Neurociência, Saúde Mental & Comportamento

Neurociência: o que é, principais áreas e como o cérebro muda

Neurociência: o que é, principais áreas e como o cérebro muda

Nos últimos anos, a neurociência passou de uma área restrita aos laboratórios para um tema presente em livros, séries, cursos e até nas redes sociais.

Mas afinal, o que é neurociência e por que ela desperta tanto interesse?

De forma simples, podemos dizer que se trata de uma área do conhecimento que estuda o sistema nervoso – especialmente o cérebro humano – para entender como pensamos, sentimos, aprendemos e nos comportamos.

Em outras palavras, a neurociência busca explicar como o nosso cérebro se conecta com nossas emoções, decisões, hábitos e relações sociais.

Ao observar como essas pesquisas se relacionam com a psicologia, a filosofia, a educação e até com o marketing, fica fácil perceber por que o tema ganhou tanta relevância nos últimos anos.

Aprender conceitos básicos de neurociência não significa decorar nomes de regiões do cérebro ou compreender fórmulas complexas. Está muito além! O conhecimento que interessa aqui é aquele que nos ajuda a olhar para o comportamento humano com mais profundidade, inclusive o nosso próprio.

Esse texto irá te ajudar a dar os primeiros passos nesse universo e entender, de maneira prática, por que conhecer o cérebro pode transformar a forma como você aprende, trabalha, toma decisões e cuida da sua saúde mental.



O que é neurociência e o que ela estuda, na prática?

Como já mencionado acima, a neurociência é a área que investiga como o sistema nervoso - especialmente o cérebro humano - atua na formação do pensamento, das emoções, da aprendizagem e dos comportamentos que expressamos no dia a dia.

Muita gente associa a neurociência apenas ao cérebro, mas ela investiga todo o sistema nervoso: cérebro, medula espinhal e todas as suas ramificações periféricas. Esse sistema é responsável por captar informações do ambiente, processá-las e gerar respostas emocionais, cognitivas ou motoras.

A partir desse ponto de partida, a neurociência pode seguir caminhos variados, como o estudo das emoções, da atenção, da memória, da tomada de decisão, da aprendizagem, dos hábitos e até de processos mais subjetivos, como a consciência.

É por isso que ela conversa com tantas outras áreas: ao tentar entender como o cérebro funciona, também precisamos entender como o ser humano vive e se relaciona.

Garoto brincando e jogando peças coloridas para o alto, representando aprendizado e criatividade.
A neurociência mostra que estimulamos o cérebro em todas as fases da vida - em maior ou menor grau. No entanto, é na infância que ocorre um período de intensa construção cerebral capaz de fortalecer conexões neurais e potencializar o aprendizado e a criatividade - Foto de Sash Bo/ Unsplash

Principais áreas da neurociência

A neurociência é um campo amplo e interdisciplinar. Ela reúne pesquisadores das ciências biológicas, psicologia, educação, computação, economia e filosofia.

Algumas das áreas mais conhecidas são:

  • Neurociência Cognitiva
  • Neuropsicologia
  • Neurociência Comportamental
  • Neuroeducação
  • Neurociência Afetiva
  • Neurociência Social


Veremos cada um delas com mais detalhes abaixo.

Neurociência Cognitiva

Essa área busca compreender como o cérebro realiza funções mentais complexas, como memória, linguagem, atenção, tomada de decisão e resolução de problemas.

Os pesquisadores da neurociência cognitiva investigam, por exemplo, quais regiões cerebrais são ativadas quando aprendemos algo novo ou quando precisamos focar em uma tarefa difícil.

Graças a essa área, hoje sabemos que a atenção é limitada, ou seja, que não conseguimos fazer várias tarefas complexas ao mesmo tempo com qualidade, e que a aprendizagem exige repetição e motivação para gerar novas conexões neurais.

A neurociência cognitiva ajuda a responder perguntas como: “por que esquecemos algumas informações e lembramos de outras?” ou “como o cérebro seleciona o que é relevante no ambiente?”.

Neuropsicologia

Já a neuropsicologia faz a ponte entre o funcionamento do cérebro e o comportamento individual. Estuda o impacto de lesões, traumas, doenças neurológicas ou alterações nas redes neurais sobre a cognição e as emoções.

Um neuropsicólogo, por exemplo, pode avaliar como um acidente vascular cerebral (AVC) afetou a linguagem ou como um transtorno neurodegenerativo compromete a memória.

Além de diagnóstico, a neuropsicologia contribui para a reabilitação das funções afetadas, usando exercícios específicos e técnicas de estimulação para ajudar o cérebro a “reaprender”.

Essa área também ajuda a identificar precocemente dificuldades cognitivas em crianças e idosos.

Neurociência Comportamental

Já a neurociência comportamental foca no estudo do comportamento observável e nos mecanismos neurais que o sustentam. Ou seja: o que a pessoa faz e como o cérebro a leva a fazer isso.

Em vez de analisar funções internas, ela observa padrões de comportamento como agressividade, cooperação, medo, empatia ou hábitos, e busca identificar quais circuitos neurais são responsáveis por cada um desses comportamentos.

Um exemplo: estudos que mostram como o sistema de recompensa do cérebro (ligado à dopamina) influencia comportamentos como consumo, vício ou busca por novidades.

Neuroeducação

Essa é a área que aproxima a neurociência da educação, trazendo descobertas científicas para melhorar o modo como ensinamos e aprendemos.

A neuroeducação investiga, por exemplo, por que o sono, o movimento, o afeto e a curiosidade são essenciais para a aprendizagem; como o estresse prejudica a memorização; e por que a repetição com significado é mais eficaz do que a simples “decoreba”.

Professores que aplicam princípios da neuroeducação tendem a criar ambientes que favorecem a atenção, o engajamento e a consolidação da memória e, consequentemente, desenvolvem práticas mais eficientes e humanas.

Neurociência Afetiva

A neurociência afetiva estuda como o cérebro processa as emoções e como essas emoções influenciam nossas decisões, hábitos e relações sociais.

Seu foco está em sistemas neurais como a amígdala, o córtex pré-frontal e o sistema límbico, que são responsáveis por avaliar estímulos, atribuir valor emocional e preparar o corpo para agir.

Graças à neurociência afetiva, hoje entendemos que as emoções não são “inimigas da razão”; elas são fundamentais para a tomada de decisão, para a motivação e para a construção de relações saudáveis.

Essa área também investiga os efeitos da regulação emocional e das práticas de bem-estar (como meditação ou mindfulness) na atividade cerebral.

Neurociência Social

Explora como o cérebro funciona quando estamos com outras pessoas. Em outras palavras: o que acontece na nossa mente durante uma conversa, um conflito ou um gesto de empatia.

Essa área utiliza, inclusive, técnicas que estudam dois cérebros ao mesmo tempo (hiperscanning) para entender como os sistemas neurais “entram em sincronia” durante a interação social.

A neurociência social mostra que somos biologicamente programados para cooperar e pertencer a grupos.

Também investiga mecanismos como influência social, julgamento moral, reconhecimento facial e percepção de intenções alheias - temas que interessam diretamente à psicologia, à comunicação, ao direito e às organizações.

Essas áreas não precisam ser isoladas, pelo contrário, elas se sobrepõem e interagem. Por exemplo: quando investigamos motivação no ambiente escolar, estamos naturalmente lidando com neurociência cognitiva, neurociência afetiva e neuroeducação ao mesmo tempo.

Garoto brincando e jogando peças coloridas para o alto, representando aprendizado e criatividade.
Atividades desafiadoras como o xadrez ajudam a manter a mente ativa, fortalecendo memória, atenção e raciocínio, independentemente da idade - Foto de Vlad Sargu/ Unsplash

Como a neurociência explica o comportamento humano?

Uma das grandes contribuições da neurociência é mostrar que o nosso comportamento não nasce apenas da racionalidade.

No curso Introdução à Neurociência, a neurocientista Ana Carolina Souza explica que apenas 5 a 10% do nosso processamento cerebral é consciente. A maior parte das nossas escolhas, reações e emoções acontecem de maneira inconsciente, sem que a gente perceba.

“Quanto mais entendemos o que está nessa porção inconsciente, não é que passemos a torná-la consciente, mas passamos a reconhecer os padrões e comportamentos que dela surgem. E, ao compreendermos sua natureza, conseguimos encontrar formas mais eficientes de lidar com eles no nosso dia a dia.” (Ana Carolina Souza, Introdução à Neurociência).

Isso significa dizer que quando sentimos medo, alegria ou empatia, o cérebro produz respostas automáticas que preparam o corpo para agir.

É isso que nos permite reagir rapidamente diante de um perigo ou nos aproximar de uma pessoa querida sem precisar pensar muito. Da mesma forma, hábitos e rotinas também são frutos de conexões neurais que se fortalecem com o tempo.



Neurociência, saúde mental e bem-estar

Quando falamos sobre neurociência e saúde mental, precisamos considerar que mente e corpo não funcionam de maneira separada.

Tudo aquilo que vivenciamos, como um estresse cotidiano, uma lembrança positiva, uma conversa difícil ou um momento de afeto, gera respostas físicas no nosso cérebro, ativando circuitos neurais específicos.

Isso significa que os nossos estados emocionais não são “abstratos”, mas resultados de interações muito concretas entre neurotransmissores (como dopamina, serotonina e noradrenalina), redes neurais e experiências de vida.

Os transtornos mentais têm bases neurobiológicas, ou seja, estão ligados a desequilíbrios químicos, padrões de ativação cerebral e fatores ambientais que moldam o funcionamento do cérebro.

Em outras palavras, a nossa saúde mental depende da maneira como nosso cérebro processa experiências e emoções.

Ao entender que sentimentos intensos ou comportamentos repetitivos têm uma base no funcionamento cerebral, podemos desenvolver estratégias mais conscientes para nos cuidar.

Isso inclui prestar atenção às próprias emoções, buscar apoio quando necessário e criar hábitos que promovam equilíbrio, bem-estar e conexões significativas com outras pessoas.

Mente e corpo não funcionam separadamente: cada emoção, lembrança ou interação social provoca respostas químicas e elétricas no cérebro, moldando nossa saúde mental.

Neuroplasticidade: o cérebro pode mudar?

Sim, pode! E essa talvez seja uma das descobertas mais importantes da neurociência moderna. Durante muito tempo acreditou-se que o cérebro era “fixo” e parava de se desenvolver depois da infância.

Hoje sabemos que ele é altamente plástico, ou seja, tem capacidade de criar novas conexões e reorganizar regiões inteiras ao longo de toda a vida.

Isso significa que experiências, aprendizagens e práticas constantes são capazes de transformar nosso cérebro fisicamente.

Por exemplo, aprender uma nova língua ou um trabalho manual (pintura, crochê, marcenaria, bordados, etc) pode estimular regiões cerebrais diferentes daquelas que usamos no nosso dia a dia, fortalecendo conexões que antes eram pouco ativadas.

Quanto mais repetimos uma ação (e quanto mais significado emocional ela tem), mais essas conexões se fortalecem - como se estivéssemos criando um novo “caminho” dentro do cérebro.

A neuroplasticidade também explica por que ter novas experiências ao longo da vida adia em anos o envelhecimento do cérebro e favorece a saúde mental.

Estar exposto a ambientes variados, aprender coisas novas e manter relações sociais estimulantes são formas concretas de manter o cérebro ativo e flexível.

Um hábito repetido diariamente cria conexões cada vez mais fortes, assim como um trauma emocional. Por isso, mudanças duradouras precisam ser feitas de forma gradual, consistente e com experiências emocionalmente significativas.

O cérebro é plástico: ele se reorganiza constantemente a partir de novas experiências, aprendizados e interações sociais - mesmo na vida adulta.

banner aprenda com a casa do saber

Como a neurociência dialoga com outras áreas?

Até aqui, já sabemos que a neurociência não trabalha sozinha. Ao contrário, ela só ganha sentido quando conversa com outros campos do conhecimento:

Psicologia

A psicologia estuda os processos mentais e comportamentais, e a neurociência fornece a base biológica para compreender como o cérebro influencia nossas ações e emoções.

António Damásio, em obras como O Livro da Consciência, explora como sentimentos e emoções são fundamentais para a tomada de decisões e para a construção da consciência.

Ele argumenta que a razão não é separada da emoção, mas sim dependente dela.

Filosofia

A filosofia questiona a natureza da mente, da consciência e do livre-arbítrio. Damásio, em O Mistério da Consciência, propõe que a consciência emerge de processos cerebrais complexos, desafiando visões dualistas tradicionais e sugerindo que o "eu" é uma construção biológica.

Além disso, filósofos como Daniel Dennett e John Searle discutem, à luz da neurociência, como a consciência pode ser explicada sem recorrer a entidades não físicas, integrando a filosofia da mente com descobertas científicas contemporâneas.

Educação

Na educação, a neurociência oferece insights sobre como o cérebro aprende, retém informações e se motiva.

Eric Kandel, em Princípios de Neurociências, discute como a plasticidade cerebral e a formação de novas conexões sinápticas são fundamentais para a aprendizagem, enfatizando a importância de práticas educativas que estimulem essas mudanças.

Economia e administração

A neurociência aplicada à economia e administração, conhecida como neuroeconomia e neuromarketing, investiga como o cérebro toma decisões e responde a estímulos de marketing.

Essas áreas utilizam princípios da neurociência para entender comportamentos de consumo, liderança e inovação, aplicando conhecimentos sobre motivação e tomada de decisão para melhorar estratégias empresariais.

Artes e espiritualidade

A neurociência também explora como atividades como música, pintura e meditação afetam o cérebro e o estado emocional.

Oliver Sacks, em O Rio da Consciência, examina como a música pode influenciar o cérebro, destacando casos de pacientes que, após lesões cerebrais, desenvolveram habilidades musicais extraordinárias.

Essa interdisciplinaridade é justamente o que torna a neurociência tão atual. Em vez de ficar restrita aos laboratórios, ela provoca novas formas de pensar a vida cotidiana.

Perguntas Frequentes sobre Neurociência

O que é neurociência?

A neurociência é o campo que estuda o sistema nervoso e o cérebro humano, buscando compreender como processos biológicos dão origem a pensamentos, emoções e comportamentos.


Quais são as principais áreas da neurociência?

Entre as principais áreas estão a neurociência cognitiva, neuropsicologia, neuroeducação, neurociência afetiva, comportamental e social — cada uma com foco em diferentes aspectos do funcionamento cerebral.


Como a neurociência pode melhorar a saúde mental?

Ao mostrar como emoções e experiências moldam o cérebro, a neurociência ajuda a desenvolver hábitos e estratégias para reduzir o estresse, fortalecer conexões neurais e promover equilíbrio emocional.


Qual a diferença entre psicologia e neurociência?

A psicologia estuda o comportamento e os processos mentais por meio da observação e da análise das experiências humanas. Já a neurociência investiga as bases biológicas desses comportamentos, procurando compreender como o cérebro e o sistema nervoso geram pensamentos, emoções e decisões. Em muitos casos, as duas áreas trabalham juntas.


A neurociência pode explicar as emoções humanas?

Sim! A neurociência identifica como o cérebro processa emoções e de que forma elas influenciam o comportamento. Mas isso não significa reduzir a emoção apenas à atividade cerebral. Ao estudar regiões como o sistema límbico ou neurotransmissores como dopamina e serotonina, conseguimos entender os mecanismos envolvidos. O sentido e o significado dessas emoções, no entanto, continuam sendo construídos pela experiência humana, pela cultura e pelo contexto.


banner cursos fremmium casa do saber



Referências:

https://curadoria.casadosaber.com.br/cursos/193/introducao-a-neurociencia-comportamento-e-performance

A Consciência Explicada (1992) de Daniel Dennett

O Mistério da Consciência (2008) de John Searle

O Livro da Consciência: A Construção do Cérebro Consciente (2010) de António Damásio

O Mistério da Consciência (2015) de António Damásio

Princípios de Neurociências (2014) de Eric Kandel

O Rio da Consciência (2017) de Oliver Sacks

Artigo escrito por
Camila Fortes
Pesquisadora. Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde do ICICT/FIOCRUZ/RJ.