Você certamente já ouviu falar sobre identidade de gênero. Mas, sabe do que trata?
Identidade de gênero é a forma como uma pessoa se reconhece e se identifica em relação ao seu próprio gênero.
Essa identificação é subjetiva, íntima e não depende, necessariamente, do corpo com o qual a pessoa nasceu. É uma vivência pessoal e profunda, que pode ou não ser expressa socialmente, e que deve ser respeitada.
Neste artigo, vamos explicar melhor o conceito de identidade de gênero, seus diferentes tipos, sua importância para os debates sobre saúde mental, educação e direitos humanos, e como ela aparece na vida cotidiana.
Também traremos assuntos práticos, explicações acessíveis e indicações de leitura que irão ajudar você a explorar mais sobre o assunto.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
- O que é identidade de gênero? Uma explicação
- Por que falar sobre identidade de gênero?
- Identidade de gênero, sexo biológico e orientação sexual: qual a diferença?
- Quando e como a identidade de gênero se forma?
- Identidade de gênero na vida cotidiana
- Diversidade de gênero: cis, trans, não-binário e outras vivências
- Impactos da negação da identidade de gênero
- Estudos sobre identidade de gênero: estudiosos e pesquisadores que você precisa conhecer
- Perguntas frequentes sobre identidade de gênero
O que é identidade de gênero? Uma explicação
A identidade de gênero é o modo como cada pessoa se percebe internamente em relação ao gênero. Trata-se de uma experiência subjetiva e particular, que se constrói ao longo da vida, e que pode coincidir ou não com o sexo biológico atribuído ao nascimento.
Essa identidade não depende de aparência, pois ela existe no campo do “ser” e não do “parecer”. Por isso, reconhecer e respeitar a identidade de gênero de uma pessoa significa aceitar sua própria narrativa sobre quem ela é.
A identidade de gênero é vivida no campo do ser, e não do parecer. Ela diz respeito à forma como a pessoa se reconhece internamente - e não à sua aparência física.
Por que falar sobre identidade de gênero?
Falar sobre identidade de gênero é essencial para construir uma sociedade mais justa, respeitosa e inclusiva.
Ainda hoje, muitas pessoas enfrentam discriminação, invisibilidade e sofrimento por não se encaixarem nas normas tradicionais de gênero.
O preconceito e a falta de informação são alguns dos principais problemas, pois distanciam a população de um conhecimento que é fundamental para a construção da própria identidade e para a formação de relações e interações sociais.
É nesse sentido que o debate sobre identidade de gênero precisa estar presente em serviços de saúde, legislações, escolas, espaços formativos e, principalmente, na vida das pessoas.
Identidade de gênero, sexo biológico e orientação sexual: qual a diferença?
Muitas vezes, os termos que dizem respeito ao gênero são usados de forma equivocada ou misturados.
Para abordar essas diferenças, é importante entender que:
Identidade de gênero
A identidade de gênero é a forma como cada pessoa se vê e se sente, ou seja, é uma experiência interna de se perceber enquanto pessoa, seja como mulher, homem, ambos, nenhum ou algo fora desse binário. É uma construção subjetiva e pessoal.
Sexo biológico
O sexo biológico refere-se a características corporais atribuídas no nascimento, como genitais, cromossomos e hormônios.
As categorias mais comuns são: masculino, feminino e intersexo (quando há variações biológicas que não se encaixam nas definições tradicionais de masculino e feminino).
Mas, vale pensar: será se o sexo biológico também não é socialmente atribuído? O sexo, assim como o gênero, é produzido e organizado por normas culturais, científicas e políticas. Por exemplo, a própria forma de classificar corpos como “masculinos” ou “femininos” está ancorada em expectativas de gênero que precedem a observação dos corpos.
Orientação sexual
Orientação sexual diz respeito ao desejo e à atração afetivo-sexual que uma pessoa sente por outras. Diferente da identidade de gênero, a orientação sexual está relacionada com por quem você se sente atraído(a), tanto emocional, quanto afetiva e sexualmente.
Veja abaixo algumas das principais orientações sexuais com exemplos:
-
Heterossexual: Pessoa que sente atração por indivíduos de gênero diferente do seu.
Exemplo: João é um homem cisgênero (se identifica com o gênero atribuído ao nascer) que sente atração afetivo-sexual por mulheres. Ele se identifica como heterossexual. -
Homossexual: Pessoa que sente atração por indivíduos do mesmo gênero que o seu.
Exemplo: Mariana é uma mulher cisgênera que sente atração por outras mulheres. Ela se reconhece como lésbica, uma identidade dentro da homossexualidade. -
Bissexual: Pessoa que sente atração por mais de um gênero. A bissexualidade pode envolver atração por homens e mulheres, ou por pessoas de diferentes identidades de gênero.
Exemplo: Lucas é um rapaz que já se apaixonou tanto por homens quanto por mulheres ao longo da vida. Ele se identifica como bissexual. -
Assexual: Pessoa que sente pouca ou nenhuma atração sexual, ou seja, não há vontade ou necessidade de ter relações sexuais. Pode incluir pessoas que ainda sentem outros tipos de atração, como a romântica ou emocional.
Exemplo: Ana sente uma conexão emocional e romântica com sua parceira, mas não sente desejo por relações sexuais. Ela se identifica como assexual romântica. -
Pansexual: Pessoa que sente atração por outras independentemente do gênero. A pansexualidade considera o desejo afetivo-sexual sem se limitar às categorias de gênero.
Exemplo: Tiago sente atração por pessoas de diferentes identidades de gênero (homens, mulheres, pessoas não binárias) e se identifica como pansexual, pois seu desejo não está condicionado ao gênero da outra pessoa.
Essas definições não são caixas fechadas. A vivência da sexualidade é diversa, fluida e pode mudar ao longo do tempo.
Essas definições não são caixas fechadas. A vivência da sexualidade é diversa, fluida e pode mudar ao longo do tempo.
Quando e como a identidade de gênero se forma?
A identidade de gênero começa a se manifestar desde a primeira infância. Uma investigação realizada no Canadá aponta que as primeiras expressões de identidade de gênero acontecem frequentemente aos 2 anos de idade, tendo seu auge por volta da faixa etária de 6 anos.
Com o tempo, a percepção da própria identidade vai se consolidando ou se modificando, de acordo com as experiências subjetivas, relações sociais, cultura, ambiente e autoconhecimento.
É importante ressaltar que muitas vezes a formação da identidade de gênero é reforçada pelo papel social de gênero, ou seja, às normas e expectativas sociais sobre como uma pessoa de determinado gênero deve se comportar, falar, pensar, vestir e se relacionar.
Por exemplo: na sociedade ocidental tradicional, defende-se que as meninas devem brincar de bonecas e usar roupas em cor rosa, enquanto aos meninos, atribui-se o futebol e a cor azul.
Embora muitas crianças tenham sua identidade de gênero fixada ainda na infância, para outras, esse processo pode estar ainda em curso durante a adolescência e até mesmo na fase adulta. Ela pode ser fluida ou passar por transformações e mudanças, pois não há uma forma certa ou errada de vivenciar o gênero.

Identidade de gênero na vida cotidiana
Você já parou para pensar como a identidade de gênero influencia a sua forma de ver a si mesmo?
Os modos como você se apresenta, o nome que escolhe, os pronomes que usa, as roupas que veste, como se comporta, são características de uma expressão não apenas de identidade, mas também de gênero.
A expressão de gênero é a forma como comunicamos nosso gênero ao mundo. Em outras palavras, trata-se do conjunto de elementos físicos que escolhemos para compor a nossa imagem. Corte de cabelo, tatuagens, roupas, acessórios, modos de falar e se comportar, são elementos dessa expressão, podendo ou não estar em conformidade com características estabelecidas socialmente.
É importante destacar que expressão de gênero não é sinônimo de identidade de gênero. Uma mulher pode usar roupas consideradas masculinas e continuar se identificando como mulher. Um homem pode não performar características consideradas de “masculinidade” e continuar se identificando como homem.
Nesse sentido, perceber e legitimar a diversidade de gênero e a multiplicidade de formas de expressão de gênero no mundo, é um ato de reconhecimento de existência.

Diversidade de gênero: cis, trans, não-binário e outras vivências
Chegamos até aqui sabendo que existe uma diversidade de identidades de gênero que está em constante formação e transformação. As palavras evoluem para nomear experiências que sempre existiram, mas que nem sempre foram reconhecidas socialmente.
Veja a seguir as identidades de gênero mais comuns:
| Identidades de gênero | Definição |
|---|---|
| Cisgênero | Pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao sexo atribuído no nascimento. |
| Transgênero | Pessoa cuja identidade de gênero é diferente do sexo atribuído ao nascer. |
| Não-binária | Pessoa que não se identifica exclusivamente como homem ou mulher. Pode ter uma identidade fluida, mista, neutra ou fora do binário tradicional. |
| Agênero | Pessoa que não se identifica com nenhum gênero. Também pode se descrever como sem gênero ou de gênero neutro. |
| Bigênero | Pessoa que se identifica com dois gêneros, podendo alternar entre eles ou vivenciá-los simultaneamente. |
| Queer | Pessoa que não se identifica com os padrões de gênero impostos socialmente e transita entre os gêneros. Termo político e identitário, que passou a ser apropriado enquanto um dispositivo de resistência. |
O termo queer foi ressignificado politicamente: de ofensa, tornou-se símbolo de resistência e liberdade diante das normas de gênero tradicionais.
Impactos da negação da identidade de gênero
Negar ou deslegitimar a identidade de gênero de uma pessoa tem consequências graves, tanto em nível individual quanto social.
Essa negação pode acontecer de forma direta, como quando alguém se recusa a usar o nome ou os pronomes corretos em relação a outra pessoa, ou de forma estrutural, por meio da exclusão em políticas públicas, ambientes escolares, mercado de trabalho ou serviços de saúde.
Entre os impactos mais conhecidos está a disforia de gênero, uma condição caracterizada por sofrimento emocional intenso recorrente da incongruência entre a identidade de gênero e o corpo ou as expectativas sociais.
No entanto, os efeitos não se limitam a isso. Apesar de haver poucos estudos oficiais no Brasil, a alta nos índices de mortalidade e violência de pessoas transexuais, travestis e não-binárias está diretamente relacionada ao expressivo número de casos de transtorno de ansiedade, depressão, automutilação, suicídio e ideação suicída.
Em 2015, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) elaborou o estudo “Transexualidades e Saúde Pública no Brasil” que aponta um dado alarmante: 85,7% dos entrevistados (homens trans/transculinos) já pensaram em suicídio e/ou tentaram cometer o ato.
Isso se dá porque a discriminação e a falta de apoio psicossocial se manifestam como fatores de adoecimento psíquico, interferindo diretamente na qualidade de vida de pessoas transexuais, travestis e não-binárias.
Estudos sobre identidade de gênero: estudiosos e pesquisadores que você precisa conhecer
São diversos os(as) autores(as) que investigam os estudos de identidade de gênero a partir de diferentes perspectivas, entre elas, a filosofia, a psicologia, e a psicanálise, que discute a sexualidade desde Freud.
As pesquisas desses estudiosos e estudiosas ajudaram a desconstruir ideias fixas sobre o que é ser mulher, homem ou qualquer outra identidade, mostrando que o gênero é uma construção social, histórica e subjetiva.
Conheça alguns nomes importantes no tema abaixo:
Simone de Beauvoir
Filósofa existencialista francesa, autora de O Segundo Sexo (1949), onde afirma: "Não se nasce mulher, torna-se mulher". Sua análise do gênero como construção social e não como essência natural abriu caminhos para os estudos feministas e de gênero.

Judith Butler
Filósofa norte-americana, autora de Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade (2003), uma das obras mais influentes sobre o tema. Butler propõe que o gênero não é algo que “somos”, mas algo que “fazemos”, ou seja, ele é performativo. Sua obra ajuda a compreender como as normas sociais moldam nossas identidades.

Paul B. Preciado
Filósofo e ativista espanhol, autor de Manifesto Contrassexual (2000) e Dysphoria Mundi (2022). Explora as tecnologias de gênero, o biopoder e a transgressão das normas sexuais. É um pensador fundamental para quem quer entender as políticas do corpo e do desejo.

Letícia Nascimento
Autora e pedagoga brasileira, é referência contemporânea nos estudos sobre feminismos e transexualidade. Escreveu Transfeminismo (2021), obra na qual explora conceitos como “mulheridade”, apontando os diferentes modos pelos quais podemos produzir experiências sobre “ser mulher”.

Perguntas frequentes sobre identidade de gênero
O que é identidade de gênero?
É a forma como você se identifica e se reconhece enquanto pessoa.
Identidade de gênero é o mesmo que orientação sexual?
Não. Identidade de gênero é quem você é, e a orientação sexual é por quem você sente atração. São dimensões diferentes, embora se relacionem.
O que é disforia de gênero?
É o sofrimento, mal-estar ou desconforto causado pela desarmonia entre o corpo biológico e a identidade de gênero. Nem toda pessoa trans tem disforia.
Referências:
