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Entenda o que é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)
Camila Fortes
Entenda o que é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)
Entenda o que é o TOC, sintomas mais comuns, causas, tipos e formas de tratamento. Saiba como lidar com o transtorno e apoiar quem convive com ele.

Você já ouviu alguém dizer “tenho TOC com organização”? Essa frase, apesar de comum, muitas vezes banaliza um transtorno sério que afeta milhões de pessoas no mundo.

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é um transtorno de ansiedade caracterizado por obsessões e/ou compulsões que causam sofrimento, desconforto ou prejuízo funcional significativo.

Neste conteúdo, vamos explicar de modo aprofundado o que é o TOC, quais seus sintomas, causas, tipos, como é feito o diagnóstico, as formas de tratamento e como diferenciar o transtorno de comportamentos obsessivos comuns.

Nosso objetivo é desmistificar o TOC, combater o estigma e oferecer orientações acessíveis e científicas para quem convive com esse quadro ou deseja compreender melhor o tema.

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O que é o TOC? Entenda o transtorno

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é uma condição de saúde mental marcada pela presença de pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos que se repetem de forma intensa, persistente e angustiante.

Descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e na Classificação Internacional de Doenças (CID-11, código 6B20), o TOC é muito mais do que gostar de tudo no lugar ou querer que as coisas estejam limpas, por exemplo. Ele se trata de um sofrimento psíquico intenso, que compromete a vida pessoal, social e profissional de quem o vivencia.

Obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos intrusivos, indesejados e repetitivos que geram angústia. Exemplo: medo intenso de estar contaminado, mesmo sem evidência disso.

Compulsões são comportamentos repetitivos (como lavar as mãos, checar as portas) ou atos mentais (contar, rezar, repetir palavras) realizados para neutralizar ou aliviar a ansiedade provocada pelas obsessões.

Em outras palavras, enquanto a obsessão é o pensamento invasivo e angustiante, a compulsão é a ação que tenta aliviar essa angústia.

Quem sofre de TOC geralmente percebe que seus pensamentos e comportamentos são excessivos ou irracionais, mas mesmo assim se sente incapaz de controlá-los sem ajuda especializada.

Principais sintomas do Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Os sintomas podem variar bastante entre os indivíduos, tanto na forma quanto na intensidade. Em geral, as obsessões provocam angústia, e as compulsões surgem como uma tentativa de neutralizar esse desconforto, criando um ciclo difícil de romper.

Abaixo, listamos alguns dos sinais de obsessões e compulsões mais comuns:

Exemplos de obsessões:

  • Medo excessivo de contaminação: preocupação constante com germes, sujeira, sangue ou doenças.
  • Dúvidas persistentes que não amenizam: insegurança quanto a ações do cotidiano (“Será que tranquei a porta? E se eu causar um acidente?”)
  • Pensamentos indesejados de conteúdo agressivo ou sexualizado: ideias invasivas sobre machucar alguém ou fazer algo moralmente inaceitável.
  • Necessidade de simetria ou exatidão: incômodo intenso diante de objetos desalinhados ou desorganizados.
  • Medo de causar dano a si ou aos outros: preocupação irracional de que, se não conseguir determinado ritual, algo ruim acontecerá.


Exemplos de compulsões:

  • Lavar as mãos ou tomar banhos excessivos, mesmo sem necessidade física;
  • Verificar repetidamente se portas estão trancadas, luzes apagadas, aparelhos desligados etc;
  • Contar objetos ou repetir palavras mentalmente, como forma de neutralizar obsessões;
  • Organizar itens de forma rígida ou ritualística, seguindo padrões exatos de simetria, cor, tamanho etc;
  • Reafirmação constante: necessidade de ouvir dos outros que algo está seguro, certo ou aprovado.


Esses comportamentos podem parecer irracionais até para quem os realiza e, ainda assim, a pessoa sentir que não consegue evitá-los.

Importante: manias e rituais isolados não são TOC. O transtorno só é diagnosticado quando essas obsessões e compulsões ocupam tempo significativo (geralmente mais de uma hora por dia) e causam sofrimento real ou prejuízo à rotina.



Homem usando máscara borrifando spray desinfetante nas mãos, destacando práticas de higiene e prevenção
Limpeza é essencial, mas é preciso observar se as manias estão causando sofrimento ou comprometimento na vida da pessoa - Fonte: Tonkla Pairoh/Unsplash

Causas e fatores de risco para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Ainda não existe uma causa única para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, mas uma pesquisa realizada na Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales (UCES) e no Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES) apontam para uma combinação de fatores:

Genéticos: pessoas com histórico familiar de TOC ou outros transtornos de ansiedade têm maior predisposição;

Neurobiológicos: alterações em áreas do cérebro responsáveis por tomada de decisão, controle de impulsos e avaliação de risco (como o córtex orbitofrontal e os gânglios da base), estão relacionadas ao TOC.

Psicológicos: experiências traumáticas na infância, vivências de controle extremo, culpa internalizada ou repressão emocional, podem influenciar o desenvolvimento do transtorno.

Ambientais: eventos estressantes, infecções, alterações hormonais ou disfunções imunológicas podem atuar como gatilhos.

Muitos comportamentos visam controlar o incontrolável, como a possibilidade de contaminação, erro ou tragédia. Por isso, o TOC está diretamente relacionado à ansiedade e ao controle, uma vez que são dois fatores centrais no sofrimento dessas pessoas.



Diferença entre TOC e manias

Uma confusão frequente é sobre a diferença entre TOC e as chamadas “manias”. Apesar da popularização de expressões como “Tenho TOC com isso”, é importante entender que manias e TOC são coisas muito diferentes.

No que exatamente elas se diferem?

As manias, no senso comum, são hábitos ou preferências pessoais, como gostar de manter o armário organizado ou sempre alinhar os talheres e copos. A pessoa mantém o comportamento por gosto ou satisfação, e não por medo ou angústia.

Esses comportamentos geralmente não causam sofrimento ou prejuízo significativo.

Já o TOC envolve uma luta interna desgastante, marcada por pensamentos indesejados e rituais que a pessoa muitas vezes reconhece como excessivos, mas sente-se incapaz de controlar.

No TOC, os pensamentos obsessivos invadem a mente, seguidos de rituais compulsivos. Esses comportamentos são feitos justamente para aliviar a angústia, e não por prazer, e tendem a ser repetidos exaustivamente.

Confira um exemplo da diferença entre Mania x TOC na tabela abaixo:

Mania TOC
Gosto de ver e acho mais bonito esteticamente os livros alinhados por cor. Preciso alinhar os livros por cor e simetria pois, se não fizer isso, sinto uma angústia, como se algo ruim fosse acontecer.



Diagnóstico de TOC e tipos de manifestação

O diagnóstico de TOC deve ser feito por um profissional de saúde mental, como psiquiatra ou psicólogo, com base em critérios estabelecidos pelo DSM-5. A avaliação é feita por meio de entrevistas clínicas, análise de frequência e impacto dos sintomas e exclusão de outras condições médicas ou psiquiátricas.

Tipos de TOC:

  • TOC de verificação: marcado por obsessões relacionadas à dúvida e à responsabilidade, levando a checagens repetitivas.
    Exemplo: Ler e reler um e-mail dezenas de vezes antes de enviar, com medo de que uma palavra mal escrita possa causar demissão ou ofensa. Ou, verificar repetidamente se fechou a porta de casa, mesmo sabendo que trancou. Às vezes, volta da rua só para checar novamente.
  • TOC de limpeza/contaminação: obsessões relacionadas ao medo de contaminação por germes, substâncias tóxicas, sujeira ou até energia negativa, que levam a rituais de limpeza excessivos.
    Exemplo: Evitar cumprimentar pessoas com aperto de mão ou tocar em qualquer objeto público por medo de doenças. Ou, sentir necessidade de limpar o banheiro todos os dias, mesmo sem uso recente.
  • TOC de simetria/ordem: obsessões com a necessidade de exatidão, equilíbrio ou simetria. As compulsões geralmente envolvem reorganizar objetos ou realizar tarefas de forma igualitária.
    Exemplo: Não conseguir sair de casa se os quadros na parede não estiverem perfeitamente alinhados. Ou, a necessidade de pisar com os dois pés o mesmo número de vezes ao subir escadas.
  • TOC de pensamentos intrusivos: caracterizado por pensamentos indesejados, agressivos, sexuais ou moralmente inaceitáveis, que causam intensa culpa.
    Exemplo: Ter pensamentos involuntários sobre machucar alguém querido. Ou, imaginar cenas inapropriadas e tentar mentalmente “cancelar” os pensamentos.
  • TOC de acumulação: dificuldade intensa em se desfazer de objetos, mesmo sem utilidade aparente.
    Exemplo: Guardar objetos quebrados, contas antigas ou roupas velhas por acreditar que algo ruim pode acontecer se forem descartadas.



Atenção: o TOC na infância pode se manifestar de formas semelhantes aos adultos, mas muitas vezes com menos clareza verbal. É importante observar a rituais excessivos, o sofrimento ao interromper rotinas e a ansiedade intensa.



Sugestão da Casa:

O filme “Toc Toc” (2017) dirigido pelo espanhol Vicente Villanueva, é uma comédia ficcional que reúne diferentes pessoas com transtornos obsessivos-compulsivos em uma sala de espera para consulta com um terapeuta.

No filme, cada personagem apresenta um tipo de TOC diferente, como verificação, simetria, repetição, contaminação e até síndrome de Tourette. Embora seja uma obra de humor, o filme pode ajudar a introduzir o tema de forma leve e gerar empatia com quem vive com o transtorno.

“Toc Toc” é uma representação caricata, ficcional. Para compreender o Transtorno Obsessivo-Compulsivo com profundidade, é essencial buscar fontes sérias e escuta especializada.



Tratamento para Transtorno Obsessivo-Compulsivo

O TOC tem tratamento e, embora seja uma condição crônica em muitos os casos, é possível alcançar grande melhora na qualidade de vida.

Os principais tratamentos são:

Psicoterapia

  • Terapia Cognitivo Comportamental (TCC): A TCC é a abordagem mais indicada para tratar o transtorno. Ela irá auxiliar a desenvolver ferramentas e estratégias práticas para romper com os padrões de repetição. Técnicas como Exposição e Prevenção de Resposta (EPR), na qual o paciente é gradualmente exposto às obsessões sem executar os rituais compulsivos, costumam ser eficazes para ajudar o paciente a tolerar a ansiedade sem reforçar o ciclo.
  • Psicanálise: Buscar compreender os conteúdos inconscientes por trás dos sintomas, como controle, culpa, repressão e fantasias, pode auxiliar no tratamento. Embora menos focada na extinção imediata dos sintomas, a psicanálise pode ser valiosa no entendimento emocional profundo do transtorno.
  • Outras abordagens: Terapias integrativas, como Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), também apresentam bons resultados no tratamento. Elas incentivam o paciente a aceitar os pensamentos sem se prender a eles, favorecendo ações alinhadas com seus valores.


Medicamentos

Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), como fluoxetina, sertralina e fluvoxamina, são os mais usados no tratamento farmacológico do Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

Eles auxiliam no equilíbrio dos neurotransmissores, reduzindo a intensidade dos pensamentos obsessivos e o impulso por rituais compulsivos. O efeito costuma levar algumas semanas para ser percebido, e a dosagem deve ser sempre ajustada por um médico psiquiatra.

Em casos resistentes, podem ser associados a outros tipos de medicação, como antipsicóticos atípicos, sob supervisão médica.

Acompanhamento interdisciplinar

Nutricionistas, terapeutas ocupacionais, psiquiatras, educadores e familiares também podem fazer parte do cuidado.

O apoio contínuo é essencial para promover autonomia e reduzir recaídas.

Como apoiar alguém com TOC?

Conviver com alguém que sofre com o TOC pode ser desafiador. Na Casa do Saber, há uma variedade de cursos que exploram o principal sintoma do Transtorno Obsessivo-Compulsivo: a ansiedade.

Nesse sentido, compreender como superar a ansiedade e como controlar seus sinais, pode ser uma ferramenta de apoio importante.


Confira algumas dicas de suporte:

  • Evite julgar os comportamentos como exagero ou frescura;
  • Não reforce compulsões (“confirma só dessa vez”, “lava pra se acalmar”, por exemplo”. São reforços que, infelizmente, podem manter o ciclo do TOC;
  • Ofereça escuta e empatia, e incentive o acompanhamento profissional;
  • Informe-se, para compreender melhor os mecanismos do transtorno;
  • Em crianças, a escola e a família devem trabalhar em conjunto para oferecer segurança e rotina.


As pessoas também querem saber:

Como é uma crise de TOC?

Uma crise de TOC acontece quando os pensamentos obsessivos ficam muito intensos e causam forte ansiedade. A pessoa sente que precisa fazer uma compulsão (como checar ou lavar algo) para aliviar o mal-estar.

Pode haver taquicardia, angústia, bloqueio mental e perda de foco. Mesmo rituais internos, como contar ou rezar, podem consumir muito tempo e energia.

Como é uma pessoa com TOC?

Uma pessoa com TOC é alguém que vive com pensamentos repetitivos e comportamentos compulsivos, muitas vezes em segredo. Pode parecer perfeccionista ou controladora, mas está lidando com um sofrimento real.

Em geral, são pessoas sensíveis e ansiosas, que se preocupam excessivamente com erros ou consequências. O TOC pode afetar o cotidiano, mas com tratamento e apoio, é possível viver com menos sofrimento.

Quer compreender melhor os transtornos mentais e desenvolver recursos para lidar com a ansiedade e o sofrimento psíquico?
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Referências

https://interacoesucdb.emnuvens.com.br/multitemas/article/view/3559

Saúde mental no trabalho: como se proteger e promover bem-estar
Camila Fortes
Saúde mental no trabalho: como se proteger e promover bem-estar
Entenda o que é saúde mental no trabalho, principais sinais de alerta para ter atenção e boas práticas para cuidar do bem-estar emocional.

Quem nunca levou uma preocupação do trabalho para casa? Ou, quem nunca se sentiu cobrado de modo desproporcional no ambiente profissional?

No mundo contemporâneo, a relação com o trabalho tem gerado cada vez mais adoecimento psíquico, chamando atenção de empresas e especialistas de saúde mental.

Neste texto, trataremos dos principais fatores que afetam o bem-estar psicológico no ambiente profissional, os sinais de alerta e boas práticas para empresas e trabalhadores. Além disso, abordaremos sobre a importância de uma cultura organizacional que promova o cuidado com a mente.

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O que é ter saúde mental no ambiente profissional?

A saúde mental no ambiente corporativo diz respeito à capacidade de lidar com os desafios cotidianos, manter relações interpessoais saudáveis, equilibrar vida pessoal e profissional, e encontrar sentido e satisfação no que se faz.

Não significa estar sempre feliz e realizado profissionalmente, mas sim ter suporte para atravessar momentos difíceis no trabalho sem adoecer.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos mentais estão entre as principais causas de afastamento do trabalho no mundo, impactando diretamente a produtividade e a sustentabilidade das organizações.

De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/Ministério da Saúde), somente em 2024, no Brasil, quase 5 mil pessoas foram afastadas do trabalho por questões de saúde mental. Em 2025, já foram mapeados mais de 850 registros.

Mas porque isso acontece?

A realidade cotidiana ainda é muitas vezes marcada por jornadas exaustivas, cobranças silenciosas e falta de espaço para o diálogo. Em ambientes assim, não há criatividade, eficiência ou engajamento, há apenas o medo, a pressão e a invisibilidade profissional.

Nesse sentido, saber identificar processos de adoecimento psíquico no ambiente profissional é fundamental para desenvolver uma melhor relação com o trabalho.

O que afeta a saúde mental no trabalho?

A saúde emocional no ambiente corporativo é afetada por um conjunto de fatores estruturais, relacionais e organizacionais.

Embora cada pessoa tenha uma trajetória única e reaja de forma distinta aos desafios profissionais, alguns elementos vêm se tornado cada vez mais frequentes nos relatos de adoecimento no trabalho.

  • Excesso de cobranças e metas inalcançáveis: Quando o desempenho é priorizado em detrimento do bem-estar, instala-se um ciclo de autocobrança e medo de errar. O resultado? Profissionais sempre alerta, porém emocionalmente esgotados.
  • Cultura organizacional tóxica, com comunicação agressiva e competitividade excessiva: Erros no trabalho acontecem, eles fazem parte da jornada profissional. No entanto, nessas estruturas, o erro passa a ser punido em vez de ser acolhido e aperfeiçoado.
  • Falta de reconhecimento e de feedbacks construtivos: A desvalorização do esforço individual provoca desmotivação, queda da autoestima e perda do sentido no trabalho. A longo prazo, essa sensação favorece quadros de exaustão mental e emocional.
  • Ambientes com sobrecarga e jornadas extensas: A naturalização da sobrecarga de tarefas é muitas vezes compreendida como parte da “entrega” ou da “alta performance”, gerando efeitos nocivos nos profissionais.
  • Isolamento e solidão no trabalho remoto: O home office tem permitido uma maior qualidade de rendimento e otimização de tempo, no entanto, pode gerar uma dificuldade de desconexão entre trabalho e vida pessoal.
  • Insegurança em relação à estabilidade no emprego: O cenário de incerteza profissional pode fazer com que as pessoas trabalhem mais do que o acordado, para tentar garantir a sua manutenção na empresa. Medidas como essa aceleram um estado de alerta crônico, podendo evoluir para transtornos mentais graves.
  • Falta de espaço para escuta e acolhimento emocional: A ausência de uma rede de suporte psíquico no ambiente profissional distancia a pessoa da possibilidade de autocuidado e auto identificação de sintomas.



Sinais de que algo não vai bem no trabalho: quando o corpo e a mente avisam

Quando o bem-estar psíquico está comprometido, o impacto aparece não só nos resultados, mas, principalmente, na qualidade de vida.

A mente tem formas (sutis e não sutis) de pedir socorro. Muitas vezes, é o corpo quem fala primeiro. Por isso, estar atento aos sinais de alerta pode evitar que o sofrimento se aprofunde ou se transforme em um quadro clínico grave.

Alguns dos sintomas mais comuns incluem:

  • Cansaço físico e mental persistente, mesmo após períodos de descanso;
  • Distúrbios do sono, como insônia ou sono excessivo sem sensação de repouso;
  • Irritabilidade, impaciência e alterações de humor repentinas;
  • Dificuldade de concentração, lapsos de memória e queda de rendimento;
  • Desmotivação profissional, sensação de vazio ou perda do prazer nas tarefas cotidianas;
  • Sintomas físicos recorrentes, como dores de cabeça, gastrite, tensões musculares ou queda da imunidade;
  • Isolamento social e afastamento das relações afetivas e/ou profissionais.


Esses sinais são mecanismos de defesa do corpo e da mente, que indicam que algo precisa ser olhado com atenção. Quando persistem por semanas, meses ou se intensificam, é essencial buscar apoio especializado.

Atenção: A manifestação desses sintomas pode estar associada a outros transtornos psicológicos como ansiedade e depressão, por isso, é fundamental compreender de onde parte o sofrimento, e qual o peso do trabalho na produção desse sofrimento.



Pessoa adormecida sobre a mesa com abajur aceso, representando exaustão mental após o trabalho
A sobrecarga mental no trabalho é um fator de adoecimento não apenas mental, mas também, psicossomático — Fonte: Mykyta Kravcenko/Unsplash



Burnout e ansiedade: os transtornos mais comuns no trabalho

Dentre os transtornos mais frequentes relacionados ao ambiente profissional, dois se destacam: Síndrome de Burnout e os Transtornos de Ansiedade.

Ambos têm crescido de forma expressiva nos últimos anos, impulsionados por modelos de trabalho excessivamente exigentes e abusivos, além de culturas organizacionais pouco empáticas e uma valorização contínua da hiperprodutividade.

Reconhecida pela OMS desde 2022 como uma doença ocupacional, a Síndrome de Burnout é resultado do estresse crônico relacionado ao trabalho.

Seus sintomas incluem:

  • Exaustão emocional profunda, que não melhora após horas, dias ou semanas de descanso;
  • Distanciamento afetivo ou desinteresse pelo trabalho e pelas relações profissionais;
  • Sensação de baixa realização, como se nenhum esforço fosse suficiente ou reconhecido.


O curso Burnout, Um Problema Atual - Casa do Saber explora alguns casos clínicos para ilustrar os sintomas, desdobramentos e estratégias de tratamento. Saiba mais.

Por sua vez, os Transtornos de Ansiedade no trabalho podem surgir tanto de pressões cotidianas quanto de ambientes saudáveis, tóxicos ou imprevisíveis.

Ele se manifesta de diferentes formas, como:

  • Preocupações constantes e pensamentos acelerados sobre desempenho, cobranças ou possíveis erros;
  • Sensação de que “nada do que se faz é suficiente”;
  • Dificuldade para relaxar, mesmo fora do horário de expediente;
  • Crises de pânico, com sintomas físicos como taquicardia, sudorese, falta de ar ou tremores;
  • Medo paralisante de reuniões, apresentações ou interações com lideranças.


Embora a ansiedade seja uma emoção humana natural, quando se torna crônica e desproporcional ao contexto, passa a comprometer o bem-estar e a performance profissional.

A boa notícia é que tanto a ansiedade quanto o Burnout podem ser prevenidos e tratados. Para isso, é fundamental que empresas adotem práticas estruturadas de cuidado e que os profissionais tenham acesso a apoio psicológico e ferramentas de autoconhecimento.

Como as empresas podem promover a saúde mental?

Cuidar da saúde mental no trabalho se tornou uma necessidade estratégica para empresas e profissionais.

Promover saúde mental no trabalho exige um compromisso institucional que pede mais do que um happy hour empresarial às sextas-feiras. Requer compromisso real com o bem-estar, políticas institucionais claras e uma liderança empática, preparada para lidar com a complexidade humana e com os desafios que essas relações exigem.

Algumas práticas efetivas incluem:

  • Políticas de escuta ativa: Criação de canais seguros para que os colaboradores possam expressar dificuldades e propor melhorias. Rodas de conversas e grupos de apoio também são bem vindos, a fim de proporcionar um ambiente seguro.
  • Pausas reais e respeito aos limites: O incentivo às pequenas pausas durante o expediente e o respeito aos horários de descanso e férias, são fundamentais.
  • Programas de apoio psicológico: Parcerias com clínicas ou plataformas de psicoterapia para profissionais é um passo importante para promover a saúde mental no trabalho. Além disso, treinamentos sobre saúde emocional, empatia e regulação emocional também podem colaborar de modo significativo.
  • Liderança empática e preparada: Gestores treinados em inteligência emocional e comunicação não violenta são formas importantes de construir uma rede profissional mais saudável.
  • Ambientes mais inclusivos: O combate ao assédio e à discriminação é fundamental. Além disso, é relevante pensar em espaços seguros para pessoas com transtornos mentais.
  • Certificação de empresas monitoras de saúde mental: A nova legislação brasileira através da Lei 14.831/2024 prevê um certificado para empresas que adotam boas práticas em saúde mental, reconhecendo e estimulando iniciativas que criem ambientes de trabalho mais saudáveis, além do combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas.


Mas, como diferenciar um ambiente saudável e um ambiente tóxico no trabalho?

Ambiente saudável Ambiente tóxico
Comunicação clara, respeitosa e aberta
Ex: Reuniões onde as opiniões são reconhecidas e ouvidas sem julgamentos.
Comunicação passivo-agressiva ou silenciamento
Ex: Colegas que falam mal pelas costas ou líderes que gritam com a equipe.
Feedbacks construtivos e reconhecimento frequente
Ex: Elogios por metas alcançadas e orientações para melhorias.
Críticas destrutivas e ausência de reconhecimento
Ex: Só receber cobranças ou ser ignorado após esforço extra.
Incentivo ao equilíbrio entre vida pessoal e trabalho
Ex: Flexibilidade para atender compromissos pessoais sem medo.
Exigência de disponibilidade constante e horas extras frequentes
Ex: Receber mensagens fora do expediente e ser cobrado por respostas imediatas.
Oportunidades de crescimento e desenvolvimento
Ex: Treinamentos, mentorias e possibilidades de promoção.
Estagnação e desmotivação crônica
Ex: Ausência de plano de carreira, com pessoas sem perspectivas de crescimento profissional.




O que o trabalhador pode fazer por si mesmo?

Cuidar da saúde mental no trabalho é uma responsabilidade compartilhada entre empresas e profissionais. No entanto, há ações individuais que podem funcionar como âncoras de bem-estar em meio à correria do cotidiano corporativo.

Assumir pequenas atitudes no dia a dia pode fazer diferença real. Não se trata de “dar conta de tudo sozinho”, mas de criar espaços de respiro, refletir sobre os próprios limites e buscar apoio quando necessário.

Veja algumas práticas:

  • Estabelecer limites: Separar tempo de trabalho e tempo pessoal é um passo importante de autocuidado e proteção emocional. Ter horários definidos e respeitá-los ajuda a preservar energia mental e prevenir sobrecargas.
  • Criar pausas e rituais de transição: Caminhadas, alongamentos, respiração consciente entre tarefas, podem ser excelentes aliados. Técnicas como o mindfulness são grandes aliadas na reconexão com o presente.
  • Buscar apoio profissional: A psicoterapia e a participação em grupos de suporte são elementos fundamentais para o cuidado psíquico diante cenários de sobrecarga no trabalho. Com apoio especializado, a pessoa pode encontrar os mecanismos psíquicos para evitar sofrimento e desgaste.
  • Investir em autoconhecimento: Cursos, leitura, práticas de autocuidado e desenvolvimento emocional ampliam a consciência sobre si mesmo e ajudam na construção de relações mais saudáveis no trabalho e na vida.


Cuidar da mente, portanto, não deve ser um luxo, mas sim uma escolha consciente de sustentar e buscar o bem-estar e a qualidade de vida ao longo da trajetória profissional.

Situação comum, mas pouco falada: E quando a pessoa tóxica é o meu chefe?

Infelizmente, lideranças tóxicas existem, e seus impactos na saúde mental podem ser profundos. Supervisores que desqualificam, sobrecarregam, controlam excessivamente ou desrespeitam limites colaboram diretamente para o adoecimento mental.

Se você está vivendo uma situação assim, é importante documentar os comportamentos abusivos ou recorrentes que possam comprovar comportamentos inadequados. Estabeleça limites com assertividade, quando possível, e busque apoio em outros setores da empresa, como RH ou ouvidoria.

É importante também fortalecer a sua rede de suporte fora do trabalho. Além disso, se a situação for insustentável e não houver espaços para mudanças, refletir sobre novas possibilidades profissionais também é um ato de cuidado.

Dicas rápidas para começar agora

A relação entre saúde mental e produtividade é direta: pessoas com bem-estar emocional têm maior capacidade de foco, criatividade, tomada de decisão e relações saudáveis no ambiente corporativo.

Cuidar da mente no dia a dia pode ser mais simples do que parece. Pequenas ações geram grandes impactos ao longo do tempo.

Veja algumas práticas simples para iniciar agora mesmo:

  • Reserve 10 minutos por dia para uma pausa sem telas. Tome um café, faça um alongamento ou simplesmente se desconecte dos estímulos digitais.
  • Desative notificações profissionais fora do expediente.
  • Converse com colegas sobre formas de apoio mútuo.
  • Se você é líder ou gerente, pergunte com genuína escuta “como você está hoje?”
  • Se você é colaborador, permita-se pedir ajuda. Nenhum profissional deve enfrentar o esgotamento sozinho.


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Referências:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/transmentalbr.def

http://www.portalsinan.saude.gov.br/o-sinan

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/01/lei-cria-certificacao-para-empresa-que-promove-saude-mental



Empirismo: o que é, principais ideias e pensadores
Paula Delgado
Empirismo: o que é, principais ideias e pensadores
Entenda o que é o empirismo, baseado na experiência sensível, e conheça as ideias de Locke, Berkeley e Hume e seu impacto na ciência moderna.

Você já parou para pensar o quanto os seus sentidos podem influenciar na sua visão de mundo e no seu dia a dia? Neste texto, você vai saber mais sobre o que é empirismo, suas principais ideias, pensadores e como essa corrente filosófica pode ajudar na reflexão e explicação de várias questões do cotidiano.

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O que é empirismo e por que ele moldou a ciência moderna?

Empirismo é uma corrente filosófica moderna, que ganhou força no final do século XVII e defendeu que todo conhecimento tem origem na experiência sensível.

Essa corrente discorda da teoria das ideias inatas, segundo o empirismo nós as construímos observando e interagindo com o mundo.

Os principais filósofos empiristas, Locke, Berkeley e Hume, defendiam que nossa mente é moldada pelas percepções e que o saber é resultado da organização dessas experiências.

O empirismo foi fundamental para a ciência moderna ao romper com o racionalismo quanto à fonte do conhecimento. Em vez da razão pura, colocou-se o olhar sobre a observação e a experiência, o que influenciou diretamente o surgimento de um método científico baseado na observação e na experimentação.

Além de estabelecer que o conhecimento deve ser sustentado por evidências, o empirismo foi fundamental para as ciências naturais, embora também tenha influenciado as ciências humanas. Também estimulou a dúvida e a revisão sistemática das crenças e ideias.



Empirismo na filosofia: definição e fundamentos

Empirismo vem do grego empeiria, que significa uma forma de saber derivada da experiência sensível e do acúmulo de informações advindo dessa experiência.

Basicamente, empirismo é uma corrente filosófica que diz que todo conhecimento deriva da experiência sensível.

Autores como Locke, Berkeley e Hume afirmam que a mente humana nasce como uma "tábula rasa", sendo preenchida ao longo da vida por percepções vindas dos sentidos.

“Nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos.”

Lema do empirismo (Frase aristotélica)

O ponto inicial da filosofia empírica está na distinção entre dois tipos de conteúdo mental: impressões e ideias.

Segundo a teoria desenvolvida por David Hume, as impressões são as informações captadas e repassadas pelos sentidos, por exemplo, ver uma situação e sentir tristeza ou felicidade. Já as ideias são cópias dessas impressões, alteradas pela memória ou pela imaginação.

E essa ideia pode se associar por semelhança, proximidade no tempo ou espaço, ou relação de causa e efeito.

Sendo assim, esse pensamento ficou conhecido como empirismo psicológico, porque entende o conhecimento como resultado da atividade subjetiva da mente.

A partir disso, Hume desenvolveu uma postura cética, como na ideia de que seria, por exemplo, a ideia de que a causalidade não vem da razão, mas do costume ou hábito de fazer associações de eventos semelhantes e constantes.

Posteriormente, surge o chamado empirismo lógico, no qual as palavras só têm significado se estiverem ligadas a fatos concretos. Com isso, os conceitos metafísicos especulativos são desconsiderados por não se referirem a qualquer experiência sensível.

Portanto, o empirismo coloca a experiência sensível como origem do saber e transforma a experiência em critério de validade, influenciando a filosofia e a ciência moderna.

Crítica ao inatismo e à razão pura: a mente como “tábula rasa”

O empirismo e o racionalismo surgiram na mesma época, no século XVII. Entretanto, o pensamento empírico surgiu como uma crítica ao racionalismo, especialmente quanto às ideias inatas e à crença de que a razão, sozinha, é capaz de gerar conhecimento verdadeiro e seguro.

Diferentemente dos racionalistas, os filósofos empiristas defendiam que o conhecimento humano tem origem na experiência sensível. E é exatamente nessa discordância que Locke critica a ideia dos princípios inatos universais.

Um dos principais pontos da crítica ao inatismo está na questão de que a mente não nasce com princípios ou ideias prontas.

Na verdade, ela se apresenta desde a infância, como uma “tábula rasa”, ou seja, uma folha em branco pronta para ser preenchida pelas experiências.

Portanto, sendo a mente infantil livre de ideias anteriores, molda-se à medida que interage com o mundo.

Então a concepção de “ideias inatas” é refutada, segundo os empiristas, quando aplicada à análise empírica, pois, se essas ideias fossem realmente inatas, estariam presentes na mente de todos os indivíduos, o que não se observa.

Ademais, os filósofos empiristas também colocam em dúvida a razão, isto é, o uso da razão sem a experiência. Eles diziam que a razão depende das informações adquiridas pela percepção, assim, todo o saber é condicionado pelo contato com o mundo sensível.

A crítica ao inatismo foi importante na filosofia moderna, porque deslocou o foco da investigação do pensamento para a observação, a percepção e a experiência na construção do conhecimento.



Principais representantes do empirismo

O empirismo moderno teve três representantes que se destacaram: John Locke, George Berkeley e David Hume. Cada um desenvolveu, a partir da experiência sensível, uma teoria sobre o conhecimento e a realidade.

Retratos de John Locke, George Berkeley e David Hume, principais representantes do empirismo britânico
Da esquerda para a direita: John Locke, George Berkeley e David Hume

Embora os três tivessem a mesma ideia sobre a negação das ideias inatas e o compromisso com a experiência como fundamento do saber, as abordagens filosóficas se diferenciavam.

Enquanto Locke se destacou pela teoria do conhecimento e pela filosofia política; Berkeley se debruçou sobre a defesa do imaterialismo; e Hume, pelo marcante ceticismo frente à razão e à causalidade.

John Locke: teoria do conhecimento e política

John Locke (1632–1704) é considerado o fundador do empirismo moderno. Uma de suas obras mais clássicas, Ensaio Sobre o Entendimento Humano, desenvolve-se a teoria “tábula rasa”.

Nela, ele afirma que a mente humana nasce como uma “tábula rasa”, ou seja, sem conteúdo inato. Portanto, todo conhecimento do indivíduo vem da experiência, que pode ser externa (sensações) ou interna (reflexão).

Para explicar como um pensamento individual pode ser reconhecido como comum a todos, Locke discorre que o entendimento se forma a partir de ideias simples, captadas pela experiência, que são correspondentes às qualidades, e que depois são combinadas para formar ideias complexas.

Ele também diferencia as qualidades primárias e secundárias dos objetos:

  • Qualidades primárias: propriedades do próprio objeto (forma, extensão, volume)
  • Qualidades secundárias: propriedades que dependem da percepção do sujeito (cor, sabor, textura).


Exemplificando: o açúcar tem solidez, forma cristalina e divisibilidade (qualidades primárias). Também é branco e doce (qualidades secundárias).


Em suma, as qualidades primárias são inerentes ao objeto e tornam a substância o que ela é. Enquanto as qualidades secundárias não são propriedades objetivas do objeto, mas são derivadas do poder de produzir ideias, como o açúcar tem o poder de produzir o gosto doce.

Essa distinção permitiu reflexões sobre a confiabilidade do conhecimento sensível e os limites da percepção humana.

Além da teoria do conhecimento, John Locke também atuou na filosofia política.

Na obra Segundo Tratado Sobre o Governo, defende a ideia de que os indivíduos possuem direitos naturais (vida, liberdade e propriedade) e que o governo deve garantir tais direitos com base no consentimento dos governados. Essa concepção foi fundamental para o pensamento liberal e para a teoria do contrato social.



George Berkeley: imaterialismo e percepção

George Berkeley (1685–1753) negava a existência da matéria como substância independente da mente. Para ele, todos os objetos que experimentamos existem apenas enquanto são percebidos por uma mente.

Apesar de Berkeley admitir que a teoria do conhecimento empirista proposta por Locke foi fundamental para que ele alcançasse os seus objetivos quanto ao questionamento da materialidade do universo, ele chegou a resultados muito diferentes.

O ponto de discordância entre os dois filósofos está na passagem do conhecimento adquirido por meio dos dados fornecidos pelos sentidos para o conceito abstrato da substância material.

Para ele, essa substância material não pode ser conhecida em sua plenitude, porque o que sabemos dela advém do processo de percepção.

“Ser é ser percebido”

(esse est percipi)

Portanto, a percepção é o fundamento da realidade. Uma vez que Berkeley acredita que todas as qualidades dependem da mente para existir, negando a distinção entre qualidades primárias e secundárias feita por Locke.

Assim, o mundo material só existe enquanto é percebido, porque as coisas são percebidas continuamente, seja pelo indivíduo ou por Deus, o que garante a permanência dos objetos mesmo quando não os estamos percebendo.

Berkeley via sua filosofia como uma forma de proteger a fé religiosa do ceticismo e do materialismo. Ele acreditava que sua doutrina fortalecia a relação entre o espírito humano e Deus, o qual atua como a mente suprema que ordena e sustenta o mundo.

David Hume: ceticismo e causalidade

David Hume (1711–1776) desenvolveu um forte ceticismo sobre a razão e a possibilidade do conhecimento certo.

Em sua obra Investigação Sobre o Entendimento Humano (1748), ele propõe uma divisão entre dois tipos de conteúdos mentais:

  • Impressões: dados imediatos da experiência;
  • Ideias: cópias enfraquecidas das impressões.

Com isso, Hume estabelece que não podemos conhecer nada que não derive de forma direta ou indireta da experiência.

Uma de suas contribuições mais importantes é a crítica à ideia de causalidade. Nela, Hume diz que na experiência não há nenhum indicativo da conexão necessária entre causa e efeito.

O que se chama de causa é apenas o hábito ou costume de associar eventos que ocorrem repetidamente.

Para exemplificar: a crença no nascer do sol todos os dias não é racionalmente justificável, mas sim baseada em uma expectativa construída pela repetição.

“O homem é um ser dotado de razão e, como tal, recebe da ciência o seu alimento e nutrição própria. Mas tão estreitos são os limites do entendimento humano que pouca satisfação se pode esperar neste particular, quer da certeza, quer da extensão das aquisições.”


Ademais, Hume aplicou esse ceticismo à identidade pessoal: não há uma impressão contínua do “eu”, apenas uma sucessão de percepções.

Ele concluiu que a razão é limitada e que muitas crenças não têm fundamento racional, mas são resultado de sentimentos, hábitos e costumes.

A filosofia de Hume influenciou, posteriormente, Kant e a tradição filosófica, trazendo uma nova perspectiva sobre o conhecimento, a ciência e os limites da razão humana.

Empirismo x Racionalismo

Empirismo e racionalismo são correntes filosóficas com ideias opostas sobre a origem do conhecimento.

Enquanto o empirismo inglês afirma que todo saber vem da experiência sensível, o racionalismo, representado diz que a razão é a principal fonte do conhecimento, e que certas ideias são inatas, anteriores à experiência.

Confira na tabela abaixo um comparativo entre as duas vertentes filosóficas:

Empirismo Racionalismo
Ideia central Conhecimento vem da experiência Conhecimento vem da razão
Fonte do saber Sentidos e percepções Intelecto e dedução lógica
Conceitos principais Impressões, ideias, hábito, tábula rasa Ideias inatas, dedução, clareza e distinção
Características Indutivo, observacional, concreto Dedutivo, abstrato, matemático
Discordância de ideias Origem e validade do conhecimento
Concordância de ideias Compreensão do como conhecemos
Principais autores Locke, Berkeley, Hume Descartes, Spinoza, Leibniz


Impactos do empirismo na ciência e na modernidade

O empirismo foi fundamental na formação do pensamento moderno, influenciando a metodologia científica e as ciências humanas.

Ao defender que todo conhecimento vem da experiência sensível, os empiristas colocaram a observação, a experimentação e a verificação dos fatos no centro das questões filosóficas.

Isso influenciou o desenvolvimento de um método científico baseado nessas características, que proporcionou a formulação de hipóteses testáveis, além de favorecer análises empíricas dos fenômenos sociais e humanos.

O legado do empirismo fortaleceu a valorização do conhecimento científico, da experiência e da observação da realidade. Também questionou a ideia de conhecimento inato e colocou em debate os limites da razão.

Sendo assim, o empirismo trouxe uma visão moderna do saber, mais crítica e empírica.

O legado do empirismo hoje

Quando o empirismo afirma que o conhecimento nasce da experiência, ele nos alerta que para compreender o mundo é preciso vivência, observação e abertura ao novo.

Refletir sobre como pensamos, sentimos e julgamos é uma das principais propostas do pensamento filosófico. É a partir desses tensionamentos e questionamentos que vamos sendo capazes de compreender melhor o mundo, nós mesmos e como podemos lidar de forma racional com as questões que nos afligem.

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Referências:

Vários autores. História das grandes ideias do mundo ocidental. Volume 2.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia.

SCRUTON, Roger. Introdução à filosofia moderna

Psicanálise
Mecanismos de Defesa do Ego: O que são, Tipos e Exemplos
Camila Fortes
Mecanismos de Defesa do Ego: O que são, Tipos e Exemplos
Conheça os 11 principais mecanismos de defesa descritos por Freud e Anna Freud e saiba como eles influenciam seus comportamentos.

Você já percebeu como, diante de situações difíceis, tendemos a reagir de forma inesperada? Para a psicanálise, comportamentos como negação, culpabilização ou projeção podem ser expressões da atuação dos mecanismos de defesa do ego.

Os mecanismos de defesa do ego são processos inconscientes utilizados pelo ego para lidar com conflitos internos, angústias e desejos incompatíveis com a realidade ou com os princípios morais. Esses mecanismos têm a função de proteger o indivíduo contra sentimentos potencialmente dolorosos, ao evitar o acesso direto à conteúdos psíquicos percebidos como ameaçadores.

A denominação foi inicialmente formulada por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, e posteriormente sistematizado e ampliado por sua filha, Anna Freud, especialmente na obra “O Ego e os Mecanismos de Defesa” (1936).

Esses mecanismos são parte essencial da estrutura psíquica, composta por id, ego e superego, e ajudam a manter o equilíbrio psíquico frente às demandas do inconsciente e da realidade externa.

Neste texto, iremos explorar os principais mecanismos de defesa do ego, explicando como eles operam no inconsciente e apresentando os seus exemplos práticos.

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Repressão ou recalque

A repressão ou recalque é considerada um dos mecanismos de defesa mais fundamentais. Trata-se do processo de empurrar para o inconsciente desejos, pensamentos, lembranças ou impulsos considerados inaceitáveis ou ameaçadores para o ego.

Mas como eles funcionam no inconsciente? Bem, os conteúdos reprimidos não desaparecem, mas permanecem ativos no inconsciente, podendo retornar de maneira distorcida, como em sonhos, atos falhos ou fantasias. A repressão exige um gasto constante de energia psíquica para manter os conteúdos afastados da consciência.

Exemplo: uma pessoa que sofreu um abuso na infância pode não se lembrar do fato conscientemente, mas pode desenvolver sintomas de ansiedade, fobias ou dificuldades de relacionamento que indiquem a persistência de um trauma reprimido ou recalcado.


Negação

A negação é o mecanismo pelo qual o sujeito se recusa a reconhecer aspectos dolorosos da realidade ou de si mesmo. Em outras palavras, para evitar entrar em choque ou sofrer diante uma situação dolorosa, o indivíduo entra em negação diante o acontecimento. Esse comportamento é comum em momentos de perda, trauma ou choque emocional.

No inconsciente, o ego tenta evitar o sofrimento imediato que o reconhecimento dessa realidade traria. Nesse sentido, trata-se de uma defesa primitiva, na qual muitas vezes só é identificada quando se sofre as consequências de permanecer em negação por muito tempo.

Em vez de perceber a impressão dolorosa e, subsequentemente, cancelá-la mediante a retirada do respectivo investimento, está ao alcance do ego recusar o encontro, pura e simplesmente, com a situação perigosa externa. Pode fugir-lhe e, assim, no mais verdadeiro sentido da palavra, “evitar” as ocasiões de dor” (Freud, 1936/2006, p. 71).

Exemplo: uma pessoa que perde um ente querido pode continuar agindo como se ele ainda estivesse vivo, mantendo hábitos rotineiros, como conversar com a pessoa ausente. O mesmo pode ocorrer diante um relacionamento abusivo. Para não lidar com o sofrimento causado por um cônjuge violento, a pessoa pode negar as agressões, traições e omissões.



Projeção

Você já ouviu a frase: “A culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser”? Pois bem, esse é o princípio da projeção. A projeção ocorre quando o sujeito atribui a outra pessoa sentimentos, desejos ou pensamentos que não reconhece como seus, por considerá-los inaceitáveis.

No inconsciente, esse mecanismo age da seguinte forma: o ego evita o conflito interno causado pelos impulsos proibidos, projetando-os no outro. Assim, o sujeito se isenta da responsabilidade pelo conteúdo rejeitado.

Exemplo: Uma pessoa com desejos de infidelidade que não consegue aceitá-los em si, pode desconfiar constantemente da fidelidade do parceiro. Ou, considerar colegas de trabalho como inimigos, mesmo quando a própria pessoa é competitiva.

Formação reativa

A formação reativa, por sua vez, é um mecanismo pelo qual o sujeito adota comportamentos, sentimentos ou atitudes opostas aos desejos inconscientes que deseja reprimir.

No inconsciente, a formação reativa funciona como uma máscara. O ego se protege expressando o oposto do que realmente sente, numa tentativa de esconder, inclusive de si mesmo, o conteúdo real. A função defensiva da formação reativa é, portanto, dupla: ao mesmo tempo que protege o ego da angústia provocada pelo desejo recalcado, também atua para preservar uma imagem de si compatível com as normas e ideais internalizados.

Exemplo: Uma pessoa que sente atração por pessoas do mesmo sexo pode se tornar homofóbica para proteger o ego do conflito entre o desejo e as normas morais. Ou, uma mãe pode se tornar excessivamente protetora para esconder a ausência de amor por um filho.


Isolamento

O isolamento é a separação de um pensamento ou acontecimento do seu contexto, impedindo que a pessoa se sinta abalada pelo fato. Em outras palavras, o isolamento afeta o componente afetivo de uma ideia ou lembrança, separando o conteúdo emocional e mantendo apenas o relato.

No inconsciente, esse mecanismo permite lidar com experiências dolorosas sem sentir o sofrimento associado.

O isolamento pode ser explicado e argumentado da seguinte maneira: na histeria um evento traumático pode cair na amnésia, na neurose obsessiva a experiência não é esquecida, mas destituída de afeto, e suas conexões associativas são suprimidas ou interrompidas, de modo que permanece como isolada” (Freud, 1926, p. 121).

Exemplo: Uma mulher que sofreu uma violência sexual pode relatar o ocorrido de forma objetiva e desprovida de emoção, como se estivesse contando um fato rotineiro. Ou, uma pessoa que é diagnosticada com alguma doença grave, mas simplesmente o ignora e não se importa, pode estar usando o isolamento para se proteger.

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Anulação (ou desmentido)

Já a anulação envolve realizar ações ou pensamentos que têm a função simbólica de “desfazer” ou “anular” algo inaceitável. A pessoa age como se pudesse apagar o que foi feito, dito ou sentido.

No inconsciente, se materializa enquanto uma tentativa de controlar a culpa ou a ansiedade associada a certos impulsos. Frequentemente aparece em comportamentos compulsivos ou supersticiosos.

“A anulação, também consiste essencialmente no desejo de que, por uma anulação mágica do tempo, o que aconteceu e perturba torne-se não acontecido” (Freud, 1926, p. 120).

Exemplo: Após assistir um filme de terror, a pessoa pode querer consumir imediatamente algum conteúdo mais leve ou divertido. Ou, após ter um pensamento considerado inapropriado ou catastrófico, a pessoa pode fazer o “sinal da cruz”, como uma forma de “anular” o pensamento.

Racionalização

Outro mecanismo que merece destaque é a racionalização. Ela busca justificar com argumentos lógicos e socialmente aceitáveis um comportamento, sentimento ou decisão que, na verdade, tem origem em motivos inconscientes ou inaceitáveis.

Em outros termos, trata-se de uma forma de maquiar a verdadeira motivação psíquica por trás de uma ação, oferecendo ao sujeito e aos outros uma explicação mais palatável ou razoável, que evita o confronto com conteúdos internos desconfortáveis.

Esse mecanismo do inconsciente ajuda a proteger o ego da pessoa de sentimentos de culpa ou vergonha, criando uma explicação que pareça mais razoável diante do fato.

Exemplo: Se uma pessoa se sente triste, pode racionalizar dizendo que “não importa” ou que “não é tão grave”. Ou, um estudante que não passou em um concurso afirma que não queria o cargo de verdade, pois o salário era baixo.

Deslocamento

O deslocamento consiste em transferir a carga emocional de um objeto ou pessoa considerada perigosa ou proibida, para outro objeto ou pessoa mais segura ou acessível. Ou seja, transfere-se as emoções de um alvo original para um alvo substituto, que seja menos ameaçador.

No inconsciente, o deslocamento permite que o sujeito expresse suas emoções, sobretudo, agressivas, sem confrontar diretamente sua fonte ideal. Essa manobra psíquica reduz o risco de punição, rejeição ou culpa, pois a energia emocional é redirecionada.

Exemplo: Um funcionário pode descontar em seus filhos a frustração com o chefe no trabalho. Ou, um adolescente que sofre bullying na escola pode se tornar agressivo com seus colegas.


Sublimação

Considerado um mecanismo de defesa razoavelmente saudável, a sublimação consiste em transformar impulsos primitivos ou inaceitáveis em atividades criativas ou artísticas. Ela opera como um canalizador de cargas emocionais, direcionando a energia para atividades que exijam estímulo psíquico.

No inconsciente, ela opera ao redirecionar o desejo reprimido ou negado, para fins nobres. É uma via de expressão simbólica altamente valorizada na vida psíquica adulta, pois permite que os conflitos internos encontrem uma saída produtiva e socialmente aceita.

Ao invés de reprimir o impulso, como ocorre em outros mecanismos, a sublimação transforma sua força em motor criativo e/ou intelectual, por isso, é frequentemente associada à maturidade emocional e ao desenvolvimento de talentos e vocações.

Exemplo: Um sujeito que sofre por algo pode transferir a frustração para a arte, criando obras que expressam esses sentimentos de forma socialmente aceitável. Ou, uma pessoa que sente muita raiva ou estresse no cotidiano pode começar a praticar um esporte de contato, como o jiu jitsu, para canalizar emoções de forma saudável.


Identificação

A identificação, por sua vez, é o processo de incorporação de características, valores ou comportamentos de outra pessoa, muitas vezes significativa para o sujeito. Trata-se de uma forma de aprendizado psíquico profundo, que molda a forma como o indivíduo se percebe e se posiciona no mundo.

No inconsciente, pode ocorrer por admiração, desejo de pertencimento, amor ou medo. Tem papel central na formação da personalidade e na interiorização de normas sociais. Ao se identificar com figuras, personalidades e identidades, internalizam-se também expectativas e modos de se comportar socialmente.

Exemplo: Um adolescente que admira um cantor começa a se vestir e falar como ele, internalizando seu estilo como forma de construir sua própria identidade. Ou, uma criança pode internalizar características e comportamentos de afeto ou violência dos pais para se sentir mais valorizada.

Regressão

Por fim, a regressão é o retorno a modos de funcionamento psíquico e comportamentos de fases anteriores do desenvolvimento, especialmente em situações de estresse ou conflito. Nela, o objetivo é aliviar a tensão ou o medo ao recorrer a formas mais antigas – e geralmente mais seguras - de lidar com a realidade.

Para Freud (1916/1917), a regressão é relativa ao desenvolvimento sexual, uma vez que ela tem uma função libidinal – a obtenção do prazer e da satisfação:

“O que até agora tratamos como regressão [...] significou exclusivamente um retorno da libido a anteriores pontos de interrupção de seu desenvolvimento – isto é algo inteiramente diferente, em sua natureza, da repressão, e inteiramente independente desta (Freud, 1916-17/1996, p. 346)”.

No inconsciente, a regressão representa uma tentativa de fuga temporária para estágios onde as exigências externas eram menores e o cuidado era mais garantido, como na infância. Embora possa ser útil em momentos críticos, oferecendo alívio momentâneo, quando se torna recorrente pode indicar resistência a amadurecer frente a desafios.

Exemplo: Uma pessoa em situações de estresse, pode começar a chorar de forma infantil. Ou, um fumante que, diante de um conflito, passa a fumar mais para se sentir seguro.


Conclusão: defesas não são falhas, são estratégias psíquicas

Neste texto, tratamos sobre os mecanismos de defesa, que são recursos do ego para garantir a manutenção do equilíbrio emocional frente a ameaças internas ou externas.

Longe de serem “erros” ou “falhas”, essas defesas representam tentativas de autorregulação emocional frente às exigências conflitantes do inconsciente, da realidade e das normas sociais.

Embora possam gerar sintomas quando utilizados de forma excessiva ou inadequada, sua função primordial é de autoproteção. Elas atuam como estratégias psíquicas que ajudam o sujeito a sobreviver emocionalmente diante de sentimentos como angústia, culpa, medo, vergonha ou desejo.

Assim, ao invés de condenar sua existência, é preciso reconhecê-las como parte do funcionamento mental humano saudável, ainda que, por vezes, sejam expressões de sofrimento.

Para Anna Freud (1936/2006), “tudo o que provém do ego é também uma resistência, em todos os sentidos da palavra: uma força dirigida contra a emergência do inconsciente”. Nesse sentido, conhecer os mecanismos de defesa é um passo importante para entendermos não só o sofrimento psíquico, mas também os caminhos possíveis para sua transformação.

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Referências

FREUD, S. (1996). Conferência XXII: Algumas ideias sobre desenvolvimento e regressão – etiologia. In S. Freud, Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 16). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1916-17).

FREUD, Sigmund. Inibições, Sintomas e Ansiedade. Em S. Freud, Obras Completas de Freud (pp. Vol. XX, p. 79-171). Rio de Janeiro: Imago, 1926.

FREUD, Anna. [1936] “O ego e os mecanismos de defesa”. Tradução, consultoria e supervisão: Francisco F. Settineri. Porto Alegre: Artmed editora, 2006.

Inconsciente na psicanálise: o que é e como se manifesta
Ricardo Salztrager
Inconsciente na psicanálise: o que é e como se manifesta
Descubra o que é o inconsciente para Freud, como se manifesta em sonhos, atos falhos e sintomas, importância para a psicanálise e para a nossa vida.

Você já parou para pensar que há forças dentro de você das quais nem sequer tem consciência, mas que influenciam suas escolhas, seus medos e seus desejos mais íntimos? Para a psicanálise, esse território oculto da mente tem nome: inconsciente.

Neste artigo, vamos explorar o que é o inconsciente segundo Freud — sua maior descoberta —, entender como ele se manifesta por meio de sonhos, atos falhos, sintomas e esquecimentos, além de conhecer a relação entre o inconsciente e o recalque, suas diferenças em relação ao pré-consciente e ao consciente, e as contribuições de Jung com a ideia do inconsciente coletivo.

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O que é o inconsciente?

O termo “inconsciente” significa literalmente “aquilo que é desconhecido” (“consciência” em latim significa “conhecido” e o prefixo “in”, neste caso, dá a ideia de negatividade). Ele é tido como a maior descoberta de Freud e principal conceito da psicanálise.

Quando Freud postulou que todos nós possuímos um inconsciente ele considerou, portanto, que todos nós nos desconhecemos. Ou seja, possuímos desejos, fantasias, características ou mesmo traumas que sequer conhecemos. No entanto, estes tantos desejos, fantasias, características ou traumas influenciam nossa vida de maneira crucial.


Freud e a descoberta do inconsciente

Freud (1900/1996) postulou o conceito de inconsciente muito cedo, já em sua primeira obra, o livro “A interpretação de sonhos”.

Tal postulação se deu em virtude dos mais de vinte anos de experiência e de tratamento com suas histéricas. Em linhas gerais, as histéricas eram mulheres que sofriam de alguns sintomas de conversão, ou seja, dores e paralisias corporais sem que nada de anatômico ou fisiológico as explicasse.

Por exemplo, era muito comum que uma histérica ficasse surda. Neste caso, os médicos faziam nela os mais variados exames e não encontravam quaisquer lesões ou defeitos que justificavam aquela surdez. Pelo contrário, todo o seu organismo funcionava de modo absolutamente normal: os ouvidos, as inervações, os órgãos interiores, o cérebro... E por isto nenhum médico conseguia explicar como essa histérica veio a ficar surda.

Tal explicação só veio com Freud. Através da análise dos mais variados casos, ele finalmente descobriu que esses sintomas de conversão eram manifestações de desejos inconscientes e, portanto, desconhecidos às histéricas.


Alguns exemplos de casos clínicos de pacientes histéricas de Freud

Como ilustração, há o famoso caso de Elisabeth von N. (Breuer & Freud, 1895/1996), paciente de Freud que sentia inexplicáveis dores na perna, às vezes chegando mesmo a paralisá-las. Em suas associações livres com Freud, a paciente descobriu que possuía um forte desejo pelo cunhado, mas que, de forma alguma, conseguia “dar um passo a frente” (segundo suas palavras) para conquistá-lo. Desta maneira, a impossibilidade de “dar esse passo à frente” era, de alguma forma, simbolizada na paralisia de suas pernas.

Há também o caso de Dora (Freud, 1905a/1996), histérica que, dentre vários outros sintomas, possuía fortes dores na região do abdômen. Em sua análise com Freud, ela reconheceu-se apaixonada pelo melhor amigo de seu pai, o Sr. K.

Certo dia, este senhor deu-lhe uma investida e a jovem prontamente o recusou. Porém, exatos nove meses após esta cena, ela veio a sentir as benditas dores no abdômen, como se elas representassem a simulação de um parto. Nesta medida, Dora veio a descobrir o quanto lamentava-se por ter recusado as investidas do Sr. K.


O inconsciente e o recalque

Assim, através da análise de sucessivos casos, Freud confirmou a existência de desejos inconscientes em todos os seus pacientes. Mas por que estes desejos se tornam inconscientes?

Freud (1909/1996) demonstra que alguns dos nossos desejos acabam se tornando inconscientes por serem incompatíveis com as regras morais. Segundo ele, nós vivemos em uma sociedade governada por uma “moral sexual civilizada”, ou seja, uma moral que atinge e critica basicamente a nossa vida sexual.

Tal moral reconheceria como corretos apenas os desejos sexuais genitais e heterossexuais, de preferência, direcionados ao contexto matrimonial. Portanto, quando algum dos nossos desejos escapa a esta regra, ele ficaria condenado a tornar-se inconsciente através do processo de recalque.

Nesta medida, o recalque é definido como uma defesa frente à nossa sexualidade. Ele consiste, basicamente, em fazer com que um desejo consciente venha a se tornar inconsciente, ou seja, desconhecido para nós.

No entanto, é necessário frisar que recalcar um desejo sexual não significa matá-lo. Pelo contrário, o desejo passa a se tornar apenas desconhecido. Porém, ele continua vivo dentro de nós, à espera de alguma uma ocasião oportuna para manifestar-se.

Mas, então, como os nossos desejos inconscientes conseguem manifestar-se?

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Como o inconsciente se manifesta?

Segundo Freud, nossos desejos inconscientes manifestam-se de cinco maneiras diferentes: nos sonhos, nos atos falhos, nos esquecimentos, nos chistes ou tiradas espirituosas e nos sintomas. Vejamos cada uma delas.

  • Sonhos: segundo Freud (1900/1996), “os sonhos são realizações de desejos inconscientes”. Conforme destacamos, os desejos inconscientes são muito imorais e até mesmo perigosos. Por isso nos censuramos tanto e fazemos de tudo para que eles permaneçam inconscientes e jamais surjam na consciência.

    No entanto, quando estamos dormindo, deixamos um pouco de nos censurar. Daí tais desejos conseguem disfarçar-se e aparecer nos sonhos. Através deste disfarce, eles conseguem não ser reconhecidos e, assim, burlam a nossa censura. Cabe alertar que é justamente devido a este disfarce que os nossos sonhos parecem tão confusos e disparatados.

  • Atos falhos: os atos falhos são também por Freud (1901/1996) considerados manifestações do inconsciente. Eles são definidos como erros ou enganos nas nossas falas. Ocorrem quando almejamos dizer alguma coisa, mas inesperadamente nos enganamos e acabamos falando outra. Só que através deste engano, acabamos dizendo a verdade.

    Um exemplo citado por Freud é o de um senhor que, em uma reunião social, conversava com uma dama de seios fartos. O papo entre os dois era sobre os preparativos de Berlim para o dia de Páscoa. E, assim, no meio do assunto, ele diz: “A senhora viu a exposição de Wertheim? Está totalmente decotada”.

  • Esquecimentos: Segundo Freud (1901/1996), nossos esquecimentos também são manifestações do inconsciente. Ou seja, quando esquecemos “algo” é porque desejamos efetivamente esquecer este “algo”, ou então, alguma coisa a ele relacionada.

    Um exemplo que aconteceu com o próprio Freud: certo dia, uma amiga pediu-lhe que fosse até o Centro de Viena para comprar-lhe um pequeno cofre. Ele sabia onde ficava a loja em que deveria ir, mas não a encontrou.

    Percorreu ruas e ruas inteiras do centro e nada... Até que quando chega em casa, lembra-se que esqueceu de percorrer apenas uma rua da cidade, justamente onde ficava esta loja. Segundo Freud, tal esquecimento se deu porque nesta rua morava uma família da qual ele queria distanciar-se e jamais manter contato.

  • Chistes ou tiradas espirituosas:: De acordo com Freud (1905b/1996), os chistes ou as diversas tiradas que fazemos em nossas conversas também são manifestações do inconsciente. Elas ocorrem quando almejamos dizer algo proibido e imoral e que, portanto, não podemos falar... Mas fazendo um trocadilho ou uma ironia, acabamos por indiretamente dizer e até provocamos risos em quem nos ouve.

    Um exemplo também fornecido por Freud é o de um senhor que conversava com um amigo sobre alguém que ele odiava. No meio do papo, ele solta: “Bem, a vaidade é um de seus quatro calcanhares de Aquiles”.

    Outro exemplo também mencionado por Freud foi o de Phocion, estadista ateniense. Em certa ocasião, ele termina um discurso para o povo e, então, se vê aplaudido. Como ironia, vira para os amigos e pergunta: “Qual foi a besteira que eu falei agora”? Ora, Phocion encarava o povo como propriamente estúpido e, portanto, se o estavam aplaudindo, certamente era porque ele havia dito alguma asneira durante seu pronunciamento. Com efeito, esta foi uma pergunta irônica e sarcástica que manifestava todo o seu desdém pela população.

  • Sintomas: De acordo com o que explicamos acima a respeito das pacientes histéricas de Freud, os sintomas também são formas de manifestação de um desejo inconsciente.

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Inconsciente e psicanálise

Portanto, a partir de tudo o que foi exposto, podemos dizer que, para a psicanálise, o inconsciente não corresponde apenas “àquilo que foi esquecido”. Pelo contrário, apesar de não termos consciência dos desejos recalcados, eles jamais podem ser considerados inertes ou estanques. Ou seja, não devemos entendê-los como algo que foi retirado da consciência de uma vez por todas, permanecendo inconsciente para todo o sempre.

Para a psicanálise, o inconsciente é ativo. Em outros termos, há todo um dinamismo que lhe é próprio e que faz com que as tendências recalcadas lutem, a todo instante, para novamente se manifestarem na consciência.

A respeito disso, vimos tudo o que se passa no contexto dos sonhos, dos atos falhos, dos esquecimentos, das tiradas e dos sintomas: recalcar um desejo e, assim, torná-lo inconsciente não significa matá-lo ou condená-lo ao esquecimento. Pelo contrário, existe uma luta constante entre o desejo sexual imoral e as tendências que tentam silenciá-lo.




Inconsciente, pré-consciente e consciente

Também é importante marcar que, em seu modelo de aparelho psíquico apresentado em “A Interpretação dos Sonhos”, Freud (1900/1996) o dividiu em três diferentes sistemas: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente.

  1. Inconsciente: Conforme está sendo assinalado, o inconsciente corresponde a uma parcela de si que o sujeito desconhece. Todos os desejos sexuais que escapam à moral são recalcados e assim permanecem à espera de alguma forma de manifestação.

    Resta mencionar que tudo o que é inconsciente é indestrutível, ou seja, jamais se extingue ou é encerrado. Pelo contrário, nossos desejos recalcados permanecem vivos e ativos para todo o sempre.

  2. Pré-consciente: Já o pré-consciente corresponde às tendências momentaneamente inconscientes, mas que podem voltar à consciência sem maiores problemas. Isto porque elas não são propriamente imorais ou perigosas. São apenas coisas que voluntariamente optamos por esquecer momentaneamente ou não dar muita atenção.

    Por exemplo, quando temos planos de fazer uma viagem, mas estamos impossibilitados por quaisquer questões, afastamos este plano do nosso pensamento consciente. Tão logo ressurja a oportunidade, voltamos nosso pensamento para a viagem.

    Ou então, quando temos uma tarefa de trabalho, mas queremos aproveitar o final de semana, deixamos de pensar neste dever. Porém, tão logo chega a segunda-feira, voltamos nossa atenção para o trabalho e, assim, a tarefa volta a se tornar consciente.

  3. Consciente: Já a consciência responde basicamente pela percepção do mundo e pelo conhecimento das informações que dele chegam. Cabe à consciência também a função de percepção dos nossos mais diversos sentimentos, dentre eles, os de prazer e de desprazer.




Freud, Jung e o inconsciente: diferentes percepções

Por fim, é necessário frisar que, ao contrário de Freud, Jung vai falar da existência de dois inconscientes: o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.

De acordo com Silveira (1995), o conceito de inconsciente pessoal é razoavelmente semelhante ao conceito freudiano. Ele diz respeito a determinadas tendências que permanecem inconscientes por serem incompatíveis com a atitude consciente, ou então, por serem demasiado fracas e não disporem de energia suficiente para manifestar-se na consciência.

Já o inconsciente coletivo corresponde às camadas mais profundas da nossa mente. Ele diz respeito a alguns fundamentos estruturais do psiquismo comuns a todos os homens, independente de suas culturas ou raças. Trata-se de uma espécie de herança comum que explica, dentre outras tantas coisas, o estranho fato de indivíduos tão diferentes e tão distantes entre si possuírem desejos, fantasias e comportamentos em muito semelhantes.



Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Breuer, J. & Freud, S. (1893-1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.

Freud, S. (1900). A interpretação de sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vols. 4 e 5. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-650.

_____. (1901). A psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 6. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-290.

_____. (1905a). Fragmentos da análise de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 13-116.

_____. (1905b). Os chistes e sua relação com o inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 8. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 9-231.

Silveira, N. (2007). Jung: vida e obra. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

Transferência e Contratransferência: O Papel na Psicanálise
Ricardo Salztrager
Transferência e Contratransferência: O Papel na Psicanálise
Entenda o que são transferência e contratransferência na psicanálise, como surgem na clínica, exemplos e sua importância para o analista desde Freud.

Você já ouviu falar em transferência e contratransferência, mas não sabe exatamente o que esses termos significam na prática da psicanálise? Neste texto, você vai entender o que são transferência e contratransferência, suas origens no pensamento de Freud, como se manifestam na clínica e por que exigem tanto cuidado por parte do analista.

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O que é transferência e contratransferência na psicanálise?

A transferência é definida por Freud como o vínculo que o paciente estabelece com seu analista. Este vínculo pode ser, por exemplo, de amor, de ódio, de idealização, de ciúmes, de inveja, etc. Na maioria das vezes, inclusive, uma relação transferencial engloba vários destes sentimentos ao mesmo tempo.

Já a contratransferência é definida por Freud como o modo através do qual o analista reage às transferências de seus pacientes. Tais reações podem ser igualmente de amor, de ódio e dos demais sentimentos acima elencados.

Freud e a descoberta da transferência

A transferência foi descoberta já nos primórdios da psicanálise enquanto Freud observava a relação da paciente Anna O. com seu médico Joseph Breuer (Breuer & Freud, 1895/1996).

Com efeito, era visível que Anna O. apaixonara-se pelo terapeuta. Ela não parava de falar em Breuer, dizia também sentir muitas saudades dele e até – segundo Ernest Jones (1999), biógrafo de Freud – chegou a desenvolver uma espécie de “gravidez psicológica” durante o tratamento.

O amor de transferência

A partir deste e de tantos outros casos, Freud (1915/1996) concluiu ser comum que se estabeleça na clínica uma relação transferencial amorosa da parte do paciente. Ou seja, em uma relação terapêutica, temos, de um lado, um paciente que sofre demais em virtude de seus tantos conflitos e, de outro, alguém que ele supõe poder curá-lo. Assim, a relação terapeuta e paciente passa a ser marcada por uma idealização tal que o analista vem a assumir uma posição central na vida do paciente.

Deste modo, é comum que o paciente venha a pensar demais em seu psicanalista e que não pare de falar dele para seus familiares e amigos. É também corriqueiro que venha a stalkear as redes sociais do analista visando descobrir alguma informação sobre sua vida privada: onde mora, se é casado, se tem filhos... E muitos pacientes são capazes de passar horas e horas vendo repetidas vezes algumas fotos de seus analistas.

Outros exemplos comuns de transferência no vínculo entre terapeuta e paciente

Como o amor é um sentimento que nunca vem sozinho, é normal que o vínculo entre terapeuta e paciente seja também mesclado por intensos ciúmes, ódios, sentimentos de posse, competições, etc.

  • O ciúme: Se onde há amor há ciúme, nada mais previsível que as relações terapêuticas sejam também por ele marcadas. Assim, pode o paciente, por exemplo, vir a detestar os outros pacientes de seu analista e, nesta medida, às vezes, o ambiente de uma sala de espera é marcado por muita hostilidade. É inclusive comum que um paciente questione: “por que você atende tal paciente por mais tempo que a mim?”, “por que você sorri para ele, mas nunca para mim?” ou então “eu tenho certeza que você prefere a ele que a mim”.
  • O ódio: Em todo este contexto é também de se imaginar que a relação terapeuta e paciente seja marcada por um grande ódio. Com efeito, nós também odiamos aqueles que tanto amamos e, por isto, pode acontecer que o paciente diga coisas horríveis sobre a pessoa de seu analista, tenha sonhos maléficos com ele, ou então, que se entregue às mais variadas brigas e disputas. Desta forma, o analista pode ser alvo de algumas ironias e indiretas e a situação às vezes chega ao limite de o paciente descarregar uma grande raiva em cima de seu terapeuta.
  • O sentimento de posse: Outro exemplo é quando o vínculo entre terapeuta e paciente é acompanhado por um intenso sentimento de posse. Daí pode acontecer de o paciente vir a encher o analista de presentes com o intuito de conquistá-lo, tentar manipular sua agenda para que consiga protagonismo diante de seus outros pacientes ou mesmo de se colocar como alguém gentil e amável para que o analista retribua todo o seu amor.
  • A competição: É também provável que este vínculo seja marcado por forte competição. Ou seja, se o paciente presume que o analista tudo sabe, é capaz que ele próprio insista em defender que sabe muito mais que o terapeuta. Uma relação transferencial baseada na competição pode também incluir questionamentos do paciente sobre quem é mais jovial, bonito, magro ou atlético dentre tantas outras coisas.


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Por que ocorre a transferência?

No artigo “A dinâmica da transferência”, Freud (1912/1996) diz que ela ocorre porque quando uma pessoa está em análise, ela costuma deslocar uma série de tendências suas para o psicanalista. Trata-se, geralmente, de algumas formas de se comportar na vida que o paciente traz consigo desde a infância mais remota e que agora serão direcionadas ao terapeuta.

Como exemplo, podemos citar o caso de uma pessoa que, desde criança, sente muita inveja dos outros. Ela agia desta maneira com seus irmãos e irmãs, com as outras crianças do colégio e, conforme crescia, passou a se comportar assim com os amigos, com aqueles que conseguiam namorados melhores que os seus e mesmo com os que tinham um trabalho mais valorizado.

Ora, nada mais óbvio que quando esta pessoa inicie um tratamento, também passe a sentir inveja do analista, já que ela é assim com todo mundo e é desta forma que ela se relaciona.

A transferência e o inconsciente

No entanto, destaca-se que não necessariamente o paciente possui a exata consciência daquilo que transfere ao analista.

Ou seja, se tomarmos o exemplo acima, podemos dizer que tal paciente talvez nem tenha noção do quanto é invejoso nem do quanto transfere suas relações de inveja para o terapeuta. Pelo contrário, a psicanálise estabelece que todos nós temos um inconsciente, ou seja, todos nós desconhecemos grande parte dos nossos desejos, fantasias e comportamentos. Neste sentido, Freud vai dizer que são justamente estas tendências inconscientes aquelas que com maior frequência estarão presentes na cena transferencial.

Como ilustração, tomemos o exemplo de uma pessoa que se julga extremamente boa. Uma pessoa religiosa, caridosa e incapaz de praticar qualquer maldade. No entanto, ela não possui a exata consciência do quanto é agressiva com os outros, fazendo com eles pequenas maldades como fofocas, intrigas e injustiças.

Ora, quando esta pessoa entra em análise, é exatamente desta forma que ela vai se comportar com o psicanalista. É provável que dirá o tempo inteiro o quanto é boa e íntegra, porém sem perceber, direcionará ao analista todas as suas pequenas agressividades. E, assim, ela só poderá se tornar consciente do quanto é agressiva quando isso for apontado por seu psicanalista.


O caso Dora

Conforme colocamos, Freud descobriu a existência da transferência bastante cedo quando seu colega Breuer atendia a Anna O. Todavia, foi a partir de situações vividas com sua paciente Dora que ele concedeu maior atenção ao tema. O conjunto de suas observações sobre o tema está em “Fragmentos da análise de um caso de histeria” (Freud, 1905/1996).

Dora era uma jovem envolta em paixões por algumas pessoas de seu convívio, paixões estas que jamais se concretizavam. Dentre elas, estava seu apaixonamento pelo melhor amigo de seu pai, o Sr. K. Com ele a jovem mantinha uma relação no mínimo curiosa: sem medir quaisquer esforços, Dora seduzia completamente o Sr. K. e se entregava a tal jogo de sedução com todas as suas armas. Porém, quando ela sentia que estava conseguindo seu objetivo, de repente, abandonava a cena e sumia. Claro que a jovem não tinha a exata consciência de que agia desta maneira.

E foi exatamente assim que Dora se comportou com Freud. Seduziu o analista em demasia a ponto de Freud em muito se dedicar a sua análise e, inclusive, ter o desejo de publicar o caso (algo que não acontecia com qualquer paciente seu). Dora também insistia em não relatar determinadas coisas, deixando Freud extremamente curioso e praticamente em suas mãos. E em meio a tamanho jogo de sedução, de repente, Dora abandonou a análise.

Quando se dá o abandono, Freud finalmente percebe o quanto não tinha se dado conta da transferência de Dora.


A contratransferência na psicanálise

Foram poucas as vezes que Freud escreveu sobre a contratransferência. Em linhas gerais, ela é definida como o conjunto de sentimentos que um paciente é capaz de despertar em seu analista: amores, ódios, invejas, raivas, etc. Vale marcar que assim como a transferência do paciente para o analista é marcada por tendências inconscientes, o psicanalista também não possui a exata consciência daquilo que contratransfere.

Deste modo, o terapeuta pode, por exemplo, desenvolver um apaixonamento por certo paciente sem que disso esteja consciente. Da mesma maneira, pode ter inveja de um paciente sem que exatamente perceba isso. E pode até mesmo, sem saber, desenvolver um sentimento de posse em relação a seus pacientes, o que em muito prejudicaria seu trabalho.

A contratransferência e a importância da análise pessoal

Assim, ao contrário da transferência que é tida como algo a ser estimulado no tratamento psicanalítico, Freud (1915/1996) situa a contratransferência como uma coisa a ser incisivamente evitada. Isto porque um amor, um ódio, uma inveja ou uma raiva que o analista venha a sentir de seus pacientes pode, em muito, atrapalhar seus tratamentos.

Daí a necessidade de os analistas também fazerem uma análise pessoal. Ora, é comum – e até mesmo inevitável – que um terapeuta venha a sentir os mais variados afetos por seus pacientes. Alguns podem despertar-lhes maior interesse, outros podem fazer com que o psicanalista se lembre de traumas e ainda há os que ele possa vir a conceder um exagero de cuidados.

Por isso é imprescindível que um analista seja uma pessoa suficientemente analisada. Com sua análise pessoal, ele conseguirá melhor elaborar seus sentimentos e fazer com que suas próprias questões não interfiram tanto em seu trabalho.


O manejo da contratransferência

Com base nesta discussão, podemos perguntar: como um tratamento analítico poderia progredir se o analista respondesse com raiva aos sentimentos transferenciais de seus pacientes? Com certeza, o vínculo entre terapeuta e paciente passaria a ser marcado por uma raiva imensa que em muito prejudicaria o tratamento.

Ou então: como um tratamento analítico pode progredir se o analista responde com certo cansaço às falas de seus pacientes? Aqui a contratransferência também é prejudicial. E a mesma pergunta deve ser feita em relação a outros sentimentos do analista que venham a se manifestar na contratransferência.

Nesta medida, é importante frisar que o psicanalista não deve necessariamente se portar como uma pedra de gelo diante de seus pacientes, pois isso é humanamente impossível. Enquanto ser humano, ele possui os mais variados sentimentos que sempre se manifestarão independentemente de sua boa vontade e demais esforços. Por isso, certa dose de contratransferência é inevitável ao tratamento. Porém, é importante frisar que determinados exageros sentimentais da parte do analista são prejudiciais e por isto devem ser analisados.

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E quando o terapeuta se apaixona pelo paciente?

Foi para responder esta pergunta que Freud (1915/1996) escreveu o artigo “Observações sobre o amor transferencial”.

Apesar de ser uma coisa rara, nenhum psicanalista está livre de se apaixonar por alguns de seus pacientes. De fato, não controlamos nossos sentimentos e, às vezes, quando menos esperamos, eles acabam transbordando. E, assim, cabe ao psicanalista analisar-se e, com sua paixão devidamente elaborada, decidir se o tratamento prossegue ou termina em virtude de seu amor contratransferencial.

Deve o psicanalista orgulhar-se quando um paciente se apaixona por ele?

Uma discussão sobre esta pergunta também se faz em “Observações sobre o amor transferencial”.

Nele, Freud (1915/1996) é incisivo ao responder que não, alertando ser raro um paciente se apaixonar por seu psicanalista devido aos seus encantos pessoais. Conforme vimos, o amor transferencial é induzido pela própria situação analítica, mas jamais pelo charme, beleza ou inteligência do psicanalista. Por isto o terapeuta não teria motivos para orgulhar-se do fato de um paciente estar por ele apaixonado. Tampouco para entregar-se a uma ardente paixão com um de seus clientes.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

BREUER, J. & FREUD, S. (1895/1996). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago. p. 11-316.

Freud, Sigmund. (1905/1996). Fragmentos da análise de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 7. Rio de Janeiro: Imago. p. 13-116.

_____. (1912/1996). A dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago. p. 107-119.

_____. (1915/1996). Observações sobre o amor transferencial. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 12. Rio de Janeiro: Imago. p. 173-188.

Jones, Ernest. (1999). A Vida e a Obra de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.

Psicologia
Psicologia: O que é, Áreas, Abordagens e Como Estudar Online
Rodrigo Gomes
Psicologia: O que é, Áreas, Abordagens e Como Estudar Online
Psicologia: O que é, graduação, áreas de atuação e abordagens teóricas. Veja cursos para estudar online com certificado e aprofundar-se na profissão.

Entenda as possibilidades de se estudar psicologia através de cursos online, os famosos EAD (educação à distância). A seguir, exploraremos as áreas de atuação e abordagens da psicologia, além de apresentar opções e custos para quem deseja aprofundar os conhecimentos na área de forma remota.



Como estudar Psicologia online?

Se você está procurando opções para cursar a faculdade de psicologia à distância, infelizmente temos uma má notícia para te dar. Até o momento, de acordo com a determinação do Ministério de Educação (MEC), a graduação de psicologia não pode ser oferecida na modalidade EAD. Por outro lado, há muitas possibilidades de se estudar psicologia online por meio de cursos livres, pós-graduação e especializações.

A opção pelo ensino à distância atende tanto a estudantes quanto profissionais da área, onde o aluno pode explorar diferentes abordagens da psicologia com liberdade, seja para aprender sobre conteúdo introdutório ou especializar-se em algum tema de sua preferência. É possível estudar a psicologia analítica, de Carl Jung, a psicanálise, de Freud, e, ao mesmo tempo assistir a cursos sobre a logoterapia para investigar as ideias de Viktor Frankl.

Existe faculdade de Psicologia EaD?

Como já mencionado acima, não existe a possibilidade de realizar a graduação em psicologia EaD . Em julho de 2022, o Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU) chegou a conseguir a autorização do MEC para oferecer o curso à distância, através da portaria MEC 749. Porém, no dia seguinte, o próprio Ministério da Educação a anulou, sob alegação de erro material.

À época, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e mais de 20 entidades publicaram uma nota de repúdio à Portaria MEC 749, afirmando que a presencialidade é indispensável para a formação de qualidade em Psicologia.

Posteriormente, em setembro de 2023, pela Portaria Nº 1.838, o Ministério da Educação abriu consulta pública para elaboração de proposta de regulamentação de oferta do curso de Psicologia - entre outras graduações - na modalidade de educação à distância.

Desde então, a discussão vem sendo constantemente adiada, sem uma previsão de desfecho à vista. Desta forma, não é possível definir ainda se, no futuro, a modalidade de graduação à distância será ou não viabilizada para o curso de psicologia. Mas, se depender da opinião do conselho dos profissionais de psicologia, a decisão permanecerá em mantê-lo somente no modelo presencial.

Atenção para não confundir:

Embora a graduação em psicologia seja recomendada, algumas abordagens da psicoterapia, como a psicanálise, não exigem formação superior específica no curso de psicologia para o exercício da atividade profissional. Por isso, é possível encontrar algumas instituições oferecendo o curso de formação para psicanalista 100% ead - o que é permitido.

O que é Psicologia e qual o papel do profissional da área?

A psicologia é uma ciência que se dedica a tratar, estudar e analisar o comportamentos dos indivíduos e os processos mentais, como sentimentos, pensamentos e razão. Embora a área de estudo tenha sido elaborada há alguns séculos no campo da filosofia, a psicologia estruturou-se como uma ciência independente somente em meados do século 19. Desde então, surgiram diversas teorias sobre o comportamento humano e novas descobertas científicas - como a chegada das neurociências..

O cenário dinâmico exige estudo constante do profissional da área. O psicólogo deve atuar na promoção da saúde mental, tratamento, intervenção em crises e em desenvolvimento pessoal e profissional. Seu trabalho tem grande importância social e demanda certa sofisticação, pois deve desenvolver habilidades como empatia e comunicação, mas também conhecimento técnico para diagnosticar e tratar problemas de saúde mental de forma eficaz.

Como em diversas outras profissões, há muitas áreas de atuação. No caso da psicologia, além desta segmentação, também encontramos diferentes teorias, técnicas e abordagens para analisar o comportamento humano, como veremos mais adiante.

Sobre o curso de graduação em Psicologia

O curso de psicologia prepara o profissional para atuar em diferentes contextos sociais e profissionais de forma ética, desenvolver o conhecimento científico, analisar criticamente os fenômenos sociais e biológicos e atuar na promoção da saúde. Dados do Sisu 2024 mostram que psicologia foi o 4° curso com maior número de inscrições, no topo da lista das graduações mais procuradas pelos estudantes.

POSIÇÃO CURSO QTDE. INSCRITOS
MEDICINA 298.316
DIREITO 157.364
ADMINISTRAÇÃO 118.883
PSICOLOGIA 103.336
ENFERMAGEM 99.768
PEDAGOGIA 89.702
MEDICINA VETERINÁRIA 65.271
CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO 57.385
EDUCAÇÃO FÍSICA 55.437
10° CIÊNCIAS BIOLÓGICAS 52.822


Dados extraídos do relatório do Sisu 2024

Qual a duração da faculdade de Psicologia?

A graduação em psicologia tem duração de 5 anos. Segundo as diretrizes curriculares para o curso de psicologia estipuladas pelo MEC, o estágio supervisionado é atividade obrigatória.

“Art. 11. A carga horária referencial dos cursos de Psicologia é de 4.000 (quatro mil) horas com, no mínimo, 20% (vinte por cento) da carga efetiva global para estágios supervisionados básicos e específicos, e duração mínima de 5 (cinco) anos.


Todas as instituições devem oferecer acesso ao núcleo comum do curso de Psicologia ao estudante. No entanto, as instituições podem possuir estruturas curriculares diferentes de acordo com as ênfases curriculares oferecidas. As ênfases curriculares são caminhos possíveis de estudo para aprofundamento de determinadas competências e habilidades necessárias para o exercício da profissão.

Em determinado momento da graduação, o aluno deverá optar pela ênfase que reflita o seu interesse para seguir as disciplinas e estágios correspondentes à sua escolha. Respeitando o projeto pedagógico, cada instituição deve disponibilizar ao menos duas opções de ênfases aos alunos, considerando as demandas sociais contemporâneas ou potenciais, assim como as características da instituição e da região em que se situa.

Isso significa que cada faculdade formulará os próprios eixos que são peculiares aos objetos de estudo e história do curso desenvolvido na instituição. Tenha isto em mente no momento de pesquisar as opções de faculdade de psicologia que deseja ingressar.

Para atuar profissionalmente como psicólogo, é necessário possuir o diploma de bacharelado em Psicologia por uma instituição reconhecida pelo MEC, além de estar inscrito no Conselho Regional de Psicologia (CRP) de sua região.

Quais as áreas da Psicologia?

Apesar de a imagem do psicólogo clínico atendendo o paciente frente a frente em seu consultório ser uma das primeiras a vir à mente, a psicologia tem diferentes áreas de atuação. Cabe ao estudante em formação ou ao profissional identificar qual delas se adequa mais ao seu perfil.

Uma vez com o diploma na mão, o psicólogo está apto a exercer a profissão em qualquer área de atuação da psicologia. A partir da resolução CFP 23/2022, foram reconhecidas 13 especialidades para o exercício da psicologia . Confira as áreas da psicologia na lista abaixo:

  • Psicologia Clínica
  • Psicólogo Organizacional e do Trabalho
  • Psicologia Jurídica
  • Psicologia do Esporte
  • Psicologia Social
  • Psicologia Escolar ou Educacional
  • Psicologia de Tráfego
  • Neuropsicologia
  • Psicomotricidade
  • Psicopedagogia
  • Psicologia Hospitalar
  • Psicologia em Saúde
  • Avaliação Psicológica


Conheça as principais abordagens da Psicologia

Há diversas abordagens da psicologia sendo praticadas na atualidade. Mas por que precisam existir tantas ramificações teóricas? É importante compreender que não há uma definição sobre qual abordagem é a melhor. O que vamos descobrir - e veremos detalhadamente neste tópico - é que elas apresentam diferenças importantes entre si, como objetos de estudo distintos.

A Psicanálise, fundada por Sigmund Freud, por exemplo, dedica-se ao estudo do inconsciente e os processos mentais internos para entender o comportamento humano. Já o Behavorismo, desenvolvido por Skinner, se concentra na observação do comportamento, pautado pela análise e estudo do comportamento a partir de estímulos externos.

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana” - Carl Jung
foto de Carl Gustav Jung
Carl G. Jung, fundador da Psicologia Analítica


Veja algumas das abordagens teóricas:

  • Psicanálise
  • Psicologia Analítica
  • Behaviorismo ou Analítico Comportamental
  • Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC)
  • Gestalt


Psicanálise:

Fundada por Sigmund Freud, a psicanálise surgiu no final do séc. 19, quando o médico austríaco revelou ao mundo uma grande descoberta: o inconsciente. Segundo sua teoria, a origem dos sintomas, transtornos mentais e emocionais está guardada neste campo oculto, que só pode ser acessado através da fala. Desta forma, o processo terapêutico para tratamento e cura dos fenômenos de ordem mental se dariam a partir do método de livre associação, onde o paciente pode falar livremente sobre qualquer assunto que lhe vier à mente (por isso, comumente conhecida como “terapia da fala”).

Fundamentada na investigação do inconsciente, o analista pode conduzir o paciente através da interpretação dos sonhos, análise de padrões de comportamento e repetições originadas ainda na infância. A partir da teoria criada pelo “pai da psicanálise”, começaram a ser trabalhados conceitos que hoje são bastante conhecidos, como complexo de édipo , ato falho e recalque.

Além disso, é bem comum que a psicanálise seja associada ao uso do divã, aquele sofá sem encosto em que o paciente se deita, embora ele nem sempre seja utilizado. Inspirados pela obra do médico austríaco, outros pensadores fundaram novas linhas da psicanálise, como a linha lacaniana, do francês Jacques Lacan, a linha kleiniana, da austríaca Melanie Klein e a linha winnicottiana, criada pelo inglês Donald Winnicott.

foto do divã utilizado por Freud  coberto pelo tapete de lã Qashqa'i shekarlu exposto no museu de Freud em Londres
Divã original de Freud, utilizado nas sessões com os seus pacientes (Reprodução: Freud Museum London)


A origem do divã de Freud

O icônico divã utilizado por Freud foi, na verdade, um presente recebido de sua paciente Madame Benvenisti , em 1890. Estima-se que mais de 500 pacientes tenham se deitado neste divã, que está exposto no Museu de Freud em Londres.

Psicologia Analítica Junguiana:

Fundada pelo psiquiatra Carl G. Jung no início do séc. 20, a psicologia analítica foi criada após o médico suíço se deparar com divergências teóricas em relação às ideias de Freud, com quem colaborou por algum tempo. Jung elaborou uma teoria totalmente nova, fundamentada em conceitos importantes como o inconsciente coletivo, individuação e os arquétipos.

Jung coloca que o inconsciente coletivo compõe uma camada universal, herdada pelos indivíduos através de seus ancestrais. Segundo sua teoria, as pessoas nascem com predisposição na forma de pensar e agir, que refletem imagens presentes em todas as culturas, representados pela noção dos arquétipos.

A partir da análise de símbolos, da interpretação de sonhos e mitos, o tratamento proporcionado pela psicologia analítica consegue auxiliar o paciente a encontrar novos caminhos de simbolização, que o conduzem ao autoconhecimento e a uma vida mais equilibrada.

Behaviorismo ou Analítico Comportamental:

O termo behaviorismo foi cunhado pelo psicólogo estadunidense John B. Watson, em 1913. A origem do nome remete ao termo “behavior”, da língua inglesa, que traduzido para o português significa “comportamento”. Na década de 1940, o psicólogo B. F. Skinner deu continuidade às ideias propostas por Watson e formulou novas contribuições à teoria, no que ficou conhecido como “behaviorismo radical”.

O behaviorismo surge em oposição às abordagens focadas nos processos mentais internos e passa a se dedicar ao estudo do comportamento observável, trabalhando observação, influência do ambiente e coleta de dados mensuráveis.

Esta proposta terapêutica propõe-se a compreender padrões comportamentais para tratamento de diversos transtornos, como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros. A concepção é de que a partir da análise do comportamento, é possível treinar habilidades e modificar padrões comportamentais através de técnicas específicas como reforço e punição, de forma a melhorar o bem-estar do paciente.

Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC):

A Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC) foi criada pelo psiquiatra norte-americano Aaron Beck na década de 1960. Com alguns elementos em comum ao behaviorismo radical, a TCC incorpora elementos cognitivos ao tratamento. Isto significa que este modelo de terapia além de incluir a análise do comportamento influenciado por estímulos do ambiente, leva também em consideração os pensamentos e emoções do paciente como forma de identificar, questionar, modificar e tratar os sintomas.

A partir do tratamento, o psicólogo auxilia o paciente na busca pela identificação de padrões de pensamento distorcidos., bem como a modificação de crenças e hábitos disfuncionais.. Amparada por pesquisas e publicações científicas, a TCC se propõe a utilizar técnicas de intervenção de eficácia comprovada, atendendo às especificidades de cada transtorno mental.

Gestalt-terapia:

A Gestalt-terapia, conhecida como “terapia da forma”, foi criada no início do séc. 20 pelo médico alemão Fritz Perls, inspirada pelas ideias da Psicologia da Gestalt, de Wertheimer, Köhler e Koffka. Este modelo de terapia valoriza a subjetividade e o momento presente ( “aqui e agora”) , onde o paciente é estimulado a se concentrar em seus sentimentos, pensamentos e ações a partir de técnicas específicas utilizadas pelo profissional.

São diversas abordagens utilizadas, como a da cadeira vazia, onde o paciente senta-se de frente para uma cadeira vazia e simula uma conversa consigo mesmo ou com uma pessoa que tenha tido papel relevante em algum evento que tenha impactado a sua vida.

Outra técnica é a dramatização, onde a pessoa pode ser encorajada a interpretar papéis, expressar algum sentimento verbalmente ou em forma de movimento. Estas técnicas tem o objetivo de promover o autoconhecimento. e, consequentemente, a identificação de padrões de pensamentos negativos que podem prejudicar a sua vida.

Psicoterapia Contemporânea: Por uma Integração Transteórica de Diversas Práticas e Teorias
por Luiz Hanns

Em sua história, a psicoterapia ficou marcada pela divisão entre abordagens, cada uma com suas próprias concepções, métodos e indicações clínicas, com diferenças, à primeira vista, irreconciliáveis e muitas vezes dogmáticas.

Neste curso, Luiz Hanns aborda o integracionismo metodológico, que difere do ecletismo selvagem, e que permite uma clínica transteórica em busca da integração das melhores práticas e teorias.

Confira o curso!

Conhecemos agora algumas das abordagens da psicologia. Embora todos os profissionais da área passem, de certa forma, por este processo de definição teórica, a linha seguida por cada um é notada de forma mais perceptível nos tratamentos de psicoterapia, onde o paciente costuma ser acompanhado por períodos mais longos.

Não existe regulação ou exigência formal que obrigue o psicólogo a escolher uma das abordagens disponíveis. Assim como nas áreas de atuação, o psicólogo graduado está apto a praticar qualquer abordagem teórica.

Esta escolha representa um direcionamento pessoal do psicólogo, que não exclui a possibilidade de estudo ou aplicação de técnicas de diferentes linhas teóricas. No fundo, o que todos querem - tanto o psicólogo quanto o paciente - é conseguir encontrar um caminho comum para a melhora da saúde mental. Por isso, a aliança terapêutica - relação entre terapeuta e paciente - tem uma importância muito grande e é fundamental para qualquer modelo psicoterapêutico.

O que é “Aliança Terapêutica”?

É um conceito universal que caracteriza a relação de trabalho e de confiança entre terapeuta e paciente, comum a todas as abordagens teóricas. Tem grande importância para o bom desenvolvimento do processo psicoterapêutico, pois influencia na formação e manutenção do vínculo, permanência, desfecho e encerramento da psicoterapia.

Agora que já conhecemos as áreas e abordagens da psicologia, é provável que você já tenha se interessado por algum tema que gostaria de estudar. A seguir, apresentaremos algumas opções de curso para você começar a sua trajetória na área!

Onde Encontrar Cursos de Psicologia Online? Veja as Melhores Opções

Uma boa alternativa tanto para estudantes como para profissionais já em atuação são os cursos livres de psicologia à distância. A grande vantagem deste modelo é que costumam ter um valor mais acessível, sendo possível encontrar conteúdo de muita qualidade e em constante atualização.

Confira 5 cursos para você dar os primeiros passos na área:

  • A Tal da Felicidade, por Luiz Hanns

    Entenda os argumentos da psicologia para definir felicidade como um sentimento de realização pessoal e individual, mais próximo do bem estar mental pleno do que da prosperidade material.

  • Freud Fundamental: As Ideias e as Obras, por Pedro de Santi

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Depressão tem cura? Conheça os sinais e tratamentos
Carolina Tosetti
Depressão tem cura? Conheça os sinais e tratamentos
Você sabe quais são os tipos de depressão? Entenda esse transtorno psíquico desde o diagnóstico psiquiátrico até as profundezas da psicanálise.

Quando fala-se sobre depressão hoje, a realidade aponta que este é um transtorno complexo e cada vez mais comum, que não faz distinção de idade ou status social.

Explore as estatísticas alarmantes no Brasil, entenda as classificações psiquiátricas, os manejos psicanalíticos e a importância do diagnóstico profissional na identificação e tratamento da depressão.

O contexto da depressão na atualidade

A depressão é um transtorno mental ou psíquico que pode atingir qualquer um, independentemente da idade, gênero, etnia ou classe social. Apesar da sua gravidade, muitas pessoas não dão a atenção necessária para a doença, o que pode dificultar o diagnóstico e, consequentemente, o seu tratamento.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem a maior taxa de prevalência de depressão da América Latina e a segunda maior nas Américas. A previsão é que, em 2030, a depressão seja a primeira causa específica de incapacidade funcional no mundo.

De maneira geral e simplificada, pela visão psiquiátrica, a depressão é um transtorno biológico que se manifesta em forma de tristeza e angústia. A pessoa deprimida perde o interesse ou prazer em realizar atividades que antes gostava, podendo levar a mudanças bruscas de humor e comportamento, afetando diversas áreas de sua vida.

As alterações repentinas do humor são, inclusive, um dos sintomas mais comuns da doença. Por isso, o acompanhamento profissional se faz essencial para diagnosticar a depressão ou episódios de tristeza prolongados.

imagem de divulgação de masteclass sobre psicopatologias na atualidade com alexandre patrício



A visão da psiquiatria sobre a depressão

Em 1952, a Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association, APA) publicou pela primeira vez o Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, DSM-1), a primeira tentativa de abordar o diagnóstico das doenças mentais por meio de definições e critérios padronizados.

A DSM-5-TR, publicada em 2022, fornece um sistema de classificação que tenta separar as doenças mentais em categorias diagnósticas com base na descrição dos sintomas.

A Classificação Internacional de Doenças, décima-primeira revisão (CID-11), e a mais recente versão publicada pela Organização Mundial da Saúde, utiliza categorias diagnósticas semelhantes às encontradas no DSM-5-TR. Essa semelhança indica que o diagnóstico das doenças mentais específicas está sendo feito de forma mais padronizada em todo o mundo.

A coleta da história clínica, a anamnese e o exame devem observar os critérios da décima primeira versão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde.

Nenhum sinal ou sintoma representa propriamente uma patologia. A confecção do diagnóstico da depressão deve levar em conta que os critérios da CID apresentam grau de subjetividade, devendo-se evitar a psicopatologização e a medicalização de sentimentos humanos normais.

Sintomas da depressão: a importância do diagnóstico profissional

O diagnóstico da depressão é feito a partir da avaliação clínica de um profissional com base na persistência, abrangência e interferência que os sintomas apresentam na vida do indivíduo. Segundo o DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os sintomas da depressão incluem:

  • Humor deprimido constante
  • Diminuição do interesse ou prazer em quase todas as atividades
  • Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta
  • Diminuição ou aumento significativo do apetite
  • Insônia ou sonolência
  • Agitação ou retardo psicomotor
  • Falta de energia, preguiça ou cansaço excessivo
  • Sentimentos de inutilidade, culpa excessiva ou inadequada
  • Diminuição da capacidade de pensar, de se concentrar ou indecisão
  • Pensamentos de morte ou suicídio


Para que os sintomas tenham uma relevância clínica, é preciso que se note uma mudança nos pensamentos, sentimentos, comportamento ou na fisiologia, devendo esta ser vivenciada por um período significativo de tempo.

Há regras específicas que indicam quantos sintomas de cada categoria devem estar presentes para se fazer o diagnóstico. Essa complexidade é apenas uma das razões pelas quais um profissional deve ser consultado para diagnosticar a depressão.

Quais são os tipos de depressão?

Um indivíduo que sofre de depressão também pode apresentar sintomas de ansiedade, distúrbios do sono e de apetite e podem demonstrar sentimentos de culpa ou baixa auto-estima, falta de concentração.

Um episódio depressivo pode ser leve, moderado ou grave, a depender da intensidade dos sintomas. Durante um episódio depressivo grave, é pouco provável que a pessoa afetada possa continuar com atividades sociais, de trabalho ou cotidianas. Também pode-se fazer uma diferenciação da depressão em pessoas que têm ou não histórico de episódios de mania.

Episódios de mania envolvem humor exaltado ou irritado, excesso de atividades, pressão de fala, auto-estima inflada e uma menor necessidade de sono, além da aceleração do pensamento. Os tipos de depressão podem ser crônicos (isto é, acontecem durante um período prolongado de tempo), com recaídas, especialmente se não forem identificados e tratados, ou pontuais.

Conheça alguns dos principais tipos de depressão e a sua classificação na CID-11:

  • Transtorno depressivo recorrente | CID-11 6A71: esse distúrbio envolve repetidos episódios depressivos. Durante esses episódios, a pessoa experimenta um humor deprimido, perda de interesse e prazer e energia reduzida, levando a uma diminuição das atividades em geral. Este tipo de sofrimento pode ser longo, duradouro e mais difícil de ser diagnosticado.
  • Transtorno bipolar | CID-11 6A6Z: esse tipo de depressão consiste tipicamente na alternância entre episódios de mania e depressivos, separados por períodos de humor regular.
  • Transtorno depressivo de episódio único | CID-11 6A70: é caracterizado pela presença de um episódio depressivo quando não há histórico de episódios depressivos anteriores.
  • Transtorno distímico | CID-11 6A72: o transtorno distímico é caracterizado por um estado depressivo persistente (isto é, com duração de 2 anos ou mais), durante a maior parte do dia, na maior parte dos dias. Durante os primeiros 2 anos do distúrbio, nunca houve um período de 2 semanas durante o qual o número e a duração dos sintomas foram suficientes para satisfazer os requisitos de diagnóstico para um Episódio Depressivo.
  • Transtorno misto de ansiedade e depressão| CID-11 6A73: o transtorno misto de ansiedade e depressão é caracterizado por sintomas de ansiedade e depressão na maior parte dos dias por um período de duas semanas ou mais. Nenhum conjunto de sintomas, considerado separadamente, é suficientemente grave, numeroso ou persistente para justificar o diagnóstico de um episódio depressivo, distimia ou um distúrbio relacionado à ansiedade e ao medo.
  • Transtorno disfórico pré-menstrual |CID-11 GA34.4: um padrão de sintomas de humor (humor deprimido, irritabilidade), sintomas somáticos (letargia, dor nas articulações, excessos alimentares) ou sintomas cognitivos (dificuldades de concentração, esquecimento) que comece vários dias antes do início da menstruação, e comece a melhorar dentro de alguns dias após o início da menstruação e, em seguida, torne-se mínima ou ausente dentro de aproximadamente 1 semana após o início da menstruação, estando presente na maioria dos ciclos menstruais no último ano.
  • Depressão psicótica: o indivíduo em sofrimento geralmente convive com episódios de delírio e alucinação, em que se somam os sintomas de depressão a alguma forma de psicose. Pode ser considerado um tipo de depressão grave.


O que é depressão para a psicanálise?

No contexto da psicanálise, a partir da obra Luto e Melancolia, Freud (1917) inicialmente considerava a depressão como um fenômeno que envolvia a "diminuição do sentimento de auto-estima" e "expectativas ilusórias de punição". Sua visão inicial era de que as crianças, devido à falta de capacidade de auto-estima e de prever o futuro, não poderiam experimentar a depressão.

Acreditava-se que na adolescência o desenvolvimento da personalidade permitia a vivência da depressão, embora até a década de 1970 alguns estudiosos considerassem os sintomas depressivos como parte normal do desenvolvimento adolescente.

Ao longo do século 20, a compreensão da relação entre eventos na infância e o funcionamento da personalidade no futuro começou a ganhar destaque. Freud propôs que a personalidade de uma criança era amplamente desenvolvida até os cinco anos de idade, sendo influenciada pela maneira como ela se ajustava a experiências precoces. A depressão, para Freud, surgia da resolução inadequada dos conflitos entre impulsos primitivos (id) e a aceitação de tabus sociais pelo superego.

mão encostando na própria sombra sob fraca luz

Numa leitura mais recente, o mal-estar contemporâneo, para o psiquiatra Joel Birman, manifesta-se no corpo, na ação e na intensidade como uma dor difícil de ser simbolizada.

Nesse cenário, a depressão destaca-se como uma forma de subjetivação, refletindo um aumento significativo nos diagnósticos e previsões de uma sociedade predominantemente depressiva.

A contemporaneidade revela a psicanálise como um discurso relevante para entender questões sociais e culturais. As mudanças na estrutura familiar, a crise da paternidade e a ascensão do individualismo na vida pós-moderna contribuem para a proliferação da cultura do narcisismo.

A falta de consenso sobre o termo "depressão" na sociedade atual reflete a dificuldade em lidar com as transformações sociais, econômicas e culturais que afetam a evolução da subjetividade.

Por uma perspectiva psicanalítica, a depressão pode ser considerada uma posição subjetiva diante das demandas sociais que enfatizam o individualismo e a cultura do espetáculo.

O sujeito contemporâneo, sob pressão para buscar a satisfação constante, muitas vezes se vê paralisado, afastado de seu desejo, resistindo às exigências sociais. Assim, a depressão pode ser uma resposta à sociedade que não tolera a falta, a dor e o sofrimento.

Neste contexto, enquanto dispositivo de "cura pela palavra" a psicanálise concebe a escuta do "singular" como importante possibilidade de abertura para as manifestações subjetivas, que podem estar relacionadas às múltiplas expressões sintomáticas, inclusive as depressivas.

Em todos os casos, torna-se essencial o diagnóstico precoce para que o tratamento seja bem sucedido, evitando novos episódios. É fato que a depressão pode aparecer em diversas fases da vida, a começar pela infância.

Depressão na Era Digital
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No curso Depressão na Era Digital, os psicanalistas e escritores Ana Suy e Alexandre Patricio de Almeida apresentam uma discussão sobre saúde mental, cultura e sociedade a partir da psicanálise, oferecendo uma imersão nas complexidades do adoecimento psíquico na era atual, em especial sobre o fenômeno da depressão.

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Sintomas e diagnóstico da depressão infantil

Em crianças pré-escolares - de idade até sete anos - a manifestação clínica mais comum é representada pelos sintomas físicos, tais como dores, fadiga e tontura. Ainda segundo o autor, seguem-se além das queixas dos sintomas físicos a presença de ansiedade, fobias, agitação psicomotora ou hiperatividade, irritabilidade, diminuição do apetite com falha em alcançar o peso adequado, e alterações do sono.

Alguns estudiosos citam surgimento de choro excessivo e frequente, comunicação falha, tristeza na fisionomia e um comportamento que apresenta agressividade.

Em crianças escolares - entre seis a doze anos -, o humor depressivo já pode ser verbalizado e é frequentemente relatado como tristeza, irritabilidade ou tédio. As crianças podem apresentar apatia, tristeza, fadiga, isolamento, aparência triste, queda do desempenho escolar, ansiedade diante de uma separação, dentre outros.

Os estudos dedicados à depressão infantil, semelhantes aos adultos, revelam a importância do diagnóstico precoce. A peculiaridade do diagnóstico infantil reside na possibilidade de identificação tardia, agravando a situação.

A depressão infantil pode passar despercebida ou ser confundida com características temperamentais, tornando-se desafiador reconhecê-la. Desde a década de 1970, há consenso de que as crianças apresentam sintomas depressivos semelhantes aos dos adultos, com a irritabilidade assumindo o papel do abatimento no diagnóstico infantil.

15 sinais da depressão infantil

  • Angústia.
  • Pessimismo
  • Agressividade
  • Falta de apetite
  • Falta de prazer em executar atividades
  • Isolamento
  • Apatia
  • Insônia ou sono excessivo que não satisfaz
  • Queixas de dores
  • Sentimentos de desesperança
  • Dificuldade de concentração, atenção memória ou raciocínio
  • Baixa auto-estima e sentimento de inferioridade
  • Sensação frequente de cansaço ou perda de energia
  • Sentimentos de culpa
  • Dificuldade de se afastar da mãe


A depressão em crianças: uma visão da psicanálise

A teoria de Sigmund Freud trouxe uma nova perspectiva sobre as angústias infantis, que se assemelham às vivenciadas na idade adulta. Estudos recentes corroboram a ideia de que, contrariamente a concepções antigas, as crianças experimentam emoções, enfrentam perdas, mudanças e traumas, que podem ter repercussões na vida adulta, tornando-se terrenos férteis para o desenvolvimento da depressão.

Para a psicanálise freudiana, a depressão infantil está relacionada a situações de perdas e luto, impactando diretamente na fase narcísica da criança. A infância, caracterizada pela ainda incompleta constituição psíquica, evidencia a singularidade de como cada criança vivencia e elabora suas perdas, considerando que as histórias de vida são distintas.

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Psicanálise, psicoterapia e psiquiatria no tratamento da depressão

Pesquisas sobre a depressão de difícil tratamento enfatizam a importância da associação do acompanhamento psiquiátrico ao acompanhamento psicanalítico. Nestes casos graves, nota-se a predominância de derivados de impulsos agressivos nos humores depressivos.

Na clínica psicanalítica destacam-se dois tipos de desprazer: a ansiedade e o afeto depressivo, decorrentes de situações como luto, perdas amorosas ou punições.

Uma leitura psiquiátrica associada ao manejo psicanalítico ressalta que o afeto depressivo desempenha papel equivalente à ansiedade na psicopatologia, sendo uma parte inevitável da vida mental, acionando defesas e conflitos, podendo ser ou não consciente em um dado compromisso.

Aqui os transtornos depressivos são definidos como a "sensação de impotência e desesperança diante da realização de um desejo intenso", colorindo toda a auto-representação com sentimentos de inferioridade, incapacidade e ameaça.

Grandes autores da psicanálise, como Melanie Klein, criaram conceitos e formas de compreensão das manifestações do transtorno depressivo. Aprofunde-se no tema da depressão com a Masterclass do professor e psicanalista Alexandre Patricio de Almeida dedicada às psicopatologias atuais.



Como vencer a depressão?

O acolhimento das pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo depressão e as necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, e seus familiares é fundamental para a identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento de intervenções medicamentosas e terapêuticas, se e quando necessárias.

No Brasil, além de contar com a disponibilidade de consultórios e clínicas particulares, os indivíduos em situações de crise podem ser atendidos em qualquer serviço da rede pública de saúde.

Os casos de pacientes em situação de emergência devem ser atendidos nos serviços de urgência e emergência e nos serviços da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) é composta por equipamentos variados, em sua maioria guiados por princípios de cuidado comunitário e em liberdade, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura e as Unidade de Acolhimento (UAs). As diretrizes da política envolvem o governo federal e os estados e municípios.






Referências:

Birman, J. (2012). O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento na atualidade. Brasil: Civilização Brasileira.

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Ansiedade: Sintomas, Causas, Crise de Ansiedade e Transtornos
Xavana Celesnah
Ansiedade: Sintomas, Causas, Crise de Ansiedade e Transtornos
Saiba o que é ansiedade, crise de pânico e transtornos relacionados. O tratamento da ansiedade com psicólogo e psiquiatra e a melhora da saúde mental

A ansiedade é uma emoção humana universal caracterizada por sentimentos de preocupação, medo e apreensão, geralmente despertados em situações de incerteza ou pressão. Todos nós a experimentamos em algum momento. Em si, ela não é uma doença.

Apesar de ser uma reação natural e muitas vezes útil, que nos prepara para enfrentar desafios, a ansiedade pode se tornar um problema quando ganha proporções excessivas e se transforma em um transtorno, passando a interferir no cotidiano, afetando o sono, o humor e as relações interpessoais.

Os casos de sofrimento psíquico, exigem cuidado especializado. Assim como todos os problemas de saúde mental, os transtornos de ansiedade precisam ser tratados com mais naturalidade, retirando-se o preconceito e o estigma tão culturalmente arraigados em relação a tudo o que diz respeito às questões de ordem emocional.

O Que é Ansiedade?

A ansiedade é uma reação emocional do corpo diante de situações que envolvem incerteza ou perigo. De acordo com o psiquiatra Rodrigo Bressan, “nosso corpo, através dos sistemas nervosos autônomo e simpático, está preparado para situações de luta ou fuga”, por possuir um mecanismo biológico capaz de lidar com situações de perigo. Mas, existem contextos de estresse que ultrapassam a capacidade de regulação emocional do corpo, fazendo com que as pessoas saiam do eixo e causando diversos problemas de saúde mental, como os transtornos de ansiedade.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os transtornos de ansiedade são os transtornos mentais mais comuns do mundo e afetaram aproximadamente 301 milhões de pessoas em 2019, o que corresponde a cerca de 4% da população mundial. Ainda segundo a OMS, as mulheres são mais afetadas por este tipo de transtorno do que os homens e os sintomas começam a surgir na infância e na adolescência.

Os transtornos de ansiedade, além de provocarem sofrimento, interferem de forma significativa nas atividades cotidianas, causando grande impacto no nível de incapacitação da nossa sociedade. Quando não tratados, esses sintomas podem persistir por anos, impactando ainda mais na saúde mental e emocional do indivíduo.

A boa notícia é que grande parte dos transtornos mentais, como os de ansiedade, são tratáveis e existem terapias e intervenções altamente eficazes, como a psicoterapia e o uso de medicamentos, que podem ajudar a controlar os sintomas e permitir que a pessoa recupere o bem estar e a qualidade de vida.

Apesar da alta prevalência e do impacto significativo desses transtornos, estima-se que apenas 1 em cada 4 pessoas com os sintomas busque tratamento. A falta de conscientização sobre a natureza tratável da condição, o baixo investimento público em serviços de saúde mental, a falta de profissionais de saúde qualificados para este tipo de atendimento e o estigma social em torno do tema são algumas das barreiras que dificultam o acesso a um tratamento adequado, segundo a OMS.

A conectividade moderna tem um impacto direto na nossa saúde mental. Acordar, checar notificações, rolar feeds infinitos, adiar o sono... Isso soa familiar? Se sim, é hora de refletir sobre como as redes sociais podem estar afetando o seu equilíbrio emocional.

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Sintomas de Ansiedade

Os sintomas de ansiedade podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente incluem manifestações físicas e emocionais. É importante entender que a ansiedade não é um fenômeno exclusivamente psicológico. Ela também afeta o corpo e muitas pessoas com transtornos de ansiedade experimentam uma série de sintomas físicos que podem ser tão intensos ao ponto de se confundirem com outros problemas de saúde. Assim, os transtornos de ansiedade podem provocar sintomas físicos, emocionais e comportamentais.

Sintomas Físicos da Ansiedade

Os sintomas físicos mais recorrentes dos transtornos de ansiedade incluem:

  • Tensão muscular: A musculatura do corpo, especialmente nas regiões do pescoço, ombros e mandíbula, tende a se contrair, causando desconforto.
  • Taquicardia: O aumento da frequência cardíaca é o sintoma clássico da ansiedade. As palpitações e a sensação de coração acelerado são muito frequentes.
  • Falta de ar: A dificuldade para respirar ou "respiração curta" é recorrente em episódios de ansiedade, especialmente durante ataques de pânico.
  • Suor excessivo: Suor demasiado, especialmente nas palmas das mãos, axilas ou testa, mesmo em situações sem estresse imediato.
  • Tremores nas mãos: O nervosismo pode causar tremores involuntários nas mãos ou até mesmo em outras partes do corpo
  • Boca seca: A ansiedade pode diminuir a produção de saliva, resultando em boca seca e desconforto.
  • Dores no peito: O estresse físico pode provocar dores no peito ou uma sensação de pressão, frequentemente confundida com problemas cardíacos.
  • Náuseas e desconforto abdominal: O estômago e o sistema digestivo podem reagir de maneira exacerbada ao estresse, causando náuseas, cólicas ou diarreia.


Sintomas Emocionais e Psicológicos da Ansiedade

Os transtornos de ansiedade, além de causarem sintomas físicos, manifestam-se no emocional do indivíduo, afetando o seu bem-estar e a qualidade dos seus relacionamentos. Dentre os sintomas psicológicos da ansiedade, as pessoas experimentam:

  • Preocupação excessiva: A mente fica sem paz, devido à preocupação permanente com todas as atividades cotidianas. Tarefas do trabalho, problemas familiares, atividades pessoais, tudo está sendo processado com muita velocidade e os pensamentos estão sempre direcionados à próxima atividade que deve ser realizada, retirando o indivíduo do presente. Nesses casos, a meditação mindfulness pode auxiliar como uma terapia complementar e trazer a mente de volta ao presente.
  • Medo iminente: A sensação angustiante de que algo terrível pode acontecer a qualquer momento é outro sintoma comum. Esse medo pode não ter um motivo claro, mas também pode estar associado a algum evento na vida do indivíduo, como uma viagem, uma apresentação importante, algum evento social.
  • Irritabilidade: Pessoas ansiosas tendem a se tornar mais irritadas e impacientes, agindo de maneira ríspida no cotidiano.
  • Dificuldade de concentração: Como a mente está repleta de pensamentos voltados para o futuro, é comum que haja uma dificuldade de concentração em tarefas do dia a dia. Esse fator é particularmente prejudicial à produtividade, afetando o indivíduo no trabalho.
  • Nervosismo ou inquietação: As pessoas tendem a se sentir em alerta constante, sem relaxar. Daí a sensação de inquietude, pois vivem como se estivessem prestes a ter uma crise a qualquer momento.




Sintomas Comportamentais da Ansiedade

Todos os sintomas da ansiedade estão interligados, mas de maneira didática eles são divididos nesses três tipos: físicos, emocionais e comportamentais. Em relação ao comportamento, os indivíduos acometidos com o transtorno podem começar a adotar certos padrões com o desejo de evitar o desconforto da ansiedade. Veja exemplos de como a ansiedade afeta o comportamento:

  • Dificuldade para dormir (insônia): As pessoas com transtornos de ansiedade geralmente têm dificuldades para relaxar e adormecer. A mente hiperativa, cheia de preocupações, impede o descanso adequado.
  • Isolamento: Uma das respostas mais comuns à ansiedade é evitar situações que possam desencadear medo ou desconforto. Assim, alguém com transtorno de ansiedade pode evitar encontros sociais ou eventos públicos.
  • Procrastinação: A ansiedade provoca dificuldade de tomada de decisões e acaba deixando as pessoas sem realizar suas atividades. O medo do fracasso é outro motivo que gera a procrastinação.
  • Comportamentos de fuga: Em alguns casos, a pessoa pode buscar formas de "escapar" da ansiedade, como o abuso de substâncias.


O que é uma Crise de Ansiedade?

Uma crise de ansiedade é um episódio intenso e súbito em que os sintomas de ansiedade atingem um pico, causando grande desconforto e aflição. Geralmente, essas crises estão relacionadas a eventos estressantes. Elas costumam ter uma duração limitada, por volta de 30 minutos, mas podem deixar a pessoa com uma sensação de cansaço extremo ou vulnerabilidade quando passam.

Durante uma crise de ansiedade, a pessoa normalmente vivencia sintomas emocionais e físicos. Entre os sintomas psicológicos estão: sensação de medo, angústia, nervosismo, apreensão, sensação de estar fora de si mesma e de que o mundo ao redor não é real. A mente tende a se concentrar nas piores possibilidades, com o medo iminente de perder o controle ou até mesmo de morrer.

Já os sintomas físicos são consequência da liberação de hormônios como o cortisol e a adrenalina, que são ativados pelo sistema nervoso simpático em situações de estresse. Eles podem incluir:

  • Aceleração do batimento cardíaco e palpitações
  • Sensação de sufocamento ou falta de ar
  • Tontura e sensação de desmaio
  • Formigamento nas extremidades
  • Aumento da pressão arterial
  • Suor excessivo, boca seca, mãos geladas e pele fria
  • Náuseas, podendo até levar ao vômito
  • Vontade frequente de urinar


Durante uma crise, as pessoas sentem dificuldade em realizar tarefas cotidianas, e ficam incapazes de retomar a normalidade até que o episódio termine. Existem tratamentos eficazes para as crises de ansiedade, que podem ser feitos através de atendimentos psicológicos. Além disso, as técnicas de relaxamento e atenção plena podem reduzir os sintomas do transtorno.

Diferença entre Crise de Ansiedade e Crise de Pânico

A crise de pânico é um tipo específico de ataque de ansiedade e ambos possuem sintomas semelhantes. O que costuma diferenciá-los é a causa. A crise de pânico normalmente ocorre sem um motivo identificável, sem uma causa óbvia e costuma ser acompanhada de um medo súbito de morrer.

Uma crise de pânico, pode ocorrer de forma inesperada, sem qualquer aviso, e se caracteriza por ser extremamente aterrorizante.

Já a crise de ansiedade é desencadeada por algum estímulo estressante específico. A síndrome do pânico, por sua vez, é a recorrência de ataques de pânico, que acontecem com frequência e de forma imprevisível.

Os sintomas da crise de pânico incluem:

  • Aumento súbito do batimento cardíaco
  • Dificuldade para respirar ou sensação de sufocamento
  • Suor excessivo, calafrios ou tremores
  • Sensação de morte iminente ou perda de controle


Embora assustadoras, as crises de pânico geralmente não apresentam risco físico imediato. No entanto, quando são recorrentes, elas podem levar ao desenvolvimento de um transtorno de pânico, que prejudica significativamente a qualidade de vida da pessoa.

Tipos de Transtornos de Ansiedade

Pela visão da psiquiatria, os transtornos de ansiedade podem se manifestar de várias formas e cada tipo tem características específicas que afetam a vida cotidiana de maneira distinta. Os transtornos mais comuns incluem o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a fobia social e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Veja a seguir os principais tipos de transtornos de ansiedade, com suas particularidades e sintomas típicos.

TIPOS DE TRANSTORNO DE ANSIEDADE SINTOMAS
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) É caracterizado por preocupações persistentes e exageradas com as situações do cotidiano. As pessoas com esse tipo de transtorno se sentem ansiosas em relação ao trabalho, à saúde, aos relacionamentos, às finanças. Ou seja, o medo abrange basicamente todos os aspectos da vida e causa um forte desgaste emocional e físico no indivíduo.
Transtorno de Pânico É identificado quando a pessoa tem o histórico de vários episódios de ataque de pânico. A sensação de perda de controle, falta de ar, desespero, medo da morte são constantes.
Transtorno de Ansiedade Social (Fobia Social) Diz respeito a um medo de ser julgado, rejeitado ou humilhado em situações sociais. Ademais, a pessoa com fobia social tem pavor de apresentações em público ou reuniões. É um transtorno que prejudica as relações interpessoais e o desenvolvimento profissional.
Agorafobia É um transtorno relacionado ao medo de estar em lugares desconhecidos ou onde o indivíduo sente que não tem o controle sobre a situação. O medo de não conseguir escapar ou de não conseguir obter ajuda limitam o deslocamento de quem tem esse tipo de transtorno. Viajar de ônibus ou avião, estar em espaços fechados, como cinemas, lojas, ou mesmo no transporte público podem ser extremamente difíceis para quem tem agorafobia.
Fobias Específicas São medos irracionais e intensos de objetos ou situações específicas, como medo de voar, de aranhas, de cobras, de locais fechados ou de altura. Esses medos podem ser tão paralisantes que a pessoa afetada fará o possível para evitar enfrentar a situação ou objeto temido. Apesar de serem inconscientes, essas fobias podem gerar grande sofrimento emocional e interferir nas atividades diárias.
Mutismo Seletivo É um transtorno que afeta principalmente crianças e é mais comum em meninas. Caracteriza-se pela incapacidade de falar em determinadas situações sociais. As crianças com mutismo seletivo têm dificuldade em interagir fora do seu círculo familiar próximo, atrapalhando sua adaptação escolar e social.
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) Ocorre após a pessoa viver uma situação traumatizante, como um acidente grave, um abuso ou violência. Ela se manifesta através de flashbacks, pesadelos e uma sensação de alerta. A pessoa fica revivendo o trauma e tende a evitar lugares e atividades que lembrem o evento traumático.
Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) Envolve a presença de pensamentos repetitivos: ideias, imagens ou impulsos que surgem de forma repetitiva e incontrolável. Para aliviar a ansiedade causada por esses pensamentos, a pessoa pode desenvolver comportamentos compulsivos, como lavar as mãos repetidamente, verificar várias vezes se a porta está trancada ou realizar constantes rituais de organização.



Vivemos em uma cultura que proporciona o desenvolvimento da ansiedade. Estamos sempre consumidos com as próximas tarefas que precisam ser realizadas e existe uma competitividade extrema por desempenho. Nesse sentido, mesmo que não ocorram fatores estressantes diretos, é possível que as pessoas desenvolvam algum transtorno de ansiedade devido ao estilo de vida que levam.

Além disso, a ansiedade pode ser causada por relacionamentos abusivos, ambientes familiares e profissionais tóxicos, traumas e estresse crônico. O histórico familiar também pode aumentar as chances de desenvolver o problema.

Relação entre Ansiedade e Depressão

É comum a coexistência da ansiedade com a depressão em uma mesma pessoa. Os sintomas de um transtorno acabam agravando os do outro, gerando um ciclo vicioso. Transtornos de ansiedade podem causar uma preocupação intensa em relação ao futuro que acabam gerando uma descrença no próprio potencial.

Além disso, pessoas deprimidas podem tentar usar substâncias como uma forma de anestesiar suas dores e acabam desenvolvendo crises de ansiedade devido ao consumo de drogas.

Psicólogo ou Psiquiatra: Quando Consultar Cada Um?

A escolha entre consultar um psicólogo ou um psiquiatra depende das necessidades e características de cada caso. Ambos os profissionais têm papeis complementares, mas com enfoques diferentes no tratamento da ansiedade.

  • Psicólogo: O psicólogo trabalha com o paciente para explorar e compreender as causas emocionais e comportamentais da ansiedade. Ele pode utilizar diversas abordagens terapêuticas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que foca em identificar e modificar padrões de pensamento disfuncionais que alimentam a ansiedade.
  • Psiquiatra: O psiquiatra, por sua vez, tem a capacitação necessária para diagnosticar transtornos mentais e, quando necessário, prescrever medicamentos, como antidepressivos ou ansiolíticos, para controlar os sintomas da ansiedade. Embora os psiquiatras também realizem sessões de psicoterapia, sua especialização é focada no tratamento medicamentoso e no diagnóstico de condições relacionadas a outros transtornos de saúde mental, como depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou transtornos de pânico.


A Psicanálise e o Tratamento da Ansiedade

A análise pessoal, por meio da psicanálise, também é eficaz no tratamento dos transtornos de ansiedade, pois trata a questão a partir do inconsciente. De acordo com a psicanálise, existe uma parte da mente humana que armazena conteúdos que o sujeito não consegue perceber conscientemente. Isso ocorre, dentre outros aspectos, porque esses elementos podem entrar em conflito com a imagem que a pessoa construiu a respeito de si mesma.

Para a psicanálise, a ansiedade excessiva ou patológica está frequentemente associada a esses conteúdos inconscientes. Em vez de ver os eventos estressores como a causa direta da ansiedade, a psicanálise considera que eles funcionam como gatilhos, que desencadeiam reações emocionais intensas. Esses gatilhos, na verdade, estão relacionados a experiências ou conflitos reprimidos no inconsciente, que ainda não foram processados.

Nesse sentido, a psicanálise entende que grande parte de nossas questões e conflitos mais profundos estão guardados no inconsciente, e, por isso, somos incapazes de reconhecê-los por conta própria. Isso é mais evidente ainda em relação aos traumas e emoções reprimidos durante a infância ou adolescência, que, mais tarde, podem se manifestar como sintomas de ansiedade na vida adulta.

O trabalho do psicanalista é ajudar o paciente a perceber que a situação imediata, que ele acredita ser a causa da ansiedade, é apenas um gatilho que ativa questões mais profundas e inconscientes. Durante a análise, por meio do discurso, o paciente passa a trazer suas questões e o psicanalista o ajuda a elaborar essas conexões.

Esse processo gradual permite que o paciente entre em contato com os conteúdos reprimidos do inconsciente, os reconheça e, ao fazer isso, reduza a sua ansiedade e insegurança. Portanto, pessoas que sofrem de ansiedade podem se beneficiar significativamente de um tratamento baseado nos princípios da psicanálise.

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Como tratar a ansiedade?

O tratamento para os transtornos de ansiedade é eficaz e pode ser realizado por meio de diferentes abordagens, incluindo terapias, o processo de análise, intervenções medicamentosas orientadas por um psiquiatra e mudanças no estilo de vida. O sucesso do tratamento depende não apenas das intervenções, mas também da qualidade da relação entre o paciente e o profissional de saúde.

A confiança e o vínculo terapêutico são fundamentais, pois ajudam no processo de autoconhecimento, essencial para o enfrentamento da ansiedade. Como explica o Dr. Rodrigo Bressan, “se a gente entende como a gente funciona, é mais fácil se autorregular emocionalmente e estabelecer estratégias de superação”. Isso significa que, quanto mais uma pessoa compreende seus próprios mecanismos emocionais, mais preparada ela estará para lidar com situações estressantes.

Perguntas Frequentes sobre Ansiedade

Pergunta 1: Ansiedade tem cura?

Sim, já existem vários tratamentos eficazes para os transtornos de ansiedade, que incluem intervenções e tratamentos psicológicos, psicanálise, medicamentos e técnicas de mindfulness. Pessoas com sintomas de ansiedade devem procurar atendimento, além de aliar a prática de exercícios físicos regulares e uma alimentação saudável.

Pergunta 2: Quais são os tratamentos disponíveis para a ansiedade?

Os tratamentos mais comuns incluem psicoterapia, medicamentos (como ansiolíticos e antidepressivos) e técnicas específicas, como a prática de mindfulness e a gestão do estresse.

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Referências:

https://www.who.int/

https://curadoria.casadosaber.com.br/cursos/174/a-ciencia-dos-sentimentos-alcancando-bem-estar-psicologico

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/224_ansiedade.html

https://www.paho.org/pt/noticias/17-6-2022-oms-destaca-necessidade-urgente-transformar-saude-mental-e-atencao

Filosofia
Empirismo: o que é, principais ideias e pensadores
Paula Delgado
Empirismo: o que é, principais ideias e pensadores
Entenda o que é o empirismo, baseado na experiência sensível, e conheça as ideias de Locke, Berkeley e Hume e seu impacto na ciência moderna.

Você já parou para pensar o quanto os seus sentidos podem influenciar na sua visão de mundo e no seu dia a dia? Neste texto, você vai saber mais sobre o que é empirismo, suas principais ideias, pensadores e como essa corrente filosófica pode ajudar na reflexão e explicação de várias questões do cotidiano.

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O que é empirismo e por que ele moldou a ciência moderna?

Empirismo é uma corrente filosófica moderna, que ganhou força no final do século XVII e defendeu que todo conhecimento tem origem na experiência sensível.

Essa corrente discorda da teoria das ideias inatas, segundo o empirismo nós as construímos observando e interagindo com o mundo.

Os principais filósofos empiristas, Locke, Berkeley e Hume, defendiam que nossa mente é moldada pelas percepções e que o saber é resultado da organização dessas experiências.

O empirismo foi fundamental para a ciência moderna ao romper com o racionalismo quanto à fonte do conhecimento. Em vez da razão pura, colocou-se o olhar sobre a observação e a experiência, o que influenciou diretamente o surgimento de um método científico baseado na observação e na experimentação.

Além de estabelecer que o conhecimento deve ser sustentado por evidências, o empirismo foi fundamental para as ciências naturais, embora também tenha influenciado as ciências humanas. Também estimulou a dúvida e a revisão sistemática das crenças e ideias.



Empirismo na filosofia: definição e fundamentos

Empirismo vem do grego empeiria, que significa uma forma de saber derivada da experiência sensível e do acúmulo de informações advindo dessa experiência.

Basicamente, empirismo é uma corrente filosófica que diz que todo conhecimento deriva da experiência sensível.

Autores como Locke, Berkeley e Hume afirmam que a mente humana nasce como uma "tábula rasa", sendo preenchida ao longo da vida por percepções vindas dos sentidos.

“Nada está no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos.”

Lema do empirismo (Frase aristotélica)

O ponto inicial da filosofia empírica está na distinção entre dois tipos de conteúdo mental: impressões e ideias.

Segundo a teoria desenvolvida por David Hume, as impressões são as informações captadas e repassadas pelos sentidos, por exemplo, ver uma situação e sentir tristeza ou felicidade. Já as ideias são cópias dessas impressões, alteradas pela memória ou pela imaginação.

E essa ideia pode se associar por semelhança, proximidade no tempo ou espaço, ou relação de causa e efeito.

Sendo assim, esse pensamento ficou conhecido como empirismo psicológico, porque entende o conhecimento como resultado da atividade subjetiva da mente.

A partir disso, Hume desenvolveu uma postura cética, como na ideia de que seria, por exemplo, a ideia de que a causalidade não vem da razão, mas do costume ou hábito de fazer associações de eventos semelhantes e constantes.

Posteriormente, surge o chamado empirismo lógico, no qual as palavras só têm significado se estiverem ligadas a fatos concretos. Com isso, os conceitos metafísicos especulativos são desconsiderados por não se referirem a qualquer experiência sensível.

Portanto, o empirismo coloca a experiência sensível como origem do saber e transforma a experiência em critério de validade, influenciando a filosofia e a ciência moderna.

Crítica ao inatismo e à razão pura: a mente como “tábula rasa”

O empirismo e o racionalismo surgiram na mesma época, no século XVII. Entretanto, o pensamento empírico surgiu como uma crítica ao racionalismo, especialmente quanto às ideias inatas e à crença de que a razão, sozinha, é capaz de gerar conhecimento verdadeiro e seguro.

Diferentemente dos racionalistas, os filósofos empiristas defendiam que o conhecimento humano tem origem na experiência sensível. E é exatamente nessa discordância que Locke critica a ideia dos princípios inatos universais.

Um dos principais pontos da crítica ao inatismo está na questão de que a mente não nasce com princípios ou ideias prontas.

Na verdade, ela se apresenta desde a infância, como uma “tábula rasa”, ou seja, uma folha em branco pronta para ser preenchida pelas experiências.

Portanto, sendo a mente infantil livre de ideias anteriores, molda-se à medida que interage com o mundo.

Então a concepção de “ideias inatas” é refutada, segundo os empiristas, quando aplicada à análise empírica, pois, se essas ideias fossem realmente inatas, estariam presentes na mente de todos os indivíduos, o que não se observa.

Ademais, os filósofos empiristas também colocam em dúvida a razão, isto é, o uso da razão sem a experiência. Eles diziam que a razão depende das informações adquiridas pela percepção, assim, todo o saber é condicionado pelo contato com o mundo sensível.

A crítica ao inatismo foi importante na filosofia moderna, porque deslocou o foco da investigação do pensamento para a observação, a percepção e a experiência na construção do conhecimento.



Principais representantes do empirismo

O empirismo moderno teve três representantes que se destacaram: John Locke, George Berkeley e David Hume. Cada um desenvolveu, a partir da experiência sensível, uma teoria sobre o conhecimento e a realidade.

Retratos de John Locke, George Berkeley e David Hume, principais representantes do empirismo britânico
Da esquerda para a direita: John Locke, George Berkeley e David Hume

Embora os três tivessem a mesma ideia sobre a negação das ideias inatas e o compromisso com a experiência como fundamento do saber, as abordagens filosóficas se diferenciavam.

Enquanto Locke se destacou pela teoria do conhecimento e pela filosofia política; Berkeley se debruçou sobre a defesa do imaterialismo; e Hume, pelo marcante ceticismo frente à razão e à causalidade.

John Locke: teoria do conhecimento e política

John Locke (1632–1704) é considerado o fundador do empirismo moderno. Uma de suas obras mais clássicas, Ensaio Sobre o Entendimento Humano, desenvolve-se a teoria “tábula rasa”.

Nela, ele afirma que a mente humana nasce como uma “tábula rasa”, ou seja, sem conteúdo inato. Portanto, todo conhecimento do indivíduo vem da experiência, que pode ser externa (sensações) ou interna (reflexão).

Para explicar como um pensamento individual pode ser reconhecido como comum a todos, Locke discorre que o entendimento se forma a partir de ideias simples, captadas pela experiência, que são correspondentes às qualidades, e que depois são combinadas para formar ideias complexas.

Ele também diferencia as qualidades primárias e secundárias dos objetos:

  • Qualidades primárias: propriedades do próprio objeto (forma, extensão, volume)
  • Qualidades secundárias: propriedades que dependem da percepção do sujeito (cor, sabor, textura).


Exemplificando: o açúcar tem solidez, forma cristalina e divisibilidade (qualidades primárias). Também é branco e doce (qualidades secundárias).


Em suma, as qualidades primárias são inerentes ao objeto e tornam a substância o que ela é. Enquanto as qualidades secundárias não são propriedades objetivas do objeto, mas são derivadas do poder de produzir ideias, como o açúcar tem o poder de produzir o gosto doce.

Essa distinção permitiu reflexões sobre a confiabilidade do conhecimento sensível e os limites da percepção humana.

Além da teoria do conhecimento, John Locke também atuou na filosofia política.

Na obra Segundo Tratado Sobre o Governo, defende a ideia de que os indivíduos possuem direitos naturais (vida, liberdade e propriedade) e que o governo deve garantir tais direitos com base no consentimento dos governados. Essa concepção foi fundamental para o pensamento liberal e para a teoria do contrato social.



George Berkeley: imaterialismo e percepção

George Berkeley (1685–1753) negava a existência da matéria como substância independente da mente. Para ele, todos os objetos que experimentamos existem apenas enquanto são percebidos por uma mente.

Apesar de Berkeley admitir que a teoria do conhecimento empirista proposta por Locke foi fundamental para que ele alcançasse os seus objetivos quanto ao questionamento da materialidade do universo, ele chegou a resultados muito diferentes.

O ponto de discordância entre os dois filósofos está na passagem do conhecimento adquirido por meio dos dados fornecidos pelos sentidos para o conceito abstrato da substância material.

Para ele, essa substância material não pode ser conhecida em sua plenitude, porque o que sabemos dela advém do processo de percepção.

“Ser é ser percebido”

(esse est percipi)

Portanto, a percepção é o fundamento da realidade. Uma vez que Berkeley acredita que todas as qualidades dependem da mente para existir, negando a distinção entre qualidades primárias e secundárias feita por Locke.

Assim, o mundo material só existe enquanto é percebido, porque as coisas são percebidas continuamente, seja pelo indivíduo ou por Deus, o que garante a permanência dos objetos mesmo quando não os estamos percebendo.

Berkeley via sua filosofia como uma forma de proteger a fé religiosa do ceticismo e do materialismo. Ele acreditava que sua doutrina fortalecia a relação entre o espírito humano e Deus, o qual atua como a mente suprema que ordena e sustenta o mundo.

David Hume: ceticismo e causalidade

David Hume (1711–1776) desenvolveu um forte ceticismo sobre a razão e a possibilidade do conhecimento certo.

Em sua obra Investigação Sobre o Entendimento Humano (1748), ele propõe uma divisão entre dois tipos de conteúdos mentais:

  • Impressões: dados imediatos da experiência;
  • Ideias: cópias enfraquecidas das impressões.

Com isso, Hume estabelece que não podemos conhecer nada que não derive de forma direta ou indireta da experiência.

Uma de suas contribuições mais importantes é a crítica à ideia de causalidade. Nela, Hume diz que na experiência não há nenhum indicativo da conexão necessária entre causa e efeito.

O que se chama de causa é apenas o hábito ou costume de associar eventos que ocorrem repetidamente.

Para exemplificar: a crença no nascer do sol todos os dias não é racionalmente justificável, mas sim baseada em uma expectativa construída pela repetição.

“O homem é um ser dotado de razão e, como tal, recebe da ciência o seu alimento e nutrição própria. Mas tão estreitos são os limites do entendimento humano que pouca satisfação se pode esperar neste particular, quer da certeza, quer da extensão das aquisições.”


Ademais, Hume aplicou esse ceticismo à identidade pessoal: não há uma impressão contínua do “eu”, apenas uma sucessão de percepções.

Ele concluiu que a razão é limitada e que muitas crenças não têm fundamento racional, mas são resultado de sentimentos, hábitos e costumes.

A filosofia de Hume influenciou, posteriormente, Kant e a tradição filosófica, trazendo uma nova perspectiva sobre o conhecimento, a ciência e os limites da razão humana.

Empirismo x Racionalismo

Empirismo e racionalismo são correntes filosóficas com ideias opostas sobre a origem do conhecimento.

Enquanto o empirismo inglês afirma que todo saber vem da experiência sensível, o racionalismo, representado diz que a razão é a principal fonte do conhecimento, e que certas ideias são inatas, anteriores à experiência.

Confira na tabela abaixo um comparativo entre as duas vertentes filosóficas:

Empirismo Racionalismo
Ideia central Conhecimento vem da experiência Conhecimento vem da razão
Fonte do saber Sentidos e percepções Intelecto e dedução lógica
Conceitos principais Impressões, ideias, hábito, tábula rasa Ideias inatas, dedução, clareza e distinção
Características Indutivo, observacional, concreto Dedutivo, abstrato, matemático
Discordância de ideias Origem e validade do conhecimento
Concordância de ideias Compreensão do como conhecemos
Principais autores Locke, Berkeley, Hume Descartes, Spinoza, Leibniz


Impactos do empirismo na ciência e na modernidade

O empirismo foi fundamental na formação do pensamento moderno, influenciando a metodologia científica e as ciências humanas.

Ao defender que todo conhecimento vem da experiência sensível, os empiristas colocaram a observação, a experimentação e a verificação dos fatos no centro das questões filosóficas.

Isso influenciou o desenvolvimento de um método científico baseado nessas características, que proporcionou a formulação de hipóteses testáveis, além de favorecer análises empíricas dos fenômenos sociais e humanos.

O legado do empirismo fortaleceu a valorização do conhecimento científico, da experiência e da observação da realidade. Também questionou a ideia de conhecimento inato e colocou em debate os limites da razão.

Sendo assim, o empirismo trouxe uma visão moderna do saber, mais crítica e empírica.

O legado do empirismo hoje

Quando o empirismo afirma que o conhecimento nasce da experiência, ele nos alerta que para compreender o mundo é preciso vivência, observação e abertura ao novo.

Refletir sobre como pensamos, sentimos e julgamos é uma das principais propostas do pensamento filosófico. É a partir desses tensionamentos e questionamentos que vamos sendo capazes de compreender melhor o mundo, nós mesmos e como podemos lidar de forma racional com as questões que nos afligem.

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Referências:

Vários autores. História das grandes ideias do mundo ocidental. Volume 2.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia.

SCRUTON, Roger. Introdução à filosofia moderna

Filosofia: o que é, conceitos fundamentais e principais filósofos
Paula Delgado
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Entenda o que é Filosofia, como surgiu e para que serve. Veja os principais conceitos, grandes pensadores em diferentes épocas e dicas para estudar!

Você já se questionou sobre o mundo ou sobre si mesmo? Então, já deu o primeiro passo rumo à filosofia.

Nascida na Grécia antiga, ela é fruto de uma reflexão lógica sobre a vida e o saber.

Mais do que um conceito, a filosofia se aplica no cotidiano, estimulando o autoconhecimento, pensamento crítico e soluções mais racionais para os desafios do dia a dia.

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O que é filosofia?

Primeiramente, esta é uma pergunta filosófica. A filosofia estuda o mundo, a existência humana e esse questionamento é um retorno em si mesma. Porque filosofar é exatamente fazer perguntas que nos tiram da zona de conforto.

Apesar deste começo filosófico, o conceito de filosofia é uma tentativa de explicar de forma racional aspectos fundamentais da nossa vida.

O termo filosofia vem das palavras philia (amor) e sophia (sabedoria), então, philosophia (amante da sabedoria).

A filosofia parte de uma reflexão crítica constante, baseada no raciocínio lógico e na argumentação sobre seus fundamentos, métodos e objetivos.

Para que serve a filosofia?

A filosofia tem um caráter problematizador. Perguntar para que ela serve já expressa a sua função questionadora.

Se considerarmos a utilidade da filosofia de forma prática e imediata, talvez ela não se evidencie de maneira concreta. Seus resultados não são imediatos ou palpáveis, mas se transformam ao manter o pensamento em movimento.

Além disso, ela está presente na ética e na política, já que nos auxilia na reflexão sobre questões sociais, certo e errado, direitos e deveres.

Ademais, também pode ser um instrumento de autoconhecimento, ajudando-nos a enfrentar os conflitos da vida. Uma corrente filosófica que está diretamente ligada a isso e pode ser aplicada no cotidiano é o estoicismo.


A origem da filosofia

A filosofia surgiu no século VI a.C, na Grécia, com Tales de Mileto, primeiro homem ocidental a questionar as crenças mítico-religiosas da época.

Anteriormente, os fenômenos eram explicados por mitos, que exerciam a função de coordenar as relações humanas e explicar eventos naturais.

Apesar de diversos fatores terem contribuído para o nascimento da filosofia, como a navegação marítima, a compreensão do calendário, uso da moeda, o principal deles foi a criação das pólis (cidades-estado), que possibilitaram o debate público e o exercício do pensamento racional.

A partir dessa nova organização da sociedade grega, surgiram questionamentos racionais quanto às exigências de uma vida social mais complexa.

Entretanto, este momento não significou uma ruptura, mas uma passagem gradual para investigação racional da realidade.


Conheça os períodos da filosofia

A filosofia, como campo de conhecimento, está em constante transformação e pode ser dividida em quatro períodos.

Filosofia antiga

A filosofia antiga se divide em pré-socrática e socrática.

A filosofia pré-socrática buscava explicações racionais sobre a origem do universo - cosmos - advindas dos fenômenos naturais. Como Tales de Mileto, que via a água como o princípio fundamental da natureza (arché).

Por outro lado, a filosofia socrática, iniciada por Sócrates, focava na busca pela verdade e no desenvolvimento do pensamento crítico.

Portanto, Sócrates mudou o foco da investigação filosófica do cosmo para as questões relativas ao homem.

Filosofia medieval

Influenciada pelo cristianismo, a filosofia medieval buscava conciliar fé e razão. Era uma construção de pensamento enraizada na antiguidade, voltada para responder aos problemas de sua época, tempo em que as questões religiosas ainda eram fundamentais.

A filosofia medieval é tradicionalmente dividida em dois períodos: a patrística e a escolástica.

A patrística se desenvolveu entre os séculos II e VIII, reunindo o pensamento dos Padres da Igreja, como Santo Agostinho.

Já a escolástica, do século V ao XV, teve seu desenvolvimento nas escolas, destacando-se Tomás de Aquino, com a intenção de sistematizar o pensamento cristão.

Filosofia moderna

A filosofia moderna tem início no Renascimento e termina com o Iluminismo, tendo como principais marcas o rompimento com a tradição medieval e a valorização da razão, considerando-a fonte de conhecimento.

Também proporcionou o surgimento do Iluminismo a partir de grandes debates sobre liberdade, ética, política e ciência.

Filosofia contemporânea

A filosofia contemporânea começou no século XIX e está presente até os dias de hoje.

Além de sua vastidão temporal, também apresenta uma diversidade de pensamentos. Entretanto, sua máxima é a busca pela reflexão sobre a realidade e as suas mudanças.

Em vez de buscar verdades absolutas, foca na complexidade da existência humana, na linguagem, na subjetividade e no contexto histórico. Assim, correntes como o existencialismo, o marxismo e o niilismo surgiram.


Principais correntes filosóficas

Como a filosofia está em constante desenvolvimento, novas abordagens surgiram, formando diferentes escolas de pensamento influenciadas pelos filósofos que, ao longo do tempo, abordaram questões fundamentais da existência humana.

Vamos conhecer quais as principais correntes filosóficas:

Estoicismo

Fundado por Zenão de Cítio durante o período helenístico, o estoicismo é uma doutrina filosófica que busca a virtude, valoriza o autocontrole e a aceitação do destino, tendo a razão como caminho para o fim principal, a felicidade.

Racionalismo

O racionalismo é uma vertente filosófica da era moderna que coloca a razão como principal fonte de conhecimento, valorizando as ideias inatas e o raciocínio fundamentado na razão.

Empirismo

Diferentemente do racionalismo, o empirismo é uma teoria filosófica que defende que o conhecimento vem a partir da experiência sensorial e não de ideias inatas. Ou seja, a origem de todas as ideias vem da relação do homem com o ambiente externo.

Positivismo

O positivismo é uma corrente filosófica que coloca o conhecimento científico como a única forma verdadeira de conhecimento. Com isso, prioriza a lógica e os fatos, recusando explicações metafísicas.

Existencialismo

O existencialismo surgiu no final do século XIX, na Europa. Essa corrente filosófica tem como foco a experiência humana e a existência individual. Portanto, valoriza a liberdade e a responsabilidade pessoal diante do sentido da existência.

Marxismo

O marxismo é uma teoria filosófica, social e econômica que entende a sociedade a partir da luta de classes, propondo a superação do capitalismo.

Utilitarismo

Utilitarismo é uma doutrina ética que tem como ideal final promover o bem maior para o maior número de pessoas possível, minimizando o sofrimento e maximizando o bem-estar da sociedade.

Niilismo

Uma das principais características do niilismo é o afastamento de valores absolutos, questionando, principalmente, a existência de um propósito na vida, que são, geralmente, atribuídos à moral absoluta e ao próprio ser.

Fenomenologia

Fenomenologia estuda a experiência humana a partir daquilo que aparece na consciência, buscando entender como os fenômenos se manifestam na mente. A descrição é parte fundamental, porque busca do próprio entender a experiência a partir do próprio fenômeno.


Áreas da filosofia

A filosofia não é uma coisa única, ela é composta por várias áreas, como a metafísica, ética, política e tantos outros.

Entenda um pouco mais sobre algumas áreas da filosofia:

Metafísica

A metafísica é uma área da filosofia que estuda todos os temas relacionados ao ser humano. Investiga a natureza fundamental da realidade, questionando conceitos como a existência, o tempo, o espaço e a casualidade.

Epistemologia

A epistemologia é um campo que estuda o conhecimento, investigando sua origem, natureza e limites.

Ética

A ética busca compreender os princípios que orientam o comportamento humano, a partir da moralidade, ou seja, o que é certo e errado, bom ou mau. Além de buscar compreender como as pessoas agem em diferentes situações morais.

Estética

A estética investiga o belo e a arte a partir de uma perspectiva sensorial, ou seja, como as pessoas percebem e interpretam essas expressões artísticas.

Filosofia política

A filosofia política analisa formas de governo, organização social e a relação entre o indivíduo e o Estado. Para isso, estuda temas como a natureza do poder, o governo, a justiça, a liberdade e os direitos.

Lógica

A partir da busca pela compreensão do pensamento e da linguagem, essa vertente filosófica estuda a natureza lógica, os princípios e fundamentos do raciocínio válido.

Filosofia da religião

Essa corrente examina o fenômeno religioso de uma perspectiva racional, buscando compreender questões como a existência de Deus, a fé, a moral religiosa e a relação entre razão e crença.

Conheça os principais filósofos e suas contribuições

Sócrates

Sócrates foi um filósofo grego, considerado o pai da filosofia ocidental. Acreditava que a sabedoria começa no indivíduo e ficou conhecido por suas ideias sobre ética, imoralidade e pelo método dialético de questionamento, influenciando profundamente o pensamento filosófico.

“Conhece-te a ti mesmo.”

Platão

Platão, discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, contribuiu para a filosofia ocidental, especialmente com a teoria do mundo das ideias, que seria o mundo da perfeição e da alma.

“Existe em cada um de nós, mesmo aqueles que parecem ser os mais moderados, um tipo de desejo que é terrível, selvagem e sem lei.”

Aristóteles

Aristóteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o Grande, influenciou profundamente a filosofia ocidental. Suas grandes contribuições estão nas áreas política, lógica e metafísica, defendendo, na teoria da virtude, que o equilíbrio é o caminho para a felicidade.

“Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito”.

Kant

Immanuel Kant foi um dos principais filósofos do Iluminismo e fundador da filosofia crítica, que buscou unir racionalismo e empirismo. Em sua frase célebre, mostra que razão e experiência são complementares na construção do conhecimento humano.

“Pensamentos sem conteúdos são vazios; intuições sem conceitos são cegas. “

Nietzsche

Friedrich Nietzsche é frequentemente associado ao niilismo e ao existencialismo. Criticava valores morais tradicionais, especialmente os religiosos. Colocou a “vontade de poder” como a força vital que impulsiona o ser humano a alcançar seu pleno potencial.

“Deus está morto”

René Descartes

Descartes acreditava que a razão era a única fonte segura de conhecimento. Seu principal conceito, o “Método”, propunha um caminho para alcançar o conhecimento verdadeiro através de uma abordagem sistemática e rigorosa.

“Penso logo existo “

Karl Marx

Karl Marx foi um filósofo alemão que teve como uma de suas principais contribuições o materialismo histórico, que afirmava que a história da humanidade é definida pela luta de classes.

“A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes“

Epicuro

Epicuro, filósofo grego, fundou o epicurismo, que considera o prazer um bem supremo. Para ele, a felicidade podia ser alcançada através da busca de prazeres simples e moderados.

“A felicidade não é atingida por grandes riquezas, mas pela ausência de dor no corpo e perturbação na alma “.

Rousseau

Jean-Jacques Rousseau, filósofo do Iluminismo, ficou conhecido por suas reflexões sobre liberdade, sociedade e educação. Sua teoria contratualista defende que a soberania pertence ao povo e que o homem é naturalmente bom, mas corrompido pela sociedade.

“O homem nasce livre, e em todo lugar está acorrentado"

Jean-Paul Sartre

Jean-Paul Sartre foi um filósofo existencialista. Suas principais ideias são sobre liberdade e responsabilidade individual. Um grande defensor da liberdade, colocava-se contrário a toda amarra social.

“Estamos condenados a ser livres.”

Michel Foucault

Michel Foucault foi um filósofo francês conhecido pelo conceito de poder, através da investigação de instituições sociais, desde escolas a hospitais, que tentam moldar o comportamento das pessoas através da disciplina e do poder.

“Onde há poder, há resistência.



Como estudar filosofia?

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Dicas de leitura para começar:

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  • Retórica - Aristóteles
  • Ética a nicômaco - Aristóteles
  • O mundo de Sofia - Jostein Gaarder


Além disso, busque aplicar os conceitos filosóficos no cotidiano para internalizá-los, permitindo uma compreensão mais profunda da realidade e de si. Exercite a escuta ativa e, como propunha Sócrates, dialogue e debata sobre os temas, isso exercita o pensamento crítico.


Pensar é preciso

Por fim, a filosofia nos ensina que pensar é essencial para a vida. Assim que nos desafiamos a questionar, refletir e buscar a verdade, é nela que encontramos as ferramentas para pensarmos de forma mais clara e racional.

Quando nos permitimos ter acesso e cultivar o conhecimento, ampliamos nossos horizontes, tendo uma visão mais complexa e completa do mundo. A prática filosófica nos liberta porque nos ensina a pensar, e isso nos guia para uma existência mais plena.

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Referências

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 12. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

SILVA, M. R. da. Filosofia medieval: uma breve introdução. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas, 2019.

UOL EDUCAÇÃO. Filosofia. [S.l.]: UOL Educação].

ATENA EDITORA. Existencialismo: fundamentos e conceitos da existência para a atualidade. [S.l.]: Atena Editora, 2024.


SANTOS, M. C. dos; SILVA, R. A. da. A importância da filosofia na formação do enfermeiro. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 72, n. 6, p. 1539-1543, 2019.

Racionalismo: conceitos, filósofos e principais ideais
Paula Delgado
Racionalismo: conceitos, filósofos e principais ideais
Racionalismo é a corrente filosófica que valoriza a razão como fonte do conhecimento. Conheça as ideias de Descartes, Spinoza e Leibniz.

Você já parou para pensar de onde vem o nosso conhecimento? Para o racionalismo, a resposta está dentro de nós: a razão.

O racionalismo é um marco na história do pensamento, porque introduziu na filosofia a razão como principal fonte do conhecimento, buscando encontrar um método confiável que leve ao conhecimento verdadeiro.

Pensadores como Descartes, Spinoza e Leibniz são pilares desse pensamento. Neste texto, além de conhecer as ideias desses filósofos racionalistas, você vai entender o que é essa corrente filosófica.

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Principais ideias racionalistas

O Racionalismo representa uma virada na história da filosofia moderna, pois defende que certas verdades são inerentes à existência humana ou podem ser alcançadas a partir do uso da razão, sem depender dos sentidos.

Portanto, não dependemos exclusivamente da experiência sensível para conhecer o mundo. A razão, parte central da compreensão da realidade, é capaz de revelar princípios universais.

Também se destaca o esforço do pensamento racionalista para se alcançar uma verdade lógica, aquela que é clara e universal.

O conceito de verdade lógica, apesar de ter algumas incertezas quanto à origem do termo, é algo relevante para esta corrente, porque uma verdade lógica é aquela que é verdadeira independente dos fatores externos (empíricos ou observacionais), porque ela segue uma estrutura lógica.

O Racionalismo se sustenta a partir de argumentos que seguem regras e não dependem da variação da interpretação do mundo sensível.

Outro ponto fundamental para essa escola é a busca por certeza. Para que o conhecimento verdadeiro seja claro, os racionalistas desenvolveram métodos rigorosos de pensamento, como a dúvida metódica – você vai entender este conceito adiante.

Resumindo: o Racionalismo é uma corrente filosófica que coloca a razão como a principal fonte do conhecimento verdadeiro. Entretanto, para alcançá-lo, é necessário encarar a dúvida tendo como ferramenta de compreensão o pensamento racional e lógico.


Filósofos do racionalismo: Descartes, Spinoza e Leibniz

Como foi dito anteriormente, alguns dos principais filósofos racionalistas são René Descartes, Baruch Spinoza e Gottfried Wilhelm Leibniz. Conheça os pontos essenciais de cada pensador:

René Descartes



René Descartes (1596-1650) é considerado o pai do Racionalismo moderno. O ponto-chave de seu pensamento foi elaborar um fundamento seguro para o conhecimento verdadeiro, isto é, algo que não pudesse ser colocado em dúvida.

Para isso, desenvolveu a dúvida metódica: um modelo no qual se deve duvidar de tudo o que não seja absolutamente correto.

Segundo Descartes, a dúvida é necessária porque é a partir dela que todo o conhecimento inato pode ser testado. E com base nessa reflexão sobre a dúvida é que é possível descobrir as verdades ou argumentos falsos.

Então pode-se dizer que o indivíduo, ao duvidar, está pensando, o que torna possível a comprovação de sua existência. Daí vem a famosa frase da conclusão do argumento do cogito (do latim, penso):

“Penso, logo existo.”

Descartes acreditava que a razão humana é capaz de alcançar verdades universais, desde que siga um método rigoroso.

Por exemplo, a matemática é uma ciência exata porque, com base em regras bem definidas, obtém-se um conhecimento sólido e estruturado. E é essa certeza que os racionalistas buscam.

De acordo com René Descartes, a falta de método ao pensar é que leva aos erros. Ele propunha usar a razão ordenada, separando os problemas dos pontos mais simples para os mais complexos.

A questão central em sua filosofia é que existem ideias inatas, ou seja, verdades que já nascem com a mente humana, independentemente da experiência sensível, como a noção de Deus e da perfeição.

Para ele, Deus era uma ideia inerente ao homem e somente um ser perfeito, como Deus, poderia tê-la colocado lá, portanto, provando a existência de Deus.

Em suma, o Racionalismo cartesiano valorizava a autonomia da razão, o pensamento racional e acreditava que, ao usarmos bem a razão, podemos construir um conhecimento seguro.

Baruch Spinoza



Baruch Spinoza (1632-1677) pode ser considerado o filósofo mais radical do começo do período moderno.

Inovador em suas ideias, ele combinou razão, natureza e espiritualidade com ideias originais que fundamentaram uma filosofia moral focada na compreensão racional das paixões, que levaria o homem à virtude e à felicidade.

Spinoza entendia Deus como uma substância infinita, ou seja, uma substância formada por uma infinidade de atributos que expressam uma essência infinita e eterna.

Ele propôs que tudo o que existe é expressão de uma única realidade infinita: Deus ou a natureza (Deus sive Natura). Com isso, ele quis dizer que o mundo não está separado de Deus, porque tudo segue uma ordem racional e necessária.

Spinoza acreditava que a liberdade verdadeira não está em agir de forma impulsiva, mas, sim, na compreensão das causas que nos movem.

Dessa forma, a razão nos liberta ao mostrar que somos parte de um todo regido por leis eternas. Quando entendemos isso, deixamos de sofrer por coisas que não podemos controlar e passamos a viver com mais equilíbrio.

“A emoção que nasce da razão é mais forte do que aquela que nasce do acaso.”


Ele também defendia que o conhecimento pode ser dividido em três níveis:

  • experiência vaga (baseada nos sentidos);
  • razão (que vê relações necessárias);
  • intuição (que capta a essência das coisas).


Segundo Spinoza, quanto mais longe chegamos nesses níveis, mais próximos estamos da felicidade e da liberdade. Para Spinoza, pensar racionalmente era o caminho para viver em harmonia com o mundo.


Gottfried Leibniz



Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) é um dos nomes mais peculiares do racionalismo. Um crítico de Descartes e Spinoza, ficou conhecido por sua contribuição nos campos da lógica e da linguagem.

Leibniz acreditava que todo o conhecimento verdadeiro vem da razão, que atua sobre as ideias inatas presentes na mente humana.

Contudo, para ele, perceber (percepção sensível) e pensar fazem parte do mesmo processo racional, só que em níveis diferentes de clareza. Pois perceber é uma noção mais vaga do que o pensamento.

Leibniz dizia que as verdades a priori podem ser descobertas através da lógica, como é feito na matemática. Porém, a mente humana é limitada e, por isso, nem sempre consegue perceber que todas as verdades são analíticas. Mas Deus, encarado como unidade infinita, conseguiria.

Ele afirmava que uma linguagem simbólica, que seguisse uma lógica como a da matemática, poderia verificar se uma ideia é verdadeira.

Apesar da ideia de que a mente humana é limitada, ele defendia que a mente humana possui estruturas próprias que permitem o indivíduo compreender verdades universais.

Para ele, a realidade é composta por mônadas, unidades dinâmicas e autocontidas, que refletem o universo de forma única. Cada mônada funciona como um espelho do todo e tudo está interligado por uma ordem racional.

Leibniz acreditava que nada é por acaso. Toda existência tem uma razão suficiente, uma explicação racional de por que é como é. É isso que sustenta a ideia de que Deus, sendo uma unidade perfeita, escolheu o melhor mundo entre os possíveis para existir e para existirmos.

“Nada acontece sem razão suficiente.”

Sua filosofia buscava integrar razão e metafísica, ciência e lógica, mostrando que a realidade pode ser explicada por leis lógicas e claras.


Racionalismo x Empirismo: qual a diferença?

O racionalismo e o empirismo nasceram no mesmo período filosófico e dialogam quanto ao fato de que ambos buscam compreender a origem do conhecimento e como alcançá-lo.

Entretanto, eles se diferem quanto à fonte dos conceitos e do conhecimento. Enquanto o racionalismo se baseia na razão, o empirismo se volta para a experiência sensorial.

Contudo, os racionalistas reconhecem que os sentidos podem interferir no processo de construção do conhecimento, mas consideram a razão a fonte principal.

Desta forma, organizam um raciocínio lógico, no qual (1) prioriza-se o conhecimento em relação à experiência sensorial e (2) a razão é vista como a fonte de verdades universais. Porém, o indivíduo não está isento da interferência dos sentidos.

Já o empirismo apresenta uma abordagem diferente para a construção do conhecimento, fundamentando-se exclusivamente na experiência sensorial.

Os empiristas explicam que a experiência sensorial fornece as informações que os racionalistas atribuem à razão. Embora critiquem a visão racionalista de que a razão é a principal fonte de conhecimento, mostram que a reflexão pode preencher algumas lacunas.

Ou seja, para os empiristas, somos como uma folha em branco (tabula rasa) aprende a partir daquilo que vivemos e experimentamos do mundo (experiências sensoriais).

Característica Racionalismo Empirismo
Fonte do conhecimento Razão Experiência
Ideias inatas Confirma Nega
Modelo do conhecimento Matemático Aprendizagem
Existência do conhecimento A priori A posteriori
Frase “Penso, logo existo” - Descartes “Nada existe na mente sem antes passar pelos sentidos” - Locke


As duas correntes filosóficas - racionalismo e empirismo - ajudaram a construir a filosofia moderna. Entender o que as diferencia é fundamental e para entender melhor sobre o que é e como compreendemos a realidade.

Críticas ao racionalismo e limites da razão

Apesar de sua grande influência nas ciências e no empirismo, o racionalismo enfrentou críticas dos filósofos empiristas, como John Locke e Thomas Hobbes.

Eles questionavam a premissa de que o conhecimento nasce apenas da razão que, para eles, vem da experiência sensível. Esse embate de ideias entre racionalismo e empirismo marcou profundamente a filosofia moderna.

Contudo, Immanuel Kant foi fundamental para equilibrar essa tensão. Uma vez que reconheceu que ambas as correntes contribuíram para o desenvolvimento do pensamento filosófico, ele conseguiu integrar os dois ramos do conhecimento.

Segundo Kant, o conhecimento começa com a experiência, mas não se restringe a ela, porque as estruturas mentais inatas são o que organizam o que percebemos do mundo externo,

Ainda de acordo com a filosofia kantiana, a razão é limitada e não consegue acessar a “coisa em si” (realidade absoluta), apenas como ela se apresenta para o ser humano.

Assim, esse embate de ideias entre racionalismo e empirismo fez com que os racionalistas reconhecessem que a razão sozinha não é suficiente para compreender a verdade, o que permitiu o surgimento de abordagens mais equilibradas.


A importância do racionalismo na modernidade e no iluminismo

O racionalismo foi um dos pilares do pensamento moderno e teve grande influência no movimento iluminista, que se caracteriza pela valorização da razão, da ciência e rompeu com o absolutismo e com o pensamento religioso da época.

Quando o racionalismo colocou a razão como principal fonte de conhecimento, deu lugar a uma forma de pensar baseada na lógica, na razão e na busca por verdades universais.

O racionalismo não tinha intenção de eliminar a fé ou os sentimentos, mas propôs que o mundo poderia ser compreendido por meio da razão.

O surgimento do método racional possibilitou buscar explicações naturais para os fenômenos, em vez de aceitar explicações baseadas na tradição ou na religião.

O método da dúvida proposto por Descartes diz que o filósofo deve duvidar de tudo aquilo que se diz verdadeiro. Assim, nenhuma autoridade, senão a razão, pode ser confiável, a não ser que se submeta ao questionamento cético.

A partir disso, fortaleceu-se a confiança na razão, que inspirou a sociedade da época e contribuiu com o desenvolvimento da ciência moderna.

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Por que ainda vale estudar o racionalismo?

Racionalismo e razão são palavras que estão intrinsecamente ligadas e entender isso ajuda a compreender o que é essa corrente filosófica e as bases da filosofia moderna.

A valorização da razão propiciou o surgimento de ideias fundamentais como lógica, método científico e dúvida metódica, conceitos fundamentais para a ciência da atualidade.

Apesar de suas limitações, o racionalismo nos ajuda a pensar com clareza, tomar decisões conscientes e equilibrar razão e emoção no cotidiano.

Em um mundo tão cheio de “verdades”, ser capaz de refletir racionalmente sobre tudo aquilo que nos cerca é um caminho para conhecer melhor a realidade, a nós mesmos e toda a história e o legado que moldaram o mundo em que vivemos.

Esperamos que este texto tenha te ajudado a compreender o que é racionalismo e as principais ideias dos filósofos desse pensamento. Se você quiser ir mais fundo no universo da filosofia, tenha acesso aos nossos cursos clicando aqui.

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Referência

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. Leibniz.

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. Rationalism vs. Empiricism.

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. Enlightenment.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein.

Artes, Literatura e História
Iluminismo: o que foi, resumo, conceitos e pensadores
Tainá Voltas
Iluminismo: o que foi, resumo, conceitos e pensadores
Entenda as diferenças das três tradições do iluminismo e como o movimento transformou paradigmas para além da Europa e da Revolução Francesa.

Marcado por ser um grande transformador de paradigmas, o Iluminismo estabeleceu uma interseção com as propostas antropocêntricas para se firmar como um movimento filosófico, intelectual e cultural que acreditava na valoração da razão e do conhecimento como meios autênticos para a conquista da liberdade, justiça e felicidade.

Desenvolvido no cenário da Europa Ocidental, ao longo dos séculos XVII e XVIII (também conhecido como Século das Luzes), o Iluminismo criticou duramente as concepções de verdade da Idade Média, as quais davam à fé e à religião papeis centrais na compreensão do mundo.

Na época, o teocentrismo (doutrina que colocava Deus no centro e que perdurava desde o século IV) abria espaço para que o antropocentrismo (homem no centro) se fortalecesse e para que os filósofos estruturassem discursos e teorias capazes de colocar a legitimidade dos poderes absolutistas em xeque.

Tratou-se, portanto, de uma verdadeira crise dos valores propagados até então, combinada com uma proposta de revisitação aos pensamentos da Grécia Antiga sobre a necessidade da racionalidade para as tomadas de decisão.

Embora seja muitas vezes tratado como um movimento único, o Iluminismo teve várias vertentes em seus diferentes locais de propagação, agindo, inclusive, sobre as Américas e influenciando o pensamento moderno, suas democracias e o cientificismo.

Conheça todas as especificidades desse marco histórico no Guia Iluminista da Casa do Saber. Você irá encontrar por aqui:



O que é o Iluminismo

Como já abordamos anteriormente, o iluminismo é caracterizado como um movimento intelectual dos séculos XVII e XVIII, reconhecido por defender a importância da razão e do conhecimento para a observação e experimentação da vida.

A crença de um mundo regido exclusivamente pelos desígnios de Deus e, sobretudo, pela Igreja Católica era substituída pelas demandas por descentralização de poder e por justificativas racionais para as dinâmicas cotidianas.

Em outras palavras, o iluminismo contrastou a “fé” e a “razão”, questionando os privilégios do clero e das monarquias, bem como desenvolveu teorias e discursos que colocaram o ser humano como vetor responsável por suas ações, fossem elas culturais, filosóficas, sociais ou históricas.

Na prática, a partir do iluminismo e de seus ideais racionalistas, as sociedades modernas passaram a valorizar a ciência como forma de compreender as questões e de solucionar problemas do dia a dia.

Com isso, o gradativo afastamento das explicações místicas e dogmáticas foi um produto lógico desse novo modelo de pensamento, que mitigou também o controle e a opressão característicos dos períodos inquisitivos da Idade das Trevas.

O movimento iluminista deu origem a transformações profundas em diversas áreas, como nos campos político, econômico e cultural, servindo como base e referencial para diversos eventos históricos significativos.

A Revolução Industrial e a Revolução Francesa (com seu lema “liberdade, igualdade e fraternidade"), os movimentos de independência dos Estados Unidos e do Brasil são apenas alguns exemplos desses grandes marcos.

Além disso, o iluminismo propiciou a criação de constituições baseadas em direitos naturais, impulsionou a defesa de governos representativos e o surgimento das democracias modernas, cujos fundamentos perduram até hoje

Um dos principais expoentes do iluminismo alemão, Immanuel Kant formulou um conceito lógico para o movimento, no texto “Resposta à pergunta: Que é o iluminismo?”:

O iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude (em português, “ouse saber" ou "atreva-se a conhecer)”. (KANT, 1995 apud WEIMANN, 2015)

Pintura de salão do século XVIII com intelectuais do Iluminismo reunidos para a leitura de uma tragédia de Voltaire
A obra de Anicet Charles Gabriel Lemonnier retrata o momento da leitura da tragédia de Voltaire, "O Órfão da China", sendo uma das pinturas sobre o iluminismo mais conhecidas da história da arte. (Fonte: Domínio Público)


Podemos dizer então que o iluminismo foi um movimento complexo, que se desenvolveu nas diversas frentes sociais (política, cultural, econômica, religiosa) através de uma filosofia que dava protagonismo aos seres humanos e não mais às divindades, ao cristianismo e à Igreja Católica.

Articulou a busca pelo conhecimento através da razão como sua principal pauta, priorizando a ciência, o empirismo e as explicações lógicas para fenômenos sociais e da natureza.

Seus principais expoentes, Voltaire, David Hume, Kant, entre outros contribuíram para uma revolução intelectual e para transformação de paradigmas importantes, questionando, sobretudo, as formas de governos absolutistas e os privilégios legados às monarquias e ao clero.

Os reflexos do movimento filosófico iluminista foram tão significativos ao longo do século XVIII, que o período foi reconhecido como Século das Luzes.

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Contexto do Iluminismo: como surge o movimento?

O iluminismo não foi uma ruptura abrupta, mas o ápice de transformações que se desenvolviam há séculos na Europa Ocidental.

Para se ter uma ideia, o pensamento racionalista já estava presente na Grécia Antiga, defendido por nomes importantes como Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais enfatizavam a lógica, a ética e a busca pelo conhecimento como instrumentos para a compreensão do mundo.

Os romanos, por sua vez, ao herdarem essas ideias, as adaptaram e exerceram uma influência direta nos sistemas de leis utilizados pelo direito moderno.

Entretanto, com a ascensão do cristianismo no século IV, o teocentrismo ganhou destaque e passou a ser a principal norma das sociedades, colocando a fé e a Igreja Católica no centro da vida social, política e espiritual, especialmente ao longo da era medieval.

Somente a partir dos avanços científicos provocados pelas descobertas que desafiavam o status quo da época (entre os séculos XVI e XVII), como o movimento da Terra - observado por Copérnico e Galileu Galilei, ou pelas leis de Newton e a invenção de equipamentos como o telescópio e o microscópio, é que o teocentrismo passou a ser novamente questionado.

Associadas às Grandes Navegações e ao legado renascentista, essas mudanças retomaram o incentivo da busca pela razão como ferramenta central de investigação.

A colcha de retalho dessas descobertas científicas, com o resgate histórico e as mudanças culturais gradativas, criou as condições ideais para o surgimento do iluminismo e para a sua filosofia de combate aos valores do Antigo Regime.

Facilite a sua compreensão acerca do iluminismo a partir do seguinte resumo comparado:

Resumo do Iluminismo

Idade Média (teocentrismo) Iluminismo (antropocentrismo)
O teocentrismo tinha a religião (Deus) e, posteriormente, a Igreja Católica como bússolas, sendo aspectos que controlavam não só o campo espiritual e ético, como o político.

Através do medo e do misticismo, o modelo de pensamento da época compelia as sociedades a se comportarem de acordo com os interesses das monarquias absolutistas (forma de governo que concentrava o poder nas mãos do rei e da nobreza) e do alto clero.

Desenvolveu-se ao longo dos séculos V ao XV.
Marcou o questionamento das verdades teocêntricas, solidificando o antropocentrismo e o projeto humanista

A razão era o instrumento legítimo para o conhecimento e para a boa aventurança, “iluminando” as explicações outrora associadas às divindades e à natureza.

Caracterizou-se pela crítica ao absolutismo e à sua concentração de poder que resultava nas sociedades estamentais.

Além disso, buscava pela igualdade, autonomia intelectual e direitos naturais, bem como pelo fortalecimento do pensamento crítico e da liberdade de escolha.

Refletiu nos diversos eventos revolucionários da Idade Moderna e foi a principal base das democracias modernas.

Desenvolveu-se durante o século XVII e XVIII - conhecido como Século das Luzes.


Diferenças entre o Iluminismo Francês, Inglês e Americano a partir de seus principais pensadores

O iluminismo foi um movimento bastante complexo, apresentando características específicas alinhadas a cada contexto cultural no qual se estabeleceu.

Dessa forma, refletiu as prioridades e os desafios de cada sociedade, promovendo em todas elas alterações importantes.

Entre as tradições que mais se destacaram nesse sentido, o iluminismo francês, britânico e americano possuem como singularidades os pontos abordados abaixo:

1. Características do iluminismo Francês

Foi profundamente marcado pelo racionalismo e pelo combate às estruturas tradicionais de poder, como a monarquia absolutista e a Igreja Católica.

A razão era a ferramenta para a reconstrução de uma sociedade mergulhada, à época, na insatisfação econômica e social.

Foi a partir dos ideais iluministas que a Revolução Francesa (1789) tomou forma e registrou na História a sua busca por liberdade, igualdade e fraternidade.

A Queda da Bastilha, inclusive, evento caracterizado pelo protesto popular na prisão e fortaleza militar que simbolizava o absolutismo do Antigo Regime francês, assinalou não só o início da própria Revolução Francesa, como a transição da Idade Moderna para a Contemporânea.

Pintura em tela do grande evento iluminista queda da bastilha
Obra "Tomada da Bastilha e prisão do governador M. de Launay", 14 de julho de 1789. (Fonte: Domínio Público)



Seus principais filósofos iluministas foram:

  • René Descartes (1596 – 1650): responsável pelo método de pesquisa cartesiano, cujo objetivo era duvidar de tudo aquilo que era tido como verdade. Um fato deveria ser verificado, sintetizado e iluminado antes de comprovado. Desafiou as certezas dogmáticas, buscando uma nova base lógica para a verdade. "Penso, logo existo"
  • Voltaire (1694 - 1778): criticou os privilégios das aristocracias e dos religiosos, disseminando a liberdade de expressão e o combate à intolerância. Foi perseguido e, por isso, exilou-se na Inglaterra, onde teve contato com John Locke.
  • Montesquieu (1689- 1755): em O Espírito das Leis, o filósofo propôs a separação dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) pela primeira vez, argumentando acerca de sua eficácia e prevenção de abusos de autoridade.
  • Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778): teceu a tese do homem natural, sustentando que a sociedade era a perversão desse sujeito, corrompendo-o de sua vocação para o bem e para o convívio harmônico com a natureza. Também foi um crítico da propriedade privada, que, segundo a sua perspectiva, era a responsável pela desigualdade dos homens.


2. Características do Iluminismo Britânico

A busca incessante pela razão não era a principal questão do iluminismo britânico. Parte da "era da benevolência", o iluminismo dessa região voltou-se à ética das virtudes e à moralidade, expandindo o seu foco para além da priorização da racionalidade.

A filosofia política britânica se destacou essencialmente pelos temas do liberalismo e pela defesa dos direitos individuais

Teve como principal pensador iluminista:

  • John Locke (1632 - 1704): considerado o pai do liberalismo, Locke defendeu a ideia de que o conhecimento humano era derivado de uma experiência sensorial. Criticou o governo absolutista e propôs a famosa teoria do contrato social, segundo a qual a sociedade civil seria formada a partir de um pacto entre as pessoas e o Estado. Em condições justas, o filósofo acreditava que as sociedades abriam mão de seus direitos individuais para, de modo consentido, gozar da proteção oferecida pelas instituições estatais.


3. Características do Iluminismo Americano

Enquanto isso, o iluminismo americano encontrou um forte apelo na liberdade política e nos direitos naturais, destacando-se pela busca da independência e pela criação de um novo modelo de governo.

Foi conhecido pela tese da “política da liberdade”, tendo a Independência (declarada no dia 4 de julho de 1776) como seu evento mais importante.

Entre os pensadores iluministas relevantes da época estavam:

  • Thomas Jefferson (1743 - 1826), John Adams (1735 - 1826) e Benjamin Franklin (1706 - 1790): estiveram envolvidos nas questões de liberdade política e nas ideias sobre um governo baseado na razão e nos direitos inalienáveis do homem. Essas ideias se materializaram na Declaração de Independência e ajudaram a moldar os princípios da Constituição dos Estados Unidos.


Além desses nomes, Immanuel Kant e Adam Smith também foram importantes sistematizadores do pensamento iluminista.

O alemão Kant (1724 - 1804), por exemplo, foi fundamental para o desenvolvimento da ética e da epistemologia, além de ser o criador do imperativo categórico, uma medida de princípio universal e racional capaz de sustentar as ações morais.

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Para ele, a percepção da realidade dependia tanto das experiências vividas quanto das individualidades de cada sujeito, o que desafiava diversas abordagens anteriores.

Por sua vez, Adam Smith (1723 - 1790), filósofo escocês, é amplamente reconhecido como pai da economia moderna. Foi na obra A Riqueza das Nações (1776), que o filósofo iluminista introduziu o conceito de economia de mercado livre, posicionando a busca individual pelo lucro, por meio da mão invisível do Estado, como uma ferramenta para o bem-estar coletivo.

O iluminismo também produziu seus efeitos no Brasil, influenciado a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e o artigo 5º da Constituição Federal.

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


Veja também: D. Pedro I, Um Príncipe Dividido - a trajetória do monarca que se identificou e apoiou o desejo dos brasileiros pela Independência, liderando a separação entre os dois Reinos.



Um outro olhar para o iluminismo: a crítica a partir de um referencial colonial.

Embora tenha sido revolucionário em diversos aspectos, o iluminismo esteve imerso em contradições relevantes, especialmente quando observamos as suas bases a partir de um referencial decolonial.

A crítica mais pujante ao movimento reside na contraposição dos seus ideais de liberdade e igualdade ao tratamento dado às populações africanas e indígenas, como aponta o doutor em Filosofia pela UFRJ, Renato Nogueira.

Entre as crenças iluministas, havia uma perspectiva de inferiorização desses povos, responsável por legitimar o seu controle pelas colônias e pelos movimentos escravagistas.

Nesse contexto, Frantz Fanon (1925 -1961) assume um papel fundamental ao propor uma revisão do humanismo tradicional, apontando suas falhas em reconhecer e valorizar as identidades dos povos colonizados e escravizados.

Trata-se de uma abordagem fundamental para compreender os impactos do humanismo e do iluminismo para além do continente europeu.

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Referências

COSTA, Abraão Lincoln Ferreira. Relações entre o iluminismo alemão e a concepção goethiana de formação. Água Viva, v. 3, n. 1, p. 12184, jan.-jul. 2018. DOI: 10.26512/aguaviva.v3i1.12184.

WEINMAN, Carlos. O conceito de iluminismo em Kant e sua implicação com a moralidade e a política. Unoesc & Ciência - ACHS, Joaçaba, v. 6, n. 2, p. 201-212, jul./dez. 2015.

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Surrealismo: características, obras e principais artistas
Entenda o que é o surrealismo, como surgiu, principais características, artistas como Dalí e Magritte e como o movimento revolucionou a arte.

O surrealismo foi uma das mais ousadas vanguardas europeias do século XX. Inspirado na psicanálise de Freud e influenciado pelos traumas da Primeira Guerra Mundial, o movimento propôs uma revolução na arte: liberar o inconsciente e transformar os sonhos, desejos e pensamentos automáticos em criações artísticas.

Mais do que um estilo visual, o surrealismo foi uma filosofia, um modo de ver e questionar o mundo. Com artistas como Salvador Dalí, André Breton, René Magritte e Max Ernst, a arte surrealista transformou a pintura, e também deixou um legado na literatura, no cinema, na fotografia e no design.

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Surrealismo: Origem, Características e Principais Artistas

Para o surrealismo, mais do que representar a realidade de forma lógica, o essencial era dar forma às imagens vindas do inconsciente, dos sonhos e da imaginação. Essa vanguarda modernista buscava romper com a razão e explorar os territórios do irracional e do fantástico.

Um dos maiores ícones do movimento é a obra A Persistência da Memória (1931), do pintor espanhol Salvador Dalí, que sintetiza características marcantes do surrealismo, como a justaposição de elementos ilógicos, a distorção da noção de tempo e a atmosfera onírica.

O surrealismo não se restringiu às artes visuais: expandiu-se para a literatura, o cinema, a fotografia e até o design, influenciando profundamente a cultura do século XX. Neste artigo, você vai descobrir como surgiu a arte surrealista, conhecer seus principais artistas e conferir indicações de cursos para se aprofundar nesse universo instigante da Arte Moderna.


O que é Surrealismo?

O surrealismo foi um movimento artístico que surgiu no início do século XX, com raízes na Europa, especialmente na França, e foi profundamente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e pela atmosfera social pós Primeira Guerra Mundial.

Em um momento em que o mundo buscava novos sentidos e formas de compreender a realidade, os surrealistas propunham uma arte que ultrapassasse os limites da razão e da lógica, mergulhando no universo do inconsciente, dos sonhos e das emoções reprimidas.

O termo surrealismo deriva do francês “surréalisme”, que significa “acima do real” , uma definição que expressa bem o desejo de revelar uma realidade mais profunda, oculta sob a superfície do cotidiano. Para os artistas surrealistas, a imaginação era uma ferramenta libertadora, capaz de romper com as normas sociais, morais e estéticas, revelando verdades interiores que a racionalidade não conseguia alcançar.

Em contraste com movimentos anteriores, como o realismo e o impressionismo, que buscavam representar o mundo visível, os surrealistas adotavam técnicas como o automatismo psíquico, a justaposição de imagens improváveis e o ilógico deliberado, criando composições que desafiavam a percepção comum. Obras como Os Elefantes (1948), de Salvador Dalí, e os poemas de André Breton, o principal teórico do movimento, são exemplos marcantes dessa estética onírica e provocadora.

Mais do que um estilo, o surrealismo representou uma verdadeira revolução no modo de pensar e fazer arte — uma ruptura com a lógica convencional, uma celebração do instinto, do acaso e da liberdade criativa.



Como Surgiu o Surrealismo?

O surrealismo emergiu na França em 1924, em um cenário marcado pelo colapso de antigas certezas. O trauma deixado pela Primeira Guerra Mundial expôs os limites da razão humana, da ciência e dos valores burgueses que até então sustentavam a cultura ocidental.

Em meio à desilusão com o racionalismo, artistas e intelectuais buscavam novas formas de entender a realidade, não mais pelas lentes da lógica, mas por meio dos impulsos instintivos, dos sonhos e do inconsciente.

Esse novo olhar encontrou terreno fértil nas experiências do dadaísmo, movimento radical e anárquico que surgiu como reação direta à guerra e às estruturas culturais que a permitiram. O dadaísmo rejeitava toda forma de arte institucionalizada e questionava os fundamentos da linguagem, da estética e até da razão.

O surrealismo, embora menos destrutivo em sua essência, herdou desse espírito revolucionário a vontade de romper com a lógica dominante, canalizando essa energia para uma criação mais simbólica, subjetiva e imaginativa.

O ponto de partida oficial do surrealismo foi o Manifesto Surrealista, publicado por André Breton em 1924. Breton, fortemente influenciado pelas ideias de Freud e pelos métodos psicanalíticos, propôs o automatismo psíquico como forma de criação artística, um processo em que a mente é liberada do controle consciente, permitindo que pensamentos, imagens e emoções fluam livremente, como num sonho.

A partir desse manifesto, formou-se um grupo de poetas, pintores, cineastas e pensadores que viam no surrealismo não apenas uma estética, mas uma filosofia de vida: um caminho para libertar a imaginação humana das amarras da razão, da moral tradicional e da lógica linear.

O surrealismo não nasceu como um movimento isolado, mas como parte de um processo mais amplo de transformação do pensamento artístico no século XX. Ao lado de outras vanguardas europeias, ele ajudou a redefinir o papel da arte, propondo uma aproximação entre criação artística e pulsões interiores, uma arte que se volta não ao mundo externo, mas às profundezas da psique.

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O Manifesto Surrealista e André Breton

Capa do Manifesto Surrealista de André Breton, obra fundadora do movimento surrealista
Livro Manifesto Surrealista, de André Breton, marco teórico do surrealismo

Poeta, teórico e figura central do movimento, André Breton é amplamente reconhecido como o "pai do surrealismo". Foi ele quem, em 1924, deu forma e direção à nova vanguarda artística com a publicação do Primeiro Manifesto Surrealista, obra que nomeou o movimento e delineou seus princípios fundamentais.

No manifesto, Breton define o surrealismo como “automatismo psíquico puro, pelo qual se pretende exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento.”

Essa definição reflete a essência do projeto surrealista: libertar o pensamento de qualquer censura, seja ela moral, lógica ou estética, para que as imagens e ideias emergissem diretamente do inconsciente, sem filtros da razão ou da convenção social.

Inspirado pelas descobertas da psicanálise, Breton via na arte uma ferramenta para acessar zonas ocultas da mente humana e dar voz ao desejo, ao instinto e ao irracional.

Mais do que uma proposta artística, o surrealismo era, para Breton, uma atitude diante da vida, uma forma de romper com os mecanismos opressores da sociedade e de reconectar o ser humano com sua natureza mais profunda e instintiva.

Características do Surrealismo

A arte surrealista é marcada por uma estética provocadora, carregada de simbolismo, imagens inusitadas e atmosferas que remetem ao universo dos sonhos.

Mais do que produzir obras belas ou coerentes, os surrealistas buscavam desestabilizar a percepção tradicional, confrontando o espectador com aquilo que é reprimido, oculto ou irracional. A intenção era libertar a mente dos limites da lógica, revelando uma realidade mais profunda, a do inconsciente.

Influenciado diretamente pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud, o surrealismo acreditava que os sonhos, os desejos e os impulsos reprimidos tinham um papel central na criação artística.

Principais características do surrealismo:

  • Exploração do inconsciente e dos sonhos: as obras surgem como janelas para a psique humana, revelando conteúdos ocultos, muitas vezes perturbadores.

  • Automatismo psíquico: uso de técnicas como a escrita ou o desenho automáticos, permitindo que ideias fluam livremente, sem intervenção da razão.

  • Imagens oníricas, simbólicas e ilógicas: as composições desafiam a lógica, criando cenários fantásticos que parecem saídos de um sonho — ou de um delírio.

  • Justaposição de elementos incongruentes: objetos e figuras que, em tese, não pertencem ao mesmo universo, são combinados de forma inesperada, criando estranhamento e tensão visual.

  • Temáticas existenciais e universais: recorrência de temas como sexualidade, morte, desejo, infância, medo, memória e identidade.

  • Crítica à racionalidade e à moralidade burguesa: rejeição dos valores sociais tradicionais e da lógica cartesiana que havia guiado o pensamento ocidental.

  • Influência da psicanálise: a arte como meio de acessar traumas, desejos reprimidos e mecanismos profundos da mente humana.



Principais Artistas do Surrealismo

O surrealismo teve nomes marcantes nas artes plásticas, literatura e cinema. Abaixo, criamos uma tabela com os principais artistas do surrealismo e suas obras representativas:

ARTISTAS SURREALISTAS CARACTERÍSTICAS OBRA ICÔNICA
Salvador Dalí Imagens hiper-realistas, obsessão pelo tempo, sexualidade e sonhos lúcidos A Persistência da Memória (1931)
René Magritte Paradoxos visuais, crítica à percepção e ao real A Traição das Imagens (1929)
Max Ernst Técnicas experimentais (frottage, decalcomania), imaginação onírica O Casamento do Céu e do Inferno (1946)
Leonora Carrington Universo simbólico e mitológico, abordagem feminina do inconsciente A Debutante (1939)
Yves Tanguy Paisagens oníricas e formas biomórficas flutuantes Indução Hipnótica (1939)


Obras do Surrealismo

Aqui estão algumas das principais obras surrealistas, que ilustram a exploração do inconsciente, dos sonhos e do irracional, elementos essenciais que definem o movimento:

A Persistência da Memória (1931) | Salvador Dalí

A Persistência da Memória de Salvador Dalí, com relógios derretidos representando o tempo fluido
A Persistência da Memória, 1931. Óleo sobre tela, 24 X 33 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque. Relógios derretidos representam a relatividade do tempo e o estado onírico.

A Traição das Imagens (1929) | René Magritte

Imagem de cachimbo com a frase Ceci n’est pas une pipe, obra A Traição das Imagens de René Magritte
A Traição das Imagens, 1929. Óleo sobre tela, 63,5 X 93,98 cm. Museu de Arte do Condado de Los Angeles. O famoso cachimbo com a frase "Isto não é um cachimbo" questiona a realidade da imagem.

Europa Depois da Chuva II (1942) | Max Ernst

Obra Europa Após a Chuva II de Max Ernst, representando paisagem surreal em ruínas orgânicas
Europa Depois da Chuva II, 1929. Óleo sobre tela, 54 X 146 cm. Museu de Arte Wadsworth Atheneum em Hartford, Connecticut. Cenário apocalíptico, mostrando o caos pós-guerra.

O Surrealismo no Brasil

Embora o surrealismo no Brasil não tenha se consolidado como uma escola formal, seus conceitos e estéticas influenciaram profundamente diversos artistas e escritores ao longo do século XX.

Por aqui, o movimento dialogou com o modernismo, o simbolismo e as tradições culturais locais, dando origem a uma produção marcada pela subjetividade, pela experimentação e por um imaginário tropical e singular.

Entre os nomes de maior destaque ligados à sensibilidade surrealista no Brasil, estão:

  • Cícero Dias: pintor pernambucano que se aproximou do surrealismo europeu em sua fase parisiense. Suas obras exploram símbolos poéticos e paisagens oníricas, muitas vezes evocando a infância e memórias pessoais em uma linguagem lírica.

  • Ismael Nery: pintor e poeta que mesclou questões filosóficas, espirituais e existenciais em suas obras, usando o surrealismo para explorar a relação entre corpo, espírito e identidade.

  • Murilo Mendes: poeta que, em sua fase inicial, adotou um lirismo onírico e fragmentado, influenciado pelo surrealismo, e que explorou as fronteiras entre a razão e o inconsciente em sua produção literária.

  • Maria Martins: escultora de projeção internacional, cujas obras, com formas orgânicas e fantásticas, abordam temas como o erotismo, o misticismo e a mitologia, aproximando-se das influências surrealistas.

  • Tarsila do Amaral: influenciada pelo modernismo, criou uma obra que explora o universo simbólico e sensorial da cultura brasileira, misturando elementos do surrealismo com o folk e o imaginário popular.


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Perguntas Frequentes sobre Surrealismo

O que é surrealismo?

É um movimento artístico e literário que valoriza o inconsciente, os sonhos e o automatismo como formas de criar arte.

Quais são as principais características do surrealismo?

Distorção da realidade, imagens oníricas, ilógica, temas como desejo, medo, morte, erotismo e crítica à racionalidade.

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Referências:

https://enciclopedia.itaucultural.org.br/termos/80020-surrealismo

História da Arte: definição, períodos, tipos de arte e grandes obras
Xavana Celesnah
História da Arte: definição, períodos, tipos de arte e grandes obras
Explore a História da Arte, dos desenhos rupestres à contemporânea. Conheça os períodos artísticos, grandes obras ,artistas e para que serve a arte.

A História da Arte é um campo do conhecimento que investiga a evolução das manifestações artísticas ao longo do tempo, desde as pinturas rupestres da Arte Pré-Histórica até as expressões contemporâneas que estão presentes no nosso cotidiano. Neste texto, vamos focar principalmente na História da Arte ligada à pintura, passando pelos principais períodos da História da Arte Mundial, pelos grandes artistas e suas obras, e vamos destacar também a História da Arte no Brasil.



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O que é Arte?

Antes de mergulharmos nas divisões históricas e nas correntes artísticas, é essencial entender o conceito de arte. Arte pode ser entendida como a expressão da criatividade e sensibilidade humana, através das mais diferentes linguagens, como pintura, música, literatura, cinema, escultura, desenho, dança, entre outras. As obras de arte, em sua maioria, são realizadas com algum propósito comunicativo, seja através do visual, do sonoro ou do narrativo. Portanto, a arte transmite emoções, ideias, valores e questionamentos sobre a sociedade e a existência humana.

Cada tipo de arte tem características próprias e formas de expressar uma mensagem. Por exemplo, a pintura pode ser figurativa ou abstrata, a escultura pode ser uma representação tridimensional de figuras ou formas, e a música pode explorar diferentes ritmos e harmonias. A dança, por sua vez, se expressa por meio do movimento corporal, enquanto a literatura utiliza as palavras para criar histórias, reflexões e críticas sociais.

A arte reflete o modo de vida, as crenças e as inovações de cada época. Mas para que serve a arte? Ela vai além da apreciação estética e é fundamental na formação de nossa identidade cultural e na reflexão sobre questões sociais e políticas.

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Períodos da História da Arte

A História da Arte é geralmente dividida em períodos e movimentos que ajudam didaticamente na compreensão das manifestações de cada época. Claro que essas divisões periódicas não são rígidas e algumas formas de se fazer arte coexistiram, mas a divisão em fases facilita a identificação dos estilos e também das ideias que estavam aflorando em cada momento histórico.

Cada período tem suas características próprias, refletindo mudanças de pensamento, inovações técnicas e influências sociais. A seguir, fizemos um resumo com os principais períodos da História da Arte.

Arte Pré-Histórica

A arte pré-histórica remonta aos primórdios da humanidade e é marcada por ser uma arte desenvolvida antes da invenção da escrita. As pinturas rupestres são os principais exemplos desta fase e as famosas pinturas das cavernas de Altamira, na Espanha, e de Lascaux, na França, seguem como os grandes marcos da arte rupestre no mundo.

As pinturas nas cavernas retratam animais e algumas cenas da vida cotidiana da época, como a caça. Essas obras têm um caráter simbólico e ritualístico, também chamado de “magia simpática ou propiciatória”. São pinturas muitas vezes associadas a crenças espirituais e ao entendimento do mundo natural.

Bisonte na Caverna de Altamira, Espanha.  As pinturas rupestres da Caverna de Altamira foram realizadas entre 36.000 e 13.000 anos atrás.

Bisonte na Caverna de Altamira, Espanha. As pinturas rupestres da Caverna de Altamira foram realizadas entre 36.000 e 13.000 anos atrás.


Arte Antiga

Com o surgimento das primeiras civilizações, como as dos povos que habitaram a Mesopotâmia, o Egito, a Grécia e Roma, a arte passou a ter um caráter mais formal e funcional. A arte produzida durante a Antiguidade foi muito diversa, principalmente quando comparamos a arte do Egito Antigo com a da Grécia Antiga, por exemplo, pois os artistas egípcios produziam imagens a partir de esquemas pré-definidos, enquanto os gregos buscavam o realismo na representação dos corpos humanos.

Isso acontecia porque a arte para a sociedade egípcia possuía um significado político e espiritual que precisava ser preservado. Portanto, as pinturas tinham que seguir certos padrões, como a lei da frontalidade que era usada na representação de corpos humanos, como é possível ver na imagem abaixo:

Pintura egípcia mostrando processo de mumificação, hábito comum na sociedade do Egito Antigo.

Pintura egípcia mostrando processo de mumificação, hábito comum na sociedade do Egito Antigo.


As civilizações antigas criaram obras de arte famosas, como as esculturas de Fídias na Grécia e as pirâmides do Egito, que não só adornavam os templos e palácios, mas também tinham significados religiosos e políticos profundos. A arte antiga foi marcada pela busca da perfeição e harmonia nas formas e pela representação idealizada do corpo humano.

Arte Medieval

A Arte Medieval foi realizada no longo período que vai do século V ao século XV, e se caracteriza pela religiosidade. Durante este período, a arte cristã predominou, com grande foco em temas bíblicos e na construção de igrejas, mosteiros e catedrais, além de manuscritos iluminados, que ficaram conhecidos como iluminuras.

A arte medieval utilizou pintura em murais, vitrais e a escultura religiosa. A arte gótica e bizantina, com suas imponentes catedrais e ícones religiosos, também são destaques deste período. Este período é essencialmente marcado pela busca de transmitir mensagens espirituais e teológicas.

Cenas da Vida de Cristo - Lamentação. Giotto, obra realizada entre 1304 e 1306. 200 cm X 185 cm. Capela Scrovegni, em Pádua, Itália.

Cenas da Vida de Cristo - Lamentação. Giotto, obra realizada entre 1304 e 1306. 200 cm X 185 cm. Capela Scrovegni, em Pádua, Itália.


Arte Renascentista

A Arte Renascentista, compreendida entre os séculos XIV e XVI, marca um retorno aos ideais da Antiguidade Clássica e uma revolução na maneira de pensar a arte e a humanidade. Artistas como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael buscaram a representação naturalista do corpo humano, explorando a perspectiva, a proporção e a luz.

A Renascença é, sem dúvida, um dos períodos mais ricos da história da arte, com grandes obras de arte famosas, como "A Última Ceia" de Da Vinci e "O David" de Michelangelo.

A Última Ceia. Leonardo da Vinci, obra realizada entre 1495 e 1498. Dimensões: 460 cm X 880 cm. Refeitório da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália.

A Última Ceia. Leonardo da Vinci, obra realizada entre 1495 e 1498. Dimensões: 460 cm X 880 cm. Refeitório da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália.


Arte Pré-Colombiana

A arte pré-colombiana refere-se à produção artística das civilizações indígenas das Américas antes das Grandes Navegações, que culminaram com a chegada de Cristóvão Colombo, no final do século XV, ao continente americano. Esse período é imensamente diversificado, refletindo a rica variedade de culturas que habitaram as Américas, como os maias, astecas, incas e diversos povos indígenas da América do Norte, Sul e América Central.

A arte pré-colombiana é caracterizada por uma profunda relação com a natureza, a religião e o poder. Entre os principais tipos de arte desse período estão as esculturas, pinturas, cerâmicas e tecelagens, todas com grande simbolismo. Os maias e astecas criaram magníficas esculturas de pedra, como os templos e figuras divinas que decoravam suas cidades. Os incas, por sua vez, desenvolveram técnicas de tecelagem complexas e a arte da metalurgia, criando peças de ouro e prata com significados religiosos e cerimoniais.

Templo de Kukulkán, pirâmide maia que começou a ser construída no século VI. Iucatã, México.

Templo de Kukulkán, pirâmide maia que começou a ser construída no século VI. Iucatã, México.


A arte pré-colombiana também apresenta uma rica simbologia, com forte presença de elementos geométricos e figuras mitológicas, como os deuses e heróis das lendas dessas civilizações.

Arte Moderna

A Arte Moderna (séculos XIX e XX) começou a apresentar suas primeiras obras a partir da Revolução Industrial e de toda a transformação social e política decorrente dela. Movimentos como o Impressionismo, Cubismo, Surrealismo e Expressionismo, que ficaram conhecidos como as vanguardas europeias, trouxeram novas formas de ver e entender a arte, distantes da representação figurativa clássica. Artistas como Pablo Picasso, Vincent van Gogh, Claude Monet e Salvador Dalí são alguns dos grandes nomes desse período.

A arte passou a explorar a abstração e a subjetividade, questionando as convenções tradicionais das academias e a própria realidade. O fazer artístico se diversificou, incluindo novos experimentos com o uso da cor, da forma e da luz, além de novas linguagens da arte, como a fotografia e a arte digital.

Guernica, quadro de Pablo Picasso. 1937, pintura a óleo. 349,3 cm X 776,5 cm. Museu Reina Sofia, Madrid.

Guernica, quadro de Pablo Picasso. 1937, pintura a óleo. 349,3 cm X 776,5 cm. Museu Reina Sofia, Madrid.


A Arte Moderna ou Modernismo foi um período riquíssimo da produção artística mundial e também no Brasil. Você pode compreender melhor esse estilo de arte através do curso A Arte Moderna Pelas Obras de Van Gogh, Picasso, Duchamp e Pollock, ministrado pelo doutor em História da Arte, Felipe Martinez. No curso, ele faz uma análise da vida e da obra de grandes artistas modernistas, mostrando os impactos causados pelas novas ideias e como a arte dialoga com as grandes questões sociais.

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Arte Contemporânea

A Arte Contemporânea (século XX até o presente) é um campo diversificado e amplo, de difícil definição. Diversos movimentos artísticos coexistem, como o minimalismo, o arte pop, a arte conceitual e as manifestações da arte digital. A arte contemporânea rompe com as fronteiras dos tipos de arte tradicionais, explorando novas linguagens da arte como o vídeo, a performance e as instalações interativas. Banksy, Yayoi Kusama e Damien Hirst são alguns dos artistas contemporâneos mais influentes no mundo. A arte contemporânea está muito relacionada às ideias e geralmente aborda temas sociais, culturais e políticos, desafiando as normas da arte tradicional e incentivando uma reflexão crítica sobre o mundo atual.

Grandes Artistas da História e Suas Obras

A história da arte é marcada por inúmeros grandes artistas, cujas obras ajudaram a definir os rumos da arte. Cada um desses artistas famosos trouxe uma contribuição única, seja através da técnica, do estilo ou das ideias que procuraram expressar. Listamos a seguir algumas obras de arte famosas na história e seus respectivos autores:

Século XIV (1300)

  • Giotto di Bondone:

O Beijo de Judas (1305)
Afrescos da Capela Scrovegni (1304–1306)

Século XV–XVI (Renascimento)

A Última Ceia (1495–1498)
Mona Lisa (c. 1503–1506)

  • Michelangelo Buonarroti

O Davi (1501–1504)
Afrescos da Capela Sistina (1508–1512)

Século XIX (Impressionismo e Pós-Impressionismo)

  • Édouard Manet

Almoço na Relva (1863)
Olympia (1863)

  • Claude Monet

Impressão, nascer do sol (1872)
Nenúfares (série, 1897–1926)

  • Edgar Degas

A Aula de Balé (c. 1874)
O Balé Azul (c. 1890)

  • Vincent van Gogh

Girassóis (1888)
A Noite Estrelada (1889)

Século XIX–XX (Simbolismo, Art Nouveau e Modernismo)

  • Gustav Klimt

Retrato de Adele Bloch-Bauer I (1907)
O Beijo (1907–1908)

  • Antoni Gaudí

Parque Güell (projeto iniciado em 1900)
Sagrada Família (iniciada em 1882, ainda em construção)

Século XX (Modernismo, Abstracionismo, Surrealismo e Pop Art)

  • Pablo Picasso

Les Demoiselles d'Avignon (1907)
Guernica (1937)

  • Wassily Kandinsky

Composição VIII (1923)
Amarelo-Vermelho-Azul (1925)

  • Frida Kahlo

Auto-retrato com Espinho e Colibri (1940)
As Duas Fridas (1939)

  • Andy Warhol

Campbell's Soup Cans (1962)
Marilyn Diptych (1962)

História da Arte no Brasil

A história da arte no Brasil é marcada por uma rica e diversa trajetória, que reflete a complexidade cultural do país. Desde os tempos anteriores à colonização, as expressões artísticas indígenas já revelavam uma profunda conexão com a natureza, os mitos e os rituais das diferentes etnias. Arte plumária, cerâmica, pinturas corporais e grafismos em objetos e superfícies naturais eram — e ainda são — manifestações de um conhecimento ancestral transmitido de geração em geração.

Com a chegada dos colonizadores portugueses no século XVI, iniciou-se o período da arte colonial, fortemente influenciado pela estética europeia, especialmente o barroco. Igrejas ricamente ornamentadas, como as de Ouro Preto e Salvador, são testemunhos do talento de artistas como Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa) e Manuel da Costa Ataíde, que reinterpretaram as referências europeias sob uma ótica brasileira, mesclando elementos locais, africanos e indígenas em suas obras sacras.

No século XIX, com a vinda da Missão Artística Francesa (1816), liderada por Jean-Baptiste Debret, o Brasil passou por um processo de academização da arte. A fundação da Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, contribuiu para a formação de artistas dentro de um modelo europeu clássico. Nomes como Pedro Américo e Victor Meirelles se destacaram com grandes telas históricas, representando cenas como o Grito do Ipiranga e episódios da história nacional com uma estética grandiosa e idealizada.

O Grito do Ipiranga, quadro de Pedro Américo, 1888. Óleo sobre tela, 415cm X 760 cm. Museu Paulista da USP, São Paulo.

O Grito do Ipiranga, quadro de Pedro Américo, 1888. Óleo sobre tela, 415cm X 760 cm. Museu Paulista da USP, São Paulo.


A virada do século XX trouxe profundas transformações. O movimento modernista brasileiro, com a Semana de Arte Moderna de 1922, rompeu com os padrões acadêmicos e buscou uma nova linguagem artística, autenticamente nacional.

Artistas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Oswald de Andrade propuseram uma arte que refletisse a realidade brasileira, suas cores, suas contradições sociais e culturais, ao mesmo tempo em que dialogava com as vanguardas europeias.

Obras como Abaporu (Tarsila), que se tornou símbolo do movimento antropofágico, tinham como proposta a “digestão” crítica das influências estrangeiras para criar algo novo e original, em sintonia com a história do Brasil.

Candido Portinari, por sua vez, levou o realismo social às telas, retratando com sensibilidade temas como o trabalho, a infância pobre e as injustiças sociais, em obras como Retirantes e os painéis de Guerra e Paz, encomendados pela ONU.

Na segunda metade do século XX, a arte brasileira expandiu-se ainda mais, incorporando novas linguagens como a arte concreta, o neoconcretismo, a arte conceitual, o cinema experimental e a performance. Figuras como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Tomie Ohtake, entre outros, romperam com os limites tradicionais da pintura e escultura, criando experiências sensoriais e interativas que colocavam o espectador como parte da obra.

Hoje, a arte contemporânea brasileira é plural, crítica e inovadora. Artistas como Adriana Varejão, Ernesto Neto, Vik Muniz, Rosana Paulino e Jaider Esbell (este último representando a retomada da arte indígena no circuito contemporâneo) continuam a explorar temas como identidade, corpo, ancestralidade, meio ambiente, desigualdade e memória, levando a produção artística nacional a dialogar com os grandes debates do mundo atual — sem perder o enraizamento nas realidades locais.

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Para que serve a Arte?

A arte tem várias funções e serve para inúmeros propósitos. Ela pode ser uma ferramenta de expressão pessoal, um meio de questionamento social e político, uma forma de comunicação universal e até um instrumento terapêutico. A arte também tem uma função educativa, ajudando a transmitir a história, as emoções e as ideias de diferentes culturas e épocas.

Conclusão

A História da Arte é uma jornada fascinante que nos permite entender a evolução das expressões humanas através de diferentes épocas e estilos. Desde a Arte Pré-Histórica até a arte contemporânea, cada período e movimento artístico oferece insights valiosos sobre a cultura, os valores e as ideias de seu tempo. Além disso, grandes artistas e obras de arte influenciam nossa percepção de mundo, e desenvolvem legados que permanecem como um registro da história da humanidade.

Seja para entender as complexidades de nossa sociedade, para se envolver emocionalmente com uma obra ou simplesmente para apreciar a beleza estética, estudar História da Arte é fundamental para qualquer um que deseje expandir sua visão do mundo e compreender a profundidade da experiência humana.

Se você tem interesse em História da Arte e deseja aprender mais sobre o tema, confira o curso Introdução à História da Arte, da Casa do Saber, ministrado pelo doutor em História da Arte pela Unicamp, Felipe Martinez.

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Referências

https://www.cultura.gob.es/mnaltamira/cueva-altamira/arte.html

https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-11160/chichen-itza/

Autores

O quanto você acredita que suas percepções são capazes de interferir na forma como você vê o mundo e entende a realidade? É exatamente essa uma das principais ideias desenvolvidas por David Hume, filósofo escocês do século XVIII.

Neste texto, você vai conhecer os conceitos centrais como o hábito, o ceticismo, a crítica à causalidade e a valorização do conhecimento empírico. Além de entender por que Hume continua sendo uma referência para a filosofia contemporânea.

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Quem foi David Hume?

David Hume nasceu em Edimburgo, na Escócia, em 1711, e foi um dos principais pensadores do Iluminismo.

As suas contribuições mais relevantes foram principalmente na abordagem da natureza do conhecimento humano e a crítica à metafísica.

Hume cresceu em um lar religioso e, tanto em casa quanto na universidade, recebeu uma educação voltada para uma vida de virtude, baseada nas tradições calvinistas escocesas.

Apesar de ter estudado Direito na Universidade de Edimburgo entre 1724 e 1726, Hume achava o Direito, em suas palavras, “enjoativo” e voltou sua atenção para os conhecimentos em literatura, economia e filosofia.

Entretanto, as ideias de David Hume ficaram conhecidas pelo ceticismo e suposto ateísmo quando passou a criticar racionalmente a religião e rejeitar argumentos teístas, como a existência de Deus.

Hume vivenciou o século XVIII, que foi marcado por revoluções como a Revolução Francesa, a Revolução Americana, e uma grande efervescência intelectual, principalmente com o Iluminismo.

Dentro deste cenário intelectual e político, as ideias do empirismo e do ceticismo inspiraram Hume, que foi um forte crítico do racionalismo cartesiano. Suas ideias tiveram influência em Kant e Auguste Comte.

David Hume faleceu em 1776, de câncer de intestino. Entretanto, antes de falecer, se preocupou com a preparação de sua obra póstuma, e mais controversa, Diálogos sobre a Religião Natural , além de escrever uma breve autobiografia, Minha Própria Vida.

Principais obras de Hume:

  • Tratado da Natureza Humana (1739-40);
  • Ensaios Morais e Políticos (1742);
  • Ensaio sobre o Entendimento Humano (1748);
  • Investigações sobre o Princípio da Moral (1751);
  • Minha Vida (1776).


David Hume e o empirismo cético

David Hume foi um dos principais nomes do empirismo moderno e sua ideia principal é que todo o conhecimento humano deriva da experiência sensível.

Conhecido por seu ceticismo quanto à natureza e a justificativa de determinadas formas de conhecimento, ele trouxe uma perspectiva diferente para a natureza do conhecimento.

Contextualizando o desenvolvimento da filosofia de Hume, enquanto René Descartes desenvolvia o racionalismo, o empirismo ganhava força, principalmente na Inglaterra, trazendo uma teoria diversa da origem das ideias.

Para os filósofos empiristas, todas as ideias vêm da realidade, na qual se pode experimentar o mundo e interagir com ele por meio dos sentidos. Dois autores que se debruçaram sobre essa vertente foram John Locke e David Hume.

Retratos de John Locke e David Hume lado a lado, pensadores centrais do empirismo e do iluminismo
John Locke e David Hume, da esquerda para a direita.

Diferentemente de Locke, que foi contemporâneo de duas grandes revoluções políticas inglesas, Hume vivenciou grandes transformações e esse momento histórico foi fundamental para o desenvolvimento de sua filosofia.

Segundo o professor Franklin Leopoldo e Silva comenta na segunda aula do curso “Trilha da Filosofia | 4º Temporada”, a principal diferença entre os dois pensadores é a teoria da associação das ideias, que se tornou muito importante para a ciência, em especial, para o campo da psicologia.

Enquanto John Locke acreditava que as ideias eram adquiridas por percepção, obtidas por sensação e reflexão; David Hume dizia que as ideias e as percepções se associam e produzem novas ideias.

Para Hume, todo o conhecimento humano deriva da experiência sensível: as impressões (vívidas e imediatas) são a base de onde se originam as ideias, que são cópias dessas impressões.

Ele categoriza as percepções e ideias em três princípios:

  • semelhança;
  • contiguidade;
  • causalidade.


Desse modo, David Hume vai de encontro com o inatismo, pois, para ele, essas relações são aprendidas através da experiência.

Além disso, ele também faz uma crítica à razão como única fonte confiável de conhecimento. Para ele, a razão é limitada e pode levar a conclusões que não encontram respaldo na experiência.

Portanto, o empirismo cético de Hume questiona tanto os princípios racionalistas quanto as certezas metafísicas.

Então, David Hume propõe uma filosofia que compreende as limitações do entendimento humano e valoriza a observação e a experiência como elementos validadores do conhecimento.

Basicamente, o ceticismo filosófico de Hume se volta para o questionamento da razão e da preocupação com os limites do conhecimento.



Ceticismo e a crítica à causalidade em David Hume

Um exemplo marcante do pensamento de Hume é a crítica ao princípio de causalidade, que, para ele, não é algo inato ao homem.

Para Hume, a ideia de causa e efeito não possui fundamento racional, mas sim psicológico, referente ao hábito e a experiência da mente.

A ideia de Hume sobre o hábito psicológico de esperar determinados resultados após eventos recorrentes é resultado de um ceticismo que não nega o conhecimento, mas impõe limites a ele. Sendo assim, só se pode confiar no que pode ser confirmado pela experiência.

Para exemplificar, vamos nos perguntar: o que aconteceria se o Sol não nascesse?

Vamos fazer uma análise empírica da expectativa do nascer do sol, um exemplo clássico do hábito de pensar.

O Sol nascerá amanhã e ninguém duvida disso. No entanto, segundo Hume, do ponto de vista empírico da origem das ideias, não há nada que comprove que o Sol nascerá amanhã.

A ausência da dúvida de que o Sol vai nascer acontece porque desde a origem dos tempos isso se repete dia após dia. Portanto, nós adquirimos o hábito de ver o Sol nascer repetidamente todas as manhãs. Então não temos nenhuma dúvida de que isso vai acontecer.

Apesar do nascer do Sol ser um fenômeno compartilhado pela percepção comum e uma força natural, essa ideia não é lógica e racional, uma vez que não podemos afirmar que vai ocorrer novamente amanhã.



O que é, então, o hábito?

De acordo com o professor Franklin Leopoldo e Silva, “as ideias que nós julgamos destacadas no mundo da realidade vêm do hábito de pensar. Todos nós temos como característica principal o hábito de pensar.

E esse processo acontece a partir do momento em que as percepções são absorvidas pela mente e tornam-se hábitos, o que nos faz pensar de acordo com esses hábitos.

“O hábito é o grande guia da vida humana” - David Hume

Retomando o exemplo anterior, caso o Sol não nasça amanhã, o mundo sofreria uma quebra de expectativa que romperia com um hábito, o de pensar, que nós adquirimos a partir da percepção e repetição do evento do nascimento do Sol.

Por isso, não existe um fundamento no empirismo cético que permita garantir o nascimento do Sol. É possível “prever” este acontecimento, devido à repetição do evento e ao hábito adquirido por essa expectativa.

Então, o hábito é essencial para a construção sólida do conhecimento. Portanto, a causalidade, baseada em experiências repetidas, não pode garantir com certeza eventos futuros.

A crítica à ideia de “eu” como substância em David Hume

David Hume questiona a ideia convencional do “eu” como uma substância permanente e indivisível. Contrapondo-se à metafísica clássica, Hume diz que o "eu" não é algo fixo ou substancial, mas uma sucessão de percepções temporais.

Para ele, na consciência humana o que se encontra são percepções em constante fluxo (impressões): sensações, pensamentos, emoções.

Portanto, a ideia de um "eu" constante e unitário, segundo ele, é uma construção mental criada pelo hábito para dar continuidade ao que é descontínuo.

Essa visão rompe com séculos de tradição filosófica que sustentavam uma alma ou substância pensante como essência do sujeito.

Como aponta Scruton, essa postura leva a uma forma de ceticismo acerca da identidade pessoal, ao mostrar que a crença em um “eu” permanente é formada apenas pela memória e pela associação de ideias, evidenciando a fragilidade das certezas sobre o “quem sou”.

A Teoria Moral de Hume

David Hume propõe que a moralidade não se baseia na razão, mas no sentimento, revolucionando, assim, a filosofia moral.

Ele foi de encontro à tradição racionalista, que via os princípios morais como deduções da razão pura, como defendido por Descartes e Kant.

Para Hume, o bem e o mal não são não são propriedades objetivas nas ações ou nas pessoas, na verdade são reflexos das emoções provocadas por algo ou alguém.

Em Uma Investigação Sobre os Princípios da Moral, Hume argumenta que a razão é “escrava das paixões”, porque ela pode fornecer informações sobre os meios para atingir certos fins, mas são os sentimentos que determinam os fins e a aprovação ou não das ações.

Capa do livro 'Uma investigação sobre os princípios da moral', de David Hume
Capa da obra 'Uma investigação sobre os princípios da moral', de David Hume — Fonte: Reprodução

Ou seja, a razão é um instrumento da paixão, enquanto os sentimentos são que conduzem os juízos morais. Dessa forma, o julgamento de determinada ação como boa ou não é uma reação afetiva, não um pensamento lógico.

A moral, para Hume, é construída a partir da simpatia, esta é uma capacidade humana de se colocar no lugar do outro, entendê-lo e partilhar sentimentos.

É esse mecanismo psicológico que permite a compreensão do bem e do mal e, consequentemente, serve de base para os juízos morais.

Portanto, para ele, não existe um fundamento racional absoluto que justifique os valores morais, porque eles são fruto da natureza humana e da convivência social.

Rompendo com a rigidez racionalista, Hume valoriza a complexidade emocional da vida ética e reconhece os limites da razão na formação do juízo moral.

Qual a importância de David Hume para a ciência moderna?

As ideias de David Hume tiveram um forte impacto na filosofia moderna, especialmente quanto a Immanuel Kant.

Uma vez que Hume questionou os fundamentos da causalidade, da identidade pessoal e da moralidade racional, ele abalou as bases do racionalismo. Foi sua crítica ao princípio de causalidade que levou Kant a dizer que Hume o “despertou do sono dogmático”.

Com isso, Kant buscou estabelecer novos fundamentos para o conhecimento, equilibrando razão e experiência (racionalismo e empirismo). Assim, a filosofia kantiana nasce do confronto direto com o ceticismo.

Ao passo que Hume impôs limites à razão e à metafísica especulativa, abriu espaço para uma filosofia crítica, que questiona as certezas absolutas.

Tão fortes são as ideias de David Hume que até hoje influenciam a filosofia contemporânea, principalmente, ao trazer uma nova perspectiva do “eu”.

Perguntas frequentes:

Qual método David Hume defendia?

David Hume utilizou o método empírico para desenvolver suas ideias, o qual afirma que o conhecimento deriva da observação da experiência sensível.

Ele aplicava esse método empirista com uma postura cética, principalmente ao investigar conceitos como causalidade, identidade pessoal e substância.

Portanto, seu método era uma combinação de empirismo e ceticismo, especialmente voltado para os limites do entendimento humano e contrário à metafísica especulativa sem base na experiência.

Qual a principal ideia de David Hume?

Resumidamente, a principal ideia de David Hume é que todo conhecimento humano vem da experiência sensível e existem limites na utilização da razão para explicar a realidade.

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Referências:

Curso da Casa do Saber - Trilha da filosofia | Temporada 4 - Aula 02: O empirismo em Locke e Hume.

SCRUTON, Roger. Introdução à filosofia moderna

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. David Hume.

Vários autores. História das grandes ideias do mundo ocidental. Volume 2.

Provavelmente você já ouviu ou leu a frase “Penso, logo existo”. Uma das mais célebres frases da filosofia moderna pertence a René Descartes, um homem que foi filósofo, matemático e físico e teve contribuições fundamentais para a ciência moderna.

Neste texto você vai conhecer mais sobre a vida deste filósofo racionalista, seus principais princípios filosóficos e contribuições que estão presentes na nossa vida até os dias de hoje.

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Quem foi René Descartes?

René Descartes foi um filósofo, matemático e físico francês. Nasceu em 31 de março de 1596, na antiga La Haye, na França, agora La Haye-Descartes em sua homenagem.

Conhecido como o "pai da filosofia moderna", ele propôs uma nova perspectiva sobre o pensamento, baseado na razão e na dúvida metódica.

Desde a infância, Descartes teve contato com uma educação rica e de qualidade. Estudou no colégio jesuíta de La Flèche, onde aprendeu filosofia escolástica.

Posteriormente, formou-se em Direito na Universidade de Poitiers, apesar de não ter exercido a profissão.

Contudo, Descartes entendia que a escolástica não o levaria para um conhecimento indubitável. Então seu interesse se voltou para a matemática, a filosofia e as ciências naturais.

Ele foi de encontro com o pensamento aristotélico ao propor uma ciência unitária e universal, que seria pilar para o método científico moderno.

Descartes viveu em um período de grandes transformações. Ele vivenciou o fim da Idade Média e o início da modernidade, período no qual o pensamento era baseado na autoridade da Igreja e das tradições.

Por ter sido uma época marcada pelas descobertas científicas, mudanças religiosas e conflitos políticos, começou a ocorrer uma mudança quanto ao pensamento tradicional vigente.

Nesse contexto, Descartes propôs um novo método de investigação que valorizava a razão e a lógica acima de tudo.

Ao longo de sua vida, Descartes escreveu obras que influenciaram não só a filosofia, mas também a ciência e a matemática.

Entre as principais obras de Descartes estão:

  • Discurso do Método (1637)

  • Meditações Metafísicas (1641)

  • Princípios da Filosofia (1644)



Descartes recebeu um convite, em 1649, para ser conselheiro e professor da rainha Cristina, em Estocolmo, Suécia. Ele faleceu em 1650, de pneumonia.

O racionalismo cartesiano e a dúvida metódica

René Descartes recebeu o status de fundador do racionalismo moderno. Ele tinha como proposta filosófica estabelecer um conhecimento seguro e verdadeiro, baseado na razão.

Para isso, desenvolveu um procedimento rigoroso conhecido como dúvida metódica.

Também conhecido como método da dúvida, este é um modelo de investigação rigorosa que consiste em colocar sob suspeita todas as crenças, mesmo aquelas que já são tidas como certezas, que possam ser passíveis de dúvida.

Descartes propõe que antes de aceitar qualquer ideia como verdadeira é necessário examiná-la criteriosamente, questionando sua origem e seus fundamentos.

E esses questionamentos também se referem às informações obtidas pelos sentidos – que podem ser enganosas –, as crenças aprendidas na infância e até mesmo as verdades matemáticas.

O ponto-chave da sua proposta filosófica são as ideias inatas, as quais são verdades que estão na mente humana desde o nascimento e que são independentes da experiência sensível. Para exemplificar, a noção de Deus e da perfeição. Este método também ficou conhecido como método cartesiano.

Pode-se chamar essa dúvida de método porque, para Descartes, a dúvida é uma ferramenta para a construção do conhecimento. E a razão deve ser aplicada de forma ordenada e lógica, organizando os problemas dos mais simples para os mais complexos.

Então, para ele, a dúvida de forma radical deveria ser aplicada, pois, assim, atingiria-se um ponto seguro do conhecimento que temos.

Tamanha era a preocupação do filósofo que ele questionou a própria existência, chegando à famosa frase “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), a qual é a conclusão do argumento do cogito, a primeira certeza inabalável.

Portanto, o racionalismo cartesiano afirma que a razão é o único caminho confiável para atingir o conhecimento verdadeiro.

O método cartesiano influenciou profundamente a ciência moderna, a filosofia e a forma como pensamos sobre o mundo até hoje.


“Penso, logo existo”: significado e impacto

A frase “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum) é uma das mais conhecidas de Descartes e da história da filosofia.

Foi através dela que René Descartes traçou o caminho para a busca por um conhecimento que não pudesse ser colocado em dúvida.

Na verdade, essa frase é a conclusão do argumento do cogito.

O argumento do cogito

Ao adotar a dúvida metódica como método, Descartes questiona tudo: os sentidos, as crenças, as ideias inatas, aquelas colocadas por Deus na mente humana, e até mesmo os princípios da matemática.

No entanto, o próprio fato de pensar, mesmo que duvide, já prova a existência do sujeito enquanto pensamento.

Assim, o cogito se tornou a primeira certeza indiscutível: se penso, logo existo.

René Descartes trouxe para a discussão uma nova perspectiva do ponto de partida do conhecimento: a razão. Isso rompia com a tradição filosófica que antes se apoiava em autoridades externas, tradições ou experiências sensoriais.

A dúvida radical é fundamental para esse pensamento porque, mesmo que a convicção do indivíduo seja falsa, ele a está questionando e isso, por si só, prova a sua existência na condição de sujeito pensante.

Portanto, sendo provado que o sujeito é pensante, isso se torna uma verdade que fundamenta seu pensamento filosófico para a construção do edifício do conhecimento.

A partir da certeza do cogito, Descartes busca demonstrar e fundamentar a existência de Deus para validar a confiabilidade do mundo exterior – sempre partindo da razão.

O cogito inaugura uma nova forma de pensar, focada no sujeito e em sua capacidade de reflexão. Desta forma, Descartes estabelece a consciência do indivíduo como base da construção do saber.

Essa ideia impacta a filosofia e outras áreas, como a ciência, a psicologia e a própria noção de sujeito moderno.

A confiança na razão e na autonomia do indivíduo, discutidas no cogito, moldaram a percepção do ser humano na modernidade, instigando o caráter investigativo.

Em resumo, a conclusão “penso, logo existo” extrapola a frase filosófica. Ela é o começo para compreender o mundo e a si mesmo sob um novo olhar.



Dualismo mente e corpo: a separação entre “res cogitans” e “res extensa”

A teoria do dualismo proposta por Descartes diz que existem duas substâncias distintas na realidade: a mente (res cogitans) e o corpo (res extensa).

A res cogitans é a substância pensante, imaterial, consciente e racional, ou seja, a mente. Portanto, é a parte responsável pelo pensamento, pela dúvida, pela compreensão, pelo desejo e pelo sentimento.

Entretanto, a res extensa é a substância material, que tem forma e que se submete às leis da física, isto é, o corpo.

Descartes dizia que a mente é invisível e indivisível, enquanto o corpo é visível e divisível.

Embora mente e corpo sejam substâncias de naturezas diferentes, elas interagem nas sensações e emoções. Apesar de serem partes distintas (res cogitans e res extensa), estão interligadas.

Segundo Descartes, a comunicação entre essas substâncias acontece por meio da glândula pineal, localizada no cérebro, onde os pensamentos influenciam as ações do corpo e a recíproca é verdadeira.

O princípio do dualismo mente e corpo contribuiu para uma mudança importante no modo como essas substâncias passaram a ser abordadas na ciência: a mente passou a ser estudada pela filosofia, enquanto o corpo e os fenômenos físicos se tornaram objeto da ciência moderna.

Essa distinção não só permitiu o avanço de áreas como a medicina e a matemática, como também contribuiu para o desenvolvimento da psicologia e da nossa compreensão sobre a subjetividade humana.

Descartes na matemática, física e pensamento científico

As ideias de Descartes tiveram grande influência no desenvolvimento da matemática, da física e da ciência moderna como um todo.

Quando Descartes propôs uma busca pelo conhecimento verdadeiro por meio da razão, ele contribuiu com a fundamentação racionalista do método científico e modificou a compreensão que temos da natureza.

Na matemática, sua principal contribuição foi a criação da geometria analítica, que uniu a álgebra e a geometria em um único sistema.

Isso permitiu representar elementos geométricos, como retas, pontos, circunferências, por meio de equações, o que possibilitou descrever fenômenos naturais com precisão matemática.

Os conhecidos eixos cartesianos são fundamentais para diversas áreas da ciência e da engenharia.

Já na física, Descartes propôs uma visão mecanicista do mundo, rompendo com a visão aristotélica. Ele acreditava que a natureza funciona como uma máquina, obedecendo a leis mecânicas (matemáticas e racionais), descartando o sobrenatural.

Com isso, trouxe a ideia de que os fenômenos físicos podem ser explicados através das causas eficientes (colisões e movimento de partículas materiais), o que teve impacto direto para a física moderna.

Por último, mas não menos relevante, sua colaboração com o pensamento científico está diretamente ligada à valorização do método.

Segundo Descartes, o conhecimento deve seguir um raciocínio lógico e ordenado, com base em evidências claras e objetivas, guiando o ideal de objetividade que orienta as ciências até os dias atuais.

Quando René Descartes elaborou um pensamento que unia razão, clareza conceitual e método, ele estabeleceu fundamentos capazes de orientar a investigação científica, que ainda são utilizados no mundo moderno.

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Críticas e limitações do pensamento cartesiano

O pensamento cartesiano não só exerceu influência na filosofia e nas ciências modernas, como também recebeu críticas importantes, sobretudo de visões contemporâneas.

Um dos pontos de crítica é o seu dualismo mente e corpo, res cogitans e res extensa, como substâncias distintas e independentes.

Para alguns críticos, essa divisão gera dificuldades em explicar como duas naturezas tão diferentes poderiam interagir.

A tentativa de Descartes de resolver isso por meio da glândula pineal não foi muito aceita. Filósofos como Espinosa e Leibniz buscaram alternativas para superar essa divisão e defender uma visão mais integrada da realidade.

Outro questionamento sobre as ideias de Descartes volta-se para o racionalismo cartesiano excessivo.

Quando René Descartes prioriza a razão como fonte do conhecimento, ele desconsidera a relevância das outras experiências: dos sentidos, da vivência e do contexto histórico como parte fundamental da construção do conhecimento.

Alguns filósofos conhecidos que contrapuseram essa ideia são dois empiristas, John Locke e David Hume. Eles argumentaram que todo conhecimento tem origem na experiência sensível.

Agora, na contemporaneidade, a crítica ao racionalismo cartesiano expressa a necessidade de repensar o sujeito de forma mais complexa, pois não é possível ignorar os contextos culturais, sociais e históricos aos quais ele pertence.

Apesar dessas limitações e questionamentos, o pensamento cartesiano continua relevante. Sua influência foi tão forte que correntes filosóficas se formaram a partir das críticas e das dúvidas que vieram de suas ideias, como o empirismo.

E não seria essa a proposta inicial do pensamento cartesiano? Questionar tudo, até mesmo as crenças que são tidas como verdades? Provavelmente, ele estaria feliz com o resultado de suas ideias e de suas questões em aberto.

Por que ainda estudamos Descartes hoje?

René Descartes continua até hoje sendo referência e provocando reflexões fundamentais sobre a razão, a dúvida e o conhecimento.

O método cartesiano teve forte influência na investigação filosófica, científica e epistemológica, trazendo o sujeito pensante para o centro da busca pela verdade.

Sua proposta de começar o saber pela suspensão de todas as certezas abriu caminho para uma filosofia mais crítica e autônoma, inclusive favoreceu o surgimento de ramos da filosofia que tentavam se inspirar, como o Iluminismo, ou ressignificá-lo.

Ainda que tenham sido refutadas e recebido críticas, as ideias de Descartes não só influenciaram como ainda influenciam a construção do conhecimento, a ciência e a sociedade.

Estudar Descartes é voltar às raízes do pensamento moderno como um guia para compreendermos o que é o conhecimento e a nossa existência. Além de ser um convite para a autocrítica para refletirmos sobre como pensamos e como lidamos com a dúvida.

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A psicanálise de Wilfred Ruprecht Bion analisa a mente em grupo e a formação das emoções através do autoconhecimento. Além de ter produzido uma teoria sobre o funcionamento da personalidade, W. Bion criou a perspectiva que defende uma psicanálise aplicada para além do inconsciente, na medida em que os aspectos conscientes também revelariam o mundo dos sujeitos.

Para compreender os seus principais conceitos e percorrer sobre as particularidades da sua história, confira:



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Quem foi Wilfred Bion?

Nascido em 1897 em Penjab, na Índia, Bion foi criado até os sete anos por uma ama indiana, Ayah, que exerceu grande influência sobre seus estudos e interesses educacionais. Com uma família pouco estruturada, Bion foi enviado a um colégio interno na Inglaterra aos oito anos, no entanto, teve dificuldades de adaptação por conta da rigidez institucional e da solidão, uma vez que seus pais e irmã raramente o visitavam.

Para auxiliar no seu processo de sociabilidade, Wilfred passou a praticar esportes como natação e rugby, se tornando capitão de equipes. Além disso, ingressou nas Forças Armadas e atingiu patente de capitão, chegando a ser condecorado em função do seu desempenho. Com o final da I Guerra Mundial, Bion passa a desenvolver seus estudos em História na Universidade de Oxford, onde se aprofunda nos estudos filosóficos, com especial atenção ao empirismo inglês de Immanuel Kant.

O interesse na História Moderna e na Teologia, impulsionaram W. Bion a cursar Medicina na University College London e se tornar psicanalista. Trabalhos como o de Sigmund Freud despertaram o interesse para a prática clínica, assim como William Shakespeare, que o inspirou através dos estudos artísticos e estéticos.

Pioneiro na criação da terapia em grupo para militares, Bion buscava auxiliar no processo de reabilitação psíquica dos sujeitos após o elemento traumático.

Após formado, se qualifica em psicoterapia psicanalítica na Clínica Tavistock em Londres, onde entra em contato com o trabalho de Donald Winnicott e Herbert Rosenfeld. Foi somente em meados de 1946 que W. Bion entra em análise de treinamento com Melanie Klein, se tornando, em 1950, membro pleno da Sociedade Psicanalítica Britânica.

Nesse contexto, Bion produz estudos sobre as dinâmicas de grupo e o trabalho psicanalítico em pacientes com transtornos psicóticos, pois defendia que a sociedade tem uma tendência inata ao desejo de conhecimento e do saber.


Bion: a relação com outros psicanalistas e influências

Com o trabalho de Melanie Klein – referência nos estudos sobre escuta e desenvolvimento humano –, Bion se aprofunda na psicanálise, sobretudo em relação à vida psíquica primitiva, à identificação projetiva e ao desenvolvimento do pensamento.

Para o psicanalista, interessava compreender como a mente humana aprende a pensar.

Com Freud e a teoria do princípio do prazer e da realidade, W. Bion avança ao sugerir que o pensamento se dá justamente para que o indivíduo saiba lidar com a frustração da ausência do objeto desejado.

Esse processo é o que Bion denomina por aprendizado pela experiência: a psique se desenvolve no exercício de suportar as frustrações da vida e criar formas de compreendê-las.

Caso contrário, ao invés de pensar e processar a informação, o sujeito continuaria despejando impulsivamente seus estados emocionais, o que permitiria, segundo o psicanalista, uma abertura à patologias psíquicas.


O que diz a teoria de Wilfred Bion?

Ao trafegar por suas ideias, Bion deixa claro que não se preocupa em criar teorias, pois o seu objetivo maior estaria centrado em orientar o processo de análise do paciente a partir da experiência emocional.

No entanto, quando compara-se a sua perspectiva com a psicanálise clássica, é notório que a sua visão avança no que se refere a um processo de análise que não se dá somente a partir do analista, mas, sobretudo, a partir do sujeito analisado.

Para ele, não se trata da busca pela origem do trauma ou das fantasias do indivíduo, mas de uma expansão da capacidade de reflexão do sujeito em um universo que está em constante movimento. Nesse sentido, o que o psicanalista sugere, é que o processo analítico seja realizado principalmente pelo analisado, a partir das suas descobertas, verdades e contradições. Assim, o psicanalista auxilia o paciente no processo, não como um agente central, mas como um guia.

Para o autor, o pensamento humano se transforma em uma máquina de pensar por conta do acúmulo de experiências, sensações e percepções.

Desse modo, seria através dos processos de internalização dos pensamentos, que a compreensão de mundo do sujeito ganharia forma, no qual o indivíduo construirá suas próprias impressões, dotando-as de significado e experiência.

Quais os principais conceitos de Wilfred Bion?

Mesmo que o autor sugira que não há uma teoria em específico a seguir, alguns conceitos são centrais para o processo de compreensão de sua obra. Nesse aspecto, foram diversas as contribuições de W. Bion, algumas, em particular, merecem destaque pelo aprofundamento nos estudos psicanalíticos.

Teoria do Pensamento

Ainda na década de 1940, Bion desenvolve a Teoria do Pensamento a partir dos estudos de Freud e Klein. Em sua perspectiva, o pensar surge como uma saída, uma solução, para se lidar com a frustração no indivíduo.

Nesse sentido, a frustração, a não realização, é o primeiro passo para a origem do pensamento que, por sua vez, irá construir o aparelho psíquico. Em outras palavras, para Bion, o pensamento é precursor. Assim, o aparelho psíquico existe para dar resposta à necessidade do pensar.

“O pensamento está em busca de um pensador” (W. Bion)


Bion defende que a primeira frustração ocorre a partir da “experiência do não seio”, caracterizada pela percepção do bebê em não encontrar, instintivamente, o seio materno. A partir dessa não realização, o bebê desenvolverá o que ele denomina por Protopensamento, ou seja, uma primeira manifestação da capacidade do pensar, dando, então, condições para a elaboração dos pensamentos, para a produção dos sonhos e das funções do intelecto.

Função Alfa e Função Beta

Nesse caminho, se o bebê lidar de forma positiva com a frustração, ocorrerá o pensamento em si, gerando, assim, a capacidade de tolerância do indivíduo. Esse processo é denominado por W. Bion por Função Alfa, ou seja, trata-se da constituição de uma compreensão das necessidades humanas a partir da primeira frustração.

Há, ainda, experiências que não puderam ser pensadas ou vividas pelo indivíduo, provocadas pela incapacidade de tolerar a frustração. A esses elementos, Bion denomina por Função Beta, compreendida como as experiências sensoriais primitivas que não foram elaboradas como positivas pelo bebê, e que geram uma espécie de agitação motora, ou seja, o excesso de sensações.

Em outras palavras, para ele, os elementos beta são armazenados não como forma de memória, mas como fatos e situações não digeridas, enquanto os elementos alfa foram digeridos e processados pelo indivíduo.

Teoria do Continente e Conteúdo

Outra perspectiva de W. Bion que merece destaque, é a Teoria do Continente e Conteúdo – um dos conceitos centrais da psicanálise contemporânea, que se refere à relação entre mãe e bebê.

Para o autor, o bebê nasce repleto de experiências sensoriais intensas, com baixa capacidade de organizá-las cognitivamente. Nesse sentido, um dos principais papéis da figura da cuidadora primária, é o de “conter” as necessidades orgânicas e emocionais, os medos e angústias do bebê.

A mãe, então, age como continente das emoções do bebê, sendo os conteúdos, a própria experiência da criança. Se a mãe transforma as angústias e as sensações do bebê em pensamentos e experiências, ela auxiliará no processo de aprendizagem e produção de autoconhecimento do sujeito.

Vínculos L/K/H

Outra percepção de W. Bion trata-se do conceito de vínculo, elaborado a partir de três obras do autor: Aprendendo com a experiência (1962), Elementos de Psicanálise (1963) e Transformações (1965). Nos livros, ele descreve os três tipos de elos: vínculo de amor (L – love), vínculo de ódio (H – hate) e vínculos de conhecimento (K – knowledge).

Os sentimentos que conhecemos pelos nomes 'amor' e 'ódio' parecem ser escolhas óbvias se o critério for a emoção básica. Inveja e Gratidão, Depressão, Culpa, Ansiedade, todos ocupam um lugar dominante na teoria psicanalítica” (Bion, 1962, p. 42-43).


Com isso, o que W. Bion nos diz, é que os elos são formados de modo dinâmico através de uma inter relação primitiva que afeta o desenvolvimento individual e que é investida por esses vínculos. Para ele, não há conhecimento sobre os objetos que não estejam profundamente enraizados em laços afetivos, ou seja, toda experiência emocional pode ser percebida como um elo, pois coloca um Eu e um objeto na presença um do outro.

Cabe ainda mencionar que, para o autor, os três tipos de vínculos podem ser sinalizados de forma positiva (+) ou negativa (-). Por exemplo: menos amor (-L) não é o mesmo que sentir ódio, assim como menos ódio (-H) não significa amor.

Para ler mais sobre amor e psicanálise, confira o curso Freud e o Amor - Casa do Saber.



Três obras de Wilfred Bion que você precisa conhecer

Com mais de 50 títulos publicados, a obra de Bion reflete a complexidade dos estudos contemporâneos da psicanálise a partir da psicologia social, baseada nas experiências emocionais que ocorreram na prática psicanalítica do autor.

No entanto, em particular, algumas obras merecem destaque:

(1961) BION, Wilfred R. Experiências em grupos. Buenos Aires: Paidos Iberica Ediciones S. A., 1980.

capa do livro Experiências em Grupos, de Wilfred Bion

No livro “Experiências em Grupos”, Bion reúne artigos próprios construídos entre 1948 e 1960, e constrói uma análise psicanalítica sobre a concepção e a mentalidade dos grupos. Apresentando conceitos Kleinianos, o psicanalista chama atenção para como o processo de análise deve se dar sob o olhar do que se diz e do que não se diz em terapia, avaliando não apenas as palavras do paciente, mas também, os seus silêncios.

(1962) BION, Wilfred R. Aprender da experiência. São Paulo: Editora Blucher, 2021.

capa do livro aprendar da experiência, de Wilfred Bion

Já em “Aprender da experiência”, W. Bion mostra a sua principal teoria sobre a formação do pensamento, chamando a atenção para a experiência emocional dos indivíduos enquanto propulsor para a reestruturação de ideias. Além disso, explora o aprendizado através do conhecimento aos problemas, pois sugere que o conhecimento sobre si, pode gerar um grau de sofrimento no sujeito.

(1963) BION, Wilfred R. Elementos da Psicanálise. Ribeirão Preto: Espaço Psi, 2023.

capa do livro elementos da psicanalise, de Wilfred Bion

Considerado uma das obras mais importantes e fundamentais da obra de Bion, “Elementos da Psicanálise” trata sobre a origem e a natureza dos pensamentos e da capacidade de pensar. O autor define os elementos da psicanálise a partir de um uso sadio ou patológico do pensamento, abrindo caminhos para se pensar a formação dos sentimentos de angústia, confiança e vitalidade a partir da frustração.




Resumo sobre Wilfred Bion

Com sua pioneira capacidade intelectual de investigar sobre a experiência dinâmica de grupos, e aprofundar nos estudos sobre desenvolvimento individual, Wilfred Bion se tornou uma referência para a psicanálise moderna.

A Casa do Saber oferece um curso que apresenta um panorama das questões centrais do pensamento do autor. Saiba mais: Bion e os Dilemas da Vida Comum: O Pensar na Contemporaneidade - Casa do Saber.

O seu trabalho ativo abriu caminhos para que as experiências emocionais dos sujeitos se apresentassem como um espaço de autodescoberta psicanalítica, na qual o autor destaca ser sempre de natureza vincular.

Nesse sentido, os estudos de W. Bion apresentam instigantes possibilidades de reflexão e análise dos sujeitos a partir de uma leitura expansionista e dialética.

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Referências:

https://psychoanalysis.org.uk/our-authors-and-theorists/wilfred-bion

https://www.bion.org.br/

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ZIMERMAN-D.-E.-A-obra-Uma-Resenha-dos-Trab.-de-Bion.-In-Bion-Da-teoria-a-pratica.-pag.-31-47.-Cap.2.pdf

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