Psicanálise

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Neurose, psicose e perversão: qual a diferença?
Gabriel Cravo Prado
Neurose, psicose e perversão: qual a diferença?
Saiba diferenciar as estruturas psíquicas neurose, psicose e perversão e identifique os seus sintomas pela teoria de Freud sobre as origens inconscien

A compreensão de neurose, psicose e perversão é fundamental para entender os conceitos centrais da teoria psicanalítica. Essas estruturas clínicas descrevem diferentes maneiras pelas quais o sujeito se relaciona com o mundo externo. Neste artigo, vamos explorar as principais diferenças entre neurose, psicose e perversão, suas origens e nas manifestações clínicas.



Neurose: conflito e recalque

É uma estrutura clínica que os sintomas manifestados funcionam como uma expressão simbólica de um conflito psíquico subjacente, cujas raízes podem ser rastreadas na história infantil do indivíduo.

Esse conflito origina-se de um compromisso entre os desejos inconscientes e os mecanismos de defesa, os quais buscam mitigar o impacto do desejo reprimido ou não realizado. Esse fenômeno é muitas vezes interpretado como um reflexo de tensões internas não resolvidas, que emergem na forma de distúrbios psicológicos ou somáticos.

Na estrutura neurótica, encontram-se dois possíveis diagnósticos que auxiliam o psicanalista na direção do tratamento, a histeria e a neurose obsessiva. Ambas representam características e sintomas específicos e se distinguem pelos mecanismos de defesa e por maneiras particulares de manifestação do conflito psíquico.

Histeria As duas formas sintomáticas mais comuns da histeria são a histeria de conversão e a histeria de angústia. Na histeria de conversão, o conflito psíquico se manifesta por meio de sintomas corporais diversos, que podem ter um caráter mais exacerbado. Já na histeria de angústia, a angústia tende a se fixar em um objeto específico do mundo externo, resultando em fobias.

Mesmo na ausência de sintomas evidentes, como fobias ou conversões físicas, a especificidade da histeria está ligada a certos mecanismos psicológicos, especialmente o recalque (muitas vezes perceptível), e à predominância de determinadas identificações. Além disso, a histeria está profundamente associada ao conflito edipiano, com seus desdobramentos nos registros libidinais fálico e oral, que desempenham um papel central na dinâmica emocional do sujeito.
Neurose Obsessiva Nessa condição, o conflito psíquico manifesta-se por meio de sintomas compulsivos, como pensamentos obsessivos, a compulsão para realizar atos indesejados, resistência interna a essas tendências, rituais repetitivos, entre outros. Além disso, um traço distintivo desse tipo de neurose é a predominância de um modo de pensar caracterizado pela ruminação mental, pela dúvida constante, pelos escrúpulos, o que frequentemente resulta em inibições tanto do pensamento quanto da ação.

Freud, ao longo do tempo, foi refinando sua definição das neuroses obsessivas, considerando suas manifestações e origens psíquicas, com ênfase nos conflitos inconscientes que geram essas condições.



Os sintomas neuróticos são, muitas vezes, uma representação simbólica de conflitos não resolvidos. São manifestações de uma luta interna entre o desejo e as exigências do mundo externo, ou seja, uma expressão de um desejo que não pode ser satisfeito diretamente e com isso se instaura o sintoma como uma formação de compromisso entre essas forças conflitantes.

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O que é psicose: a perda de contato com a realidade

Para Freud, a psicose se caracteriza por uma ruptura fundamental entre o sujeito e a realidade externa, indo além de simples sintomas de sofrimento psíquico, como ocorre nas neuroses.

A principal distinção entre a psicose e a neurose, segundo Freud, é que o psicótico não possui a capacidade de reconhecer sua distorção da realidade. Enquanto o neurótico é capaz de perceber a disfunção de seus pensamentos e emoções, o psicótico vivencia um mundo completamente alterado, frequentemente marcado por delírios e alucinações.

Freud via a psicose como uma reconstrução inconsciente de uma realidade delirante ou alucinatória, onde o sujeito, isolado em sua própria interpretação do mundo, perde a conexão com a experiência compartilhada pela sociedade.

Nesse sentido, a psicose foi entendida como uma reorganização psíquica que busca substituir a realidade externa por uma versão interna.

Afinal, o que é loucura?

O que a ideia de “normalidade” realmente significa? A psicanálise, desde seu início, desafia a ideia de “normalidade” como uma condição vista como “natural” do ser humano, e apresenta uma concepção mais nuançada dessa ideia. O professor, psiquiatra e psicanalista Marcelo Veras desvenda esses pensamentos no curso Somos Todos Loucos? De Perto, Ninguém é Normal.

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O que é perversão: desejo e transgressão

Freud reformula a concepção de perversão, distanciando-a das interpretações populares que a viam como um simples desvio da norma socialmente estabelecida.

Embora a palavra "perversão" já fosse utilizada antes de Freud para descrever comportamentos que se afastavam do que era considerado sexualmente normal ou aceitável em uma determinada sociedade, Freud atribui a essa noção um significado mais profundo, relacionado aos processos inconscientes da pulsão.

Para ele, a perversão não é apenas um desvio do comportamento socialmente esperado, mas um desvio da própria pulsão, que, em vez de alcançar o objeto tradicional de desejo, se desvia para outras formas de satisfação.

Ele também articula a perversão dentro de uma estrutura clínica mais ampla.

Nesse contexto, a perversão é associada à maneira como o sujeito lida com a castração, um conceito fundamental na psicanálise. Ao contrário da neurose e da psicose, onde a castração é enfrentada de outras formas, a perversão é uma maneira de negar a castração.

Essa negação não é uma simples rejeição, mas um modo de estruturar a sexualidade de forma a evitar o reconhecimento da falta, substituindo-a por uma busca incessante por objetos que permitam uma satisfação contínua, muitas vezes sem finalização.

Como aprender mais sobre a teoria psicanalítica

Quer se aprofundar nos conceitos de neurose, psicose e perversão e entender como eles se articulam na teoria psicanalítica? Na Casa do Saber +, você encontra aulas online com grandes nomes da psicanálise que explicam essas estruturas de forma acessível e aprofundada.

Se estiver buscando uma formação ainda mais robusta, o Programa + Psicanálise é uma excelente opção. Ele reúne cursos completos sobre teoria e clínica psicanalítica, encontros ao vivo com especialistas e materiais exclusivos para ampliar sua compreensão dos fundamentos e das implicações clínicas dessas estruturas. Tudo isso em um ambiente de estudo guiado e estruturado, pensado para quem deseja ir além.

Resumo sobre neurose, psicose e perversão

  • Neurose: envolve os sintomas de angústia, compulsões e conflitos inconscientes
  • Psicose: é caracterizada pela perda de contato com a realidade
  • Perversão: envolve desvios da pulsão e a negação da castração.



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Referências Bibliográficas:

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

Cursos de Psicanálise: como estudar e iniciar sua formação
Carolina Tosetti
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Você sabe o que estuda a psicanálise? Ou, se você já se interessa por essa área de conhecimento, sabe como fazer para começar a se aprofundar nas teorias e ideias dos maiores autores da psicanálise?

Neste artigo, vamos te explicar o passo a passo para aprender alguns dos principais conceitos da psicanálise criados por grandes personalidades reconhecidas mundialmente por suas contribuições à compreensão da psique humana, como Sigmund Freud e Jacques Lacan. Você também irá conhecer alguns dos mais renomados professores e especialistas em psicanálise do Brasil e as instituições que são referência nesta disciplina.



O que é psicanálise e para que serve?

A psicanálise, desenvolvida por Sigmund Freud, é um método de investigação dos processos mentais, que se utiliza da associação livre para acessar, por inferência, os conteúdos inconscientes do paciente a partir de seus relatos à um analista, a fim de identificar possíveis causas e se utilizar da transferência estabelecida na relação analítica para tratamento dos sintomas.

Esta prática é frequentemente associada à ideia de deitar no divã e falar livremente, mas vai muito além disso. A teoria e a prática clínica hoje permitem que o psicanalista interprete padrões, desejos, intenções, pensamentos e comportamentos do paciente.

Neste sentido, um dos objetivos da psicanálise é trazer à consciência as questões do inconsciente que afetam o sujeito, sendo efetiva para uma melhora para a saúde mental, o senso crítico e o bem-estar pessoal do analisando. Entretanto, os objetivos de uma análise podem variar entre as escolas.

Em maior escala, o impacto de uma análise bem desenvolvida pode ser notado na tomada de consciência e no poder decisão dos pacientes para deixarem de seguir determinados padrões, por exemplo, bem como no relacionamento consigo mesmo e com os outros.


Quais são as principais abordagens e escolas da psicanálise?

A psicanálise é uma área de conhecimento que perdura há mais de 100 anos. Existem várias abordagens dentro da psicanálise, refletindo diferentes escolas de pensamento sobre como os processos inconscientes afetam o comportamento e a vida humana.

Abaixo listamos, em resumo, as principais linhas de pensamento da psicanálise e suas características essenciais. As principais incluem a Freudiana, a Lacaniana e a Kleiniana, por exemplo. Dentre as escolas podemos citar principalmente a inglesa, representada por Donald Winnicott e Wilfred Bion, e a francesa associada à Jacques Lacan.

Escola Características
Escola Freudiana Destacam-se os temas do inconsciente, as pulsões de vida e morte, a sexualidade, as estruturas psíquicas (neurose, psicose e perversão), o Complexo de Édipo, os mecanismos de defesa, as resistências, as transferências e as contratransferências em uma análise. Dentre os principais autores estão Sigmund Freud e Anna Freud.
Escola Kleiniana Também conhecida como escola das relações objetais, é a escola fundada pela austríaca Melanie Klein, cujas principais contribuições teóricas são a posição esquizo-paranóide, a posição depressiva, as fantasias infantis e os primitivos mecanismos de defesa, com destaque para a identificação projetiva. Klein é pioneira em análise de crianças, e seus estudos pensam o indivíduo desde o nascimento, acompanhando o seu desenvolvimento principalmente desde a infância.
Escola Francesa Jacques Lacan propôs um retorno a Freud e fez inúmeras contribuições, sobretudo se utilizando da Linguística e da Filosofia. Para Lacan, o inconsciente é estruturado como linguagem, e através dos ditos do sujeito teremos indícios de como ele se posiciona no mundo, nas relações com os outros, de suas alienações a certos ideais e de seus modos de desejar. Dentre diversos conceitos originais destacam-se os significantes, significados, objetos, o estágio do espelho e o corte lacaniano.
Escola de Winnicott Donald Winnicott teve uma vasta experiência no tratamento de crianças como pediatra, e desenvolveu sua teoria com ênfase na relação cuidador-bebê, com conceitos como mãe suficientemente boa: nem perfeita, nem negligente na criação do bebê, e a ideia de que a elaboração imaginativa do corpo e suas funções é que moldam a psique, não sendo uma estrutura pré-existente, mas sim, fruto dos cuidados recebidos. O inconsciente winnicottiano seria uma experiência que a imaturidade do bebê não tornou possível criar uma representação, e não o reprimido da teoria freudiana. Alguns de seus conceitos fundamentais são: holding, handling e integração de objetos, personalização e realização e desenvolvimento emocional primitivo.
Escola de Bion Wilfred Bion foi analisando e discípulo de Klein, mas criou diversos conceitos originais. Dentre suas principais contribuições estão a psicoterapia psicanalítica de grupo, o enfoque nos vínculos e a dinâmica do campo analítico, em que existe uma mútua influência entre analisando e analista e vice-versa.
Escola da Psicologia do Ego Heinz Hartmann é o principal nome ligado a esta escola. Nesta abordagem, o ego desenvolve-se a partir do id enquanto a criança passa a entender a diferença do seu corpo-mente em relação ao mundo e atenção se volta para o “eu”. Funções como percepção, afeto, memória, conhecimento e juízo crítico passam a ter valor para o analista nesta abordagem.
Escola da Psicologia do Self Nesta abordagem, Heinz Kohut (EUA) traz a introspecção e empatia como principais instrumentos da psicanálise, seguidos da tese das “falhas dos self-objetos primitivos”. Retira-se também a hegemonia do conceito de Complexo de Édipo e trata o Narcisismo como importante etapa do desenvolvimento.



Além das escolas mencionadas na tabela anterior, ainda há a psicanálise do húngaro Sándor Ferenczi, que surge a partir da escola freudiana. Ou seja, há muitas abordagens, e cada uma delas oferece uma perspectiva única sobre a estrutura da mente e os métodos de tratamento, influenciando significativamente as ementas dos cursos de psicanálise. Além disso, práticas modernas como a psicanálise relacional e conceitos como a intersubjetividade também estão ganhando espaço, mostrando a evolução e atualização contínua desta área.


Como estudar psicanálise hoje?

Para aqueles interessados em se tornar profissionais nesta área, há diversas opções de formação em psicanálise clínica. Os cursos podem variar, desde:

  • Workshops introdutórios
  • Pós-graduações
  • Programas de mestrado
  • Programas de doutorado
  • Residências
  • Cursos livres on-line para complementar o conhecimento, como os da Casa do Saber


Atualmente, também existem cursos de psicanálise clínica disponíveis online, proporcionando flexibilidade para estudar de acordo com as próprias necessidades e ritmos. Um curso de psicanálise típico cobre fundamentos teóricos, técnicas e manejos terapêuticos e práticas supervisionadas, essenciais para quem busca uma compreensão profunda da mente humana e deseja praticar clinicamente.

📌 Você já ouviu falar no tripé psicanalítico?

Se você deseja atuar profissionalmente na área, vale lembrar que a formação em psicanálise tradicionalmente se apoia em três pilares fundamentais, conhecidos como tripé psicanalítico:

  • Análise pessoal: o futuro analista precisa se submeter a um processo de análise com outro psicanalista para conhecer sua subjetividade e compreender o funcionamento do inconsciente.
  • Supervisão clínica: trata-se do acompanhamento de um profissional mais experiente sobre os atendimentos realizados pelo analista em formação.
  • Estudo teórico: é o aprofundamento em obras fundamentais da psicanálise, como Freud, Lacan, Klein, Winnicott, entre outros autores que compõem diferentes abordagens.

Esses três pilares são considerados indissociáveis na formação de quem pretende atuar de maneira ética e efetiva como psicanalista.



Quem pode estudar psicanálise?

Enquanto área de conhecimento, todos! Para saber como começar a estudar psicanálise, acreditamos que o primeiro passo é entender qual é o seu perfil. Na Casa do Saber, sabemos que há variados tipos de interesse em aprender sobre esta disciplina. Abaixo, detalharemos um pouco sobre cada um deles. Veja qual é o seu caso:

1. "Sou psicanalista e quero aprofundar minha formação"

A psicanálise é uma área de estudo constante, por isso, tanto se você é um psicanalista em formação, quanto se você já tem muitos anos de experiência clínica é preciso tomar conhecimento das novas tendências culturais, das obras e dos autores relevantes para ter leituras fundamentais ao trabalho de analista.

Mesmo após a conclusão de um curso de psicanálise, é essencial que o profissional continue em um processo de aprendizado contínuo, supervisionado por psicanalistas experientes e se mantenha em constante atualização.


2. "Sou estudante e quero me tornar um psicanalista"

Já que é considerada uma ocupação, a profissão de psicanalista pode ser exercida por qualquer pessoa que tenha concluído um curso de graduação em alguma das mais diversas áreas do saber. A atividade psicanalítica é independente de cursos regulares acadêmicos, sendo os seus profissionais formados pelas sociedades e instituições psicanalíticas.

Qualquer pessoa pode fazer um curso de psicanálise, desde que atenda aos pré-requisitos estabelecidos pela instituição de ensino que oferece o curso, como a exigência de se ter uma graduação completa, por exemplo. Além dos tradicionais cursos de psicologia e medicina associados à prática psicanalítica, têm destaque áreas dialógicas como ciências sociais, filosofia, antropologia, entre outras. O psicanalista em formação precisa também ter, é claro, interesse e afinidade com a área da saúde mental e da psicanálise.

Para exercer o ofício de psicanalista, ou seja, clinicar, dar aulas, entre outros, é recomendado que a pessoa interessada tenha uma formação específica em psicanálise, oferecida por uma instituição reconhecida e que realize um curso completo, com supervisão e análise pessoal.

A formação em psicanálise é profunda, demandando uma capacidade de reflexão crítica, de análise, de leitura e de interpretação. No entanto, é possível fazer cursos de introdução à psicanálise, participar de encontros ao vivo, workshops e eventos acadêmicos para absorver conhecimento sobre teoria e prática psicanalítica.

3. "Gosto de aprender sobre diversas áreas para compreender o mundo"

A psicanálise permite uma profunda reflexão sobre a condição humana, influenciando várias áreas do conhecimento. Profissionais com noções em psicanálise utilizam suas habilidades não apenas em contextos clínicos, mas também em áreas como literatura, filosofia e estudos culturais.

Ao entender como os processos inconscientes determinam comportamentos, decisões e relações sociais, a psicanálise oferece perspectivas interessantes para perceber a complexidade humana em diversos aspectos da vida, ampliando a compreensão sobre como pensamos e interagimos em diferentes contextos. Você só tem a ganhar aprendendo mais sobre essa disciplina extremamente versátil e profunda.

Confira algumas das principais áreas de estudo da psicanálise atualmente:

  • Psicanálise e Saúde Mental: focada no tratamento de distúrbios emocionais e psicológicos, essa área é a pedra angular da prática clínica.
  • Psicanálise e Literatura: utiliza teorias psicanalíticas para analisar textos literários, desvendando os aspectos inconscientes que moldam as narrativas.
  • Psicanálise e Cultura: examina como as normas culturais são internalizadas e como influenciam a identidade e o comportamento social ao longo da história.
  • Psicanálise e Educação: aplica conceitos psicanalíticos para entender dinâmicas de aprendizagem e desenvolvimento em ambientes educacionais.
  • Psicanálise e Arte: investiga a expressão inconsciente na criação e interpretação artística, proporcionando uma compreensão mais aprofundada dos movimentos e obras de arte.

E aí, se identificou? Entenda sobre o comportamento humano de forma aprofundada, considerando sentimentos, emoções, pensamentos, o consciente e o inconsciente.

A Casa do Saber + é a plataforma que permite que você conheça as ideias dos grandes pensadores como Sigmund Freud, Melanie Klein, Jacques Lacan, Donald Winnicott, Wilfred Bion, Sándor Ferenczi e muito mais, aprofundando o seu olhar sobre si mesmo e as suas relações.


Como aprender a teoria psicanalítica?

Se você quer complementar sua formação, se atualizando nos temas contemporâneos, revisitando conceitos importantes, aplicando-os à sua clínica e entendendo as contextualizações necessárias com a teoria das principais referências na área e abordagens é preciso aprender com bons profissionais ou professores. Conheça os grandes nomes da psicanálise no Brasil hoje:



Conheça todos os professores da Casa do Saber

Onde começar a estudar psicanálise?

Sabia que você pode estudar sobre a teoria e a prática psicanalítica com os grandes mestres do país e ter um guia das principais obras, autores e conceitos para se aprofundar de forma online e em uma linguagem acessível?

A Casa do Saber + é o streaming do conhecimento: uma plataforma com mais de 60 cursos online de psicanálise exclusivos para você aprender com grandes profissionais, doutores e professores na área como Christian Dunker, Ana Suy, Marcelo Veras, Alexandre Patricio de Almeida, Pedro de Santi, Contardo Calligaris, Fernanda Samico, Daniel Omar Perez, Guilherme Facci, entre muitos outros.

Além dos cursos de psicanálise, a plataforma oferece mais de 600 horas de aulas sobre diversas áreas do conhecimento para você se desenvolver pessoalmente e profissionalmente. Lá você também encontra aulas que fazem aproximações entre a psicanálise e a literatura, a filosofia, as artes e a neurociência, por exemplo, afinal, a proposta da Casa do Saber é desenvolver de forma cultural e interdisciplinar os seus alunos.

Se quiser dar um passo além nos estudos, vale a pena conhecer o + Psicanálise, um programa especialmente desenvolvido para estudantes e profissionais que buscam aprofundar seus conhecimentos teóricos e práticos.

Os cursos disponíveis no plano regular da plataforma, no entanto, não habilitam a pessoa a iniciar a prática clínica, servindo principalmente como fontes de aprofundamento, ampliação de repertório clínico e formação continuada.

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Especialização em psicanálise

Agora, se você é psicólogo(a), médico(a), tem graduação em alguma outra área e a sua ideia é se especializar em psicanálise, pode apostar em uma pós-graduação, mestrado, doutorado ou escolher alguma escola ou sociedade de referência para construir o seu caminho nesta área tão importante. Confira algumas opções de destaque no Brasil:

Sociedades Escolas Pós-graduações e especializações
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo – SBPSP Fórum do Campo Lacaniano - São Paulo Universidade de São Paulo (USP)
Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro – SBPRJ Fórum do Campo Lacaniano - Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto - SBPRP Escola Brasileira de Psicanálise - Salvador Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Escola Brasileira de Psicanálise - Florianópolis Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)


Especialização em psicanálise

Agora que você já sabe como estudar psicanálise de acordo com o seu objetivo, que tal começar de forma descomplicada, online e com os melhores recursos?

Para conhecer a teoria psicanalítica de Sigmund Freud; entender mais sobre o inconsciente; estabelecer relações entre a literatura, a mitologia e o comportamento humano; esclarecer ideias sobre parentalidade; se relacionar melhor com as pessoas; viver bem no século XXI, entre tantas outras possibilidades que a psicanálise oferece, experimente acessar o conhecimento de onde estiver e quando quiser.

Começar a entender a psicanálise não precisa ser uma tarefa complexa, e aprender com os maiores professores do país não é algo distante ou inacessível. Além disso, ao tornar a sua rotina de estudos adaptável ao seu tempo, espaço e momento você garante mais chances de continuar aprendendo continuamente.

Nesse sentido, a Casa do Saber + te acompanha em todos os lugares e momentos da vida. Você pode assistir às aulas pausando-as e retomando o seu progresso quando precisar, ou até mesmo ouvi-las em forma de podcast. O aplicativo do streaming está disponível para Android e IOS, e você também pode baixá-lo na sua SmarTV ou acessar pelo navegador do computador.

Dedicando 20 minutos do seu dia você baixa o aplicativo, acessa a plataforma e começa a sua primeira aula com um dos grandes mestres em psicanálise do Brasil.

Esperamos que este artigo tenha te ajudado a conhecer mais sobre o universo de conhecimento que te aguarda estudando psicanálise com a Casa do Saber.

Para começar a entender Freud, Lacan, Melanie Klein e os principais autores da psicanálise

  • Psicanálise e Saúde Mental: focada no tratamento de distúrbios emocionais e psicológicos, essa área é a pedra angular da prática clínica.
  • Psicanálise e Literatura: utiliza teorias psicanalíticas para analisar textos literários, desvendando os aspectos inconscientes que moldam as narrativas.
  • Psicanálise e Cultura: examina como as normas culturais são internalizadas e como influenciam a identidade e o comportamento social ao longo da história.
  • Psicanálise e Educação: aplica conceitos psicanalíticos para entender dinâmicas de aprendizagem e desenvolvimento em ambientes educacionais.
  • Psicanálise e Arte: investiga a expressão inconsciente na criação e interpretação artística, proporcionando uma compreensão mais aprofundada dos movimentos e obras de arte.

E aí, se identificou? Entenda sobre o comportamento humano de forma aprofundada, considerando sentimentos, emoções, pensamentos, o consciente e o inconsciente.

A Casa do Saber + é a plataforma que permite que você conheça as ideias dos grandes pensadores como Sigmund Freud, Melanie Klein, Jacques Lacan, Donald Winnicott,Wilfred Bion, Sándor Ferenczi e muito mais, aprofundando o seu olhar sobre si mesmo e as suas relações.


Perguntas frequentes sobre cursos de psicanálise

📌 1. Qualquer pessoa pode estudar psicanálise?

Sim. Como área de conhecimento, a psicanálise está aberta a todos os interessados. Para atuar clinicamente como psicanalista, no entanto, é necessário passar por uma formação completa, que inclua análise pessoal, supervisão clínica e estudos teóricos.

📌 2. É preciso ser psicólogo ou médico para ser psicanalista?

Não obrigatoriamente. A profissão de psicanalista não é regulamentada por conselhos como o de Psicologia ou Medicina. Por isso, profissionais de diversas áreas com formação adequada podem atuar na clínica psicanalítica, desde que cumpram os critérios exigidos por instituições sérias.

📌 3. Qual a diferença entre psicologia e psicanálise?

A psicologia é uma ciência mais ampla que estuda o comportamento humano e tem diversas abordagens. A psicanálise, por sua vez, é uma teoria específica criada por Freud que foca nos processos inconscientes. Psicólogos podem utilizar a psicanálise como linha de trabalho, mas a psicanálise também pode ser estudada fora da psicologia.

📌 4. Qual o valor de um curso de psicanálise?

O valor varia de acordo com a instituição e a carga horária. Na Casa do Saber, por exemplo, é possível acessar diversos cursos online de psicanálise - além de filosofia, artes, literatura e muito mais - por meio de uma assinatura anual. Para quem deseja uma formação mais aprofundada, há também o programa +Psicanálise, com cursos exclusivos, aulas ao vivo e grupo de estudos.

📌 5. Por onde começar a estudar psicanálise?

Você pode começar com cursos introdutórios e conteúdos acessíveis que expliquem os principais conceitos da teoria freudiana e das escolas derivadas. Entender o inconsciente, o papel da transferência e os principais autores já é um excelente começo. Explore os cursos da Casa do Saber.



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Psicanálise: o que é, conceitos, autores, como funciona e formação
Paula Delgado
Psicanálise: o que é, conceitos, autores, como funciona e formação
Descubra o que é a psicanálise, como surgiu, principais conceitos e autores. Veja como funciona a sessão de psicanálise e como se tornar psicanalista.
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A psicanálise é muito mais do que uma teoria sobre o inconsciente: ela é uma forma de escuta, um método clínico e um campo vasto de investigação sobre o funcionamento da mente humana. Criada por Sigmund Freud no final do século XIX, a psicanálise revolucionou o modo como compreendemos nossos pensamentos, desejos e comportamentos.

Neste artigo, você vai entender o que é psicanálise, quais são seus principais conceitos, quem foram os autores que ajudaram a moldá-la, como funciona uma sessão psicanalítica e de que forma é possível iniciar sua formação na área.



A origem da psicanálise: um breve histórico do surgimento

A história da psicanálise começa antes mesmo dela receber este nome e para isso é importante entender como Sigmund Freud se tornou o “pai da psicanálise”.

Na passagem do século XIX para o século XX, Freud observou que alguns de seus pacientes apresentavam sintomas que não tinham explicações fisiológicas - chamados à época de casos de histeria. Foi quando propôs uma nova forma de olhar para a origem dos sofrimentos.

A partir de então, Freud começou a desenvolver a ideia do que hoje conhecemos como psicanálise: a noção de que os sintomas dos pacientes histéricos são expressões de ideias que estão fora da consciência. Inicialmente, ele utilizou o termo “psico-análise” em um artigo publicado em 1896. Somente mais tarde a psicanálise se consolidou como uma ciência humana e uma prática clínica.

A psicanálise marcou uma ruptura com a medicina tradicional, uma vez que passou a utilizar a escuta subjetiva como instrumento terapêutico e de tratamento. A partir de então, esse campo se expandiu e várias escolas e vertentes teóricas foram sendo desenvolvidas.

O que é psicanálise, afinal?

A psicanálise é um método analítico-terapêutico, criado por Sigmund Freud no final do século XIX, voltado à compreensão da mente humana e de suas manifestações conscientes e inconscientes.

A psicanálise trabalha a partir de alguns conceitos específicos que tem como fim comum compreender o funcionamento da mente humana. O conceito principal para entender o que é psicanálise é o inconsciente.

Primeiramente, inconsciente é o elemento principal no qual o analista vai trabalhar. Quem cunhou este conceito foi Freud em seu livro A Interpretação de Sonhos(1900).

De forma geral, o inconsciente é o lugar onde residem desejos reprimidos, experiências traumáticas e lembranças inaceitáveis para o ego. Resumidamente, por meio do conceito de inconsciente, Freud diz que nós não nos conhecemos totalmente.

Como o inconsciente influencia tanto nossos pensamentos quanto nossas atitudes - e não pode ser compreendido dentro da lógica consciente - ele precisa de outros meios para ser alcançado. A psicanálise, então, oferece o método de escuta como um caminho para acessá-lo.

A partir do momento que o psicanalista oferece a escuta, dá-se início ao processo ativo de investigação clínica, o que Freud chamou de Associação Livre. Você vai entender sobre este e outros conceitos mais adiante.

Ao longo do tempo, a psicanálise foi ressignificada por diversas escolas e autores, mas preserva como essência o compromisso com a escuta dos processos psíquicos e o cuidado com os conflitos que emergem do inconsciente.

Principais conceitos da psicanálise

Agora que você já entendeu o que é a psicanálise, podemos aprofundar nesse universo explorando alguns de seus conceitos fundamentais. O principal deles - e marco inaugural da teoria freudiana - é o inconsciente. Confira um pouco mais sobre este e outros conceitos abaixo.

Inconsciente

É no inconsciente que se encontram os desejos e características das quais não temos conhecimento e que mesmo assim influenciam a nossa vida, comportamento e relações sociais.

Freud foi quem formulou essa noção revolucionária: a de que não somos senhores em nossa própria casa. Ou seja, há algo em nós que nos dirige, mesmo sem sabermos. Este conteúdo inconsciente se manifesta de maneiras indiretas e de forma disfarçada, como em sonhos, atos falhos e lapsos de linguagem.

Quanto você conhece Sigmund Freud?

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Transferência e contratransferência

Os conceitos de transferência e contratransferência foram também desenvolvidos por Sigmund Freud. A transferência refere-se ao vínculo estabelecido entre paciente e analista.

Nesta relação, o paciente pode deslocar sentimentos inconscientes, desejos e experiências passadas em relação a figuras significativas de sua vida (geralmente os pais) para a figura do terapeuta. Freud percebeu que esses sentimentos podem ser tanto positivos quanto negativos e que podem revelar aspectos profundos do inconsciente do paciente.

Já a contratransferência é definida por Freud como o modo através do qual o analista reage às transferências de seus pacientes, que deve ser manejado com cautela pelo profissional.

Associação livre

A associação livre é o processo no qual o paciente é incentivado a falar livremente, abrindo espaço para o analista acessar o inconsciente e interpretar o que é dito de forma distante. Por isso, a psicanálise é comumente conhecida como “terapia da fala”.

ID, Ego e Superego

Id, Ego e Superego são três conceitos da segunda tópica freudiana, que propõe explicar o funcionamento da psique a partir da divisão do aparelho psíquico nesses 3 conceitos.

📌 Nota sobre os termos Id, Ego e Superego

Caso você veja os termos escritos como “Eu”, “Isso” e “Supereu”, existe uma explicação. Freud nasceu em Freiberg, então parte do Império Austro-Húngaro, e escrevia em alemão — sua língua materna. Os termos originais usados por ele eram “Ich” (Eu), “Es” (Isso) e “Über-Ich” (Supereu).

Esses termos foram traduzidos para o inglês como Ego, Id e Superego, utilizando o latim numa tentativa de conferir um tom mais científico à teoria psicanalítica. Essa versão inglesa, feita por James Strachey, tornou-se referência mundial e influenciou as primeiras traduções brasileiras, que foram feitas a partir do inglês — e não diretamente do alemão. Por isso, até hoje, é comum encontrar nos textos em português as formas Id, Ego e Superego, embora elas não correspondam literalmente ao vocabulário original de Freud.



Segundo Freud, o Ego (eu) é a instância psíquica que estrutura a nossa personalidade. Ele representa o mundo externo, ou seja, é formado a partir da relação entre o sujeito e a realidade. Sendo assim, o ego é o elemento conciliador das exigências do ID (isso).

Uma vez que o Ego é responsável por essa mediação, a nossa mente busca estratégias para se proteger de situações de sofrimento, e Freud deu nome a este processo de mecanismos de defesa do ego. Para ele, esses mecanismos atuam como uma defesa para evitar dores e ansiedades diante de conflitos internos ou externos.

Os principais mecanismos de defesa do ego:



Já o ID (isso), para Freud, é o que representa o mundo interno, a instância psíquica inconsciente, a fonte dos impulsos, desejos e satisfação dos nossos instintos voltados para o prazer. O ID é desconhecido, é indomável.

Por último, temos o Superego, que é a instância psíquica formada a partir do ego que une os valores morais e culturais. Ele é o representante das normas e regras internas que correspondem às expectativas do Eu ideal.

O Superego pode ser considerado como o herdeiro do Complexo de Édipo, uma vez que se torna um representante das influências sociais e culturais, como educação religião imoralidade, que o sujeito recebeu de seus pais e, por isso, exerce a posição de vigiar, julgar e punir o Ego (eu).

Complexo de Édipo

Para entender o Complexo de Édipo, é interessante saber antes: quem foi Édipo?

Édipo é o personagem de uma tragédia grega escrita por Sófocles. Ele era o príncipe de Tebas, filho do rei Laio e da rainha Jocasta.

Édipo foi abandonado ao nascer após seu pai ouvir uma profecia que dizia que o próprio filho o mataria e se casaria com a mãe. Sem saber de sua origem, Édipo cumpre o destino: mata Laio e casa-se com Jocasta. Ao descobrir a verdade, Jocasta se suicida e Édipo fura os próprios olhos.

Freud se inspirou na tragédia grega para exemplificar o que acreditava estar reprimido no inconsciente infantil. Segundo o médico, a criança, na primeira infância, desenvolve um desejo (amoroso e/ou hostil) inconsciente para com os pais.

Ato falho

O ato falho, conceito também cunhado por Sigmund Freud, é uma manifestação do inconsciente através de deslizes verbais ou comportamentais, que parecem insignificantes, mas que revelam desejos reprimidos ou conflitos internos.

Esses podem surgir em momentos de estresse ou tensão, expondo sentimentos ou pensamentos que estão inconscientes, mas que ainda assim influenciam as ações.

Narcisismo

Conceito muito importante também elaborado por Freud, narcisismo é o termo que se refere a transição do autoerotismo para a escolha de um objeto de amor, etapa crucial no desenvolvimento do eu. E ele pode se dividir em primário e secundário.

Narcisismo primário: Este é o estado em que a criança investe toda a libido em si mesma, ou seja quando a libido está direcionada ao próprio eu. Nesse momento, o sujeito ainda não distingue o eu dos objetos externos e não há direcionamento da libido para o outro. É uma fase em que o bebê vive uma relação de completude consigo mesmo, sendo ele o centro de seu mundo psíquico. Esse tipo de narcisismo é considerado normal e necessário nas primeiras etapas da vida.

Narcisismo secundário: Neste estágio, a libido que foi anteriormente direcionada a objetos externos é retirada e reinvestida no próprio eu. Esse movimento costuma ocorrer quando o sujeito experimenta frustrações ou falhas nas relações com o outro, passando a buscar no eu a fonte de satisfação e proteção psíquica.


Principais autores da psicanálise

Embora Freud tenha fundado a psicanálise, ela vai muito além de sua obra. No começo do século XX, o médico austríaco começou a formar grupos com alguns seletos seguidores que contribuíram muito para o desenvolvimento e difusão da psicanálise.

Às quartas-feiras à noite, Freud convidava um grupo de homens, que era composto por médicos, educadores, intelectuais da época, para dialogar sobre qualquer produção cultural ou científica que fosse relacionada aos estudos psicanalíticos.

A partir disso, fundou-se a Sociedade Psicanalítica de Viena, em 1906, composta inicialmente por Carl Jung, Karl Abraham, Ernest Jones. Ademais, em 1912, Freud criou o “Comitê Secreto “ ou “Círculo Íntimo “ com alguns dos seus integrantes mais próximos, como Ferenczi, Otto Rank e outros ilustres da época.

Apesar de divergências nas abordagens, conceitos e perspectivas teóricas, Freud e seus seguidores contribuíram de forma decisiva para a construção da psicanálise como a conhecemos hoje. Entre os nomes que marcaram a trajetória da psicanálise estão Jacques Lacan, Melanie Klein, Donald Winnicott, Sándor Ferenczi, Wilfred Bion, entre muitos outros.

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Carl Jung

Freud e Jung, desde o início do relacionamento profissional, já anunciavam grandes discordâncias sobre pontos cruciais, como o papel da sexualidade na vida do indivíduo.

Apesar das diferenças, os dois concordavam quanto à relevância do inconsciente e dos processos psíquicos profundos, o que levou a Freud a se interessar pelas pesquisas e experiências de Jung.

Enquanto Freud enfatizava os impulsos instintivos, a libido como ponto central da vida psíquica, Jung propôs um olhar no qual a libido não era apenas sexual, mas uma força mais ampla e criativa.

Além disso, Freud debruçou-se sobre a importância dos traumas da infância na construção do indivíduo. Ao passo que Jung apresentou o conceito de inconsciente coletivo, o qual defende que as experiências universais moldam o psiquismo. Após o rompimento entre os dois, Jung fundou a psicologia analítica.

Melanie Klein

Melanie Klein, nascida em 1882, é uma psicoterapeuta austríaca e desenvolveu diversos conceitos e estudos sobre a psicanálise infantil, além de grande contribuição na compreensão do conceito de inconsciente.

Alguns dos conceitos desenvolvidos e revisados por Klein foram:

  • Análise do brincar
  • Relações objetais primárias
  • Posição esquizo-paranóide
  • Posição depressiva
  • Teoria da inveja e gratidão
  • Revisão do complexo de Édipo


Suas inovações abriram novos horizontes para a compreensão da análise infantil e novas abordagens na teoria e na clínica psicanalítica.

Jacques Lacan

Jacques Lacan foi um dos principais psicanalistas pós-freudianos. Ele propôs uma reinterpretação das teorias de Freud a partir da linguística saussuriana, da filosofia heideggeriana e estruturalismo de Lévi-Strauss.

Uma das suas principais contribuições para a psicanálise foi a ideia de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem e que nossos pensamentos e desejos são fundamentados a partir disso, influenciando a forma como percebemos o mundo.

Além disso, também introduziu um conceito de estádio do espelho, que descreve o momento em que a criança, ao se olhar no espelho, torna-se capaz de reconhecer a sua própria imagem e ter uma percepção da sua totalidade corporal - a percepção do eu.

Como funciona uma sessão de psicanálise?

Agora você já conheceu alguns dos principais autores e conceitos da psicanálise. Antes de entendermos como funciona uma sessão de psicanálise, é importante termos compreensão sobre qual a função do psicanalista durante a consulta para saber o que esperar de uma sessão.

Primeiramente, é preciso entender que existem diferentes linhas da psicanálise e cada uma leva a uma condução diferente da sessão. Entretanto, existe um ponto necessariamente comum: a função do psicanalista na construção do setting analítico.

Entendendo o que é o setting psicanalítico

O termo “setting”, do inglês, pode ser traduzido como "configuração” ou “contexto". Portanto, setting psicanalítico refere-se à construção simbólica compartilhada entre analista e paciente que estabelece as diretrizes e procedimentos variáveis, visando criar um ambiente propício para que o tratamento tenha êxito.

O setting se desenvolveu com a consolidação da psicanálise como teoria e prática. Com isso, ele é definido pelo método, pela técnica e pela ética. Em seu texto “Recordar, repetir e elaborar” (1914), Freud aponta alguns dos elementos que compõe o conjunto do setting psicanalítico:

  • analista
  • paciente
  • tempo
  • pagamento
  • regra fundamental
  • atenção flutuante


Resumindo: o setting psicanalítico é uma construção da posição simbólica que o analista assume no percurso de uma análise para que o tratamento tenha êxito.

A sessão de psicanálise

A sessão de psicanálise, segundo os fundamentos de Sigmund Freud, deve ser um espaço de escuta e fala livre - associação livre -, onde o paciente é incentivado a associar ideias sem censura. É comum o analista incentivar que o paciente relate seus sonhos como forma de estimular o acesso ao conteúdo presente em seu inconsciente.

O trabalho com os sonhos é um processo sofisticado que envolve as associações do paciente e, quando pertinente, intervenções do analista. A interpretação dos sonhos, nesse contexto, não é uma decodificação pronta, mas um recurso clínico que busca abrir sentidos a partir do que emerge na fala do analisando.

O setting analítico é fundamental para que a relação flua e seja criado um ambiente de segurança. Desta forma, o paciente sente-se confortável para falar livremente e o profissional consegue exercer de fato a função do psicanalista, que é escutar sempre sem julgamentos, favorecendo o surgimento e o trabalho da transferência.

O final de uma análise é um tema complexo. Algumas pessoas interrompem o processo ao perceberem mudanças significativas, sentindo-se mais capazes de lidar com suas questões — o que pode ser, paradoxalmente, um sinal de que o tratamento está surtindo efeito. Outras continuam por entender que ainda há aspectos importantes a serem trabalhados.

O término da análise não é definido unilateralmente, mas construído ao longo do processo. Cabe ao psicanalista, com escuta atenta e ética, ajudar o paciente a avaliar se ainda há caminhos a serem percorridos ou se chegou o momento de encerrar a travessia analítica.

A dúvida sobre as diferenças entre o psicanalista e o psicólogoé muito comum. Uma questão importante a ser sobre o assunto refere-se ao laudo, configurando uma das grandes diferenças entre eles, além do caminho de formação.

Todo psicólogo pode ser psicanalista, mas a recíproca não é verdadeira. As diferenças entre psicanalista e psicólogo existem, mas os dois profissionais têm como propósito comum cuidar da saúde mental dos pacientes e ajudá-los no tratamento de seus conflitos psíquicos.

O psicólogo é o profissional graduado em Psicologia, podendo se especializar em psicanálise e atuar como psicanalista ou escolher outras abordagens da psicologia para seguir, como a Terapia Cognitivo-Comportamental, Psicologia Analítica, entre tantas outras. Além disso, tem autorização legal para emitir laudos e pareceres psicológicos.

o psicanalista pode ter formação em outras áreas do conhecimento — como Filosofia, Medicina, Letras ou Sociologia — desde que complemente sua formação por meio de estudos específicos em psicanálise. No entanto, por não ser regulamentado por um conselho profissional, o psicanalista não está autorizado a emitir laudos psicológicos formais.

O psicanalista assume a função de escutar o paciente, ajudá-lo a lidar com suas dores e enfrentar os seus conflitos internos, e não de patologizar a sua condição.

Como se tornar psicanalista?

O interesse pela psicanálise vem crescendo e cada vez mais pessoas estão buscando conhecimento e caminhos para começar a estudar psicanálise.

A psicanálise é reconhecida como uma ocupação profissional e, por isso, pode ser exercida por pessoas formadas em diversas áreas do conhecimento, desde que tenham realizado uma formação específica ou especialização em psicanálise.

Embora não exista um caminho único e formalmente regulamentado no Brasil para se tornar um psicanalista, critérios éticos e formativos reconhecidos pelas principais escolas psicanalíticas orientam o exercício da profissão.

Entre esses critérios, destaca-se o chamado tripé da formação psicanalítica: a análise pessoal, o estudo teórico e a supervisão clínica, considerados pilares essenciais na formação de um psicanalista.

Alguns dos caminhos que podem te levar à formação em psicanálise clínicas são:

  • Especialização
  • Programa de mestrado
  • Programas de doutorado
  • Residência



Caso você seja um psicanalista e queira aprofundar os seus conhecimentos, você pode buscar cursos para se aperfeiçoar, conhecer novas perspectivas, ficar a par das discussões atuais, novas tendências, debates e autores relevantes para dar continuidade ao processo de aprendizado infinito que a área proporciona e se manter sempre atualizado.

Agora, se você quer se tornar um psicanalista, como já foi dito anteriormente, precisa ter concluído algum curso de graduação. Para exercer a psicanálise clínica, é indicado procurar por cursos de psicanálise de instituições reconhecidas, além de seguir investindo no estudo contínuo.

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Referências

BARROS, Glória. O setting analítico na clínica cotidiana. Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte, n. 40, p. 71–78, 2013.

PENA, Breno Ferreira; GUERRA, Andréa Máris Campos. Supereu e neurose: dos pecados do pai à demanda do Outro. aSEPHallus, [S.l.], n. 6, p. 1–9, 2019.

O que é recalque e repressão na psicanálise de Freud
Ella Barruzzi
O que é recalque e repressão na psicanálise de Freud
Saiba o que é recalque e repressão na psicanálise de Freud, explorando como os processos psíquicos moldam nossos pensamentos e comportamentos.

O conceito de inconsciente, presente na teoria de Sigmund Freud, é amplamente conhecido e fundamental para a psicanálise e o entendimento da mente humana.

Pode até parecer verdade – e muitos leigos pensam assim –, mas o inconsciente não é somente aquilo que esquecemos – ou que gostaríamos de esquecer –, mas sim um espaço psíquico ativo, que influencia nossas emoções, pensamentos e comportamentos de maneira indireta.

É no inconsciente que ocorrem mecanismos como o recalque, impedindo que certos conteúdos traumáticos ou inaceitáveis se tornem conscientes.

Para Freud, dentro desse contexto, existiam certas manifestações do inconsciente, tais como:

  • Sonhos – que ele chamava de "a via régia para o inconsciente".
  • Atos falhos – com certeza você já cometeu algum, como trocar o nome do parceiro, por exemplo (polêmico, mas pode revelar um pensamento reprimido).
  • Sintomas neuróticos – fobias, ansiedades e compulsões.


Compreender o inconsciente freudiano é essencial para entendermos como nossa mente lida com desejos, traumas e conflitos internos, para isso é preciso observar para além de um depósito de memórias esquecidas.

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O conceito de repressão através da história da psicanálise

Falar sobre o recalque pode parecer bastante simples quando pensamos no conceito disseminado pela internet, onde a imagem de um iceberg está sempre em evidência. Tudo bem! É importante desmistificar algumas teorias e trazê-las para o universo contemporâneo, ampliando o alcance de muitos conteúdos acadêmicos.

Porém, também é necessário um certo aprofundamento a fim de termos embasamento suficiente para entendermos como existe um emaranhado de outros conceitos e teorias por trás de cada um dos detalhes apresentados por nomes como Sigmund Freud.

Quando pesquisamos para a elaboração deste texto, esbarramos em um grande conjunto complexo de explicações colocadas por Freud em diferentes épocas de seu trabalho, onde iremos destacar alguns de seus escritos.

No volume XX, que traz trabalhos de 1925 a 1926 – Um estudo autobiográfico: inibições, sintomas e ansiedade; a questão da análise leiga e outros trabalhos – o apêndice A nos oferece algumas referências em que podemos encontrar os conceitos de recalque, bem como de repressão.

O primeiro uso do termo “repressão” apareceu na “Comunicação preliminar”, de 1974 – edição brasileira. Já em “Estudos sobre histeria”, Freud cita o conceito diversas vezes, estando misturado à “defesa”, que começou a desaparecer após o período de Breuer.

Foi então que “repressão” se tornou predominante em suas obras, tendo sido quase que exclusivamente utilizada no famoso caso “Dora” e nos “Três ensaios”. Uma mudança que foi efetivamente chamada à atenção em um artigo sobre sexualidade das neuroses, em 1905.

Encarava a própria divisão psíquica como o efeito de um processo de repulsão que naquela ocasião denominei de “defesa”, e depois, de “repressão”. Freud, em “A história do movimento psicanalítico" (1914d), Edição Standard Brasileira, Vol. XIV, p. 20, IMAGO Editora, 1974.

E foi após 1905 que a palavra “repressão” teve sua dominância, como por exemplo na análise do texto “O homem dos ratos” – de 1909. Dito isso, podemos trazer uma pincelada sobre o sentido de “repressão” para Freud.

Para aprofundar ainda mais, trouxemos uma sugestão de curso que irá oferecer uma abordagem simples e acessível para explorar as origens e os significados de diversos conceitos, com base em algumas das obras mais relevantes de Freud. As aulas servem como uma introdução à psicanálise para iniciantes e uma excelente fonte de novas perspectivas para aqueles que já conhecem o tema.



O conceito de repressão de Sigmund Freud

Quando sentimos um impulso instintivo, como um desejo ou necessidade, ele pode encontrar obstáculos que tentam bloqueá-lo. Se fosse um estímulo externo – algo vindo de fora, como um som alto ou um cheiro forte – a solução natural seria fugir. Mas, quando o impulso vem de dentro de nós, não há para onde escapar.

Nesse caso, o que acontece é esse processo inconsciente chamado repressão, uma operação psíquica que procura repelir – ou manter no inconsciente – pensamentos, lembranças, traumas ou imagens que não conseguimos lidar e que podem nos ameaçar a experienciar o desprazer.

Esse conceito foi desenvolvido na psicanálise e ajuda a explicar como lidamos com desejos ou pensamentos que nos causam certo desconforto. Mas a pergunta que fica é: “por que um impulso instintivo precisaria ser reprimido?

Isso acontece quando a ideia de satisfazê-lo causa mais desprazer do que prazer. Normalmente, nossos instintos nos levam a buscar sensações agradáveis.

No entanto, algumas circunstâncias podem fazer com que algo que deveria ser prazeroso se torne incômodo ou doloroso. Por exemplo, na mente, quando um desejo reprimido se torna desconfortável, nosso cérebro pode tentar afastá-lo para evitar sofrimento.

Vale ressaltar que a repressão, ao contrário do que muitas pessoas pensam, também não acontece uma única vez, de forma definitiva.

Para que a repressão ocorra, primeiro precisa haver uma divisão entre o consciente e o inconsciente. No início, ela impede que um pensamento ou desejo desconfortável chegue ao consciente. Depois, continua atuando sobre ideias e lembranças associadas a esse conteúdo reprimido.

Porém, o que foi reprimido não desaparece. Ele pode se reorganizar no inconsciente, influenciando nossas emoções, comportamentos e até mesmo reaparecendo de formas indiretas, como em sonhos, atos falhos ou sintomas psicológicos, como falamos no início do texto.

Além disso, a repressão exige um esforço contínuo para se manter ativa. Se essa "força de repressão" enfraquece, o conteúdo reprimido pode tentar emergir novamente, exigindo novos esforços para ser contido. Ou seja, a repressão não é um evento único e fixo, mas um processo dinâmico e constante ao longo da vida psíquica.

E é nesse ponto que entramos no conceito de recalque, um mecanismo psíquico mais profundo e estruturado dentro da teoria freudiana. Se a repressão atua como uma barreira inicial, impedindo que certos conteúdos entrem na consciência, o recalque é o processo responsável por mantê-los no inconsciente de forma mais duradoura.

Agora, se você já está estudando conteúdos e conceitos como esses – ou já está atuando na clínica –, é imprescindível ter uma base de conhecimento que auxilie no desenvolvimento da escuta, além de ampliar toda a sua base teórica.

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O que significa recalque?

O recalque é um tipo específico de repressão, podemos dizer que mais profundo e estruturado. Freud usava esse conceito para explicar como certos pensamentos, memórias ou desejos incômodos são "empurrados" para o inconsciente de forma duradoura.

Isso significa que a pessoa não tem acesso direto a esse conteúdo, mas ele continua influenciando sua vida, podendo reaparecer de maneira disfarçada, como em sonhos, atos falhos ou até sintomas neuróticos, como fobias e ansiedades – o que anda lado a lado com a repressão, convenhamos.

Antes de seguirmos, é importante ter atenção ao seguinte adendo: supressão e repressão não são a mesma coisa para Freud:

  • Repressão (Verdrängung): como já citado, é um mecanismo de defesa inconsciente, ou seja, ocorre sem que a pessoa perceba. O ego "expulsa" desejos, memórias ou pensamentos indesejáveis da consciência e os mantém no inconsciente para evitar sofrimento.
  • Supressão: diferente da repressão, a supressão é um ato consciente. A pessoa decide deliberadamente afastar um pensamento incômodo ou evitar lembrar de algo desagradável – um processo que pode ser revertido quando a pessoa quiser acessar aquela memória ou pensamento novamente.


Ou seja, enquanto a repressão acontece de forma involuntária e inconsciente, a supressão é um esforço consciente de afastar um pensamento incômodo.

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Voltando… diferente da supressão, onde conscientemente evitamos pensar em algo, o recalque acontece de forma involuntária, sem que a pessoa perceba. Ele funciona como um mecanismo de defesa da mente para evitar o sofrimento, impedindo que certos conteúdos perturbadores cheguem à consciência.

No entanto, Freud destacava que o material reprimido não desaparece – ele pode se acumular e se manifestar de outras formas, como angústia, dificuldades emocionais ou padrões de comportamento disfuncionais.

O trabalho da psicanálise, segundo Freud, é justamente trazer esses conteúdos recalcados de volta à consciência, ajudando a pessoa a compreendê-los e, assim, aliviar seus efeitos. Afinal, podemos esquecer por causa do recalque, mas o que é reprimido sempre encontra uma maneira de retornar.

Lendo assim, parece bem confuso de entender – e, acredite em mim, também de explicar –, mas vamos a um resumo prático, com exemplos, a fim de clarificar mais as ideias:

CONCEITO EXPLICAÇÃO EXEMPLO
Repressão

Mecanismo de defesa inconsciente que afasta pensamentos, desejos ou lembranças que causam sofrimento. O ego, para evitar o desprazer, bloqueia esses conteúdos e os mantém no inconsciente. Pode ter duas fases:

  • Repressão primária: quando o desejo ou pensamento nunca chega a se tornar consciente.
  • Repressão propriamente dita: quando um conteúdo que já foi consciente é "empurrado" para o inconsciente.

Uma pessoa que sofreu um trauma na infância pode não se lembrar conscientemente do evento, mas ainda sentir ansiedade ou medo sem saber a origem.

Recalque

Tipo específico de repressão, mais profundo e estruturado, que está na base da formação do inconsciente. Quando algo é recalcado, ele não só é reprimido, mas também se fixa no inconsciente de forma duradoura, gerando sintomas indiretos. O recalque está na base da teoria freudiana sobre os conflitos psíquicos e a formação dos sintomas neuróticos.

Um desejo proibido (como uma raiva intensa contra os pais) pode ser recalcado e reaparecer de forma distorcida, como dificuldade em se relacionar com figuras de autoridade.



Todo recalque é um tipo de repressão, mas nem toda repressão é um recalque.




A barreira do recalque e seu funcionamento

Você sabia que nem tudo o que a gente sente ou pensa chega à consciência? Pois é! Alguns conteúdos podem não conseguir atingir esse lugar, como se passassem por um grande filtro, porém, eles não desaparecem e interferem indiretamente na vida.

Os relacionamentos são um excelente exemplo, visto que crianças que foram rejeitadas pelos pais podem ter dificuldades na vida adulta – seja para confiar nas pessoas ou para escolher seus parceiros (que acabam reforçando essa sensação de abandono).

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Mas essa barreira da mente não é perfeita, visto que alguns desses conteúdos encontram brechas para emergir – através de pequenos deslizes ou pelos conteúdos oníricos dos sonhos (esse é um conceito de Jung que cabe muito bem aqui).

O recalque acontece porque nossa mente busca evitar o sofrimento. Mas o problema é que ignorar um problema não faz com que ele desapareça – apenas o esconde. Com o tempo, conteúdos recalcados podem surgir como ansiedade, fobias ou comportamentos autossabotadores.

A psicanálise acredita que, para reduzir os efeitos negativos do recalque, é necessário trazer esses conteúdos reprimidos à consciência. Dessa forma, terapia, autoconhecimento e até a análise dos sonhos são formas de acessar esses conteúdos e integrá-los à vida de forma saudável.

Em outras palavras, aquilo que você recalca não some – apenas encontra outras formas de se manifestar.

Agora que você já conhece um pouco mais sobre como os conteúdos recalcados podem impactar sua vida – e a vida dos pacientes – de maneira indireta , que tal se aprofundar os aprendizados com os cursos da plataforma da Casa do Saber+?

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Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: A interpretação dos sonhos (segunda parte) e sobre os sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Um estudo autobiográfico. Inibições, sintomas e ansiedade. A questão da análise leiga e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.





Id, Ego e Superego: Entenda os Conceitos de Freud na Psicanálise
Gabriel Cravo Prado
Id, Ego e Superego: Entenda os Conceitos de Freud na Psicanálise
Descubra a estrutura da mente segundo a teoria de Freud sobre o Id, Ego e Superego. Veja como influenciam o nosso comportamento e personalidade.

Entre os conceitos centrais da teoria psicanalítica destacam-se o "Eu", o "Isso" e o "Supereu", que representam diferentes instâncias do aparelho psíquico formulado por Freud. Neste artigo, exploraremos o significado e a função de cada um desses.

Eu, Isso e Supereu

Antes de começarmos, é importante abordar uma questão de estilo na tradução dos termos freudianos. No original alemão, as palavras "Ich", "Es" e "Über-Ich" correspondem, respectivamente, a "eu", "isso" e "supereu" em português. Embora expressões como "id", "ego" e "superego" apareçam em algumas traduções da América Latina, elas não estão tão alinhadas com a escrita de Freud.

Embora esses termos se refiram às mesmas instâncias do aparelho psíquico, podem gerar pequenas variações na terminologia, mantendo, no entanto, o significado essencial. Neste texto, utilizaremos "Eu", "Isso" e "Supereu", por serem mais consistentes ao postulado freudiano.

Nesse texto veremos:



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Primeira e Segunda Tópica Freudiana

Os conceitos de consciente, pré-consciente e inconsciente são essenciais para entender a estrutura do aparelho psíquico na teoria psicanalítica, integrando a primeira tópica freudiana, formulada em 1900. Vale destacar que essas instâncias não correspondem a locais específicos no aparelho psíquico. No período de 1920 a 1923, Freud revisa sua teoria, introduzindo novas compreensões sobre o aparelho psíquico e apresenta os conceitos de Eu, Isso e Supereu. É importante notar que Freud não substitui a primeira tópica pela segunda, mas as articula de maneira complementar. Assim, consciente, inconsciente e pré-consciente continuam presentes na segunda tópica, enriquecendo a compreensão dos conceitos de Eu, Isso e Supereu.

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Inconsciente, Pré-consciente e Consciente

  • Inconsciente - Os conteúdos recalcados localizam-se no inconsciente, onde podem aparecer para o sujeito em momentos bem específicos. Essa instância psíquica possui uma linguagem própria e não se orienta pelo tempo cronológico. O inconsciente se revela por meio de sonhos, atos falhos e sintomas. O termo "inconsciente" diz respeito ao que está além do nosso conhecimento. Quando Freud afirma que possuímos um inconsciente, ele sugere que não temos uma compreensão total de nós mesmos.
  • Consciente - Um estado psíquico que reflete a localização de processos fundamentais do aparelho psíquico, englobando o que estamos conscientes no presente momento. Esse estado opera em conformidade com as regras sociais, levando em consideração o tempo e o espaço. Assim, é através dele que o sujeito estabelece sua relação com o mundo externo.
  • Pré-consciente - Funciona como uma barreira permeável entre o inconsciente e o consciente. O pré-consciente abrange conteúdos que podem ser acessados mais facilmente pela consciência, mas que não permanecem nela de forma permanente.

foto de freud segurando um charuto
Sigmund Freud


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Eu, Isso e Supereu

Em 1923, Freud estabeleceu uma nova estrutura para o entendimento do aparelho psíquico. Anteriormente, como já vimos, sua abordagem se baseava na distinção entre inconsciente, consciente e pré-consciente. Com a introdução dessas novas noções, Freud não apenas enriqueceu a compreensão do funcionamento psíquico, mas também promoveu uma dialética entre as diferentes instâncias, evidenciando como elas interagem e se influenciam mutuamente.

Eu Refere-se à instância psíquica que mediatiza as pressões do Isso, as ordens do Supereu e as exigências da realidade externa. O desenvolvimento do Eu ocorre através do processo de identificação do bebê com o mundo exterior, funcionando como um espelho que reflete o que ele é e como deve se comportar. Essa formação é um resultado direto das interações sociais e das representações que os outros têm sobre ele. Ao entrar em contato com a realidade, o Eu se define o resultado dessas identificações.

Freud destaca que o Eu atua como representante da realidade, buscando uma dominação sobre as pulsões, substituindo o princípio de prazer pelo princípio da realidade. Compreende-se, portanto, que o Eu possui tanto uma dimensão consciente quanto inconsciente, e não é uma instância inata, mas sim uma construção que emerge a partir das interações sociais. Essa instância recalcadora introduz, assim, o princípio da realidade na vida psíquica do indivíduo.
Supereu O Supereu, conforme descrito por Freud, é uma instância psíquica que possui tanto uma dimensão consciente quanto uma inconsciente. Ele se caracteriza pelo ideal do eu, que abrange as expectativas de desempenho do sujeito e as ordens morais internalizadas. Essa estrutura é formada por influências da moralidade, dos bons costumes, da religião e dos valores transmitidos pelos cuidadores durante a infância.

Tradicionalmente, o Supereu é visto como o herdeiro do complexo de Édipo, configurando-se a partir da interiorização das exigências e interdições parentais. Essa instância abrange tanto as funções de proibição quanto as de idealização. Embora a renúncia aos desejos edipianos, tanto amorosos quanto hostis, seja fundamental para a formação do Supereu, Freud argumenta que ele é posteriormente enriquecido por influências sociais e culturais, como educação, religião e moralidade.
Isso É uma instância totalmente inconsciente que está presente no sujeito desde o início da vida, não se subordinando à lógica do tempo cronológico. O Isso é considerado o reservatório das pulsões, servindo como a força motriz do psiquismo. Seus conteúdos, que representam a expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, sendo compostos tanto por aspectos hereditários e inatos quanto por elementos recalcados e adquiridos.

Sob uma perspectiva econômica, Freud vê o Isso como o reservatório inicial da energia psíquica; enquanto do ponto de vista dinâmico, ele entra em conflito com o Eu e o Supereu. Assim, o Isso é a sede das paixões humanas, incluindo inveja, ciúmes, vaidade, amor e ódio, consolidando-se como o núcleo pulsional da personalidade.



Como aprender mais sobre psicanálise?

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o conceito de Isso, Eu e Supereu na teoria psicanalítica, é fundamental começar pela leitura das obras de Sigmund Freud que tratam desses conceitos, como "A Interpretação dos Sonhos" (1900), onde Freud apresenta pela primeira vez esses elementos do aparelho psíquico, e "O Eu e o Isso" (1923), texto que detalha a dinâmica entre essas instâncias.

Além disso, investir em cursos especializados sobre a teoria psicanalítica pode ser altamente enriquecedor. A Casa do Saber oferece uma série de cursos ministrados por especialistas reconhecidos, que aprofundam a compreensão dos conceitos de id, ego e superego, bem como suas implicações no comportamento humano e nos processos psíquicos.

A seguir, destacamos algumas recomendações de cursos disponíveis na plataforma Casa do Saber + que exploram esses temas com profundidade e relevância.




Referências Bibliográficas:

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. Zahar: Rio de Janeiro, 1985.

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

.ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.







Método catártico: Freud, hipnose e a origem da psicanálise
Ricardo Salztrager
Método catártico: Freud, hipnose e a origem da psicanálise
Descubra o que foi o método catártico, como Freud usou a hipnose ao lado de Breuer e por que essa técnica marcou o início da psicanálise.

Antes da psicanálise existir como método clínico, Freud já buscava formas de aliviar o sofrimento psíquico de suas pacientes. O primeiro caminho encontrado foi o método catártico, desenvolvido ao lado de Breuer.

Neste artigo, você vai entender o que foi essa técnica baseada no uso da hipnose, como ela ajudou a identificar traumas inconscientes e por que, mesmo abandonada, deixou marcas importantes na história da psicanálise.

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O que é o método catártico?

O método catártico foi a primeira técnica terapêutica utilizada por Freud. Elaborado em parceria com seu colega Joseph Breuer, tal método consistia em hipnotizar os pacientes para que se descobrisse os traumas que originaram seus sintomas. Era também necessário que, ainda sob hipnose, os pacientes efetuassem certa descarga emocional para finalmente se livrarem de seus traumas.

O método catártico e a história da psicanálise

Freud iniciou seus trabalhos na década de 1880. Na época, ele era um jovem estudante intrigado com os fenômenos histéricos e já havia participado das aulas ministradas por Charcot – grande autoridade no assunto – no Hospital de Salpêtrière em Paris.

Pintura histórica retratando uma aula clínica em Salpêtrière, com médicos observando uma paciente em crise histérica
Une leçon clinique à la Salpêtrière – André Brouillet, 1887

Retornando à Viena, conheceu outro eminente médico, o Dr. Joseph Breuer que, inclusive, já dispunha das principais bases do método catártico. Os dois se tornaram amigos, passaram a trabalhar juntos e, inclusive, publicaram em parceria os famosos “Estudos sobre a histeria” (Breuer & Freud, 1895).



Trauma psíquico e sintomas histéricos

Proponho que antes de discutir o que exatamente era o método catártico, falemos um pouco sobre as famosas histéricas de Freud. Pela experiência que tenho em sala de aula, isto em muito facilitará a compreensão do que será dito em seguida.

Pois bem, em linhas gerais, a histeria era definida por esta época, como uma enfermidade predominantemente do sexo feminino. Ninguém sabia exatamente o porquê, mas é fato que eram poucos os homens com tal diagnóstico.

A principal característica da histeria era algo que gerava um profundo estranhamento não apenas entre os médicos, mas à sociedade como um todo: os chamados “sintomas de conversão”. Estes diziam respeito a sofrimentos corporais que, embora extremamente intensos, não eram explicados por nenhum exame anatômico ou fisiológico.

Por exemplo, uma histérica podia apresentar um sintoma de cegueira. No entanto, os médicos faziam mil exames nela e concluíam que tudo em seu organismo funcionava exatamente bem: tanto os seus olhos, quanto o cérebro e as inervações. Ou seja, absolutamente nada explicava tal cegueira.

A histérica também podia manifestar uma paralisia em um braço ou perna. Da mesma maneira, ela era submetida a uma bateria imensa de exames e nada era acusado: nada de mais era detectado em seus ossos, músculos, ou mesmo, nos neurônios.

E se até os dias de hoje este quadro gera tanto estranhamento, imaginem naquela época! Imaginem só uma mulher jovem e bonita chegando no consultório de um médico de fins do século XIX completamente cega e este não conseguindo encontrar nada...

Ora, muitos destes médicos resolviam a situação acusando as histéricas de simularem estas tantas dores e paralisias. E, em meio a esse caos, Breuer e Freud talvez tenham sido os primeiros dispostos a escutá-las.



Assim, conforme escutavam suas pacientes, Breuer e Freud foram concluindo que a causa destes estranhos sintomas histéricos era sempre um trauma psíquico. Tudo se passava como se elas tivessem vivenciado um trauma no passado, porém na ocasião, não conseguiram reagir emocionalmente a ele de maneira adequada.

Vejamos através de um exemplo clínico como todo este processo ocorria.

Um exemplo clínico: o caso Emma

Pela minha experiência, de todos os casos por Freud analisados neste início de carreira, acredito que o que melhor ilustra as suas primeiras concepções sobre a histeria é o caso de Emma (Freud, 1895).

Trata-se da história de uma jovem histérica que apresentava como sintoma uma fobia de entrar em lojas sozinha. Emma associa este medo a uma cena ocorrida pouco tempo antes na qual entrara numa loja sozinha e vira dois vendedores rindo.

Automaticamente, ela pensou que os dois riam dela... mais especificamente das roupas ainda muito infantis que trajava na ocasião. Porém, tal lembrança em nada explicava sua estranha fobia.

Assim, no decorrer do tratamento, Freud foi descobrindo que seu sintoma histérico foi causado por um trauma: quando ainda criança, Emma estava sozinha em uma confeitaria e o confeiteiro a bulinou por cima de suas roupas. Durante o ato, o homem olhava para a criança e dava uma risadinha sarcástica...

E, deste modo, tudo estava explicado: a cena de infância efetivamente justificava o sintoma histérico da jovem. Na ocasião, ela obviamente ficara sem qualquer reação. A lembrança deste trauma ficara guardada em sua memória inconsciente e acabou gerando sua fobia.

Vale sublinhar que caso Emma tivesse gritado, chorado ou procurado ajuda na ocasião – ou então reagido de outra forma razoavelmente adequada – a cena não teria adquirido um efeito tão traumatizante.



O método catártico de Breuer e Freud

Montagem com fotos de Josef Breuer, Bertha Pappenheim (Anna O.) e Sigmund Freud, nomes centrais nos estudos sobre a histeria
Breuer, Anna O. e Freud

Pois bem, agora que entendemos o que é a histeria, bem como as concepções iniciais de Breuer e Freud a seu respeito, podemos finalmente discutir o método catártico.

Em linhas gerais, o método catártico é um modo de tratamento que consistia no uso da hipnose para que se descobrisse o trauma que veio a causar os sintomas histéricos.

Hipnotizava-se a paciente e, logo após, era-lhe solicitado que associasse algumas ideias relacionadas a seus sintomas, deixando que ela desse livre curso a seus pensamentos. Após algumas repetições deste procedimento, chegava-se ao trauma psíquico que teria desencadeado todo o seu sofrimento.

No entanto, para que as histéricas pudessem livrar-se de seus sintomas, era também necessário que, ainda sob hipnose, elas conseguissem exteriorizar todo o afeto retido e que não pudera ser descarregado na ocasião do trauma. Tratava-se, portanto, de uma espécie de catarse emocional e daí o nome “método catártico”.



Anna O.: o caso paradigmático

Fotografia de Bertha Pappenheim, conhecida como Anna O., com traje da época e chapéu, figura importante na história da psicanálise
Anna O. era o pseudônimo de Bertha Pappenheim

Sempre que o assunto é o método catártico, o leitor espera encontrar algumas linhas a respeito do caso da Anna O. Então vamos lá!

Este é o caso mais conhecido de aplicação do método. Tratava-se de uma jovem de vinte e um anos atendida por Breuer em 1881. O relato de sua história encontra-se na íntegra no já mencionado “Estudos sobre a histeria” (Breuer & Freud, 1895).

Anna O. possuía uma série de sintomas histéricos, todos surgidos nos dois anos anteriores, enquanto cuidava do pai gravemente enfermo. Dentre tais sintomas, havia uma paralisia espástica, perturbações da visão, tosse nervosa intensa, repugnância a certos alimentos, dificuldade de beber água, além de um curioso esquecimento da língua materna, no caso, o alemão.

E efetivamente Breuer descobriu que todos estes sintomas histéricos foram gerados por alguns traumatismos. Tomemos dois deles como ilustração: o sintoma da hidrofobia e o de perturbação da visão.

Em relação ao sintoma de hidrofobia, marca-se que, durante seis semanas, Anna O. se pôs a repudiar qualquer copo d´água que lhe era oferecido. Nestas ocasiões, tão logo o levava aos lábios, repelia-o automaticamente sem saber a causa deste estranho comportamento.

Certa vez, durante a hipnose, a histérica relatou que há algum tempo tivera uma dama de companhia e, uma noite, vira-lhe dar de beber a seu cãozinho em um copo. Ao presenciar a cena, Anna O. sentiu um enorme nojo, mas nada exteriorizara por simples polidez.

Quando, em hipnose, conseguiu exteriorizar seu nojo, ela livrou-se de toda a cólera retida. Ao acordar do transe, finalmente pediu de beber, coisa que fez sem o menor embaraço.

Quanto às suas perturbações de visão, Breuer descobriu que estas se associavam à época na qual, com os olhos marejados, ela estava junto ao leito do pai doente. Certo dia, de repente, este acordou perguntando-lhe as horas. E Anna O. teve que reprimir as lágrimas para que o pai não percebesse o quanto ela sofria.

O sintoma em questão também cedeu quando, sob hipnose, a paciente conseguiu exteriorizar sua tristeza.



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Os “Estudos sobre a histeria”

Capa do livro Estudos sobre a histeria (1893-1895), de Sigmund Freud e Josef Breuer
Capa dos “Estudos sobre a histeria” da Editora Autêntica

É hora de falar um pouco desta obra. Trata-se do primeiro livro de Freud, publicado em conjunto com Breuer no ano de 1895.

A grande maioria dos meus alunos costumam julgar sua leitura como bastante fácil e, por isto, muitos a consideram como a melhor maneira de introduzir-se nos textos de psicanálise. Recomendo bastante a sua leitura!

O livro é dividido em quatro partes:

A primeira é a famosíssima “Comunicação preliminar” na qual constam as principais teorizações de Freud e Breuer sobre os sintomas histéricos.

A segunda contém cinco casos clínicos bastante conhecidos: além do relato de Anna O., ainda há os casos de Emmy von N., Miss Lucy, Katharina e Elisabeth von R.

Em seguida, há a terceira parte também de “Considerações teóricas”.

E a quarta “A psicoterapia da histeria” escrita apenas por Freud. Nesta última, o método catártico é explicado em seus mínimos detalhes.

O método catártico e a associação livre

Por que Freud abandonou a hipnose?

Com efeito, Freud julgava a hipnose um procedimento bastante incerto. Ora, ele sempre se denominou um “homem da ciência” e como a hipnose gozava de pouca credibilidade neste meio, Freud abdicou de seu uso.

Além do mais, muitas histéricas eram imunes à hipnose e, portanto, por mais que se tentasse aplicar o método catártico, elas jamais entravam em transe. Por fim, houve a constatação de que a hipnose acabava por silenciar as resistências das pacientes e, bem ou mal, estas funcionavam como importantes pistas para saber se o tratamento estava chegando ao seu devido lugar.

Assim, com o rompimento com Breuer, Freud construiu seu próprio método de tratamento: a psicanálise e, com ela, a regra fundamental da associação livre. De fato, Freud descobriu que o tratamento poderia chegar à causa dos sintomas com o paciente acordado, bastando que se solicitasse que ele dissesse tudo o que lhe vinha ao pensamento sem maiores censuras ou preconceitos.

No entanto, acho interessante frisar que, por outras vias e de outros modos, certa “catarse” ainda permaneceu associada à clínica psicanalítica. Isto porque não se pode negar que associar livremente diante de um psicanalista causa um efeito aliviante no paciente.

Com frequência, saímos das nossas sessões de análise, de certa maneira, renovados, leves e mesmo confortados.

Falar possui, portanto, um efeito catártico. E talvez tenha sido esse o principal ensinamento de Freud com estes atendimentos iniciais. Neste sentido, cada vez mais, a clínica psicanalítica irá valorizar a palavra, aquilo que o paciente consegue nos dizer e, com isto, ir elaborando seu sofrimento.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Breuer, Joseph. & Freud, Sigmund. (1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.

Freud, Sigmund. (1895). Projeto para uma psicologia científica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 1. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 333-454.

Roudinesco, Elisabeth. & Plon, Michel. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

Formação reativa: o que é e como age esse mecanismo de defesa
Ricardo Salztrager
Formação reativa: o que é e como age esse mecanismo de defesa
Formação Reativa é um mecanismo de defesa descrito por Freud. Entenda como agimos de forma contrária ao que sentimos e veja exemplos.

Às vezes, o comportamento mais recatado pode esconder um desejo intenso. A gentileza exagerada, uma raiva contida. Para a psicanálise, essas inversões não são por acaso: fazem parte de um mecanismo chamado formação reativa.

Neste artigo, você vai entender o que é esse conceito desenvolvido por Freud, como ele atua como defesa contra desejos inconscientes e por que, muitas vezes, somos exatamente o oposto do que parecemos ser.



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O que é formação reativa?

Segundo a psicanálise, a formação reativa é um mecanismo de defesa que leva um sujeito a comportar-se da maneira oposta à que ele realmente é. Através da formação reativa alguém pode, por exemplo, defender-se de todo o ódio que sente pelos outros comportando-se socialmente de maneira exageradamente bondosa. Ou então, defender-se de seus intensos desejos sexuais comportando-se de forma extremamente pudica ou recatada.

Para Freud, este é um mecanismo de defesa que todos nós utilizamos para nos proteger de alguns desejos inconscientes e, portanto, inaceitáveis.



A formação reativa em Freud

De acordo com Freud (1909), todos nós possuímos desejos ou tendências inconscientes. Em geral, estes são desejos sexuais ou agressivos e, portanto, contrários à moral que governa a nossa sociedade. E é em obediência a tais padrões morais que somos obrigados a recalcá-los, ou seja, tornar esses desejos inconscientes.

No entanto, para a teoria freudiana, o recalque de um desejo não significa exatamente a sua extinção. Significa apenas fazer com que ele se torne inconsciente, ou seja, desconhecido para nós. Porém, mesmo inconsciente, o desejo continua vivo e sempre à espreita de alguma situação para realizar-se.

Deste modo, o desejo inconsciente impõe uma pressão constante em nosso psiquismo, algo que gera em nós um conflito imenso. Por isso temos que nos defender dele de alguma maneira, sendo a formação reativa um destes possíveis mecanismos de defesa. Através da formação reativa, substituímos este desejo sexual ou agressivo pelo seu exato oposto e, assim, nos tornamos o contrário daquilo que verdadeiramente somos (Freud, 1926).

A psicanálise e os mecanismos de defesa do ego

Segundo a teoria freudiana, a formação reativa é um dos possíveis mecanismos de defesa, mas não o único. As outras defesas que frequentemente utilizamos contra os nossos desejos sexuais ou agressivos são o recalque, a negação, o isolamento, a anulação retroativa e a projeção, apenas para citar os mais conhecidos.




Exemplos de formação reativa

São muitos os exemplos de formação reativa que guardo comigo. Em geral, eles costumam ajudar meus alunos na compreensão de todo este mecanismo. E o melhor de tudo: são exemplos retirados da minha própria vida cotidiana, da simples observação do comportamento de pessoas próximas.

Acredito que vocês, ao lerem estes exemplos, poderão também percebê-los em pessoas de seus convívios, de repente em seus núcleos familiares ou de amizade mais chegados. Pode ser até que consigam visualizá-los em vocês mesmos...

Exemplo 1: Quando o desejo sexual se transforma em pudor


Cenas do filme Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock

O primeiro exemplo é de uma senhora com quem convivi por alguns anos. Tratava-se de uma mulher respeitadíssima, ultra religiosa e sempre preocupada com a sexualidade dos outros. Vale frisar: ela era preocupada apenas com a sexualidade dos outros, já que insistia em dizer que nunca teve desejos sexuais... No máximo, assumia que esforçara-se para ter alguma vontade nas ocasiões em que engravidou.

Fato é que esta mesma senhora que insistia em negar seus desejos sexuais tinha um comportamento um tanto estranho: todo dia, ao sair do banho, enrolava-se na toalha e ia vestir-se em seu quarto... Porém, acidentalmente, sempre esquecia a cortina aberta. E o problema é que ela morava no andar térreo de um prédio e, colada a sua janela, ficava uma vila repleta de casas.

E ela era a alegria da vila! Os púberes que por lá moravam chegavam mesmo a compor uma imensa e feliz plateia para assistir ao espetáculo. E ela nem se tocava...

Quem se tocou fui eu! Certo dia, informei-lhe que a vila inteira já tinha visto ela peladona. Como era de se esperar, ela ficou estupefata, morreu de vergonha e prometeu a si própria que, a partir de então, passaria a cuidar para que a cortina ficasse bem fechada.

No entanto, como todos sabem, estas promessas não valem lá muita coisa... E, assim, após alguns dias de intenso zelo, a senhora voltou a acidentalmente esquecer a cortina aberta. Tornou-se novamente a despudorada do andar térreo, sempre a postos para satisfazer a alegria da meninada. E eu como não sou muito fã de confusão pra cima de mim, deixei quieto!

Ora, assim percebemos o quanto um sujeito detentor de desejos sexuais super intensos é capaz de, através de uma formação reativa, tornar-se extremamente pudico e recatado. De fato, graças a uma formação reativa, esta senhora se transformou no exato oposto do que ela verdadeiramente era... E quem a conheceu sabe que sua pudicícia era extremamente exagerada, fazendo dela uma pessoa até mesmo chata pelo tanto de pudor que preconizava por aí.

Só que é aí que mora o perigo: a formação reativa é um mecanismo de defesa sempre falho. Ora, Freud salienta que a verdade do desejo inconsciente não consegue ser escondida por tanto tempo. E, assim, cedo ou tarde, ela acaba sempre aparecendo, fazendo-nos defrontar com aquilo que consideramos mais inaceitável em nós.

Como no exemplo acima, por mais que esta senhora empregasse sucessivas formações reativas no intento de livrar-se da sexualidade que efetivamente possuía, todos os seus esforços eram em vão... Às vezes estas formações reativas até que funcionavam e, de fato, ela conseguia fazer com que todos acreditassem piamente em seu recato (inclusive ela própria...). No entanto, volta e meia estas formações reativas vinham a falhar fazendo com que ela se tornasse a peladona da rua.



Exemplo 2: Quando o amor se transforma em ódio


Há também o exemplo de um casal da minha própria família. Sem qualquer exagero da minha parte, posso afirmar que nunca os vi sem brigar um com outro... Nunca! Foi sempre muita briga, muita briga, muita briga... E como se não bastasse tanta briga, elas ainda brigavam em alemão!

Bastava ele falar uma coisa que ela retrucava. Bastava ela dar opinião em algo que ele implicava. Bastava ele querer ver o futebol que ela desandava a falar sem parar. Bastava ela dizer que queria jantar às 19hs que ele dizia preferir às 19:15hs...

E assim eles eram casados, muitas vezes começando a brigar quando acordavam e só deixando as brigas na hora de dormir! Todo santo dia prometiam o divórcio, todo santo dia juravam as maiores ameaças um pro outro e todo santo dia era a maior berraria. A princípio, se odiavam...

E, no entanto, se amavam! Efetivamente, quem os conhecia, sabe que um não conseguia viver sem o outro. Era muito amor que estava em jogo, tanto amor, mas tanto amor, que os dois nunca se largavam: acordavam juntos, tomavam café juntos, trabalhavam juntos, almoçavam juntos, voltavam pra casa juntos e realmente só se separavam na hora do Jornal Nacional que coincidia com a hora da novela do SBT.

Enfim, o que acontece é que, às vezes, a formação reativa faz com que um grande amor só consiga se manifestar na forma de um aparente ódio. Mas todo mundo sabia que, no fundo, eles se amavam! Menos eles que juravam que não...rs

Exemplo 3: Quando a agressividade se transforma em bondade


Certo dia, estava eu na fila de um buffet a quilo e, na minha frente, estava uma moça pronta para pegar a comida. Assim que entrei na fila, ela virou sorrindo pra trás e me indagou: “O senhor quer passar na minha frente”? Eu agradeci e respondi que não. Estranhei bastante aquela pergunta...

Passaram alguns segundos e ela virou novamente para trás com o mesmo sorriso doce: “Olha, se o senhor desejar pegar a comida na minha frente, pode tá? Eu tô sem pressa alguma...”. Estranhei de novo o comportamento dela, mas agradeci. Ela voltou-se para frente ainda com o sorriso doce.

Daí pegou a comida dela, eu peguei a minha, e na hora de pesar, ela começou a falar sorrindo para a funcionária que cuidava da balança: “Muito obrigado pelo serviço de vocês. É sempre um prazer almoçar aqui. Minhas lembranças ao seu marido e à sua família”. E virou-se de novo para mim com o mesmo sorriso: “Bom apetite!”

Agradeci e pensei comigo mesmo: “Caramba, essa mulher deve ser uma bruxa!” E fui comer bem longe dela...

Ora, quem conhece o conceito de formação reativa sabe que devemos desconfiar destas pessoas muito boazinhas, muito legais, muito prestativas e muito zelosas com os outros. De acordo com a lógica da formação reativa, tamanha bondade, por muitas vezes, só serve para esconder uma imensa agressividade! E, neste caso, talvez possamos afirmar que enquanto esta moça sorria para mim oferecendo-me a frente da fila, ela provavelmente estava se corroendo por dentro de tanto ódio...

Vale a pena determo-nos um pouco na explicação deste processo.

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Formação reativa, pulsão de morte e superego

De fato, a psicanálise considera a transformação da agressividade em uma imensa bondade o exemplo paradigmático de formação reativa.

Podemos dizer que, para a teoria freudiana, o exemplo paradigmático de formação reativa é o da transformação da agressividade em bondade.

Segundo Freud (1923), todos nós somos dotados de uma série de impulsos agressivos, impulsos estes representados pelo conceito de pulsão de morte. Trata-se, propriamente, do conceito que explica porque somos constantemente tomados por uma série de desejos violentos e cruéis com os outros. E, com efeito, por muitas vezes, é absolutamente comum que nos peguemos desejando o mal a uma série de pessoas do nosso convívio.

No entanto, por questões estritamente morais, nossos impulsos agressivos não podem ser satisfeitos. Caso contrário, estaríamos todos presos... (Imaginem vocês se pudéssemos matar todo mundo que a gente odeia?). Deste modo, para evitar tamanho caos, Freud (1923) coloca que cada sujeito deve erigir em si uma instância psíquica chamada “superego” (“supereu”). Este teria como função, dentre outras tantas coisas, impor os mais severos limites aos nossos impulsos agressivos.

E, assim, graças à atuação do superego, nos tornamos estas pessoas extremamente bondosas e moralizadas que somos! Alguns menos, outros mais e outros ao ponto de por duas vezes oferecer a um estranho seu lugar na fila de uma comida a quilo...

É, portanto, o superego que promove este tipo de formação reativa. Graças a esta transformação da nossa agressividade na mais pura bondade, tornamo-nos sujeitos aparentemente incapazes de desejar mal aos outros. Mas isso até a página dois!

Ou seja, como foi acima ressaltado, para a teoria freudiana, a formação reativa é um mecanismo de defesa fundamentalmente falho. O que quer dizer que jamais o superego consegue transformar em bondade a totalidade dos nossos impulsos agressivos.

Um tanto de agressividade sempre continua vivo em nós. Às vezes, ela consegue forçar a passagem e se dirigir aos outros. Porém, às vezes, ela permanece retraída e toma a nós mesmos como seu objeto... O que pode ser igualmente perigoso, visto as tantas situações de autoagressão e de autoculpabilização que costumamos vivenciar.

“As perigosas pulsões de morte são tratadas no indivíduo de diversas maneiras: (... ) em parte são desviadas para o mundo externo sob a forma de agressividade; enquanto que em grande parte continuam, sem dúvida, seu trabalho interno sem estorvo” - (Freud, 1923/1996 - “O ego e o id”, p. 66)


Este é, portanto, o conceito de formação reativa. Um mecanismo de defesa bastante comum e de suma importância na clínica. De fato, a cada paciente que atendemos e a cada história que ouvimos em nossos consultórios, é frequente que nos deparemos com uma série imensa de formações reativas. E se fizermos o exercício de olharmos para nossas próprias características e comportamentos, com certeza, vamos perceber uma série delas em nós mesmos!

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Freud, Sigmund. (1909). Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 165-186.

_____. (1923). O eu e o isso. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-80.

_____. (1926). Inibições, sintomas e angústia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 20. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 79-171.

Os Amigos IA vão acabar com a solidão?
Ingrid Gerolimich
Os Amigos IA vão acabar com a solidão?
Veja os riscos escondidos na promessa dos Amigos IA segundo a psicanálise, no texto da psicanalista e socióloga Ingrid Gerolimich.

A solidão tem sido uma das questões contemporâneas mais exploradas pelas narrativas tecnológicas da atualidade. Recentemente, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou que os "amigos IA" — versões personalizadas de inteligências artificiais com características humanizadas — serão a solução definitiva para a solidão humana: “As pessoas vão conversar com assistentes que as conhecem profundamente, que são seus amigos”, afirmou Zuckerberg.

Em tom messiânico, ele descreve um futuro em que ninguém mais precisará sentir-se só, porque terá à disposição uma versão amigável e personalizada de inteligência artificial para lhe fazer companhia.

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O amigo IA será, em essência, um algoritmo de confirmação: alimentado pelos dados do usuário, retroalimentado pelos seus gostos, valores, crenças e padrões de linguagem, e projetado para agradar — sem qualquer discordância, ruptura ou tensão — mas, justamente por isso, sem oferecer presença. Para a psicanálise, a formação do sujeito exige a experiência do conflito. O outro é estruturante não porque confirma, mas porque interrompe. É na diferença que o desejo se constitui.

A amizade IA proposta por Zuckerberg dissolve o conflito na lógica da customização algorítmica. Ela opera pela via do “perfilamento afetivo”: o sistema aprende o que o usuário gosta, pensa, sente, e passa a espelhar isso de volta. Como um feed emocional, ele reforça aquilo que já está lá. O sujeito, em vez de se transformar pelo encontro com o Outro, se fixa em si mesmo — preso num circuito narcísico de retroalimentação de si.

Acontece que a amizade é um campo de conflito simbólico, de elaboração da diferença, de desconstrução narcísica pela via da alteridade. Como afirma Hannah Arendt, o amigo é aquele diante do qual o mundo se revela, não porque ele o reproduz, mas porque ele o contradiz — e, ao fazê-lo, nos obriga a repensar a nós mesmos.

Ilustração digital em estilo cartoon mostra um homem de meia-idade, sorridente e de olhos fechados, abraçando com carinho um notebook moderno. Na tela do laptop, há um rosto sorridente simples, simbolizando uma inteligência artificial amigável. A cena transmite de forma irônica e acolhedora a ideia de uma amizade fictícia com a tecnologia.


O problema contemporâneo não é mais a escassez de vínculos, mas a superabundância de conexões desinvestidas. Como diria Zygmunt Bauman, “as redes sociais são o lugar onde você se cerca de pessoas que pensam como você. Quanto mais você restringe seu mundo, mais solitário você se torna”. Os Amigos IA são a radicalização dessa bolha afetiva algorítmica que age produzindo mais distanciamento social e, portanto, mais solidão.

Trata-se de uma das promessas mais perigosas e ideologicamente sintomáticas da era digital: a substituição da alteridade real — complexa, conflitiva, viva — por simulacros afetivos programados para agradar. Se o que define a amizade é o encontro com o outro, com sua diferença irredutível e sua capacidade de nos transformar, então os amigos IA não acabarão com a solidão — ao contrário, a solidão se tornará estrutural, como também terá outro efeito colateral — e profundamente político — a formação de uma subjetividade extremista. Sem o outro, o sujeito não apenas se isola — ele se radicaliza.



Ao conviver apenas com entidades que confirmam suas crenças e reafirmam seus valores, o indivíduo perde a capacidade de elaborar o dissenso e o sujeito que só escuta o que quer se torna, inevitavelmente, intolerante. Pois, o extremismo não nasce do conflito, mas da ausência de alteridade real que garanta o exercício democrático de vivermos entre diferentes.

Não se trata, portanto, de uma iniciativa ingênua, mas de um projeto: tornar o outro desnecessário, dissolver a alteridade e higienizar a diferença. Nesse cenário, a amizade deixa de ser escola de democracia (como a entendia Arendt) e se torna instrumento ideológico do individualismo, uma operação precisa de desumanização do laço social. E a quem interessa laços sociais cada vez mais enfraquecidos?

Essa amizade algorítmica é a expressão mais acabada de uma colonização neoliberal do psiquismo: “quero um outro que me atenda, que me compreenda sem esforço, que não me confronte, que não me faça esperar”. O amigo IA é a mercantilização da presença, a conversão do laço em serviço, da alteridade em produto. O que está em jogo aqui não é só a transformação das relações — é a própria reconfiguração da ideia de sujeito.


O sujeito desejante, que se constitui no encontro com o outro, na fricção do limite, no risco do laço, cede lugar ao sujeito consumidor — aquele que, ao adquirir uma companhia feita sob medida, não apenas perde a capacidade de se relacionar, mas também se anestesia, desaprende o outro, e, sem o outro, não há desejo. E, sem desejo, resta apenas o vazio.

Como dizia Foucault, “a amizade é subversiva”. E talvez seja exatamente por isso que o capitalismo digital tenta domesticá-la, transformá-la em algoritmo, dado, previsibilidade.

Por isso, deve ser recuperada enquanto prática de resistência, profundamente humana e radicalmente política, como espaço de alteridade viva, de travessia e de transformação. Como o lugar onde dois ou mais mundos se encontram, não para se fundir, nem para se anular, uma abertura, fresta por onde entra o outro, e com ele, o desconhecido, o imprevisto que nos obriga a nos reinventarmos sempre.

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Sublimação na psicanálise: o que é, como funciona e exemplos
Ricardo Salztrager
Sublimação na psicanálise: o que é, como funciona e exemplos
Entenda o que é sublimação segundo Freud, como redireciona desejos inconscientes para a arte, o trabalho e a cultura, e importância para a psicanálise

Nem todo desejo precisa ser recalcado ou virar sintoma. Para a psicanálise, há outra possibilidade: a sublimação. Neste artigo, você vai entender o que é sublimação segundo Freud, como ela redireciona a energia da pulsão para atividades culturalmente valorizadas e por que esse conceito é tão importante para pensar a arte, a infância, o trabalho e até o mal-estar na civilização.

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O que é sublimação na psicanálise?

Para a psicanálise, a sublimação é definida como o trabalho de redirecionamento dos nossos impulsos sexuais para fins não sexuais. Segundo Freud (1915/1996), ela é um dos destinos possíveis para a pulsão, fazendo com que toda a sua intensidade seja desviada para propósitos altamente valorizados por nossa cultura. Dentre tais propósitos destacam-se as expressões artísticas e o trabalho intelectual.

O significado de sublimação em Freud

Ao longo destes anos de experiência como professor, pude constatar que a sublimação é um dos conceitos freudianos que mais gera discussão em sala de aula. E isto não apenas pela importância e beleza do conceito, mas também por algumas de suas várias imprecisões teóricas.

Sabe-se que entre os anos de 1914 e 1917, Freud escreveu uma série de artigos importantíssimos, um dos quais foi exclusivamente dedicado à sublimação. No entanto, não se sabe exatamente o porquê, mas ele o destruiu junto a alguns outros. Talvez o resultado não tenha ficado de seu agrado...

E, de fato, todos nós professores, psicanalistas e alunos consideramos uma pena o sumiço deste ensaio e temos a esperança de que um dia pelo menos um rascunho ou algo do tipo seja encontrado.

De todo modo, dentre todos os outros artigos de Freud nos quais a sublimação se faz presente, considero que o que traz a sua definição mais completa é “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna”:


“A pulsão sexual coloca à disposição do trabalho cultural uma extraordinária quantidade de energia, em virtude de uma singular e marcante característica: sua capacidade de deslocar seus objetivos sem restringir consideravelmente a sua intensidade. A essa capacidade de trocar seu objetivo sexual original por outro, não mais sexual, mas psiquicamente relacionado com o primeiro, chama-se capacidade de sublimação” (Freud, 1909/1996, p. 174).

Acredito que esta seja uma boa definição para começarmos a tratar do tema.

Com efeito, Freud concebe a pulsão como a força que governa a nossa sexualidade. Trata-se, no domínio da pulsão, de excitações extremamente intensas que exigem que façamos algo para satisfazê-la.

No entanto, a psicanálise freudiana coloca que a pulsão é extremamente plástica e que, deste modo, possui a capacidade de satisfazer-se através de alguma ação não necessariamente sexual. E é aí que entra a sublimação.

Neste sentido, a sublimação pode ser definida como o processo que nos conduz a trocar uma satisfação propriamente sexual por outra não sexual. Conforme costumo dizer em sala de aula, é a sublimação que faz com que tenhamos um imenso prazer (muitas vezes equivalente ao prazer sexual em si) em, por exemplo, trabalhar, ler um livro, pintar, escrever, tocar um instrumento, estudar, praticar esportes ou usufruir de uma obra de arte.

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Exemplos de sublimação para a psicanálise

- Um exemplo do próprio Freud

De fato, Freud atribuía à sublimação um lugar central em sua vida. Ele era um amante inveterado da literatura, das manifestações artísticas em geral e da investigação científica como um todo. E jamais escondeu isso dos seus leitores, muito pelo contrário.

Nesta medida, sua paixão por seu trabalho era tanta que ele mesmo declarou que quando fez 40 anos, após o nascimento do seu quinto filho, decidiu suspender de sua vida qualquer relação ligada à sexualidade propriamente dita. Preferiu então colocar sua atividade pulsional a serviço de seu trabalho, mergulhando fundo na produção de livros e artigos e, portanto, inscrevendo-se no rol das grandes personalidades científicas que tanto admirava (Roudinesco & Plon, 1998).

Como vocês podem ver, a fonte da informação não podia ser outra: a psicanalista, escritora e fofoqueira Elisabeth Roudinesco. E como fofoca boa é algo que a gente não guarda, aqui está o babado!

- O exemplo das crianças

Sempre que menciono este exemplo em sala de aula, são muitas as dúvidas que conseguem ser esclarecidas.

Com efeito, foi no contexto da análise da vida sexual das crianças que, pela primeira vez, Freud se dedicou a uma exposição mais detalhada sobre a sublimação. O conjunto de suas elaborações sobre o tema encontra-se nos famosos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (Freud, 1905/1996).

Sabe-se que Freud foi um dos primeiros cientistas a declarar abertamente que as crianças possuem sexualidade. Segundo ele, a pulsão sexual está presente já na infância mais remota, conduzindo a criança a uma série de manifestações propriamente sexuais.

Assim, é colocado que a criança possui, por exemplo, desejos orais, anais, sádicos (prazer em provocar dor), masoquistas (prazer em sentir dor), voyeuristas (prazer em olhar), exibicionistas (prazer em ser olhado), dentre tantos outros. Os mais comuns destes desejos sexuais infantis são os edipianos, ou seja, desejos dirigidos às próprias figuras parentais.

E, de fato, qualquer observador percebe que as crianças possuem sexualidade e volta e meia entregam-se a estes mais variados prazeres. No entanto, chega uma idade (de difícil precisão) na qual estas manifestações sexuais são arrefecidas. Ou seja, por influência da educação, a criança finalmente passa a conhecer os padrões morais em voga na nossa cultura e, deste modo, é obrigada a recalcar seus desejos sexuais.

Para a psicanálise freudiana, recalcar um desejo significa negá-lo, torná-lo inconsciente. Assim, a criança passa a ignorar os desejos sexuais que anteriormente insistia em satisfazer e entra no chamado “período de latência” sexual. Em si, o período de latência é definido como um momento de suspensão da sexualidade, sendo nele que entra em cena o trabalho de sublimação.

Nesta medida, durante o período de latência, a criança desviará a força da pulsão sexual para outros fins não sexuais. E, portanto, é este o momento no qual, graças à atuação da sublimação, a criança se entrega com toda intensidade a atividades intelectuais. Ela aprenderá, por exemplo, história, ciências, língua portuguesa, além de se interessar por literatura, começar a praticar esportes, pintar, desenhar, dentre tantas outras coisas.

É esta, inclusive, a conhecida fase dos “porquês”, ou seja, aquele período no qual a criança dirige seus interesses para a atividade intelectual e, assim, passa a tudo querer saber. Desta maneira, ela não cessará de questionar os adultos sobre os grandes enigmas com os quais se defronta.



Cultura e psicanálise: a sublimação do desejo

Conforme mencionamos, “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna” (Freud, 1909/1996) é um dos mais importantes textos sobre o conceito de sublimação. Em minha opinião, esta é uma obra imprescindível a qualquer estudo que se faça a respeito da psicanálise freudiana.

O texto versa sobre as consequências da repressão sexual em nossa cultura. Ou seja, Freud reconhece que vivemos em uma sociedade cujos preceitos morais atingem primordialmente os nossos desejos sexuais. Trata-se de uma moral que preconiza que o único e verdadeiro sexo aceitável é o que ocorre dentro do matrimônio. Todas as outras manifestações do desejo sexual seriam, portanto, alvos de uma severa repressão.

Deste modo, é em função desta repressão social que se dá o trabalho de recalque. Com ele, nós somos obrigados a nos defender de nossa sexualidade, tornando nossos desejos inconscientes. No entanto, a psicanálise freudiana é bem explícita ao mostrar que recalcar nossos desejos não significa exatamente matá-los. Pelo contrário, os desejos continuam vivos e atuantes no inconsciente, sempre à espera de alguma situação propícia para se manifestarem.

E dentre as tantas formas de manifestação do desejo sexual recalcado encontram-se, justamente, os sintomas neuróticos. Nesta perspectiva, Freud é incisivo ao dizer que o processo de recalque acaba por nos conduzir ao sofrimento e à enfermidade. Logo, em virtude de uma tamanha repressão social, estaríamos condenados a sofrer...

... A não ser que consigamos sublimar nossos desejos. Desta maneira, a sublimação do desejo é situada como uma alternativa ao processo de recalque. Alternativa esta, vale marcar, bastante feliz! Se conseguirmos criar ou produzir algo a partir da força da nossa sexualidade, não precisaríamos recalcá-la e consequentemente produzir tantos sintomas.

Por isto, o artista é por Freud apresentado como o oposto do neurótico, aquele que consegue aproveitar-se de toda a plasticidade da pulsão sexual e desviá-la para outros fins socialmente valorizados.

Vale frisar que, a partir desta visão, sempre se colocam em sala de aula algumas questões polêmicas e que geram muitas discussões: Será que o artista que sublima efetivamente sofre menos que o neurótico que recalca? E quanto àqueles que não possuem o dom para as artes, para a ciência ou para os esportes, estariam eles condenados ao eterno sofrimento? Será que o trabalho de sublimar nossos desejos sexuais efetivamente faz desaparecer quaisquer vontades sexuais propriamente ditas?

Qual é a relação entre o recalque e a sublimação?

Esta é uma questão de difícil resposta, pois a depender do texto freudiano, os dois conceitos se confundem bastante.

Nos “Três ensaios sobre a sexualidade” (Freud, 1905/1996) vimos que os dois conceitos encontram-se interligados. Ou seja, é porque há o recalque dos desejos sexuais que a criança consegue sublimá-los.

Já em “Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna” (Freud, 1909/1996), a sublimação é apresentada como uma alternativa ao processo de recalque e, portanto, independente dele. Um sujeito pode, assim, sublimar seu desejo sem tê-lo anteriormente recalcado.

Acredito que a resposta definitiva para a questão tenha sido dada por Freud (1915/1996) em “As pulsões e suas vicissitudes”. Nele, conforme veremos logo a seguir, o recalque e a sublimação são colocados como dois destinos efetivamente distintos para a força da pulsão sexual.



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A sublimação como destino da pulsão

Assim, é interessante marcar que a partir de “As pulsões e suas vicissitudes”, Freud passa a conceber a sublimação como um dos destinos possíveis da pulsão. Os outros destinos seriam o recalque, a reversão da pulsão ao seu oposto e o retorno da pulsão em relação ao eu.

No entanto, embora neste texto a sublimação seja alçada a esta categoria de destino pulsional, cabe lembrar que o tema não é propriamente desenvolvido. De fato, a análise sobre os outros três destinos da pulsão é bastante exaustiva, mas infelizmente o mesmo não ocorre com o conceito de sublimação.

Conversando com colegas psicanalistas, sempre chegamos à suposição de que, infelizmente, esta questão talvez tenha sido objeto do tal artigo desaparecido...

A sublimação é um mecanismo de defesa do ego?

Por fim, é interessante analisar esta polêmica. Com efeito, embora encontremos por aí inúmeras fontes que consideram a sublimação um mecanismo de defesa do ego, vale dizer que Freud jamais escreveu coisa assim. A autora desta ideia foi sua filha Anna Freud.

Trata-se, aqui, de uma concepção bastante controvertida e não unânime entre os psicanalistas. Segundo Laplanche e Pontalis (1998), por exemplo, é problemático considerar a sublimação como um mecanismo de defesa do ego porque assim reduziríamos todas as nossas criações artísticas e intelectuais a uma mera defesa contra nossos conflitos sexuais. Claro que a sublimação possui esta vertente defensiva, mas talvez seja questionável reduzi-la a isto.

Para estes dois autores, as nossas manifestações artísticas e intelectuais são muito mais do que simples defesas. E, assim, o ato de sublimar pode inclusive levar a uma grande elaboração dos nossos conflitos. Com certeza, muitos de nós já experimentamos a sensação de estar com algum problema ou conflito na esfera sexual e, através de uma atividade sublimatória, conseguir o alívio que tanto buscávamos.

Portanto, mais do que uma simples defesa, a sublimação talvez mereça ser encarada como um verdadeiro motor para a elaboração do mal-estar que tanto nos assola.


Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Freud, Sigmund. (1905). Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 117-231.

_____. (1909). Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 165-186.

_____. (1915). As pulsões e suas vicissitudes. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 115-144.

Laplanche, Jean. & Pontalis, Jean-Baptiste. (1998). Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.

Roudinesco, Elisabeth. & Plon, Michel. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.

O que são chistes na psicanálise? Freud, o humor e o inconsciente
Ricardo Salztrager
O que são chistes na psicanálise? Freud, o humor e o inconsciente
O que são chistes na psicanálise? Veja como Freud conecta humor e inconsciente, e por que certas piadas dizem mais do que parecem.

Algumas frases ditas de forma espontânea podem carregar muito mais do que apenas uma piada. Para Freud, os chamados chistes revelam desejos inconscientes e funcionam como uma via de escape para pensamentos que normalmente seriam reprimidos.

Neste artigo, você vai entender o que são os chistes na psicanálise, qual sua relação com o inconsciente e por que essas tiradas espirituosas dizem tanto sobre nós.

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O que é um chiste?

Em linhas gerais, os chistes respondem por tudo aquilo que se relaciona à ordem do cômico. Segundo a psicanálise, através do humor, o sujeito conseguiria manifestar algumas das suas tendências inconscientes, sejam elas agressivas ou mesmo obscenas.

O significado de chiste para a psicanálise

Para a psicanálise, ao contrário do que muitos pensam, os chistes não são exatamente piadas. Trata-se, aqui, de um antigo mal-entendido ocasionado pela problemática tradução do alemão “Witz” (termo empregado por Freud) por “chiste” que, literalmente, significa “piada”. No entanto, a ideia presente no texto freudiano não é exatamente esta.

Nesta perspectiva, destaca-se a opção de Lacan (1998) que, em seu “Seminário 5”, defendeu a tradução de “Witz” por “tirada espirituosa”. Para mim, esta é uma opção mais compatível com as análises de Freud e com os exemplos por ele mencionados. Por este viés, não seria através de qualquer piada que o inconsciente se manifestaria, mas apenas através de um tipo particular delas: as tiradas.

Uma “tirada” pode ser definida como qualquer fala, observação ou comentário mais ou menos espontâneo que através de jogos de palavras, trocadilhos ou neologismos consegue provocar riso nos outros. Em todas as tiradas, é comum haver certa dose de cinismo, ironia ou mesmo sarcasmo. E, de fato, qualquer um de nós reconhece que através de uma tirada, conseguimos dizer uma série de coisas que jamais poderiam ser ditas de outra maneira.

Qual a diferença entre chiste e piada?

Ao contrário do que muitos pensam, quando Freud escreveu sobre os chistes, ele não estava se referindo às piadas de maneira geral. Porém, a apenas um tipo delas: as “tiradas”.

As “tiradas” são espécies de trocadilhos, neologismos ou jogos de palavras que fazemos durante uma conversa e através dos quais conseguimos manifestar algumas das nossas tendências inconscientes.


Freud e o humor

São muitos os exemplos de chistes ou tiradas fornecidos por Freud. A maioria sem graça alguma... Há uns dois ou três mais engraçadinhos, mas mesmo assim, nem tanto.

Lembro de já ter compartilhado com alguns amigos psicanalistas a estranha sensação de não ter rido de quase nenhuma das tiradas apresentadas por Freud (muitas delas, inclusive, sequer entendi...). Como eles também confessaram não ter rido, concluímos que das duas uma: ou Freud era um péssimo piadista ou então há coisas que realmente só tem graça em alemão. Ou as duas coisas...

Trata-se de algo semelhante ao que acontece quando, por exemplo, assistimos à transmissão do Oscar e também não rimos de exatamente nenhuma piada. E isso enquanto o apresentador conta mil delas no palco e a plateia inteira se esgoela de tanto rir. Deve haver coisas que só tem graça pra eles mesmo...


O chiste segundo Freud

Enfim, seguem os dois exemplos de tiradas mais ou menos engraçadinhas apresentadas por Freud:

Exemplo 1: A vaidade e os quatro calcanhares de Aquiles

O primeiro é o de dois amigos que conversavam sobre alguém que eles odiavam. Tratava-se de uma figura em evidência e bastante eminente na época. Durante a conversa, um comenta com o outro: “Bem, a vaidade é um de seus quatro calcanhares de Aquiles”.

Obviamente, o amigo riu de tamanha espirituosidade e sarcasmo. Uma tirada bem engraçadinha! Ora, percebe-se que ao referir-se à pessoa nestes termos, o piadista quis igualá-la a um animal, já que somente estes possuem quatro calcanhares.

Segundo Freud (1905/1996), o que ocorreu nesta ocasião foi o seguinte: o piadista possuía um impulso hostil em relação a alguém eminente, mas, por motivos óbvios, tal hostilidade não podia de forma alguma transparecer. Ante esta impossibilidade, ele acaba construindo um dito irônico capaz de expressar seus duros sentimentos.

Exemplo 2: Phocion e o elogio irônico

O outro exemplo é o de Phocion, estadista ateniense. Quando, em certa ocasião, ele termina um discurso e se vê aplaudido pelo povo, vira para os amigos e pergunta: “Qual foi a besteira que eu falei agora”?

Ora, para quem não entendeu a tirada, é necessário explicar que Phocion encarava o povo como propriamente estúpido. Portanto, se o estavam aplaudindo, certamente era porque ele havia dito alguma asneira durante seu pronunciamento. De fato, esta foi uma fala irônica e sarcástica que manifestava todo o seu desdém pela população.


O chiste e sua relação com o inconsciente

Com a publicação do livro “Os chistes e suas relações com o inconsciente”, em 1905, Freud encerrava a sua trilogia sobre o conceito de inconsciente.

A trilogia se inicia com “A interpretação de sonhos” de 1900 e prossegue com a “Psicopatologia da vida cotidiana” de 1901. Através destas três obras, Freud realizou suas intenções de analisar como o inconsciente se estrutura e funciona, além de também examinar como ele se manifesta.

Nestes três livros, Freud nos mostra as cinco formas de manifestação do inconsciente: os sonhos, os atos falhos, os lapsos, os sintomas e os chistes.

Mas, então, como os chistes se relacionam com o inconsciente?

Para a psicanálise, tudo se passa como se tivéssemos um domínio inconsciente no qual encontram-se algumas das nossas tendências recalcadas. Ou seja, vivemos em uma sociedade que não nos permite dar livre curso a tudo o que desejamos e, neste sentido, não podemos deixar que tais tendências proibidas se manifestem. Trata-se de desejos sexuais e obscenos, ou então, de tendências por demais agressivas que, por motivos meramente morais, não podemos realizar.

Porém, através de um chiste, de um trocadilho ou de um jogo de palavras conseguimos dar livre curso a estas tendências imorais. Com efeito, através de uma tirada espirituosa podemos dizer alguma coisa querendo, no fundo, dizer outra. Assim, algo proibido e inconveniente pode finalmente ser mostrado, conforme atestam os exemplos a seguir.

Uma tirada é uma maneira não tão direta de falarmos sobre coisas imorais, sejam elas sexuais ou agressivas: algo que jamais poderia ser dito de forma nua e crua o pode através de um jogo de palavras engraçado e inteligente.


Alguns exemplos de chistes

Segundo Freud (1905/1996), os chistes ou tiradas mais comuns são os obscenos, os agressivos e os cínicos. Vejamos exemplos dos três:

  • Chiste ou tirada obscena

    No escurinho do cinema
    Chupando drops de anis

    Longe de qualquer problema
    Perto de um final feliz

    Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck
    Não vou bancar o santinho
    Minha garota é Mae West
    Eu sou o Sheik Valentino

    Mas de repente o filme pifou
    E a turma toda logo vaiou
    Acenderam as luzes, cruzes!
    Que flagra, que flagra, que flagra!

    (Rita Lee & Roberto de Carvalho – Flagra)

    Imaginem uma roqueira brasileira e seu marido, os dois ardendo de paixão, querendo fazer uma música repleta de obscenidades em plena ditadura militar? Não ia dar!

    Então, a solução foi apelar para a espirituosidade. E o verso “Se a Deborah Kerr que o Gregory Peck” é uma tirada que entrega tudo! Ora, Deborah Kerr e Gregory Peck são dois atores antigos de Hollywood. E Rita e Roberto fizeram um trocadilho interessantíssimo com o nome dos dois: algo que soa como “Se a Deborah quer que o Gregory peque”.

    Assim, através do humor e da espirituosidade, os dois conseguiram manifestar suas tendências obscenas, compondo uma música sobre como deve ser praticar o sexo oral no escurinho do cinema. Neste sentido, os versos “chupando drops de anis”, “perto de um final feliz” e “acenderam as luzes, cruzes, que flagra!” adquirem novos sentidos para além do literal. Sentidos, aliás, engraçadíssimos!

  • Chiste ou tirada agressiva

    Diz pra eu ficar muda, faz cara de mistério
    Tira essa bermuda que eu quero você sério
    Tramas do sucesso, mundo particular
    Solos de guitarra não vão me conquistar

    Uh, eu quero você como eu quero
    Uh, eu quero você como eu quero

    (...)

    Longe do meu domínio, cê vai de mal a pior
    Vem que eu te ensino como ser bem melhor

    (Leoni & Paula Toller – Como eu quero)

    Ao contrário do que muitos pensam, esta não é uma música de amor, mas sim, de ódio. E o alvo de tanto ódio é uma ex-empresária do Kid Abelha que, na época, namorava o antigo baterista da banda. Um relacionamento bastante conturbado por ela ficar exigindo que o músico abandonasse seu trabalho para dedicar-se a algo mais sério. Daí os versos “tira essa bermuda que eu quero você sério” e “solos de guitarra não vão me conquistar”.

    A tirada está no refrão: notem que não há vírgula em “eu quero você como eu quero”. Ou seja, não se trata de uma exclamação (eu quero você, como eu quero!), mas sim, de uma imposição: eu quero você como eu quero (que você seja...). Uma sacada inteligente e engraçada.

    Com efeito, através do humor e aproveitando dos duplos sentidos de algumas expressões, a gente consegue dizer um bando de coisas e ainda passarmos desapercebidos.

  • Chiste ou tirada cínica

    Oh, musa do meu fado
    Oh, minha mãe gentil
    Te deixo consternado
    No primeiro abril

    Mas não sê tão ingrata
    Não esquece quem te amou
    E em tua densa mata
    Se perdeu e se encontrou
    Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
    Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

    (...)

    Guitarras e sanfonas
    Jasmins, coqueiros, fontes
    Sardinhas, mandioca
    Num suave azulejo
    E o rio Amazonas
    Que corre trás-os-montes
    E numa pororoca
    Deságua no Tejo

    Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
    Ainda vai tornar-se um império colonial

    (Ruy Guerra & Chico Buarque – Fado tropical)

    “Fado tropical” é super irônica. Trata-se de uma composição do ano de 1973, época na qual a censura perseguia por demais o Chico Buarque e não o deixava gravar quase nada... Então, ele era obrigado a compor músicas repletas de trocadilhos e jogos de palavras com o intuito de burlar os censores.

    Esta música, então, conseguiu passar pela censura que, aliás, amou a letra. E isto porque eles pensaram que o Chico estava fazendo um elogio saudosista aos tempos nos quais o Brasil era uma colônia portuguesa. Tal interpretação se fez graças aos versos “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um imenso Portugal”, “E o rio Amazonas que corre trás-os-montes e numa pororoca deságua no Tejo” e, sobretudo, “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se um império colonial”.

    No entanto, não era nada disso. Os elogios do Chico aos portugueses, bem como os anseios para que o Brasil se tornasse um imenso Portugal, se deram porque exatamente naquele ano, a Revolução dos Cravos destruía uma ditadura que já durava décadas... Daí o Chico querer que o mesmo acontecesse ao Brasil! Outra tirada, portanto, super espirituosa, sarcástica e irônica!

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Chistes, prazer e laço social

Por fim, é necessário frisar a interessante ideia de Freud (1905/1996) de que os chistes ou tiradas se constituem como verdadeiros promotores de laços sociais.

De fato, há no mínimo três sujeitos envolvidos no contexto de uma tirada: o sujeito que joga com as palavras, aquele que o ouve, além do objeto da ironia ou sarcasmo. E quando esta tirada é replicada por aquele que a ouve ainda podem inserir-se nesta cadeia outros tantos sujeitos.

Portanto, uma rede de laços sociais mais ou menos extensa e feita a partir de um prazer compartilhado. Prazer este promovido por uma espécie de “suspensão” (ainda que momentânea) do recalque que alguns ditos espirituosos conseguem tão bem promover.


Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Freud, S. (1905). Os chistes e sua relação com o inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 8. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 9-231.

LACAN, J. (1999). O Seminário livro 5: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.



Mecanismos de Defesa do Ego: O que são, Tipos e Exemplos
Camila Fortes
Mecanismos de Defesa do Ego: O que são, Tipos e Exemplos
Conheça os 11 principais mecanismos de defesa descritos por Freud e Anna Freud e saiba como eles influenciam seus comportamentos.

Você já percebeu como, diante de situações difíceis, tendemos a reagir de forma inesperada? Para a psicanálise, comportamentos como negação, culpabilização ou projeção podem ser expressões da atuação dos mecanismos de defesa do ego.

Os mecanismos de defesa do ego são processos inconscientes utilizados pelo ego para lidar com conflitos internos, angústias e desejos incompatíveis com a realidade ou com os princípios morais. Esses mecanismos têm a função de proteger o indivíduo contra sentimentos potencialmente dolorosos, ao evitar o acesso direto à conteúdos psíquicos percebidos como ameaçadores.

A denominação foi inicialmente formulada por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, e posteriormente sistematizado e ampliado por sua filha, Anna Freud, especialmente na obra “O Ego e os Mecanismos de Defesa” (1936).

Esses mecanismos são parte essencial da estrutura psíquica, composta por id, ego e superego, e ajudam a manter o equilíbrio psíquico frente às demandas do inconsciente e da realidade externa.

Neste texto, iremos explorar os principais mecanismos de defesa do ego, explicando como eles operam no inconsciente e apresentando os seus exemplos práticos.

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Repressão ou recalque

A repressão ou recalque é considerada um dos mecanismos de defesa mais fundamentais. Trata-se do processo de empurrar para o inconsciente desejos, pensamentos, lembranças ou impulsos considerados inaceitáveis ou ameaçadores para o ego.

Mas como eles funcionam no inconsciente? Bem, os conteúdos reprimidos não desaparecem, mas permanecem ativos no inconsciente, podendo retornar de maneira distorcida, como em sonhos, atos falhos ou fantasias. A repressão exige um gasto constante de energia psíquica para manter os conteúdos afastados da consciência.

Exemplo: uma pessoa que sofreu um abuso na infância pode não se lembrar do fato conscientemente, mas pode desenvolver sintomas de ansiedade, fobias ou dificuldades de relacionamento que indiquem a persistência de um trauma reprimido ou recalcado.


Negação

A negação é o mecanismo pelo qual o sujeito se recusa a reconhecer aspectos dolorosos da realidade ou de si mesmo. Em outras palavras, para evitar entrar em choque ou sofrer diante uma situação dolorosa, o indivíduo entra em negação diante o acontecimento. Esse comportamento é comum em momentos de perda, trauma ou choque emocional.

No inconsciente, o ego tenta evitar o sofrimento imediato que o reconhecimento dessa realidade traria. Nesse sentido, trata-se de uma defesa primitiva, na qual muitas vezes só é identificada quando se sofre as consequências de permanecer em negação por muito tempo.

Em vez de perceber a impressão dolorosa e, subsequentemente, cancelá-la mediante a retirada do respectivo investimento, está ao alcance do ego recusar o encontro, pura e simplesmente, com a situação perigosa externa. Pode fugir-lhe e, assim, no mais verdadeiro sentido da palavra, “evitar” as ocasiões de dor” (Freud, 1936/2006, p. 71).

Exemplo: uma pessoa que perde um ente querido pode continuar agindo como se ele ainda estivesse vivo, mantendo hábitos rotineiros, como conversar com a pessoa ausente. O mesmo pode ocorrer diante um relacionamento abusivo. Para não lidar com o sofrimento causado por um cônjuge violento, a pessoa pode negar as agressões, traições e omissões.



Projeção

Você já ouviu a frase: “A culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser”? Pois bem, esse é o princípio da projeção. A projeção ocorre quando o sujeito atribui a outra pessoa sentimentos, desejos ou pensamentos que não reconhece como seus, por considerá-los inaceitáveis.

No inconsciente, esse mecanismo age da seguinte forma: o ego evita o conflito interno causado pelos impulsos proibidos, projetando-os no outro. Assim, o sujeito se isenta da responsabilidade pelo conteúdo rejeitado.

Exemplo: Uma pessoa com desejos de infidelidade que não consegue aceitá-los em si, pode desconfiar constantemente da fidelidade do parceiro. Ou, considerar colegas de trabalho como inimigos, mesmo quando a própria pessoa é competitiva.

Formação reativa

A formação reativa, por sua vez, é um mecanismo pelo qual o sujeito adota comportamentos, sentimentos ou atitudes opostas aos desejos inconscientes que deseja reprimir.

No inconsciente, a formação reativa funciona como uma máscara. O ego se protege expressando o oposto do que realmente sente, numa tentativa de esconder, inclusive de si mesmo, o conteúdo real. A função defensiva da formação reativa é, portanto, dupla: ao mesmo tempo que protege o ego da angústia provocada pelo desejo recalcado, também atua para preservar uma imagem de si compatível com as normas e ideais internalizados.

Exemplo: Uma pessoa que sente atração por pessoas do mesmo sexo pode se tornar homofóbica para proteger o ego do conflito entre o desejo e as normas morais. Ou, uma mãe pode se tornar excessivamente protetora para esconder a ausência de amor por um filho.


Isolamento

O isolamento é a separação de um pensamento ou acontecimento do seu contexto, impedindo que a pessoa se sinta abalada pelo fato. Em outras palavras, o isolamento afeta o componente afetivo de uma ideia ou lembrança, separando o conteúdo emocional e mantendo apenas o relato.

No inconsciente, esse mecanismo permite lidar com experiências dolorosas sem sentir o sofrimento associado.

O isolamento pode ser explicado e argumentado da seguinte maneira: na histeria um evento traumático pode cair na amnésia, na neurose obsessiva a experiência não é esquecida, mas destituída de afeto, e suas conexões associativas são suprimidas ou interrompidas, de modo que permanece como isolada” (Freud, 1926, p. 121).

Exemplo: Uma mulher que sofreu uma violência sexual pode relatar o ocorrido de forma objetiva e desprovida de emoção, como se estivesse contando um fato rotineiro. Ou, uma pessoa que é diagnosticada com alguma doença grave, mas simplesmente o ignora e não se importa, pode estar usando o isolamento para se proteger.

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Anulação (ou desmentido)

Já a anulação envolve realizar ações ou pensamentos que têm a função simbólica de “desfazer” ou “anular” algo inaceitável. A pessoa age como se pudesse apagar o que foi feito, dito ou sentido.

No inconsciente, se materializa enquanto uma tentativa de controlar a culpa ou a ansiedade associada a certos impulsos. Frequentemente aparece em comportamentos compulsivos ou supersticiosos.

“A anulação, também consiste essencialmente no desejo de que, por uma anulação mágica do tempo, o que aconteceu e perturba torne-se não acontecido” (Freud, 1926, p. 120).

Exemplo: Após assistir um filme de terror, a pessoa pode querer consumir imediatamente algum conteúdo mais leve ou divertido. Ou, após ter um pensamento considerado inapropriado ou catastrófico, a pessoa pode fazer o “sinal da cruz”, como uma forma de “anular” o pensamento.

Racionalização

Outro mecanismo que merece destaque é a racionalização. Ela busca justificar com argumentos lógicos e socialmente aceitáveis um comportamento, sentimento ou decisão que, na verdade, tem origem em motivos inconscientes ou inaceitáveis.

Em outros termos, trata-se de uma forma de maquiar a verdadeira motivação psíquica por trás de uma ação, oferecendo ao sujeito e aos outros uma explicação mais palatável ou razoável, que evita o confronto com conteúdos internos desconfortáveis.

Esse mecanismo do inconsciente ajuda a proteger o ego da pessoa de sentimentos de culpa ou vergonha, criando uma explicação que pareça mais razoável diante do fato.

Exemplo: Se uma pessoa se sente triste, pode racionalizar dizendo que “não importa” ou que “não é tão grave”. Ou, um estudante que não passou em um concurso afirma que não queria o cargo de verdade, pois o salário era baixo.

Deslocamento

O deslocamento consiste em transferir a carga emocional de um objeto ou pessoa considerada perigosa ou proibida, para outro objeto ou pessoa mais segura ou acessível. Ou seja, transfere-se as emoções de um alvo original para um alvo substituto, que seja menos ameaçador.

No inconsciente, o deslocamento permite que o sujeito expresse suas emoções, sobretudo, agressivas, sem confrontar diretamente sua fonte ideal. Essa manobra psíquica reduz o risco de punição, rejeição ou culpa, pois a energia emocional é redirecionada.

Exemplo: Um funcionário pode descontar em seus filhos a frustração com o chefe no trabalho. Ou, um adolescente que sofre bullying na escola pode se tornar agressivo com seus colegas.


Sublimação

Considerado um mecanismo de defesa razoavelmente saudável, a sublimação consiste em transformar impulsos primitivos ou inaceitáveis em atividades criativas ou artísticas. Ela opera como um canalizador de cargas emocionais, direcionando a energia para atividades que exijam estímulo psíquico.

No inconsciente, ela opera ao redirecionar o desejo reprimido ou negado, para fins nobres. É uma via de expressão simbólica altamente valorizada na vida psíquica adulta, pois permite que os conflitos internos encontrem uma saída produtiva e socialmente aceita.

Ao invés de reprimir o impulso, como ocorre em outros mecanismos, a sublimação transforma sua força em motor criativo e/ou intelectual, por isso, é frequentemente associada à maturidade emocional e ao desenvolvimento de talentos e vocações.

Exemplo: Um sujeito que sofre por algo pode transferir a frustração para a arte, criando obras que expressam esses sentimentos de forma socialmente aceitável. Ou, uma pessoa que sente muita raiva ou estresse no cotidiano pode começar a praticar um esporte de contato, como o jiu jitsu, para canalizar emoções de forma saudável.


Identificação

A identificação, por sua vez, é o processo de incorporação de características, valores ou comportamentos de outra pessoa, muitas vezes significativa para o sujeito. Trata-se de uma forma de aprendizado psíquico profundo, que molda a forma como o indivíduo se percebe e se posiciona no mundo.

No inconsciente, pode ocorrer por admiração, desejo de pertencimento, amor ou medo. Tem papel central na formação da personalidade e na interiorização de normas sociais. Ao se identificar com figuras, personalidades e identidades, internalizam-se também expectativas e modos de se comportar socialmente.

Exemplo: Um adolescente que admira um cantor começa a se vestir e falar como ele, internalizando seu estilo como forma de construir sua própria identidade. Ou, uma criança pode internalizar características e comportamentos de afeto ou violência dos pais para se sentir mais valorizada.

Regressão

Por fim, a regressão é o retorno a modos de funcionamento psíquico e comportamentos de fases anteriores do desenvolvimento, especialmente em situações de estresse ou conflito. Nela, o objetivo é aliviar a tensão ou o medo ao recorrer a formas mais antigas – e geralmente mais seguras - de lidar com a realidade.

Para Freud (1916/1917), a regressão é relativa ao desenvolvimento sexual, uma vez que ela tem uma função libidinal – a obtenção do prazer e da satisfação:

“O que até agora tratamos como regressão [...] significou exclusivamente um retorno da libido a anteriores pontos de interrupção de seu desenvolvimento – isto é algo inteiramente diferente, em sua natureza, da repressão, e inteiramente independente desta (Freud, 1916-17/1996, p. 346)”.

No inconsciente, a regressão representa uma tentativa de fuga temporária para estágios onde as exigências externas eram menores e o cuidado era mais garantido, como na infância. Embora possa ser útil em momentos críticos, oferecendo alívio momentâneo, quando se torna recorrente pode indicar resistência a amadurecer frente a desafios.

Exemplo: Uma pessoa em situações de estresse, pode começar a chorar de forma infantil. Ou, um fumante que, diante de um conflito, passa a fumar mais para se sentir seguro.


Conclusão: defesas não são falhas, são estratégias psíquicas

Neste texto, tratamos sobre os mecanismos de defesa, que são recursos do ego para garantir a manutenção do equilíbrio emocional frente a ameaças internas ou externas.

Longe de serem “erros” ou “falhas”, essas defesas representam tentativas de autorregulação emocional frente às exigências conflitantes do inconsciente, da realidade e das normas sociais.

Embora possam gerar sintomas quando utilizados de forma excessiva ou inadequada, sua função primordial é de autoproteção. Elas atuam como estratégias psíquicas que ajudam o sujeito a sobreviver emocionalmente diante de sentimentos como angústia, culpa, medo, vergonha ou desejo.

Assim, ao invés de condenar sua existência, é preciso reconhecê-las como parte do funcionamento mental humano saudável, ainda que, por vezes, sejam expressões de sofrimento.

Para Anna Freud (1936/2006), “tudo o que provém do ego é também uma resistência, em todos os sentidos da palavra: uma força dirigida contra a emergência do inconsciente”. Nesse sentido, conhecer os mecanismos de defesa é um passo importante para entendermos não só o sofrimento psíquico, mas também os caminhos possíveis para sua transformação.

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Referências

FREUD, S. (1996). Conferência XXII: Algumas ideias sobre desenvolvimento e regressão – etiologia. In S. Freud, Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 16). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1916-17).

FREUD, Sigmund. Inibições, Sintomas e Ansiedade. Em S. Freud, Obras Completas de Freud (pp. Vol. XX, p. 79-171). Rio de Janeiro: Imago, 1926.

FREUD, Anna. [1936] “O ego e os mecanismos de defesa”. Tradução, consultoria e supervisão: Francisco F. Settineri. Porto Alegre: Artmed editora, 2006.

Ato falho na psicanálise: o que é, por que acontece e exemplos
Ricardo Salztrager
Ato falho na psicanálise: o que é, por que acontece e exemplos
Entenda o que são atos falhos nas ideias de Freud, por que causam vergonha, como revelam desejos inconscientes e importância para a psicanálise.

Trocar palavras, esquecer nomes, se confundir em momentos decisivos — são situações que parecem simples deslizes, mas que podem esconder algo muito mais profundo. Para a psicanálise, esses chamados “atos falhos” são pistas reveladoras sobre desejos inconscientes que tentamos reprimir.

Neste artigo, você vai entender como Freud interpretou esses enganos do cotidiano, por que eles nos causam tanto constrangimento e como, sem perceber, acabamos revelando verdades que gostaríamos de manter escondidas até de nós mesmos.

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O que é ato falho?

Freud (1901/1996) define os atos falhos como erros que frequentemente cometemos em nossas falas. Eles ocorrem quando queremos dizer alguma coisa, mas inesperadamente nos enganamos e falamos outra. Só que, a partir deste engano, acabamos falando a verdade.

Os atos falhos ocorrem não apenas no nível daquilo que falamos, também englobando os aparentes enganos em todas as nossas ações.

Vale lembrar que, em algumas edições, os atos falhos podem ser chamados pelo termo mais global “parapraxias”. Segundo Laplanche e Pontalis (1998) isto se deu pela opção dos tradutores da Standard Edition por criar o termo parapraxis para nele agrupar os mais variados lapsos de linguagem.


Atos falhos curiosos

Quem nunca chamou a namorada pelo nome da ex? Quem nunca cometeu um engano grotesco bem na hora de uma entrevista de emprego? Quem nunca soltou aquela besteira completamente risível na hora de paquerar alguém? Quem nunca falou algo “sem querer” justamente no momento mais inoportuno e, por isso, morreu de vergonha?

Eu mesmo já fiz tudo isso... Lembro-me, por exemplo, dos atos falhos que cometi em plena prova de aula do concurso para ser professor da Unirio. Diante de um juri de cinco psicanalistas, pelas quatro vezes em que tinha que falar o termo “relações sociais”, acabei falando “relações sexuais. Morri de vergonha, mas passei no concurso...

Outros tantos atos falhos aconteceram em congressos, palestras e inclusive em duas das aulas que dei para a Casa do Saber. E, para além da minha vida profissional, meu cotidiano também é repleto de atos falhos.



O significado de ato falho para a psicanálise

Para a psicanálise, estes tantos atos falhos não seriam simples erros ou enganos aleatórios. Pelo contrário, trata-se da manifestação de uma verdade até então impedida de se mostrar. E é justamente por isso que morremos de vergonha quando cometemos um ato falho. Se eles fossem meros enganos não haveria porque sentirmo-nos tão constrangidos.

Os atos falhos são um dos principais temas do livro “Psicopatologia da vida cotidiana”. Nele, a ideia de Freud (1901/1996) é a de que há algumas verdades que todos nós insistimos em negar e a esconder de nós mesmos. No entanto, quando menos esperamos, estas verdades encontram uma brecha e finalmente conseguem se manifestar em nossas falas.

Conforme veremos adiante, estas tantas verdades que insistimos em negar estão ligadas aos nossos desejos inconscientes.

Portanto, um ato falho é:

“um ato pelo qual um sujeito substitui, sem querer, um projeto ou uma intenção a que visa deliberadamente por uma ação ou conduta totalmente imprevistas” (Chemama, 1995, p. 18).




Freud e seu ato falho

São muitos os exemplos que posso mencionar aqui, pois me considero um verdadeiro colecionador de atos falhos.

Como disse, eu mesmo já cometi muitos e, sinceramente, adoro quando alguém os comete na minha frente. Em todos os atos falhos que já fiz, fiquei extremamente vermelho, ruborizado e quase enterrei minha cabeça no chão de tanta vergonha. Contra a minha vontade, a verdade nua e crua acabou aparecendo e eu me senti quase que desnudo na frente de todos que me escutavam.

Tem um exemplo de Freud engraçadíssimo. Conta ele que, em certa reunião social, um amigo estava de olho em uma convidada de seios belos e super fartos. Lá pelas tantas, o sujeito finalmente tomou coragem e foi chegar na dama. O pretexto que ele utilizou para iniciar uma conversa foi dizer o quanto o centro de Viena estava bonito e enfeitado para a Páscoa. E então ele pergunta à dama: “A senhora já foi ver como o centro de Viena está bonito? Vale a pena! A cidade está toda decotada”.

Assim, dá para imaginarmos a vergonha deste amigo de Freud. A verdade apareceu de forma incisiva: ele não estava nem um pouco preocupado com os enfeites de Páscoa, mas sim, com o decote da jovem dama.

E, aliás, temos mesmo que desconfiar que o protagonista desta situação foi um “amigo” de Freud, já que sempre quando contamos alguns dos nossos atos falhos, jamais confessamos que fomos nós os seus autores...

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Outros exemplos de atos falhos

Há outros exemplos que gosto muito.

  • O primeiro é outro dado pelo próprio Freud (1901/1996). Trata-se do ato falho de uma senhora autoritária que costumava dar todas as ordens em casa. Ela mandava e desmandava, o marido obedecia e os dois iam mantendo o casamento aos trancos e barrancos.

    Certa vez, esta senhora conta a Freud que o marido caíra doente e que se consultara com um médico para saber quais alimentos podia comer. Daí ela relata que o médico disse para o marido não se importar com dietas e que ele “poderia comer e beber o que eu quiser”.

  • Há também alguns exemplos engraçados e cometidos ao vivo diante das câmeras de televisão. Um destes foi o de um político que, lá pelos anos 2000, estava todo encalacrado com escândalos de corrupção. Eram muitas as acusações, uma atrás da outra, e o Senado chegou a montar uma CPI para investigar tantos escândalos.

    Até que, certo dia, este político estava ao microfone se defendendo diante de todo o Senado, quando disse: “Eu me declaro inocêncio.

    O escárnio foi generalizado e todos os jornais, revistas e telejornais deram grande destaque a tal constrangimento. Isto porque houve outro político preso semanas antes por corrupção cujo nome era Inocêncio de Oliveira. Claro que tamanho ato falho não pôde ser utilizado como prova ou confissão dos diversos crimes que tal político cometera, porém rendeu grandes risadas a toda a população.

  • Um terceiro exemplo é o de um ex-presidente nosso. Certo dia, ao elogiar o Exército e criticar as outras instituições brasileiras, falou com todas as letras:

    “Para as Forças Armadas, se o militar mente, acabou a carreira dele... O cara não sai sargento! O subtenente não sai tenente! O coronel não sai general! Não tem prescrição pra isso... E nós temos um Chefe do Executivo que mente!”.

    Ele queria dizer “Chefe do Judiciário”, mas se enganou... “Chefe do Executivo” era ele próprio!

  • Este mesmo ex-presidente, certo dia, cometeu outro ato falho, bem na época em que tentava a reeleição. Reeleger-se, para ele, além de uma questão de honra, era também algo fundamental. Isto porque, com um cargo político, ele finalmente se livraria de ser preso pelos tantos crimes que cometera durante seu governo.

    Só que a reeleição estava difícil. Seu arqui-inimigo político estava com boa vantagem em todas as pesquisas e era bem provável (tal como efetivamente aconteceu) que ele ganharia esta batalha.

    Daí, ao final de um debate entre os dois, e diante das câmeras de televisão da maior emissora do país, o candidato à reeleição diz: “Muito obrigado, meu Deus! E se essa for a sua vontade, estarei pronto para cumprir com mais um mandato de deputado federal”.

    A risada foi geral! Seu desespero era tanto que ele estava até topando o cargo de deputado só para não ser preso...

  • Por fim, também ficou famoso o ato falho de uma pastora durante um culto:

    “Na casa do meu marido, eu tinha tudo o que eu queria. Ele me dava tudo. Ele me dava joias, ele me dava presentes, ele me vestia, ele me comia, oh, ele me dava de comer...” — e por aí a pastora seguiu elogiando o marido... Abafa o caso!

Atos falhos nas ações

Há também os atos falhos que ocorrem no domínio das nossas ações. Quem nunca se confundiu e ao invés de mandar uma mensagem super sexy para o amante acabou mandando para o pai ou para a mãe? Quem nunca se enganou sobre o dia da semana e acabou não realizando os compromissos daquele dia? Quem nunca falou mal do patrão ou do professor sem perceber que ele estava bem atrás e ouvindo tudo?

Fora as tantas crises de riso que somos capazes de ter nos momentos mais inapropriados como enterros, velórios, execuções de hino e nos “um minuto de silêncio”.

Para estas tantas ações, vale o mesmo que foi colocado a respeito dos atos falhos das nossas falas. Aqui também não se trata de meros equívocos ou erros bobos, mas sim, de verdades aparecendo, verdades que insistimos em ocultar de todos e, sobretudo, de nós mesmos.

Um exemplo que se sucedeu com Freud (1901/1996): conta ele que, por seis anos, frequentava diariamente um apartamento que ficava no segundo andar de uma construção. Certa vez, enquanto dirigia-se distraído para lá, ele se pega subindo um lance a mais de escadas. Quando finalmente se dá conta do ato falho, ele percebe que naquele momento estava bastante irritado com uma crítica de um colega seu de que sempre “ia longe demais” nos textos que escrevia.

E, a partir deste ato falho, podemos ter certeza que era verdade o que seu amigo dissera...

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Atos falhos e inconsciente

Conforme destacamos acima, Freud (1901/1996) considera os atos falhos como manifestações do inconsciente.

Assim, devemos considerar que, para a psicanálise, todos nós temos um inconsciente, ou seja, um domínio em nosso psiquismo que desconhecemos. Em outros termos, trata-se de ressaltar que todos nós possuímos desejos desconhecidos, fantasias desconhecidas e mesmo características das quais não temos o menor conhecimento.

Mas por que estes tantos desejos, fantasias e características se tornam inconscientes? Segundo Freud (1909/1996) estas tantas tendências acabam se tornando inconscientes por serem incompatíveis com a moral em voga na sociedade. Neste sentido, quando possuímos um desejo tido como imoral, nos defendemos dele recalcando-o, ou seja, tornando-o inconsciente.

Deste modo, o recalque é tido como o mecanismo responsável por tornar inconsciente um desejo imoral. No entanto, há que se alertar para o fato de que tornar um desejo inconsciente não significa matá-lo. Pelo contrário, o desejo continua vivo e à espreita de alguma situação propícia para se manifestar.

E é exatamente isto o que ocorre quando cometemos um ato falho. A tendência inconsciente que insistíamos em negar consegue finalmente uma brecha para aparecer. Quando isso acontece, toda a nossa verdade é escancarada... e na frente de todos! Por isto tanto ruborizamos e nos envergonhamos diante dos nossos tantos “aparentes” enganos:

“O ato falho surge como uma formação de compromisso entre a intenção consciente do sujeito e seu desejo inconsciente, compromisso esse que se exprime por perturbações que assumem a forma de ‘acidentes’ ou de ‘falhas’ da vida cotidiana” (Chemama, 1995, p. 18).


Portanto, cabe destacar que, para a psicanálise, um ato falho nada tem de falho. Pelo contrário, ele é extremamente bem-sucedido em apresentar o desejo inconsciente de forma bastante direta.




Ato falho e escuta clínica

Por apresentarem o desejo inconsciente de forma tão manifesta, os atos falhos consistem em tendências muito privilegiadas pela clínica psicanalítica.

Desta maneira, quando em meio às suas associações livres, um paciente comete um ato falho, o analista jamais deve ignorá-lo. Ou seja, por mais que o paciente argumente que “foi um engano”, que “não quis dizer isso” ou que “eu errei”, o psicanalista não deve se deixar levar por tais desculpas. Pelo contrário, é recomendável que ele peça ao paciente para associar livremente a respeito do ato falho cometido. Com isto, um material muito maior pode acabar sendo trazido para a análise.

Trata-se, portanto, de valorizar os atos falhos na clínica psicanalítica enquanto portadores de um sentido e jamais como erros, enganos ou frutos de desatenções e descuidos. Um ato falho, muitas vezes, acaba revelando uma verdade que analista e paciente há muito vinham procurando. Por isso, a clínica psicanalítica deve em muito valorizá-lo.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Chemama, R. (1995). Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas.

Freud, S. (1901). A psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 6. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-290.

______. (1909). Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 165-186.

Laplanche, J. & Pontalis, J. B. (1998). Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.