Antes da psicanálise existir como método clínico, Freud já buscava formas de aliviar o sofrimento psíquico de suas pacientes. O primeiro caminho encontrado foi o método catártico, desenvolvido ao lado de Breuer.
Neste artigo, você vai entender o que foi essa técnica baseada no uso da hipnose, como ela ajudou a identificar traumas inconscientes e por que, mesmo abandonada, deixou marcas importantes na história da psicanálise.
O artigo abordará os seguintes tópicos:

O que é o método catártico?
O método catártico foi a primeira técnica terapêutica utilizada por Freud. Elaborado em parceria com seu colega Joseph Breuer, tal método consistia em hipnotizar os pacientes para que se descobrisse os traumas que originaram seus sintomas. Era também necessário que, ainda sob hipnose, os pacientes efetuassem certa descarga emocional para finalmente se livrarem de seus traumas.
O método catártico e a história da psicanálise
Freud iniciou seus trabalhos na década de 1880. Na época, ele era um jovem estudante intrigado com os fenômenos histéricos e já havia participado das aulas ministradas por Charcot – grande autoridade no assunto – no Hospital de Salpêtrière em Paris.

Retornando à Viena, conheceu outro eminente médico, o Dr. Joseph Breuer que, inclusive, já dispunha das principais bases do método catártico. Os dois se tornaram amigos, passaram a trabalhar juntos e, inclusive, publicaram em parceria os famosos “Estudos sobre a histeria” (Breuer & Freud, 1895).
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Trauma psíquico e sintomas histéricos
Proponho que antes de discutir o que exatamente era o método catártico, falemos um pouco sobre as famosas histéricas de Freud. Pela experiência que tenho em sala de aula, isto em muito facilitará a compreensão do que será dito em seguida.
Pois bem, em linhas gerais, a histeria era definida por esta época, como uma enfermidade predominantemente do sexo feminino. Ninguém sabia exatamente o porquê, mas é fato que eram poucos os homens com tal diagnóstico.
A principal característica da histeria era algo que gerava um profundo estranhamento não apenas entre os médicos, mas à sociedade como um todo: os chamados “sintomas de conversão”. Estes diziam respeito a sofrimentos corporais que, embora extremamente intensos, não eram explicados por nenhum exame anatômico ou fisiológico.
Por exemplo, uma histérica podia apresentar um sintoma de cegueira. No entanto, os médicos faziam mil exames nela e concluíam que tudo em seu organismo funcionava exatamente bem: tanto os seus olhos, quanto o cérebro e as inervações. Ou seja, absolutamente nada explicava tal cegueira.
A histérica também podia manifestar uma paralisia em um braço ou perna. Da mesma maneira, ela era submetida a uma bateria imensa de exames e nada era acusado: nada de mais era detectado em seus ossos, músculos, ou mesmo, nos neurônios.
E se até os dias de hoje este quadro gera tanto estranhamento, imaginem naquela época! Imaginem só uma mulher jovem e bonita chegando no consultório de um médico de fins do século XIX completamente cega e este não conseguindo encontrar nada...
Ora, muitos destes médicos resolviam a situação acusando as histéricas de simularem estas tantas dores e paralisias. E, em meio a esse caos, Breuer e Freud talvez tenham sido os primeiros dispostos a escutá-las.
Assim, conforme escutavam suas pacientes, Breuer e Freud foram concluindo que a causa destes estranhos sintomas histéricos era sempre um trauma psíquico. Tudo se passava como se elas tivessem vivenciado um trauma no passado, porém na ocasião, não conseguiram reagir emocionalmente a ele de maneira adequada.
Vejamos através de um exemplo clínico como todo este processo ocorria.
Um exemplo clínico: o caso Emma
Pela minha experiência, de todos os casos por Freud analisados neste início de carreira, acredito que o que melhor ilustra as suas primeiras concepções sobre a histeria é o caso de Emma (Freud, 1895).
Trata-se da história de uma jovem histérica que apresentava como sintoma uma fobia de entrar em lojas sozinha. Emma associa este medo a uma cena ocorrida pouco tempo antes na qual entrara numa loja sozinha e vira dois vendedores rindo.
Automaticamente, ela pensou que os dois riam dela... mais especificamente das roupas ainda muito infantis que trajava na ocasião. Porém, tal lembrança em nada explicava sua estranha fobia.
Assim, no decorrer do tratamento, Freud foi descobrindo que seu sintoma histérico foi causado por um trauma: quando ainda criança, Emma estava sozinha em uma confeitaria e o confeiteiro a bulinou por cima de suas roupas. Durante o ato, o homem olhava para a criança e dava uma risadinha sarcástica...
E, deste modo, tudo estava explicado: a cena de infância efetivamente justificava o sintoma histérico da jovem. Na ocasião, ela obviamente ficara sem qualquer reação. A lembrança deste trauma ficara guardada em sua memória inconsciente e acabou gerando sua fobia.
Vale sublinhar que caso Emma tivesse gritado, chorado ou procurado ajuda na ocasião – ou então reagido de outra forma razoavelmente adequada – a cena não teria adquirido um efeito tão traumatizante.
O método catártico de Breuer e Freud
Pois bem, agora que entendemos o que é a histeria, bem como as concepções iniciais de Breuer e Freud a seu respeito, podemos finalmente discutir o método catártico.
Em linhas gerais, o método catártico é um modo de tratamento que consistia no uso da hipnose para que se descobrisse o trauma que veio a causar os sintomas histéricos.
Hipnotizava-se a paciente e, logo após, era-lhe solicitado que associasse algumas ideias relacionadas a seus sintomas, deixando que ela desse livre curso a seus pensamentos. Após algumas repetições deste procedimento, chegava-se ao trauma psíquico que teria desencadeado todo o seu sofrimento.
No entanto, para que as histéricas pudessem livrar-se de seus sintomas, era também necessário que, ainda sob hipnose, elas conseguissem exteriorizar todo o afeto retido e que não pudera ser descarregado na ocasião do trauma. Tratava-se, portanto, de uma espécie de catarse emocional e daí o nome “método catártico”.
Anna O.: o caso paradigmático

Sempre que o assunto é o método catártico, o leitor espera encontrar algumas linhas a respeito do caso da Anna O. Então vamos lá!
Este é o caso mais conhecido de aplicação do método. Tratava-se de uma jovem de vinte e um anos atendida por Breuer em 1881. O relato de sua história encontra-se na íntegra no já mencionado “Estudos sobre a histeria” (Breuer & Freud, 1895).
Anna O. possuía uma série de sintomas histéricos, todos surgidos nos dois anos anteriores, enquanto cuidava do pai gravemente enfermo. Dentre tais sintomas, havia uma paralisia espástica, perturbações da visão, tosse nervosa intensa, repugnância a certos alimentos, dificuldade de beber água, além de um curioso esquecimento da língua materna, no caso, o alemão.
E efetivamente Breuer descobriu que todos estes sintomas histéricos foram gerados por alguns traumatismos. Tomemos dois deles como ilustração: o sintoma da hidrofobia e o de perturbação da visão.
Em relação ao sintoma de hidrofobia, marca-se que, durante seis semanas, Anna O. se pôs a repudiar qualquer copo d´água que lhe era oferecido. Nestas ocasiões, tão logo o levava aos lábios, repelia-o automaticamente sem saber a causa deste estranho comportamento.
Certa vez, durante a hipnose, a histérica relatou que há algum tempo tivera uma dama de companhia e, uma noite, vira-lhe dar de beber a seu cãozinho em um copo. Ao presenciar a cena, Anna O. sentiu um enorme nojo, mas nada exteriorizara por simples polidez.
Quando, em hipnose, conseguiu exteriorizar seu nojo, ela livrou-se de toda a cólera retida. Ao acordar do transe, finalmente pediu de beber, coisa que fez sem o menor embaraço.
Quanto às suas perturbações de visão, Breuer descobriu que estas se associavam à época na qual, com os olhos marejados, ela estava junto ao leito do pai doente. Certo dia, de repente, este acordou perguntando-lhe as horas. E Anna O. teve que reprimir as lágrimas para que o pai não percebesse o quanto ela sofria.
O sintoma em questão também cedeu quando, sob hipnose, a paciente conseguiu exteriorizar sua tristeza.
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Os “Estudos sobre a histeria”

É hora de falar um pouco desta obra. Trata-se do primeiro livro de Freud, publicado em conjunto com Breuer no ano de 1895.
A grande maioria dos meus alunos costumam julgar sua leitura como bastante fácil e, por isto, muitos a consideram como a melhor maneira de introduzir-se nos textos de psicanálise. Recomendo bastante a sua leitura!
O livro é dividido em quatro partes:
A primeira é a famosíssima “Comunicação preliminar” na qual constam as principais teorizações de Freud e Breuer sobre os sintomas histéricos.
A segunda contém cinco casos clínicos bastante conhecidos: além do relato de Anna O., ainda há os casos de Emmy von N., Miss Lucy, Katharina e Elisabeth von R.
Em seguida, há a terceira parte também de “Considerações teóricas”.
E a quarta “A psicoterapia da histeria” escrita apenas por Freud. Nesta última, o método catártico é explicado em seus mínimos detalhes.
O método catártico e a associação livre
Por que Freud abandonou a hipnose?
Com efeito, Freud julgava a hipnose um procedimento bastante incerto. Ora, ele sempre se denominou um “homem da ciência” e como a hipnose gozava de pouca credibilidade neste meio, Freud abdicou de seu uso.
Além do mais, muitas histéricas eram imunes à hipnose e, portanto, por mais que se tentasse aplicar o método catártico, elas jamais entravam em transe. Por fim, houve a constatação de que a hipnose acabava por silenciar as resistências das pacientes e, bem ou mal, estas funcionavam como importantes pistas para saber se o tratamento estava chegando ao seu devido lugar.
Assim, com o rompimento com Breuer, Freud construiu seu próprio método de tratamento: a psicanálise e, com ela, a regra fundamental da associação livre. De fato, Freud descobriu que o tratamento poderia chegar à causa dos sintomas com o paciente acordado, bastando que se solicitasse que ele dissesse tudo o que lhe vinha ao pensamento sem maiores censuras ou preconceitos.
No entanto, acho interessante frisar que, por outras vias e de outros modos, certa “catarse” ainda permaneceu associada à clínica psicanalítica. Isto porque não se pode negar que associar livremente diante de um psicanalista causa um efeito aliviante no paciente.
Com frequência, saímos das nossas sessões de análise, de certa maneira, renovados, leves e mesmo confortados.
Falar possui, portanto, um efeito catártico. E talvez tenha sido esse o principal ensinamento de Freud com estes atendimentos iniciais. Neste sentido, cada vez mais, a clínica psicanalítica irá valorizar a palavra, aquilo que o paciente consegue nos dizer e, com isto, ir elaborando seu sofrimento.
Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.
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Referências:
Breuer, Joseph. & Freud, Sigmund. (1895). Estudos sobre histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 11-316.
Freud, Sigmund. (1895). Projeto para uma psicologia científica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 1. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 333-454.
Roudinesco, Elisabeth. & Plon, Michel. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora.