A fenomenologia é uma das correntes filosóficas mais influentes do século XX. Fundada por Edmund Husserl, ela propõe um retorno “às coisas mesmas”, buscando compreender a experiência humana tal como é vivida, antes de qualquer interpretação teórica ou científica.
Este artigo reúne as principais perguntas e respostas sobre o tema, explicando o conceito, o método e a relevância da fenomenologia — além de destacar a importância de pensadores como Husserl e Martin Heidegger para essa tradição do pensamento contemporâneo.
O artigo abordará os seguintes tópicos:
A fenomenologia ganhou mais relevância a partir do início do século XX como uma abordagem filosófica pelo seu foco particular em estudar os fenômenos a partir da perspectiva da experiência consciente.
Contudo, ela não entende a consciência de forma isolada, mas sempre a partir de um fenômeno e das percepções do indivíduo. Ou seja, fenomenologia é o estudo que procura entender como a consciência interpreta esses fenômenos.
Este método filosófico não se restringe apenas ao campo da filosofia, mas também dialoga com outras áreas, como a psicologia, a educação, a ciências da cognição e tantos outros.
O que é fenomenologia?
Fenomenologia é uma vertente filosófica que busca estudar os fenômenos e a percepção do indivíduo a partir da experiência consciente, ou seja, como ela se revela para o indivíduo.
A palavra “fenomenologia” vem do grego phainómenon que significa aquilo que aparece. E esta traz luz exatamente para as aparências das coisas, como elas se apresentam e como são vividas em primeira pessoa.
Portanto, a fenomenologia não é apenas sobre observar o que é, mas também compreender como algo se manifesta a partir de uma perspectiva da experiência subjetiva.
Recentemente o termo fenomenologia tem tomado forma quanto à caracterização das qualidades sensoriais, como a visão e audição. Entretanto, essa experiência subjetiva é mais complexa, uma vez que ela une as sensações à experiência individual.
Com isso, o método fenomenológico aborda o significado que os objetos, eventos, o tempo e outros fenômenos que se manifestam e como são experienciados no cotidiano e na vida.
Edmund Husserl é considerado o pai da fenomenologia e quando desenvolveu o conceito de intencionalidade, que será abordado mais adiante, trouxe uma nova perspectiva para o sentido de existência.
Posteriormente, outros nomes como Heidegger, Merleau-Ponty e Sartre articularam outras visões na fenomenologia, inserindo outros elementos como linguagem e contexto cultural na formação da experiência.

Edmund Husserl e a origem da fenomenologia
Edmund Husserl nasceu no dia 8 de abril de 1859 em Prossnitz, na Morávia, no então Império Austríaco e atual República Tcheca.
Husserl é considerado o fundador da fenomenologia moderna. Ele buscou estabelecer uma ciência rigorosa da experiência que fosse capaz de descrever os fenômenos da consciência sem influência externa.

Iniciou seus estudos em astronomia, matemática, física e filosofia, em Berlim. Entretanto, em 1881, quando foi para Viana completar seu doutorado em matemática, Husserl teve contato com Franz Brentano, figura que teve grande influência para que Edmund se dedicasse à filosofia.
Apesar de relevantes publicações em livros, Husserl tinha o hábito de escrever diariamente e seus manuscritos são considerados a parte mais extensa e rica da sua produção filosófica. Estima-se que toda sua produção reúna mais de 45 mil páginas.
Husserl sofreu grande influência de seu mentor Brentano, Bolzano, Leibniz, Descartes, Kant; assim como da tradição grega, escolástica e empirismo inglês.
O pensamento de Husserl é uma proposta de reformulação da filosofia. A fenomenologia como disciplina, para ele, era a base para a história da filosofia, contrapondo-se, portanto, à filosofia positivista, refutando as ideias já estabelecidas de ética, epistemologia e metafísica.
Sendo assim, a fenomenologia foi uma proposta de superação do psicologismo e da idealidade que o conhecimento científico pressupõe, com a metafísica, ética e epistemologia.
Com isso, ele buscou investigar a percepção, a crença, o julgamento e o conhecimento, unindo a psicologia e as leis da lógica. Portanto, Husserl faz um diálogo entre a certeza e exatidão da lógica com a natureza empírica da consciência.
Para entender os conteúdos da consciência ou das vivências, Husserl debruçou-se sobre o estudo da relação entre a experiência e a forma como a consciência experiencia o fenômeno.
Em Investigações Lógicas (1900-01), Husserl desenvolveu a ideia de que a experiência consciente seria o elemento-chave para a reflexão filosófica. Husserl coloca que a consciência é sempre “consciência de algo”, o que chamou de intencionalidade.
Portanto, a fenomenologia é um método filosófico que Husserl desenvolveu para descrever a experiência da forma como ela se manifesta à consciência, buscando encontrar os pilares essenciais da consciência em sua forma mais pura e sem interferência de teorias externas.
A fenomenologia husserliana pode ser entendida como estudo da consciência e vivência em primeira pessoa. Ou seja, já olhar para as experiências sensoriais juntamente com as experiências do agir, buscando desvelar a essência das coisas ao voltar às coisas mesmas, isto é, à consciência dos atos.
Pensadores e filósofos posteriores, como Heidegger, Sartre, Ponty, Derrida e tantos outros, recorreram a Husserl em suas ideias, ainda que para tecer críticas ou desenvolver seu pensamento, reafirmando a importância de Edmund Husserl para a filosofia do século XX.
Principais conceitos da fenomenologia husserliana:
Intencionalidade:
Husserl trouxe este conceito em sua obra Investigações Lógicas (1900-01). A intencionalidade diz que toda consciência é consciência de algo e essa relação constitui o sentido da experiência.
Toda consciência é consciência de algo.

Epoché:
Este é um conceito fundamental para compreender a filosofia de Husserl. Quando se resgata a origem da palavra, Epoché vem do grego que significa “suspensão do juízo”.
Sendo assim, Epoché é o esforço por compreender a experiência mais pura do fenômeno. Isto é, a suspensão de crenças e julgamentos sobre o mundo para observar o fenômeno como ele é vivido.
Redução fenomenológica:
Este é um conceito que diz sobre analisar as experiências puras da consciência, incluindo a percepção, a memória e o tempo vivido.
Na redução fenomenológica são necessários alguns passos metodológicos para que a fenomenologia consiga atingir o seu foco principal: a experiência consciente.
- A epoché seria o primeiro passo para o que o seu chamaria de redução transcendental. É a partir da suspensão do juízo que se tira o véu da ingenuidade sobre aquilo que já temos pressuposto e, então, somos capazes de entender as representações puras dos fenômenos. Com isso, como Husserl colocou, seria possível colocar as coisas que são externas entre parênteses.
- Posteriormente, seria possível chegar à redução propriamente dita, que seria um momento em que se alcança a experiência subjetiva, sendo possível ver o mundo como um conjunto de fenômenos formados e apreendidos pela consciência.
Portanto, a redução fenomenológica seria um método que permite alcançar a essência da consciência, ou seja, um conhecimento adquirido que não está preso e condicionado ao idealismo do conhecimento científico e nem ao psicologismo.
Heidegger e a fenomenologia existencial
Martin Heidegger foi um discípulo de Husserl que trouxe um olhar crítico para a fenomenologia husserliana e a reformulou colocando o foco na questão do ser.
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Heidegger desloca a análise da consciência para a análise da existência humana, o ser-aí (Dasein). O filósofo argumenta que o ser humano não é um sujeito isolado que observa o mundo, mas, sim, um ser‑no‑mundo, portanto, inserido nos contextos práticos, sociais e históricos.
Heidegger foi o assistente de Husserl no período entre 1919 e 1923. Apesar de terem uma boa relação profissional, posteriormente Husserl fez grandes críticas ao pensamento de Husserl.
Para Heidegger, a fenomenologia seria o que ele chamou de “ontologia fundamental”. Ou seja, uma disciplina que permite compreender as estruturas fundamentais do ser e da existência humana.
Diferentemente de Husserl , Heidegger parte da análise do ser, uma vez que ele é o único ente capaz de ter uma compreensão de si mesmo e do Ser.
Principais conceitos da fenomenologia heideggeriana:
Ser‑no‑mundo: o Dasein diz respeito a uma existência a partir de um envolvimento e não de forma isolada. Portanto, o Dasein existe condicionado à relação com o mundo e com os outros.
Autenticidade: Heidegger dizia que a vida cotidiana pode nos afastar de nossa essência. Desta forma, a existência autêntica está relacionada a uma totalidade individual, descolada de normas compartilhadas, e ao reconhecimento de si.
“porque o Dasein se perde no ser, ele precisa primeiro encontrar a si mesmo. Para se encontrar , ele precisa ser 'mostrado' a si mesmo em sua possível autenticidade”
Ser‑para‑a‑morte: a consciência da mortalidade é fundamental para a compreensão da existência, porque isso permite que o ser humano dê significado à vida e às suas escolhas.
Como foi possível perceber, Heidegger traz para o centro da fenomenologia uma ontologia da existência, diferentemente de Husserl que propõe uma teoria da consciência.
Autores importantes da fenomenologia
A fenomenologia foi ganhando corpo e novas perspectivas durante os anos. Alguns pensadores marcaram a história da fenomenologia trazendo discussões e conceitos que são debatidos e estudados até os dias atuais.
Maurice Merleau‑Ponty
Maurice Merleau-Ponty desenvolveu uma fenomenologia do corpo e da percepção a partir de uma crítica à visão de corpo e mente separadamente. Para ele, o corpo não é objeto, mas sim um corpo-sujeito, ou seja, um meio pelo qual nos relacionamos com o mundo.
Jean‑Paul Sartre
Sartre trabalha a fenomenologia como uma filosofia da liberdade. Quando ele diz que o ser humano está condenado à liberdade e à responsabilidade por suas escolhas, Sartre coloca o indivíduo como consciente de seus atos, definindo sua existência.
Emmanuel Levinas
Levinas propõe uma virada ética na fenomenologia de Husserl quando coloca a relação com o “outro” como foco. O rosto do outro nos provoca a responsabilidade e à ética, rompendo o egoísmo do “eu”.
A fenomenologia em outras áreas
Embora a fenomenologia tenha surgido de reflexões do campo da filosofia, ela se desdobrou em outras áreas do conhecimento. Por buscar compreender a experiência vivida, ela influenciou campos como psicologia, educação e outros, permitindo análises mais profundas da subjetividade e das relações humanas no cotidiano.
Na Psicologia: talvez este seja o mais claro de entender a relação. A fenomenologia traz fundamentos de métodos que investigam experiências subjetivas, emoções e percepções neste campo.
Por exemplo, para a psicologia fenomenológica importa mais o como uma pessoa vive determinado fenômeno do que quantas vezes ele se manifesta.
Educação: colocar luz e valor sobre a experiência do aprendizado e do estudante contribui para repensar o processo de ensino‑aprendizagem.
Estudos de subjetividade: investiga a consciência corporal, a auto‑percepção e a relação entre corpo e mundo.
Arte e estética: analisa como a experiência sensível e a percepção participam da criação e da fruição artística.
Fenomenologia hoje
Na contemporaneidade, a fenomenologia mantém relevância ao dialogar com as ciências humanas e cognitivas. A fenomenologia também contribui para debates sobre identidade, ética, autoconhecimento e o cotidiano que é moldado pela realidade e que nos molda.
A fenomenologia nada mais é do que uma proposição de maneiras para compreender a si mesmo, o mundo e as relações que o interpelam. Ou seja, é uma atitude diante do conhecimento e da existência.
Husserl foi quem inaugurou o estudo da experiência e autores subsequentes, como Heidegger, ampliaram a questão do ser e desenvolveram questões e reflexões sobre os desdobramentos existenciais.
Portanto, a fenomenologia segue até os dias atuais como um elo entre filosofia e ciência, entre reflexão e vida, reafirmando a importância de compreender o ser humano a partir de sua própria experiência, e como disse Husserl, um retorno constante às coisas mesmas.
Perguntas frequentes sobre Fenomenologia
Qual é o conceito de fenomenologia?
A fenomenologia é uma vertente filosófica que investiga como os fenômenos se revelam à consciência, buscando compreender a experiência vivida e o sentido das coisas a partir da percepção individual em primeira pessoa.
O que é abordagem fenomenológica?
A abordagem fenomenológica é um método que busca compreender a experiência humana tal como é vivida, descrevendo os fenômenos da consciência a partir da percepção individual, sem interferências externas. Ela valoriza o sentido e a forma como o mundo se manifesta ao sujeito.
O que é o método fenomenológico?
O método fenomenológico é uma ferramenta filosófica usada para analisar as experiências conscientes em sua essência, suspendendo julgamentos prévios (epoché). Seu objetivo é compreender como os fenômenos se revelam à consciência e assumem significado na vivência subjetiva do indivíduo.
Quem é o pai da fenomenologia?
Edmund Husserl é considerado o pai da fenomenologia, corrente filosófica desenvolvida a partir do século XX. Ele propôs uma reformulação da filosofia ao buscar sistematizar uma ciência rigorosa da experiência para descrever os fenômenos da consciência.
Como explicar fenomenologia?
A fenomenologia é uma abordagem que investiga a experiência humana por meio da descrição e análise dos fenômenos, compreendendo como eles se manifestam à consciência e adquirem significado a partir da percepção subjetiva do mundo.
Referências:
Pensadores (Vol. XLI). (1975). Investigações Lógicas (Ed. : Husserl / Merleau-Ponty).
Stanford Encyclopedia of Philosophy. (2013). Phenomenology. In The Stanford Encyclopedia of Philosophy.
Stanford Encyclopedia of Philosophy. (2025). Martin Heidegger. In The Stanford
Encyclopedia of Philosophy.
Stanford Encyclopedia of Philosophy. (2025). Edmund Husserl. In The Stanford Encyclopedia of Philosophy.



