Durante o processo analítico, nem sempre é fácil falar o que se sente ou lembrar do que foi esquecido. Algo parece travar, e esse algo tem nome: resistência. Na psicanálise, a resistência é uma força que impede o sujeito de acessar conteúdos inconscientes, funcionando como um obstáculo e, ao mesmo tempo, como um importante sinal clínico.
Neste artigo, vamos entender o que é resistência segundo Freud, como ela se manifesta nas sessões, qual sua relação com o recalque, a transferência e o manejo clínico, e por que ela é um dos conceitos fundamentais da teoria e da prática psicanalítica.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
O que é a resistência na psicanálise?
Na psicanálise, a resistência é definida como a força que, de maneira consciente ou inconsciente, impede o sujeito de entrar em contato com os seus desejos mais acalentados, desconhecidos e que os fazem sofrer.
Trata-se de algo com que paciente e analista se deparam a todo instante ao longo do tratamento, sendo, portanto, uma peça essencial do processo analítico.
A resistência é entendida por Freud como a força contrária ao desejo. Enquanto o desejo tenta emergir à consciência, a resistência age para mantê-lo afastado.
O conceito de resistência em Freud
Enquanto professor de psicanálise, acredito que visando a um bom entendimento do conceito de resistência em Freud, as primeiras coisas a serem destacadas são as relações entre os conceitos de resistência e recalque e, sobretudo, entre os conceitos de resistência e inconsciente.
Assim, em primeiro lugar, sempre retorno ao postulado mais básico do pensamento freudiano para lembrar aos meus alunos que a psicanálise parte do pressuposto de que todos nós possuímos um inconsciente.
Com este conceito, Freud almejou dizer que um sujeito não se conhece plenamente e, portanto, relega à ignorância uma parte fundamental de si. E, como se não bastasse tudo isso, sempre se faz necessário frisar ser justamente esta parcela inconsciente de nós mesmos aquela capaz de nos fazer sofrer, provocando em nós os mais variados sintomas.
Trata-se, no inconsciente, de desejos sexuais incompatíveis com a moral em voga na nossa sociedade. Assim, por tais desejos serem tão problemáticos do ponto de vista moral, somos obrigados a recalcá-los, ou seja, torná-los inconscientes, desconhecidos.
No entanto, para entendermos tudo isso, é preciso termos em mente que recalcar um desejo não é exatamente matá-lo, mas apenas relegá-lo à ignorância. O desejo em questão permanece vivo e atuante de forma inconsciente, sempre à espreita de alguma situação para manifestar-se.
E é justamente aí que surge o fenômeno da resistência: ela aparece como uma força que visa impedir a todo custo o reaparecimento na consciência deste desejo sexual recalcado.
Enquanto o desejo pressiona em uma direção – do inconsciente para a consciência – a resistência pressiona em sentido oposto. Isto acaba promovendo um embate constante e ininterrupto entre um desejo que almeja a todo custo realizar-se e um conjunto de resistências que lhes são contrárias.
Segundo palavras de Freud:
“a situação conduziu-me de imediato à teoria de que,por meio de meu trabalho psíquico, eu tinha de superar uma força psíquica nos pacientes que se opunha a que as representações patogênicas se tornassem conscientes (fossem lembradas)” (Breuer & Freud, 1893-1895).
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Resistência e clínica psicanalítica
Com efeito, o conceito de resistência foi um dos primeiros a ser formulado por Freud, bem no início da sua obra, mais especificamente quando ele abandonou o método catártico.
Neste sentido, considero interessante lembrar que após este abandono, Freud veio a formular como principal objetivo da clínica psicanalítica desfazer o trabalho do recalque. Desta maneira, sua proposta durante estes primeiros anos de trabalho seria conduzir à consciência os desejos inconscientes de seus pacientes. E ao final de toda esta empreitada, seria possível o desaparecimento do sintoma que fazia o sujeito em análise sofrer (Freud, 1904).
E aqui o leitor mais atento já consegue entender que toda esta empreitada só era possível através de uma técnica por Freud formulada e tida como a regra fundamental da psicanálise: a associação livre.
Em si, a associação livre é definida como o convite que o psicanalista faz a seus pacientes para que relatem tudo o que lhes vêm ao pensamento durante as sessões. Com isto, ao sujeito em análise é solicitado tudo falar, de modo a expor seus pensamentos, fantasias e ideias de qualquer ordem. Neste contexto, é necessário relatar, sobretudo, aquilo que ele considera sem importância, lhe cause dor, embaraço ou pareça-lhe disparatado.
Teríamos, portanto, o seguinte projeto clínico: desfazendo o trabalho do recalque, o analista conseguiria descobrir o que teria causado os sintomas de seus pacientes. Assim, seguindo as pistas fornecidas pelas associações livres, encontraria-se os desejos e experiências que fundamentavam seus sofrimentos.
Neste sentido, podemos mesmo colocar que o objetivo clínico inicial da psicanálise seria o de confrontar o sujeito com uma parte desconhecida de si, com aquilo que ele insistia em recalcar.
No entanto, como se pode imaginar, tal proposta de conscientização jamais seria uma tarefa fácil, muito pelo contrário. Isto porque, ao longo das sessões, o tratamento recorrentemente se esbarrava com este conjunto de forças contrárias a tal propósito, forças estas chamadas resistências.
Alguns exemplos de resistências
Ora, quanto mais o tratamento se aproximava das tendências recalcadas, maiores eram as dificuldades de seus analisandos em levar a análise adiante.
E, inclusive, foram muitos os exemplos de resistências por Freud elencados. Assim, ele conta que, ao longo da empreitada de conscientização de seus desejos imorais, muitos pacientes passavam a silenciar-se.
Outros insistiam em apresentar os mais variados empecilhos ao prosseguimento das sessões.
E alguns vinham mesmo a faltar recorrentemente ao tratamento... Outros simplesmente – e quase sempre sem o perceber – fechavam os ouvidos a Freud. Tratava-se, em todos estes casos, de algumas das maneiras mais corriqueiras de manifestação das resistências.
Desta forma, citamos alguns exemplos de resistência na psicanálise, como:
- Silenciar-se durante a sessão.
- Faltar às sessões.
- “Fechar os ouvidos” ao analista, mesmo que sem perceber.
- Criar empecilhos para dar continuidade ao tratamento.
- Falar insistentemente sobre o analista em vez de falar de si (resistência ligada à transferência).
Sobre este último exemplo, entenderemos de forma mais aprofundada a seguir.
Resistência e transferência
Alguns anos mais tarde, toda a experiência clínica de Freud (1912) o ensinou que a força das resistências também acaba por se aproveitar de todo o domínio transferencial.
E em relação a este ponto, sempre gosto de frisar, em sala de aula, o espanto de Freud em ter percebido que, por tantas vezes, quando as associações de seus pacientes se estagnavam era porque, naquele momento, eles estavam pensando em algo relacionado ao analista.
Ou seja, volta e meia, o trabalho de acesso às tendências inconscientes era interrompido por algo referente ao campo transferencial: o paciente deixava de falar de si para falar de Freud, interrompia suas associações para perguntar coisas sobre a vida do analista ou desviava do assunto e passava a relatar seus pensamentos sobre aquele que o escutava.
E tudo isto ocorria justamente, porque a livre associação jamais conseguia se realizar sem gerar resistência... e é neste ponto que a transferência intervinha!
Melhor explicando: quando algo no domínio inconsciente servia para ser deslocado ao analista, a transferência se efetivava enquanto forma possível de resistência. Por conseguinte, os pacientes suspendiam suas associações para incansavelmente falarem sobre a figura do analista.
Quando o paciente passa a dirigir suas falas quase exclusivamente ao analista - perguntando, elogiando, criticando ou desviando-se para temas pessoais - Freud identificava isso como uma forma de resistência via transferência.
A importância da resistência para a análise
Aqui, o leitor perspicaz também percebe que o interesse de Freud em fazer seus pacientes associarem livremente, destacando que estes deveriam inclusive relatar suas ideias mais penosas ou vergonhosas, ocorria pela tentativa de, assim, poder-se driblar as resistências.
Em outros termos, para evitar ao máximo a influência das resistências, era imprescindível que a fala do paciente fosse livre e, portanto, da maneira mais involuntária possível.
De fato, era de suma importância que o paciente se deixasse levar por suas associações, sem selecionar uma ou outra ideia que julgasse mais relevante sob quaisquer pretextos. Geralmente, tais pretextos também funcionavam como uma arma da resistência.
Nesta medida, era surpreendente a Freud observar que aquilo que o paciente julgava como pouco importante poderia ser, justamente, o que mais diretamente conduzia às motivações inconscientes de seus sintomas. Portanto, no decorrer das associações livres, era imprescindível que ele nada discriminasse ou selecionasse.
No entanto, é sempre importante colocar que por mais que o paciente lutasse contra, as mais variadas resistências se faziam inevitavelmente sentir... Enfim, tudo se passava como se, de antemão, os sujeitos em análise apresentassem sérias dificuldades em realizar a tarefa de condução das tendências recalcadas à consciência.
Ora, por um lado, o sujeito desejava uma melhora a todo custo, sabendo que, para isso, deveria possuir um mínimo de resistências. Porém, por outro lado, ele inevitavelmente resistia a tal propósito em virtude dos afetos penosos que a conscientização do material recalcado poderia trazer.
Nesta perspectiva, Freud apresenta uma ilustração que em muito auxilia no entendimento de como as resistências se manifestam na clínica. Ele propõe imaginarmos o inconsciente como um núcleo ao qual o trabalho analítico ambiciona chegar. E, assim, postula que as resistências se tornam sempre mais fortes quanto mais de lá nos aproximamos.
Enfim, é como se as tendências inconscientes fossem pensadas como que envolvidas por uma série de camadas concêntricas. As camadas mais externas correspondiam a lembranças suficientemente afastadas do desejo recalcado e, por isto, poucas resistências seriam oferecidas às suas rememorações.
No entanto, conforme o tratamento avançava por entre as camadas concentricamente dispostas, maior seria, obviamente, a resistência do analisando (Breuer & Freud, 1893-1895).
Daí o estatuto propriamente paradoxal da resistência: ela se configura como o maior dos obstáculos ao tratamento e, ao mesmo tempo, como aquilo que fornece as melhores pistas de que o trabalho analítico está chegando aonde almeja.
Concluímos, portanto, que a resistência pode ser pensada como algo de suma importância para o tratamento psicanalítico: e isto porque, quanto maiores, elas fornecem mais e mais pistas de que o processo analítico está chegando exatamente aonde efetivamente deveria chegar!
A resistência é paradoxal: é o maior obstáculo do tratamento e, ao mesmo tempo, a principal pista de que o analista está se aproximando do ponto crucial do conflito inconsciente.
O manejo clínico da resistência
Assim, para dar um fechamento a toda esta discussão, convém tratarmos do modo como o psicanalista deve manejar as resistências do sujeito em análise.
Com efeito, vimos que a resistência é um fenômeno inevitável, uma força contrária ao trabalho de conscientização que necessariamente vai se fazer sentir e frente à qual o analista deve ficar atento. E, neste sentido, eu sempre gosto de marcar que o manejo das resistências é uma tarefa difícil, já que, por motivos óbvios, elas jamais cessam e – conforme demonstramos – só aumentam à medida que o tratamento avança.
Todavia, por mais que as resistências se constituam como algo inevitável, ainda assim, há a necessidade de tentarmos contorná-las de alguma maneira. Mas, desde que se respeite o seguinte pressuposto (e disso aqui o analista principiante jamais deve esquecer):
A resistência é sempre mais forte do que qualquer empreendimento que vise vencê-la!
Por isto, não devemos exatamente lutar contra ela, mas sim, trabalhar apesar dela...
Neste sentido, eu gosto muito de marcar que, hoje em dia, a clínica psicanalítica é obviamente muito diferente daquela que Freud formulou em seus primeiros anos de prática.
Desta forma, devemos considerar que após inúmeras releituras da clínica freudiana, nos dias atuais, o trabalho analítico não se constitui mais como um embate ou jogo de forças... Como se coubesse ao psicanalista fazer o paciente se defrontar com algo que ele jamais almeja conhecer sobre si e diante do qual ele, obviamente, irá resistir!
Nada disso! Prefiro dizer que cabe ao psicanalista analisar a si próprio e recorrer a alguma supervisão para que ele não caia nesta armadilha fácil de achar que analisar alguém é sinônimo de conscientizá-lo de algo que ele jamais almeja conhecer.
Desta forma, a clínica psicanalítica deixa de se constituir como um ringue de boxe ou um tatame de qualquer espécie para transformar-se em um ambiente propício para que o sujeito em análise faça a devida elaboração daquilo que lhe causa tanto sofrimento... E numa boa, sem lutas excessivas, com o paciente associando livremente e seu psicanalista oferecendo-lhe a devida atenção flutuante...
Sem guerras e batalhas contra um inimigo sempre mais forte e que, por motivos óbvios, vai ganhar a disputa.
Perguntas frequentes sobre resistência na psicanálise
O que é resistência na psicanálise?
Na psicanálise, a resistência pode ser definida como a força que dificulta o trabalho de acesso ao desejo inconsciente do sujeito em análise.
Como a resistência aparece nas sessões?
A resistência pode aparecer nas sessões de múltiplas formas: quando o paciente silencia ou falta às sessões e mesmo quando ele, sem perceber, fecha os ouvidos ao seu analista. Neste sentido, ela também ocorre em ligação com a esfera transferencial, ou seja, quando o paciente deixa de falar sobre si para insistentemente falar sobre a figura do analista.
Por que temos resistência a mudar?
Em nós, há determinadas forças inconscientes que pressionam no sentido oposto ao da mudança. Por isto, o sujeito que sofre por causa desta dificuldade deve procurar um psicanalista. O trabalho analítico o auxiliará na elaboração destas resistências à mudança.
Como o analista lida com a resistência do paciente?
O analista deve saber manejar as resistências de seus pacientes com perspicácia e sem transformar o setting analítico em um campo de batalhas. As resistências ocorrem inevitavelmente e são mais fortes do que quaisquer tentativas de freá-las.
Referências:
Breuer, J. & Freud, S. (1893-1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.
Freud, S. (1904). O método psicanalítico de Freud. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 233-240.
______. (1912a). A dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 107-119.

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