos equivocados de transtorno de borderline. Isso se dá porque os sintomas se assemelham a outros transtornos, como os transtornos de ansiedade, por conta da intensidade emocional, e os transtornos depressivos, em decorrência dos sentimentos persistentes de vazio, tristeza e desesperança.
Por causa dos comportamentos que reforçam uma busca por atenção, o TPB também pode ser confundido com o transtorno de personalidade narcisista. Apesar dos sintomas se assemelharem a essas condições, o mais comum é a confusão com o transtorno de bipolaridade.
Mas, qual a diferença?
Tanto o transtorno bipolar quanto o borderline envolvem alterações de humor, mas há distinções importantes entre eles. No transtorno bipolar, os episódios de euforia (mania) ou depressão costumam durar dias ou semanas, com variações clínicas.
Já no borderline, as mudanças emocionais são mais reativas e rápidas, podendo durar horas ou dias. São muitas vezes desencadeadas por eventos interpessoais, como frustrações, desentendimentos e outros tipos de estresse cotidiano.
Vamos compreender melhor as suas diferenças:
Característica | Transtorno de Borderline | Transtorno Bipolar |
---|---|---|
Duração das oscilações de humor | Rápidas e reativas. Podem durar de horas a dias. | Episódicas, durando dias ou semanas. |
Gatilho emocional | Reações a eventos interpessoais mais delimitados em relacionamentos afetivos, sejam eles familiares, profissionais ou amorosos. Ex: Desentendimento com a mãe ou com colega de trabalho. | Alterações cíclicas, sem gatilhos específicos ou muito claros. Não se concentram apenas nos relacionamentos afetivos. Ex: Uma fila no banco ou um atraso no voo. |
Autoimagem | Instável, com sentimentos crônicos de vazio | Preservada fora dos episódios de crise |
Comportamentos autodestrutivos | Comuns, incluindo automutilação, tentativas de suicídio e impulsividade | Podem ocorrer em fases de depressão, mas não são tão centrais ao quadro. |
Mudanças emocionais | São ligadas à forma como a pessoa se sente em relação a si mesma e aos outros. | São alterações mais cíclicas e biológicas do humor. |
Tratamento principal | Psicoterapia | Medicamentos estabilizadores de humor |
As particularidades de cada diagnóstico reforçam a importância de uma avaliação cuidadosa, não apenas para nomear o sofrimento, mas para direcionar o cuidado de forma eficaz e assertiva.
É importante lembrar que os transtornos mentais não são “rótulos”, e sim construções clínicas que ajudam a entender padrões de funcionamento psíquico, para se oferecer suporte adequado.
Por isso, é fundamental investigar os sintomas junto de um profissional da psicologia e/ou da psiquiatria. Buscar informação confiável e reconhecer que o diagnóstico é apenas uma parte da vida, pode ajudar a reduzir o medo e o estigma que muitas vezes envolvem a saúde mental.
Quais os tratamentos para o transtorno de borderline?
O transtorno de borderline tem tratamento e, com acompanhamento adequado, é possível viver com mais estabilidade, autonomia e bem-estar.
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Psicoterapia
A psicoterapia é o principal recurso terapêutico. Entre as abordagens mais recomendadas pelos profissionais, destaca-se a Terapia Comportamental Dialética (TCD), criada por Marsha Linehan. A TCD combina técnicas da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com práticas de mindfulness.
O principal foco dessa abordagem é aprender a regular as emoções, reduzir os comportamentos autodestrutivos, melhorar a capacidade de lidar com conflitos e fortalecer a autoestima e o senso de identidade.
Outras abordagens terapêuticas como a psicanálise também podem ser eficazes, especialmente quando adaptadas às necessidades da pessoa.
O mais importante é que o tratamento seja construído de forma individualizada, respeitando o tempo e o limite de quem está em sofrimento.
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Medicamentos
Não existem medicamentos específicos para tratar o transtorno de borderline, no entanto, algumas classes podem ser prescritas para amenizar os sintomas associados.
Antidepressivos, estabilizadores de humor e antipsicóticos (em casos de sintomas graves) podem auxiliar no tratamento e regulação emocional. Essas medicações não curam o transtorno de borderline, mas podem ser importantes aliadas na redução dos sintomas que comprometem o bem-estar.
Por exemplo: pessoas com transtorno de borderline que convivem com crises de ansiedade severas, episódios depressivos profundos ou impulsividade autodestrutiva podem encontrar maior estabilidade emocional com o uso de remédios, sempre como parte de um plano terapêutico mais amplo.
É importante ressaltar que a automedicação não é orientada em nenhuma hipótese. O uso de medicamentos precisa ser acompanhado por um médico psiquiatra.
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Rede de apoio e suporte
Participar de grupos terapêuticos, ter uma rede de apoio sólida e contar com profissionais de saúde mental faz toda a diferença. A construção de vínculos seguros, dentro e fora do espaço clínico, é parte fundamental do processo.
Nesse sentido, o tratamento para o transtorno de borderline envolve não apenas o cuidado individual, mas também o fortalecimento de laços e a construção de um ambiente que favoreça o bem-estar emocional.
📖 Leia mais: As abordagens da psicologia e os tipos de terapia

Como lidar com uma pessoa borderline?
Conviver com uma pessoa com transtorno de borderline pode ser desafiador, mas também é uma oportunidade para aprofundar vínculos e promover cuidado mútuo.
A escuta empática, sem minimizar o sofrimento, é essencial. Evite julgamentos sobre comportamentos impulsivos ou emocionais, e estabeleça limites saudáveis, com clareza e gentileza.
Informe-se sobre o transtorno e seus sintomas, para compreender melhor suas complexidades. Incentive o tratamento e acompanhe a evolução com paciência.
O apoio de familiares e amigos pode ser decisivo no processo de recuperação e/ou tratamento, mas também é fundamental que essa rede de apoio cuide da própria saúde mental.
Conclusão: a informação é o principal acesso para o cuidado
Falar sobre o transtorno de personalidade borderline com clareza, empatia e responsabilidade é um passo fundamental para construir uma sociedade mais acolhedora e informada sobre saúde mental.
Por isso, é essencial que busquemos oferecer espaço para o conhecimento e a escuta qualificada. Muitas pessoas convivem com essa condição em silêncio por conta dos estigmas, o que pode agravar ainda mais o sofrimento emocional.
O transtorno de borderline não é uma sentença, é uma condição de saúde que exige atenção, compreensão, tratamento e apoio contínuo. Com cuidado adequado, é possível construir caminhos de autonomia, afeto e pertencimento, mesmo diante dos desafios.
Se você ou alguém próximo apresenta sinais semelhantes aos descritos, procure ajuda profissional para investigar com mais atenção. O diagnóstico e o tratamento precoces fazem toda a diferença.
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Referências
https://revistardp.org.br/abp/article/view/1103
Revista-esfera-saude-v06-n02-artigo02.pdf
American Psychiatric Association: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th ed, Text Revision (DSM-5-TR). Washington, DC, American Psychiatric Association, 2022, pp 755.