Provavelmente a palavra “ceticismo” não é estranha para você. Sabe o ditado “ver para crer”? Ele exemplifica o pensamento comum do que é o cético: aquele que não acredita em nada. Mas não é bem assim. Talvez você não conheça o verdadeiro significado, nem onde, nem quando o ceticismo começou.
Um spoiler que podemos te dar é que foi ainda na Grécia Antiga e a teoria cética foi se ressignificando com o passar dos anos e com as novas ideias dos filósofos da história. Vem entender o que é ceticismo, sua transformação ao longo do tempo e como você pode aplicar – e talvez já até aplique – no seu dia a dia.
O artigo abordará os seguintes tópicos:

O que é ceticismo na filosofia?
A palavra “ceticismo” vem do grego “sképsis”, que significa “exame, investigação”. E é exatamente isso que essa corrente filosófica propõe.
O ceticismo na filosofia é uma corrente que tem como base a dúvida sistemática e a suspensão do juízo.
Em outras palavras, essa vertente sustenta que é preciso questionar crenças, descrenças, opiniões e verdades já estabelecidas para alcançar a tranquilidade da alma.
Para resumir: as 3 ideias fundamentais do ceticismo
- Questionamento de tudo: a dúvida como ferramenta crítica diante do saber e das crenças.
- Suspensão do juízo (epoché): suspender o julgamento de algo, sem negar nem afirmar nada categoricamente (dúvida saudável).
- Busca pela ataraxia (imperturbabilidade): é o alcance da tranquilidade ao aceitar as incertezas. A felicidade está no não julgamento das coisas.
Apesar de questionar a possibilidade de alcançar o conhecimento de forma absoluta, o ceticismo não nega o conhecimento em si, mas propõe uma atitude de suspensão de juízo diante das certezas ou incertezas.
O origem do “ceticismo”
O ceticismo surge na filosofia antiga com Pirro de Élis (c. 360–270 a.C.), que é considerado o pai desta corrente filosófica.
Entretanto, é possível encontrar precursores do ceticismo em alguns dos principais filósofos da história, como Demócrito de Abdera e Aristóteles. Ainda que esta doutrina não estivesse fundamentada, já trazia pensamentos que continham elementos filosóficos céticos.
Marcondes (2007) exemplifica esses sinais pré-existentes do ceticismo com o princípio da não-contradição, de Aristóteles, o qual diz que uma proposição não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente, exigindo prova de ambas as possibilidades.
Contudo, Pirro de Élis é conhecido como o pai do ceticismo. Para ele, a suspensão do juízo (epoché) conduzia à ataraxia, isto é, à tranquilidade da alma, uma vez que evita o sofrimento causado pela frustração com verdades inquestionáveis.
Diferentemente do dogmatismo (verdades definitivas), o ceticismo filosófico assume uma postura crítica diante das certezas incontestáveis.
Por meio da reflexão crítica e do reconhecimento dos limites do conhecimento humano, o ceticismo propõe uma postura investigativa diante da realidade e da experiência.
Ter uma atitude cética é não aceitar afirmações sem um exame rigoroso. É duvidar tanto dos sentidos quanto da razão, não aceitando nenhum como fundamento inquestionável do conhecimento verdadeiro.
Esse questionamento radical contribuiu para o desenvolvimento do pensamento filosófico moderno, influenciando pensadores como Descartes, que utilizou a dúvida como método para alcançar certezas indubitáveis.
Ceticismo Antigo
O ceticismo antigo é uma corrente filosófica que tem como característica a dúvida filosófica e a suspensão do juízo quanto à possibilidade de alcançar verdades absolutas.
O ponto central do ceticismo de Pirro está na suspensão do juízo (epoché), ou seja, não aceitar nem negar uma proposição.
Segundo essa vertente, como não é possível ter certeza sobre as coisas, questiona-se a capacidade humana de alcançar conhecimento definitivo.
O ceticismo compartilha com as principais correntes da filosofia helenística – o estoicismo e o epicurismo – uma preocupação essencialmente ética, ou prática.
Pirro de Élis
O ceticismo antigo foi uma escola filosófica do período helenístico, tendo Pirro de Élis (360–270 a.C.) como seu principal fundador.

Pirro desenvolveu um ceticismo radical, o qual negava a possibilidade de alcançar qualquer forma de conhecimento seguro ou estável.
Assim como Sócrates, Pirro entendia a filosofia não como uma doutrina, mas como uma prática e um modo de viver. Portanto, foi seu discípulo Timon o responsável por transmitir as ideias de forma oral ou poética as ideias do filósofo.
Entretanto, foi com Sexto Empírico, séculos depois, que tivemos os primeiros registros escritos do ceticismo pirrônico.
Assim, conhecemos as 3 questões fundamentais de Pirro:
- Qual a natureza das coisas?
- Como devemos agir em relação à realidade que nos cerca?
- Quais as consequências dessa nossa atitude?
Para alcançar as respostas para essas perguntas, Pirro seguiu uma linha de pensamento.
Basicamente, o ceticismo fala sobre a postura de constante questionamento diante das muitas ideias ou teorias sobre a verdade (dogmatismo). Essas ideias não estão em acordo (diaphonia), já que são excludentes (para uma estar correta, a outra está errada).
Com isso, como não existe uma maneira totalmente confiável de saber qual ideia está certa ou é superior, todas acabam tendo a mesma relevância (isosthenia).
Ao entender isso, deixa-se de lado a ansiedade da busca pela verdade e pela certeza.
Desta forma, é possível encontrar-se livre das inquietações da busca pelo conhecimento inquestionável, alcançando a tranquilidade da alma (ataraxia), já que houve a libertação da necessidade de provar se algo é verdadeiro.
É dessa forma que devemos entender o objetivo primordial da filosofia de Pirro: atingir a ataraxia (imperturbabilidade), alcançando assim a felicidade (eudaimonia).
Sexto Empírico
O filósofo Sexto Empírico viveu entre os séculos II e III d.C. e foi quem primeiro sistematizou o ceticismo antigo. Recebeu o nome “Empírico” porque pertencia à Escola Empírica de Medicina.

Em suas obras, especialmente nos Esboços Pirrônicos, ele reuniu e organizou os argumentos céticos desenvolvidos durante séculos.
Sexto mantém a interpretação de epoché como a suspensão do juízo e reforça a busca pela tranquilidade da alma (ataraxia).
Como Sexto Empírico responderia à questão: “o que é ceticismo?”
Ele diria que é uma habilidade, não um conjunto de crenças, retomando a ideia de Pirro de que o ceticismo é uma postura, uma atitude diante das certezas já apresentadas.
Embora Pirro seja considerado o pai do ceticismo, outros pensadores já propunham ideias que poderiam ser consideradas céticas no pensamento antigo.
Para Sexto Empírico, Pirro “parece ter se dedicado ao ceticismo de forma mais completa e explícita que seus predecessores” e, por isso, os céticos se autodenominavam pirrônicos.
Então, Sexto, em Hipotiposes pirrônicas, diz que “há três tipos de filosofia: a dogmática, a acadêmica e a cética”.
- Dogmática:
Afirma conhecer a verdade com certeza, acreditando que suas doutrinas correspondem à realidade objetiva. - Acadêmica:
Nega ser possível alcançar o conhecimento verdadeiro, afirmando que a verdade é inacessível ao ser humano. - Cética:
Nem afirma, nem nega a verdade; suspende o juízo para alcançar a tranquilidade (ataraxia).
Para você compreender melhor na linha do tempo a trajetória de desenvolvimento dos diversos caminhos do pensamento pensamento filosófico considerados céticos na antiguidade, preparamos a tabela abaixo:
Fases do ceticismo | Período | Principais filósofos | Principais características |
---|---|---|---|
Protoceticismo | Século VI a.C. | Pré-socráticos (referidos por Aristóteles) | Questionamentos iniciais sobre o conhecimento e a realidade. |
Ceticismo de Pirro de Élis | 360–270 a.C. | Pirro de Élis; Tímon de Flios (discípulo) | Suspensão do juízo (epoché) e busca pela imperturbabilidade (ataraxia). |
Ceticismo Acadêmico | 270–110 a.C. | Arcesilau, Carnéades, Clitômaco | Crítica ao dogmatismo; uso de argumentos probabilísticos. |
Declínio do Ceticismo Acadêmico | A partir de c.110 a.C. | Fílon de Larissa | Transição para uma filosofia mais dogmática dentro da Academia. |
Ceticismo Pirrônico | Século I a.C. ao II d.C. | Sexto Empírico, Enesidemo de Cnossos | Retomada do pirronismo original (epoché e ataraxia); sistematização dos argumentos céticos. |
Como você pode perceber, o ceticismo antigo passou por diversas fases, cada uma com sua especificidade, mas todas apresentaram algo em comum: a dúvida como ponto de partida e a crítica à possibilidade de se alcançar um conhecimento absoluto.
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Ceticismo moderno: Descartes e Hume
No ceticismo moderno, temos René Descartes e David Hume como duas abordagens diferentes quanto à questão do conhecimento.
O ceticismo moderno, de maneira geral, é uma vertente filosófica que tem como características a dúvida e o questionamento das verdades já estabelecidas.
Descartes propôs um modelo cético quando introduz a dúvida metódica como caminho para a certeza.
Ele desconfiava de todas as crenças que possam ser colocadas em dúvida, inclusive as sensoriais e matemáticas.
Porém, assim como propõe o conceito de ceticismo, Descartes não negava o conhecimento. Ele pretendia encontrar um fundamento sólido e seguro para ele.
Na construção do indivíduo enquanto ser pensante, na conclusão do argumento do cogito (Penso, logo existo), Descartes traz uma nova perspectiva sobre a natureza do conhecimento, a razão.
Por outro lado, David Hume adota um ceticismo empírico, com uma crítica mais forte quanto à razão como única fonte confiável de conhecimento.
Ele coloca a razão como limitada e a experiência assume o lugar de elemento validador do saber.
Um dos questionamentos centrais de Hume é quanto aos princípios racionais, como a causalidade, e as certezas metafísicas, a certeza absoluta sobre verdades fundamentais da realidade.
Para ele, a ideia de causa não é derivada da razão, mas de um hábito mental adquirido pela repetição de eventos.
Apesar de Descartes tentar superar o ceticismo através da razão e Hume apontar seus limites, expondo as vulnerabilidades das crenças humanas, ambos contribuíram para a filosofia moderna ao explorar a relação entre razão e experiência como caminhos que o indivíduo percorre para a compreensão da realidade.
Ceticismo radical, moderado e metodológico
Como dito no início do texto, ceticismo é uma palavra popular que muitos conhecem como a atitude de quem duvida de tudo.
Entretanto, o ceticismo, como atitude filosófica, pode se apresentar de diferentes maneiras, desde as mais radicais até as mais pragmáticas.
Os 3 principais tipos de ceticismo são: o ceticismo radical, o moderado e o metodológico.
Ceticismo radical
O ceticismo radical nega a possibilidade de conhecimento. O cético radical leva a dúvida à última instância, suspeitando tanto da razão quanto da experiência, portanto, assumindo a suspensão completa do juízo.
Ceticismo moderado
O ceticismo moderado já assume uma atitude mais moderada quanto à possibilidade de saber. Ele reconhece os limites do conhecimento, porém aceita algumas verdades, não de forma absoluta, mas sem negar totalmente o saber.
Apesar de David Hume, muitas vezes, ser rotulado como cético radical, por duvidar da própria razão, ele valoriza tanto o conhecimento empírico como o prático.
Ceticismo metodológico
Por fim, o ceticismo metodológico adota a dúvida como meio pelo qual se pode atingir a certeza.
Descartes é o exemplo claro desse tipo de ceticismo, uma vez que ele desenvolveu um método de investigação baseado na razão que, através da dúvida de tudo, busca encontrar uma verdade inquestionável.
Resumindo: o cético radical nega o saber; o moderado assume a possibilidade do saber, não de forma absoluta; o metodológico utiliza a dúvida como ferramenta para a investigação e reflexão filosófica.
Perguntas frequentes
O que é uma pessoa ceticista?
Uma pessoa ceticista ou cética é aquela que duvida da veracidade das informações, do conhecimento posto ou das crenças.
Ela não aceita ideias apresentadas a ela. Na verdade, ela busca evidências e argumentos claros para fundamentar a opinião. Para isso, ela adota essa postura tanto na vida quanto na filosofia.
Qual é o conceito de ceticismo?
O ceticismo é uma corrente filosófica que propõe uma postura questionadora quanto à possibilidade do conhecimento absoluto.
Para esse pensamento, a dúvida é uma ferramenta de investigação da verdade, tendo em vista os limites da razão, das experiências e das crenças.
O que é ter postura cética?
Ter uma postura cética é adotar uma atitude de questionamento frente às informações ou crenças que lhe são expostas.
Ser cético é não aceitar as certezas apresentadas sem refletir e analisar as evidências ou argumentos que as compõem.
Quando se assume essa postura, você constrói um pensamento crítico que te ajuda a ter compreensão racional da realidade, evitando conclusões erradas ou sem embasamento que podem distorcer a sua visão do mundo.
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Referências
CASE, T. A.; KLEIN, P. D. Skepticism. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2022.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
HUTCHINS, Robert M. (Ed.). História das grandes ideias do mundo ocidental. Coleção Os Pensadores, v. 1. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1973.