Ideias que não saem da cabeça, comportamentos repetitivos, sensação constante de culpa ou dúvida. Para a psicanálise, esses sintomas podem indicar a presença de uma neurose obsessiva.
Neste artigo, você vai entender o que é a neurose obsessiva segundo Freud, como ela se manifesta no cotidiano, quais são seus principais sintomas e em que ponto se diferencia do TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo).
O artigo abordará os seguintes tópicos:

O que é a neurose obsessiva?
Para a psicanálise, a neurose obsessiva é um quadro caracterizado principalmente pela presença de ideias obsessivas. Trata-se, aqui, de pensamentos intrusivos e repetitivos que, em maior ou menor grau, não saem da cabeça do sujeito e frente aos quais ele não possui o menor controle.
Para lutar contra estes tantos pensamentos, é comum que os neuróticos obsessivos executem alguns atos compulsivos. Tais compulsões são atos cerimoniais igualmente repetitivos que, segundo eles, podem vir a neutralizar os pensamentos que não lhes deixam em paz.
Como é uma pessoa com neurose obsessiva?
Antes de tudo, é necessário frisar que uma pessoa com neurose obsessiva é alguém absolutamente normal. Quando digo esta frase, é comum que muitos estranhem e fiquem se perguntando “como é que pode alguém pode ter neurose obsessiva e ser considerado normal?” Mas é verdade! (óbvio que com todos os “poréns” que existem em torno desta ideia de “normalidade”).
Acredito que o que leva muitos de vocês a estranharem esta afirmação é o fato de os termos “neurose” ou “neurótico” possuírem na atualidade um sentido muito diferente daquele atribuído por Freud.
Ou seja, na nossa sociedade, “neurose” é considerado um termo de sentido horrível. E “neurótico”, por muitas vezes, parece muito mais um xingamento do que qualquer outra coisa.
Vale inclusive lembrar que aqui no Rio de Janeiro – cidade que como tantas outras adora construir seu próprio dialeto – lá pelos anos 2000, “neurótico” também virou uma gíria e veio a assumir o significado elogioso de “frenético”, “inquieto” ou “agitado”. Enfim, coisas do Rio...
Como surgiu o termo "neurose"?
O termo “neurose” foi criado em 1777 pelo eminente médico William Cullen, trazendo efetivamente o significado original de “doença dos nervos” (Laplanche e Pontalis, 1998). No entanto, quando Freud trouxe este termo para a psicanálise, ele o fez modificando seu sentido original.
Assim, o termo passou a ser empregado para denotar alguns quadros clínicos com sintomas muito comuns, toleráveis e relativamente distantes da ordem do que se considerava como uma loucura. Daí a diferença entre neurose e psicose.
Portanto, no caso dos neuróticos obsessivos, apesar de alguns sintomas serem bastante excêntricos e mesmo esquisitos ou engraçados, não há nada que leve à concepção de que eles são loucos.
Pelo contrário, são pessoas extremamente moralizadas e que levam uma existência comum. Posso mesmo garantir que entre nós há uma penca de neuróticos obsessivos e que eles também povoam nossas famílias nucleares e círculos de amizade mais próximos.
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Um exemplo de neurose obsessiva
Dito isto, podemos então colocar que a neurose obsessiva é aquela que se caracteriza, sobretudo, pela presença maciça de pensamentos ou ideias ou obsessivas. Trata-se de algumas obsessões persistentes e que acabam levando o sujeito a realizar uma série de atos compulsivos que visam neutralizá-las.

Há alguns exemplos que costumo dar em sala de aula e que em muito facilitam o entendimento de como é uma pessoa com neurose obsessiva. Este é um dos meus preferidos.
Trata-se do caso comum de uma pessoa que recorrentemente é tomada pelo pensamento obsessivo de que “Algo horrível vai acontecer a mim” ou “Alguém próximo irá morrer”.
Estas são obsessões que volta e meia lhe chegam ao pensamento causando muita angústia. Ideias que ela mesmo considera besteiras, algo sem o menor sentido, mas que, ainda assim, não consegue delas livrar-se.
Daí nada mais óbvio que esta pessoa passe a se entregar à compulsão de rezar sempre que é tomada por um destes pensamentos, podendo até mesmo se tornar uma pessoa muito religiosa.
Neste contexto, rezar repetidamente é o ato compulsivo que ela realiza visando pôr um fim aos pensamentos perturbadores. No entanto, é necessário frisar que quase nunca estes atos conseguem inibir os pensamentos obsessivos.
Assim, caso esta pessoa procure um psicanalista, ela pode se dar conta, por exemplo, de que quando era criança, costumava masturbar-se bastante (o que aliás é muito comum entre as crianças). Porém, a partir do momento em que passou a ter consciência dos padrões morais, viu-se obrigada a abandonar o ato ao qual tanto se entregava.
Com isto, deu-se o recalque (por muitas vezes traduzido por “repressão”) de seus desejos sexuais infantis. Em si, o recalque é definido como um mecanismo de defesa frente aos nossos desejos sexuais que visam afastá-lo ao máximo da consciência. Recalcados, estes desejos se tornam desconhecidos e o sujeito passa a ignorá-los veementemente.
Porém – e é aí que mora um problema – recalcar um desejo não é matá-lo. Pelo contrário, ele continua atuante no inconsciente e passa a pressionar insistentemente para realizar-se.
No caso deste neurótico obsessivo, a cada vez que o desejo sexual inconsciente pressiona, ele se culpa e, portanto, se pune com os pensamentos “algo muito ruim vai acontecer a mim” ou “alguém muito próximo irá morrer em breve”.
E como a pressão do desejo inconsciente é constante e bastante intrusiva, estes pensamentos também o serão. Daí a solução infeliz e ineficaz que o neurótico obsessivo inventa: orar para livrar-se destes pensamentos que não lhe deixam em paz.
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Quais são os sintomas da neurose obsessiva?
- Pensamentos intrusivos e compulsão à repetição
- Ambivalência de sentimentos
- Culpa inconsciente ou consciente
- Dúvidas e ruminações
- Inibições
Atenção!
Há uma tendência horrível em todos nós de nos identificarmos com tudo o que lemos na internet sobre algum quadro clínico.
Quando lemos sobre o TDAH, passamos a ter certeza que temos TDAH; quando lemos sobre a esquizofrenia, passamos a ter certeza que somos esquizofrênicos; quando lemos sobre fobia, passamos a achar que somos fóbicos. MAS NÃO É ASSIM QUE A BANDA TOCA!
Muitos, inclusive, chegam a um primeiro atendimento com um psicanalista já dizendo: “Oi Doutor, eu tô aqui porque tenho TOC, síndrome do pânico e TEA”. E, no entanto, quando perguntamos qual foi o psicanalista ou psiquiatra que fez o diagnóstico, o sujeito olha para a gente com a cara mais lavada do mundo e fala: “ah, eu vi na internet”. Que lindo!
Dito isso, eu mostrarei em seguida quais são os principais sintomas da neurose obsessiva, mas não é para ninguém entrar em parafuso! É apenas a nível de curiosidade. E qualquer diagnóstico só pode ser feito por um bom profissional do ramo, entenderam?
Uma forma bem bacana de analisar estes sintomas é através de exemplos retirados do caso do Homem dos Ratos (Freud, 1910), um dos pacientes mais famosos da história da psicanálise. Vamos a eles.
Pensamentos intrusivos e compulsão à repetição
Conforme demonstramos no exemplo acima,o principal sintoma da neurose obsessiva é a presença maciça de pensamentos intrusivos, espécies de obsessões que angustiam o sujeito e não o deixam em paz. Ele fica ruminando demais estes pensamentos e, para neutralizá-los, é levado a alguns atos compulsivos que serão repetidos indefinidamente (Freud, 1909).
Neste sentido, há os exemplos de um sujeito que se imagina extremamente “sujo” e que, por isso, desenvolve uma mania de limpeza angustiante; e do marido que, diante da dúvida de ser ou não traído, não cessa de espionar e tentar controlar a vida da esposa.
Lembrando que todas estas obsessões só serão devidamente explicadas quando, em análise, se revelarem as tendências inconscientes que as motivam.
Tomemos o caso do Homem dos Ratos.
Sua história se inicia quando, durante o serviço militar, ele ouve dois oficiais conversando sobre um terrível castigo que o exército costumava impor aos criminosos: o infrator era despido e colocado para sentar-se sobre um vaso com vários ratos dentro para que os animais pudessem forçar passagem em seu ânus.
Ao ouvir tal relato, o Homem dos Ratos entrou em desespero, pois imaginou que tal castigo viria acontecer a seu pai. Este era um pensamento que não lhe saía da cabeça, embora fosse totalmente sem sentido, já que seu pai estava morto há dez anos.
Logo depois, chegou-lhe pelo correio uns óculos. O problema foi que algum desconhecido tinha pago as despesas do frete, mas o Homem dos Ratos não sabia exatamente quem. Daí veio-lhe o desespero: ele foi tomado pela obsessão de que se não reembolsasse quem pagou-lhe o frete, o castigo dos ratos seria efetivamente aplicado a seu pai.
E nisto sobreveio o ato compulsivo: ele se pôs a fazer inúmeras viagens por alguns dias, indo de agência à agência do correio para descobrir quem pagara as despesas do frete. Claro que tudo isso em vão.
Vale lembrar que o Homem dos Ratos descobriu em análise que seu pensamento obsessivo tanto lhe atormentava, sobretudo, em virtude de um ódio inconsciente que sentia pelo pai. Vejamos.
Ambivalência de sentimentos
Outra característica muito comum ao neurótico obsessivo – mas não a ele exclusiva – é o fato de ele recorrentemente se pegar, ao mesmo tempo, amando e odiando uma mesma pessoa. Esta pode ser sua esposa, seu marido, seu patrão, seus filhos, etc.
Tal ambivalência de sentimentos é, muitas vezes, explicada pelo processo de formação reativa. Segundo a psicanálise, a formação reativa é um mecanismo de defesa que leva uma tendência inconsciente ser representada na consciência pelo seu exato oposto.
Através dela, alguém pode, por exemplo, defender-se todo o ódio que inconscientemente sente pelos outros comportando-se socialmente de maneira exageradamente amável.
E foi exatamente este o caso do Homem dos Ratos. Ele era um sujeito extremamente afetuoso com o pai e a ele demonstrava todo o seu amor. No entanto, sua análise com Freud o fez descobrir que por detrás de tanto amor jazia uma dose considerável de ódio.
E foi justamente tamanho ódio que fez surgir os perturbadores pensamentos obsessivos de que o castigo dos ratos ia ser-lhe aplicado.
Culpa inconsciente ou consciente
Neuróticos obsessivos também são pessoas marcadas por uma forte culpa inconsciente ou mesmo consciente.
É assim que – de acordo com o exemplo que demos acima – em virtude de uma culpa por tanto masturbar-se, alguém pode apresentar o pensamento obsessivo de que “Algo terrível vai acontecer a mim” e, por isto, entregar-se aos mais repetitivos cerimoniais religiosos.
Também no caso do Homem dos Ratos, foi por causa da culpa por tanto odiar seu pai (claro que inconscientemente) que ele foi tomado pela obsessão de que o castigo dos ratos ia ser dado a ele.
Óbvio que a culpa também não é algo exclusivo aos neuróticos obsessivos, mas ela é bastante marcante em seus quadros sintomáticos.
Dúvidas e ruminações
Uma característica engraçadíssima: neuróticos obsessivos não suportam perder algo e daí as suas tantas dúvidas e dificuldades em escolher entre uma coisa e outra.
Neste sentido, são muitas as ruminações sobre se devem escolher a esposa ou a amante, trabalhar de carteira assinada ou ter um emprego público, embebedar-se de cerveja ou de caipirinha, cursar direito ou ciências sociais, etc.
Podemos mesmo dizer que neuróticos obsessivos foram os verdadeiros musos inspiradores do “Should I stay or should I go”! Yeah!

Em relação a estas tantas dúvidas há um exemplo curioso do Homem dos Ratos. Certo dia, estava ele em uma estrada na qual ia passar a carruagem de sua noiva. Assim, no que ele vê uma pedra no meio do caminho, decide retirar essa pedra para evitar algum acidente com a amada.
No entanto, logo depois, julga ser besteira pensar assim e recoloca a pedra em seu lugar. Em seguida, retira a pedra novamente para evitar o acidente, depois a recoloca, depois a retira, depois a recoloca e assim por diante...
E foi isso! Ficou o resto do dia inteiro nessa missão... Óbvio que neste caso do Homem dos Ratos, a questão da dúvida era exagerada e que há muitos casos em que ela se mostra de forma mais amena. No entanto, a dúvida é sempre muito presente.
Trocando em miúdos: querem deixar um neurótico obsessivo nervoso, mandem ele decidir alguma coisa! Façam o teste!
Inibição
E em meio a tantas dúvidas, nada mais óbvio que recorrentemente os neuróticos obsessivos decidam por nada fazer... Assim, as coisas permanecerão como estão... E pronto! Nada de angústia... Tudo solucionado, só que não...rs
Qual a diferença entre neurose obsessiva e TOC (Transtorno obsessivo compulsivo)?
Para a psicanálise, a neurose obsessiva é uma estrutura clínica, ou seja, uma maneira de alguém administrar seus desejos.
Assim, através dos vários exemplos acima, destacamos que muitos de nós escolhem administrar nossos desejos sexuais tornando-nos religiosos; outros escolhem administrar seus casamentos controlando a esposa; outros hesitam na dúvida entre tantas coisas que desejam; e o Homem dos Ratos administrava seu ódio pelo pai através de sua transformação em um amor desmedido.
Até aí, nada demais! Enquanto detentores de uma estrutura neurótica, as pessoas obsessivas possuem características bastante comuns e apresentam sintomas dentro dos limites considerados “normais”.
Já o Transtorno Obsessivo Compulsivo é uma categoria psiquiátrica e identificada enquanto um transtorno propriamente dito. Embora os sintomas do TOC sejam bastante parecidos com os de uma neurose obsessiva, eles costumam ser mais angustiantes e mesmo exagerados.
É necessário também que as tantas obsessões e compulsões tragam à pessoa um prejuízo funcional demasiado forte: elas devem efetivamente atrapalhar sua vida em família, com os amigos e mesmo no trabalho.
Óbvio que há toda uma discussão a respeito do que é um transtorno e sobre como devemos entendê-lo. Eu, particularmente, sou crítico à tendência psiquiátrica de patologizar alguns fenômenos e transformá-los em “transtornos”, “doenças” ou qualquer nomenclatura do tipo.
Não acredito que haja um funcionamento psíquico normal e outro desviante, mas apenas diferentes modos de nos colocarmos no mundo e conduzirmos as nossas vidas.
Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.
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Referências:
Freud, Sigmund. (1909). Notas sobre um caso de neurose obsessiva. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 10. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 135-273.
Laplanche, Jean. & Pontalis, Jean-Baptiste. (1998). Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.