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Neurose Obsessiva: entenda o conceito pela psicanálise
Ricardo Salztrager
Neurose Obsessiva: entenda o conceito pela psicanálise
Descubra o que é neurose obsessiva para a psicanálise, principais sintomas e veja exemplos deste tipo de estrutura clínica.

Ideias que não saem da cabeça, comportamentos repetitivos, sensação constante de culpa ou dúvida. Para a psicanálise, esses sintomas podem indicar a presença de uma neurose obsessiva.

Neste artigo, você vai entender o que é a neurose obsessiva segundo Freud, como ela se manifesta no cotidiano, quais são seus principais sintomas e em que ponto se diferencia do TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo).



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O que é a neurose obsessiva?

Para a psicanálise, a neurose obsessiva é um quadro caracterizado principalmente pela presença de ideias obsessivas. Trata-se, aqui, de pensamentos intrusivos e repetitivos que, em maior ou menor grau, não saem da cabeça do sujeito e frente aos quais ele não possui o menor controle.

Para lutar contra estes tantos pensamentos, é comum que os neuróticos obsessivos executem alguns atos compulsivos. Tais compulsões são atos cerimoniais igualmente repetitivos que, segundo eles, podem vir a neutralizar os pensamentos que não lhes deixam em paz.

Como é uma pessoa com neurose obsessiva?

Antes de tudo, é necessário frisar que uma pessoa com neurose obsessiva é alguém absolutamente normal. Quando digo esta frase, é comum que muitos estranhem e fiquem se perguntando “como é que pode alguém pode ter neurose obsessiva e ser considerado normal?” Mas é verdade! (óbvio que com todos os “poréns” que existem em torno desta ideia de “normalidade”).

Acredito que o que leva muitos de vocês a estranharem esta afirmação é o fato de os termos “neurose” ou “neurótico” possuírem na atualidade um sentido muito diferente daquele atribuído por Freud.

Ou seja, na nossa sociedade, “neurose” é considerado um termo de sentido horrível. E “neurótico”, por muitas vezes, parece muito mais um xingamento do que qualquer outra coisa.

Vale inclusive lembrar que aqui no Rio de Janeiro – cidade que como tantas outras adora construir seu próprio dialeto – lá pelos anos 2000, “neurótico” também virou uma gíria e veio a assumir o significado elogioso de “frenético”, “inquieto” ou “agitado”. Enfim, coisas do Rio...

Como surgiu o termo "neurose"?

O termo “neurose” foi criado em 1777 pelo eminente médico William Cullen, trazendo efetivamente o significado original de “doença dos nervos” (Laplanche e Pontalis, 1998). No entanto, quando Freud trouxe este termo para a psicanálise, ele o fez modificando seu sentido original.

Assim, o termo passou a ser empregado para denotar alguns quadros clínicos com sintomas muito comuns, toleráveis e relativamente distantes da ordem do que se considerava como uma loucura. Daí a diferença entre neurose e psicose.

Portanto, no caso dos neuróticos obsessivos, apesar de alguns sintomas serem bastante excêntricos e mesmo esquisitos ou engraçados, não há nada que leve à concepção de que eles são loucos.

Pelo contrário, são pessoas extremamente moralizadas e que levam uma existência comum. Posso mesmo garantir que entre nós há uma penca de neuróticos obsessivos e que eles também povoam nossas famílias nucleares e círculos de amizade mais próximos.



Um exemplo de neurose obsessiva

Dito isto, podemos então colocar que a neurose obsessiva é aquela que se caracteriza, sobretudo, pela presença maciça de pensamentos ou ideias ou obsessivas. Trata-se de algumas obsessões persistentes e que acabam levando o sujeito a realizar uma série de atos compulsivos que visam neutralizá-las.

Cena em preto e branco do filme homem dos ratos
Cena do filme “O Homem dos Ratos”

Há alguns exemplos que costumo dar em sala de aula e que em muito facilitam o entendimento de como é uma pessoa com neurose obsessiva. Este é um dos meus preferidos.

Trata-se do caso comum de uma pessoa que recorrentemente é tomada pelo pensamento obsessivo de que “Algo horrível vai acontecer a mim” ou “Alguém próximo irá morrer”.

Estas são obsessões que volta e meia lhe chegam ao pensamento causando muita angústia. Ideias que ela mesmo considera besteiras, algo sem o menor sentido, mas que, ainda assim, não consegue delas livrar-se.

Daí nada mais óbvio que esta pessoa passe a se entregar à compulsão de rezar sempre que é tomada por um destes pensamentos, podendo até mesmo se tornar uma pessoa muito religiosa.

Neste contexto, rezar repetidamente é o ato compulsivo que ela realiza visando pôr um fim aos pensamentos perturbadores. No entanto, é necessário frisar que quase nunca estes atos conseguem inibir os pensamentos obsessivos.

Assim, caso esta pessoa procure um psicanalista, ela pode se dar conta, por exemplo, de que quando era criança, costumava masturbar-se bastante (o que aliás é muito comum entre as crianças). Porém, a partir do momento em que passou a ter consciência dos padrões morais, viu-se obrigada a abandonar o ato ao qual tanto se entregava.

Com isto, deu-se o recalque (por muitas vezes traduzido por “repressão”) de seus desejos sexuais infantis. Em si, o recalque é definido como um mecanismo de defesa frente aos nossos desejos sexuais que visam afastá-lo ao máximo da consciência. Recalcados, estes desejos se tornam desconhecidos e o sujeito passa a ignorá-los veementemente.

Porém – e é aí que mora um problema – recalcar um desejo não é matá-lo. Pelo contrário, ele continua atuante no inconsciente e passa a pressionar insistentemente para realizar-se.

No caso deste neurótico obsessivo, a cada vez que o desejo sexual inconsciente pressiona, ele se culpa e, portanto, se pune com os pensamentos “algo muito ruim vai acontecer a mim” ou “alguém muito próximo irá morrer em breve”.

E como a pressão do desejo inconsciente é constante e bastante intrusiva, estes pensamentos também o serão. Daí a solução infeliz e ineficaz que o neurótico obsessivo inventa: orar para livrar-se destes pensamentos que não lhe deixam em paz.

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Quais são os sintomas da neurose obsessiva?

  • Pensamentos intrusivos e compulsão à repetição
  • Ambivalência de sentimentos
  • Culpa inconsciente ou consciente
  • Dúvidas e ruminações
  • Inibições


Atenção!

Há uma tendência horrível em todos nós de nos identificarmos com tudo o que lemos na internet sobre algum quadro clínico.

Quando lemos sobre o TDAH, passamos a ter certeza que temos TDAH; quando lemos sobre a esquizofrenia, passamos a ter certeza que somos esquizofrênicos; quando lemos sobre fobia, passamos a achar que somos fóbicos. MAS NÃO É ASSIM QUE A BANDA TOCA!

Muitos, inclusive, chegam a um primeiro atendimento com um psicanalista já dizendo: “Oi Doutor, eu tô aqui porque tenho TOC, síndrome do pânico e TEA”. E, no entanto, quando perguntamos qual foi o psicanalista ou psiquiatra que fez o diagnóstico, o sujeito olha para a gente com a cara mais lavada do mundo e fala: “ah, eu vi na internet”. Que lindo!



Dito isso, eu mostrarei em seguida quais são os principais sintomas da neurose obsessiva, mas não é para ninguém entrar em parafuso! É apenas a nível de curiosidade. E qualquer diagnóstico só pode ser feito por um bom profissional do ramo, entenderam?

Uma forma bem bacana de analisar estes sintomas é através de exemplos retirados do caso do Homem dos Ratos (Freud, 1910), um dos pacientes mais famosos da história da psicanálise. Vamos a eles.

Pensamentos intrusivos e compulsão à repetição

Conforme demonstramos no exemplo acima,o principal sintoma da neurose obsessiva é a presença maciça de pensamentos intrusivos, espécies de obsessões que angustiam o sujeito e não o deixam em paz. Ele fica ruminando demais estes pensamentos e, para neutralizá-los, é levado a alguns atos compulsivos que serão repetidos indefinidamente (Freud, 1909).

Neste sentido, há os exemplos de um sujeito que se imagina extremamente “sujo” e que, por isso, desenvolve uma mania de limpeza angustiante; e do marido que, diante da dúvida de ser ou não traído, não cessa de espionar e tentar controlar a vida da esposa.

Lembrando que todas estas obsessões só serão devidamente explicadas quando, em análise, se revelarem as tendências inconscientes que as motivam.

Tomemos o caso do Homem dos Ratos.

Sua história se inicia quando, durante o serviço militar, ele ouve dois oficiais conversando sobre um terrível castigo que o exército costumava impor aos criminosos: o infrator era despido e colocado para sentar-se sobre um vaso com vários ratos dentro para que os animais pudessem forçar passagem em seu ânus.

Ao ouvir tal relato, o Homem dos Ratos entrou em desespero, pois imaginou que tal castigo viria acontecer a seu pai. Este era um pensamento que não lhe saía da cabeça, embora fosse totalmente sem sentido, já que seu pai estava morto há dez anos.

Logo depois, chegou-lhe pelo correio uns óculos. O problema foi que algum desconhecido tinha pago as despesas do frete, mas o Homem dos Ratos não sabia exatamente quem. Daí veio-lhe o desespero: ele foi tomado pela obsessão de que se não reembolsasse quem pagou-lhe o frete, o castigo dos ratos seria efetivamente aplicado a seu pai.

E nisto sobreveio o ato compulsivo: ele se pôs a fazer inúmeras viagens por alguns dias, indo de agência à agência do correio para descobrir quem pagara as despesas do frete. Claro que tudo isso em vão.

Vale lembrar que o Homem dos Ratos descobriu em análise que seu pensamento obsessivo tanto lhe atormentava, sobretudo, em virtude de um ódio inconsciente que sentia pelo pai. Vejamos.

Ambivalência de sentimentos

Outra característica muito comum ao neurótico obsessivo – mas não a ele exclusiva – é o fato de ele recorrentemente se pegar, ao mesmo tempo, amando e odiando uma mesma pessoa. Esta pode ser sua esposa, seu marido, seu patrão, seus filhos, etc.

Tal ambivalência de sentimentos é, muitas vezes, explicada pelo processo de formação reativa. Segundo a psicanálise, a formação reativa é um mecanismo de defesa que leva uma tendência inconsciente ser representada na consciência pelo seu exato oposto.

Através dela, alguém pode, por exemplo, defender-se todo o ódio que inconscientemente sente pelos outros comportando-se socialmente de maneira exageradamente amável.

E foi exatamente este o caso do Homem dos Ratos. Ele era um sujeito extremamente afetuoso com o pai e a ele demonstrava todo o seu amor. No entanto, sua análise com Freud o fez descobrir que por detrás de tanto amor jazia uma dose considerável de ódio.

E foi justamente tamanho ódio que fez surgir os perturbadores pensamentos obsessivos de que o castigo dos ratos ia ser-lhe aplicado.

Culpa inconsciente ou consciente

Neuróticos obsessivos também são pessoas marcadas por uma forte culpa inconsciente ou mesmo consciente.

É assim que – de acordo com o exemplo que demos acima – em virtude de uma culpa por tanto masturbar-se, alguém pode apresentar o pensamento obsessivo de que “Algo terrível vai acontecer a mim” e, por isto, entregar-se aos mais repetitivos cerimoniais religiosos.

Também no caso do Homem dos Ratos, foi por causa da culpa por tanto odiar seu pai (claro que inconscientemente) que ele foi tomado pela obsessão de que o castigo dos ratos ia ser dado a ele.

Óbvio que a culpa também não é algo exclusivo aos neuróticos obsessivos, mas ela é bastante marcante em seus quadros sintomáticos.

Dúvidas e ruminações

Uma característica engraçadíssima: neuróticos obsessivos não suportam perder algo e daí as suas tantas dúvidas e dificuldades em escolher entre uma coisa e outra.

Neste sentido, são muitas as ruminações sobre se devem escolher a esposa ou a amante, trabalhar de carteira assinada ou ter um emprego público, embebedar-se de cerveja ou de caipirinha, cursar direito ou ciências sociais, etc.

Podemos mesmo dizer que neuróticos obsessivos foram os verdadeiros musos inspiradores do “Should I stay or should I go”! Yeah!

Entrevistadora sorrindo enquanto segura um microfone diante da atriz Cristiane Torloni do meme hoje é dia de rock bebe
Meme "Hoje é dia de rock, bebê!"

Em relação a estas tantas dúvidas há um exemplo curioso do Homem dos Ratos. Certo dia, estava ele em uma estrada na qual ia passar a carruagem de sua noiva. Assim, no que ele vê uma pedra no meio do caminho, decide retirar essa pedra para evitar algum acidente com a amada.

No entanto, logo depois, julga ser besteira pensar assim e recoloca a pedra em seu lugar. Em seguida, retira a pedra novamente para evitar o acidente, depois a recoloca, depois a retira, depois a recoloca e assim por diante...

E foi isso! Ficou o resto do dia inteiro nessa missão... Óbvio que neste caso do Homem dos Ratos, a questão da dúvida era exagerada e que há muitos casos em que ela se mostra de forma mais amena. No entanto, a dúvida é sempre muito presente.

Trocando em miúdos: querem deixar um neurótico obsessivo nervoso, mandem ele decidir alguma coisa! Façam o teste!

Inibição

E em meio a tantas dúvidas, nada mais óbvio que recorrentemente os neuróticos obsessivos decidam por nada fazer... Assim, as coisas permanecerão como estão... E pronto! Nada de angústia... Tudo solucionado, só que não...rs

Qual a diferença entre neurose obsessiva e TOC (Transtorno obsessivo compulsivo)?

Para a psicanálise, a neurose obsessiva é uma estrutura clínica, ou seja, uma maneira de alguém administrar seus desejos.

Assim, através dos vários exemplos acima, destacamos que muitos de nós escolhem administrar nossos desejos sexuais tornando-nos religiosos; outros escolhem administrar seus casamentos controlando a esposa; outros hesitam na dúvida entre tantas coisas que desejam; e o Homem dos Ratos administrava seu ódio pelo pai através de sua transformação em um amor desmedido.

Até aí, nada demais! Enquanto detentores de uma estrutura neurótica, as pessoas obsessivas possuem características bastante comuns e apresentam sintomas dentro dos limites considerados “normais”.

Já o Transtorno Obsessivo Compulsivo é uma categoria psiquiátrica e identificada enquanto um transtorno propriamente dito. Embora os sintomas do TOC sejam bastante parecidos com os de uma neurose obsessiva, eles costumam ser mais angustiantes e mesmo exagerados.

É necessário também que as tantas obsessões e compulsões tragam à pessoa um prejuízo funcional demasiado forte: elas devem efetivamente atrapalhar sua vida em família, com os amigos e mesmo no trabalho.

Óbvio que há toda uma discussão a respeito do que é um transtorno e sobre como devemos entendê-lo. Eu, particularmente, sou crítico à tendência psiquiátrica de patologizar alguns fenômenos e transformá-los em “transtornos”, “doenças” ou qualquer nomenclatura do tipo.

Não acredito que haja um funcionamento psíquico normal e outro desviante, mas apenas diferentes modos de nos colocarmos no mundo e conduzirmos as nossas vidas.

Este texto foi escrito pelo professor Ricardo Salztrager, psicanalista e professor associado da UNIRIO e da Casa do Saber. Possui Graduação em Psicologia, mestrado e doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ.

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Referências:

Freud, Sigmund. (1909). Notas sobre um caso de neurose obsessiva. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. vol. 10. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 135-273.

Laplanche, Jean. & Pontalis, Jean-Baptiste. (1998). Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.

Ataraxia: o que é e como alcançar a tranquilidade da alma
Paula Delgado
Ataraxia: o que é e como alcançar a tranquilidade da alma
Ataraxia é a tranquilidade da alma buscada por céticos, estoicos e epicuristas. Entenda o conceito e como a filosofia propõe alcançá-la.
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A ataraxia é algo buscado e pensado pela humanidade há séculos, e até hoje vivemos tentando encontrar os caminhos que nos levem a ela.

A serenidade está cada vez mais em alta e menos presente na vida contemporânea, que exige produtividade, conexão integral e estar por dentro de tudo a todo tempo.

Neste texto você vai encontrar como correntes filosóficas, como estoicismo, epicurismo e ceticismo, ensinavam a alcançar a felicidade e a tranquilidade por meio de uma filosofia prática.



A origem da ataraxia na filosofia grega

A palavra ataraxia vem do grego e significa “ausência de perturbação” ou “imperturbabilidade”. Esse conceito se destacou na filosofia helenística, especialmente entre as escolas cética, epicurista e estóica.

Para esses filósofos, atingir a ataraxia era alcançar um estado de paz interior, passo necessário para se chegar à felicidade.

Ceticismo e Pirro de Élis

Pirro de Élis (360–270 a.C.) foi um dos primeiros filósofos a pensar a ataraxia na vida cotidiana (filosofia prática). Para ele, a origem do sofrimento estava nas ideias formadas (certezas) sobre o mundo.

Escultura representando Pirro de Élis, um dos principais nomes do ceticismo grego
Pirro de Élis foi um dos fundadores do ceticismo na filosofia antiga.

Desta forma, com a suspensão do juízo (epoché), o indivíduo alcança a tranquilidade da alma (ataraxia) ao se libertar da necessidade de provar que algo é verdadeiro.

O ceticismo pirrônico defendia que, como não se pode ter certeza sobre a verdade das coisas, a experiência e a razão são guias para se compreender o mundo, sem se prender à crenças absolutas. Isso faz com que se alcance a imperturbabilidade da alma.

Epicurismo e a ausência de dor

Busto de Epicuro, filósofo grego do período helenístico
Busto de Epicuro

Epicuro (341–270 a.C.) propôs que a felicidade consiste na ausência de dor física (aponia) e ausência de perturbação da alma (ataraxia).

Sendo assim, buscar prazeres simples, evitar desejos desnecessários e compreender que não se deve temer a morte é necessário para alcançar tanto a aponia quanto a ataraxia.

A filosofia epicurista diz que o autoconhecimento e a reflexão nos libertam das paixões perturbadoras e dos medos, especialmente o medo dos deuses e da morte.

Estoicismo e a imperturbabilidade racional

Os estoicos, como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, associavam a ataraxia à harmonia com o cosmos, ou seja, com as atitudes racionais e princípios éticos que o indivíduo deve guiar a sua vida.

Para os filósofos estoicos, é a virtude, e não o prazer, que leva o ser humano para a verdadeira tranquilidade da alma.

Por isso, viver de acordo com a razão, aceitando o destino e compreendendo o que está ou não sob nosso domínio é que leva o ser humano à liberdade interior, consequentemente à felicidade.

Como você pode perceber, a ataraxia é ponto comum em diversas correntes filosóficas. Cada uma apresenta um caminho próprio, mas todas buscam alcançar a tranquilidade da alma.



Ataraxia e a busca pela serenidade

A serenidade sempre foi um ideal comum a ser alcançado entre diferentes correntes filosóficas na Grécia Antiga.

Como visto anteriormente, céticos, epicuristas e estoicos buscavam encontrar esse estado de tranquilidade interior (ataraxia) o qual representava a vitória sobre as inquietudes da alma.

Apesar das diferenças entre essas escolas filosóficas, todas entendiam que viver bem exigia trabalhar uma postura mental tranquila diante das incertezas da vida.

Relação com prazer moderado e controle das emoções

Epicuro associava a ataraxia ao prazer, mas não a qualquer tipo de prazer ou ao prazer exagerado. O prazer verdadeiro, segundo ele, é aquele que vem da ausência de dor física (aponia) e de perturbações. Desta forma, a ataraxia está ligada ao prazer moderado, pautado pela simplicidade e pela reflexão.

Já para os estoicos, a serenidade vem do controle racional das emoções. Eles ensinavam que não se deve deixar afetar por aquilo que está fora do nosso controle.

Portanto, a tranquilidade nasce da capacidade de guiar a vida a partir de atitudes equilibradas e da racionalização das emoções.

Diferença entre tranquilidade e indiferença

A ataraxia não é sinônimo de indiferença. A tranquilidade da alma que os filósofos propõem é um estado interior de equilíbrio, no qual o indivíduo mantém sua paz interior ainda que esteja enfrentando adversidades.

Por exemplo, a filosofia cética ensinava a suspender o juízo (epoché) diante das incertezas do mundo. Mas isso não significava “deixar a vida levar”, mas era um conselho para viver bem, aproveitar a vida com leveza e livre de angústias.

Já os epicuristas, diziam que era necessário guiar a vida de acordo com princípios éticos e agir com racionalidade para que se encontrasse a liberdade interior e alcançasse a felicidade.

Diferentemente da indiferença, que pode ser considerada como ignorar uma situação, evitar qualquer tipo de envolvimento, a ataraxia é estar consciente da realidade em que se encontra, mas sem se perder ou ser engolida por ela.

Como o ser humano consegue alcançar a ataraxia?

A ataraxia, muito buscada pela filosofia antiga, parece algo inalcançável da vida contemporânea, que é marcada pelo grande número de estímulos e ansiedade.

No entanto, filósofos como Pirro e Epicuro, já mostraram como devemos agir para que esse estado de tranquilidade interior não dependa do mundo exterior.

A forma como lidamos com ele e com as intempéries da vida é o que decide se é possível ou não alcançar a serenidade.

Apesar de ser uma ideia antiga, a ataraxia continua sendo buscada pelos indivíduos e aplicá-la hoje é resgatar a filosofia prática dos antigos filósofos.



Filosofia prática e bem-estar

Na Grécia Antiga, mais do que uma teoria, a filosofia era uma forma de viver. Ela apresentava caminhos práticos para se construir uma vida mais equilibrada, tranquila e feliz.

Por exemplo, os epicuristas defendiam o cultivo de prazeres simples, o afastamento do medo e o uso da razão. Já os céticos ensinavam a suspender o juízo diante de crenças absolutas, libertando a mente da angústia do controle.

Parece óbvio o que esses pensadores trouxeram de conhecimento, mas são comportamentos e atitudes que precisam ser trabalhadas com o autoconhecimento para serem alcançados.

Quando se transporta esses ensinamentos para a atualidade, pode se aplicá-los por meio de práticas de reflexão e construção de limites que autoconhecimento pode te ajudar a ter mais tranquilidade e menos ansiedade.

Algumas atitudes que te ajudar a compreender a realidade e a lidar melhor com a interferência externa na sua vida são:

  • controle do uso das redes sociais
  • leituras diárias
  • cursos de autoconhecimento
  • psicoterapia/psicanálise
  • valorização do presente


Autossuficiência, limites do desejo e distanciamento dos ruídos externos

A ataraxia está diretamente ligada à autossuficiência. Enquanto a ataraxia diz sobre a tranquilidade da mente, ausência de sofrimento, a autossuficiência aborda a firmeza interior.

Sendo assim, ser autossuficiente é não depender emocionalmente do que escapa do controle, ou seja, de ser capaz de alcançar a felicidade e a serenidade apesar dos fatores externos.

Epicuro já alertava sobre os desejos vazios, que são aqueles que muitas vezes não se satisfazem de forma plena e causam constantemente perturbação e angústia, como:

  • fama
  • riqueza
  • poder


Contudo, os estoicos também já alertavam sobre a importância de aceitar o destino e focar no que se tem controle, não lutar contra aquilo que não se tem o que fazer.

Portanto, pode-se dizer que a ataraxia é mais do que um conceito antigo, mas uma busca pelo equilíbrio para conseguir a liberdade interior e alcançar um viver bem com leveza e tranquilidade em meio ao caos.


Ataraxia e outras tradições filosóficas e psicológicas

A busca pela serenidade e tranquilidade da alma influenciou outras tradições filosóficas e psicológicas contemporâneas.

O estoicismo, o mindfulness e abordagens da psicologia moderna tem princípios comuns que buscam ajudar no controle emocional, na autonomia interior e na consciência do viver o presente.

Enquanto a filosofia estoica ensina que a paz interior depende de aceitarmos aquilo que não controlamos, o mindfulness, tradição budista, propõe atenção plena ao momento presente, sem julgamentos. Também é necessário citar a psicologia contemporânea, que valoriza a identificação e a ressignificação de pensamentos que geram sofrimento.

Diagrama de Venn comparando estoicismo, mindfulness e psicologia
Intersecções entre estoicismo, mindfulness e psicologia. Imagem produzida pela autora

Embora essas tradições sejam de origens diferentes, elas se conectam na busca por uma vida mais tranquila e consciente, com atitudes que não geram angústias, mas a tranquilidade interior.

Perguntas Frequentes

Qual é o conceito de ataraxia?

Ataraxia é um conceito comum da filosofia helenística que diz respeito a um estado interior de tranquilidade da alma e imperturbabilidade, fundamental para se alcançar a felicidade.

O que faz o homem alcançar a ataraxia?

O indivíduo alcança a ataraxia quando se livra das perturbações e medos por meio de atitudes equilibradas e controle racional das emoções.



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Referências

BETT, R. Pyrrho. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2022.

O’KEEFE, T. Epicurus. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2022.

CASA DO SABER. A filosofia como forma de vida: estóicos, epicuristas e cínicos – aula 04.

CASE, T. A.; KLEIN, P. D. Skepticism. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2022.

MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

Esquizofrenia: o que é, sintomas, causas, tipos e tratamento
Camila Fortes
Esquizofrenia: o que é, sintomas, causas, tipos e tratamento
Esquizofrenia é um transtorno mental que afeta a percepção da realidade. Veja sintomas, causas, tratamentos e como oferecer apoio sem estigmas.

A esquizofrenia é um dos transtornos mentais mais estigmatizados e incompreendidos da saúde mental. Não são raros os casos em que as pessoas chamam de “esquizofrênico” qualquer indivíduo que assume um comportamento considerado impróprio socialmente.

No entanto, esse é um estigma que precisa ser rompido, pois a esquizofrenia trata-se de uma condição psíquica grave, que faz com que a pessoa apresente perdas de contato com a realidade, afetando diretamente suas relações.

Marcada por sintomas como delírios, alucinações e alterações no pensamento, ela afeta cerca de 1% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que entre 0,3% a 2,4% possuem o transtorno.

Neste artigo, vamos abordar de forma clara o que é a esquizofrenia, seus sintomas, causas, diagnóstico, tipos, formas de tratamento e, principalmente, como oferecer acolhimento.

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O que é esquizofrenia e qual a sua origem?

A esquizofrenia é um transtorno psicótico que afeta a forma como a pessoa vê a si e ao mundo. Caracterizado por distorções do pensamento e da percepção, a pessoa esquizofrênica tem a sensação constante de que seus sentimentos, pensamentos e atos são partilhados por outros, como se estivesse sendo analisada e vigiada frequentemente.

O termo “esquizofrenia” foi cunhado em 1911 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, a partir da junção dos termos schizo (dividir) e phren (mente), para descrever uma “divisão” entre pensamento, emoção e comportamento.

Não se trata de uma “dupla personalidade”, como muitos acreditam equivocadamente, mas sim de um transtorno mental crônico que afeta a forma como a pessoa percebe a realidade.

A esquizofrenia costuma surgir no final da adolescência ou início da vida adulta, entre os 15 e 35 anos, embora existam casos de esquizofrenia infantil ou início tardio (após os 40 anos). O transtorno pode se manifestar de forma leve ou grave, e nem todos os casos envolvem comportamentos agressivos ou perigosos.



Principais sintomas da esquizofrenia

Os sintomas da esquizofrenia costumam ser divididos em três grupos principais: positivos, negativos e cognitivos.

Vamos compreender melhor:

Sintomas positivos

São assim chamados porque “acrescentam” algo à experiência psíquica do indivíduo. Incluem:

  • Delírios: Crenças falsas e fixas, que não se abalam mesmo diante de evidências contrárias.
    Exemplo: Acreditar que está sendo perseguido ou que possui poderes especiais.
  • Alucinações: Percepções sensoriais sem estímulo real.
    Exemplo: Ouvir vozes (o sintoma mais comum).
  • Pensamento desorganizado: Dificuldade para organizar ideias e falas.
    Exemplo: Falas incoerentes, saltos de pensamento e raciocínio confuso.
  • Comportamento motor acelerado: Pode variar da agitação à catatonia, gerando ansiedade.
    Exemplo: Ficar imóvel e distante no pensamento por um longo tempo ou desenvolver movimentos repetitivos.

Sintomas negativos

São déficits emocionais e sociais que comprometem a qualidade de vida da pessoa esquizofrênica. Os sintomas negativos incluem:

  • Apatia ou falta de expressão emocional, sem muita capacidade de resposta;
  • Isolamento e reclusão social;
  • Diminuição da fala e das interações;
  • Falta de motivação, prazer ou interesse em atividades antes agradáveis.

Sintomas cognitivos

Têm relação com a dificuldade de pensamento, com um comprometimento da memória e dos processos de tomada de decisão.

  • Memória de curto prazo prejudicada;
  • Mau funcionamento de processos cognitivos complexos, como a resolução de problemas, tomada de decisões e planejamento;
  • Déficits de atenção.

A pessoa com esquizofrenia pode desenvolver delírios de que forças externas influenciam nos seus pensamentos e ações, além de exibir um raciocínio vago e obscuro, acreditando que situações cotidianas possuem um significado complexo, relacionado exclusivamente com ela.

O humor geralmente é superficial ou incongruente, acompanhado de momentos de inércia, negativismo ou estupor.

É importante destacar que a esquizofrenia não tende a começar com delírios e alucinações, mas sim com um isolamento social e outras mudanças de comportamento que fazem com que a pessoa seja vista como “diferente” por aqueles do seu convívio.



Causas e fatores de risco para a esquizofrenia

Ainda não existe uma causa única para a esquizofrenia. O transtorno é multifatorial e precisa ser investigado com bastante atenção, para identificar os fatores de risco.

No entanto, uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde aponta que o modelo de maior aceitação para compreender suas causas e fatores de risco é o da “vulnerabilidade versus estresse”. Em outras palavras, uma predisposição genética interage com estressores ambientais e psicológicos, aumentando a possibilidade do desenvolvimento do transtorno.

Assim, vemos a interferência de:

Fatores genéticos:

Casos de esquizofrenia na família aumentam a probabilidade do desenvolvimento do transtorno. No entanto, é importante ressaltar: ter histórico familiar aumenta o risco, mas não garante o desenvolvimento do quadro.

Fatores neurobiológicos:

Alterações na química cerebral, especialmente nos neurotransmissores dopamina e glutamato (responsáveis pelo prazer, motivação e excitação, respectivamente), estão associados ao transtorno.

Disfunções nesse sistema podem explicar os sintomas negativos e o pensamento desorganizadocaracterísticos da esquizofrenia.

Fatores ambientais:

Situações de estresse intenso, como perdas significativas, violência ou mudanças abruptas na vida, podem desencadear ou agravar sintomas em pessoas predispostas. Traumas na infância, como abuso físico, sexual ou negligência emocional, também estão associados a um maior risco.

Outro fator importante é o uso abusivo de substâncias psicoativas, especialmente em fases críticas do desenvolvimento, como a adolescência. Drogas como cocaína, LSD e metanfetaminas podem precipitar surtos psicóticos ou antecipar o início dos sintomas de esquizofrenia em indivíduos vulneráveis.

Além disso, complicações na gestação e no parto, como infecções virais intrauterinas, sofrimento fetal, desnutrição materna ou exposição a toxinas, podem afetar o desenvolvimento neurológico e contribuir para alterações cerebrais relacionadas ao transtorno.

Diagnóstico de esquizofrenia e seus tipos

O diagnóstico de esquizofrenia é feito por médicos psiquiatras com base na avaliação clínica, levando em conta a história de vida, os sintomas e a duração deles.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) orientam os critérios diagnósticos.

Segundo o CID, o transtorno esquizofrênico inclui diferentes apresentações clínicas. Os tipos mais conhecidos são:

Esquizofrenia paranoide

É o tipo mais comum e costuma se manifestar com delírios de perseguição e alucinações auditivas, mas com preservação do pensamento e da afetividade.

Na esquizofrenia paranoide, os delírios são geralmente organizados e sistemáticos, fazendo com que a pessoa acredite, por exemplo, estar sendo espionada, vigiada ou alvo de uma conspiração. As alucinações auditivas são frequentes, com vozes críticas ou ameaçadoras.

Apesar disso, a capacidade de se comunicar e a expressão emocional podem estar relativamente preservadas, o que pode dificultar o reconhecimento do transtorno por quem convive com a pessoa.

Esquizofrenia hebefrênica (ou desorganizada)

Caracteriza-se por desorganização do pensamento, fala incoerente e comportamento inadequado. Frequentemente inicia-se de modo precoce.

O comportamento tende a ser imprevisível ou infantilizado, com risos inapropriados ou ações sem propósito claro. O discurso pode ser difícil de seguir, com trocas rápidas de assunto, frases desconexas ou uso de palavras inventadas.

Esquizofrenia catatônica

Envolve distúrbios motores extremos, desde imobilidade total (catatonia) até movimentos repetitivos.

A pessoa pode permanecer longos períodos em posturas rígidas, sem falar ou reagir ao ambiente ao redor, ou, ao contrário, apresentar agitação motora intensa e movimentos repetitivos, como bater as mãos ou andar em círculos.

Esquizofrenia simples

É mais difícil de ser identificada, pois é marcada principalmente pelos sintomas negativos. Pode ser confundida com depressão ou transtornos de personalidade.

Os sintomas se desenvolvem de forma lenta e progressiva, sem episódios psicóticos evidentes. A pessoa pode começar a se isolar socialmente, perder o interesse por atividades antes prazerosas e mostrar desmotivação.


Tratamento para esquizofrenia

Embora seja um transtorno crônico, a esquizofrenia pode ser tratada para alcançar estabilidade, autonomia e bem-estar.

Antipsicóticos

A base do tratamento envolve o uso de antipsicóticos, que regulam a atividade dos neurotransmissores. Os efeitos variam entre os pacientes, e o acompanhamento médico regular é essencial para ajustar doses e manejar os efeitos colaterais.

Psicoterapia

Abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a psicanálise e o fortalecimento da escuta clínica ajudam na elaboração dos sintomas, na reconstrução do laço social e na melhoria da autoestima.

Reabilitação psicossocial

A inserção na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com foco nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), além de oficinas terapêuticas e grupos de convivência, compõem estratégias de reabilitação psicossocial, sendo fundamentais para a autonomia e o pertencimento.

Para saber mais sobre a RAPS e os centros de atendimento psicoterapêutico, se informe nos sites oficiais do Ministério da Saúde ou procure o CAPS mais próximo de você na rede pública da sua cidade.



A importância da rede

O tratamento para esquizofrenia exige uma rede de cuidados integrada entre usuários do sistema de saúde mental, familiares, profissionais da saúde e serviços públicos. A construção dessa rede passa por políticas públicas de saúde mental assistenciais, somada ao combate à exclusão social.

Dois homens se abraçam em auditório durante evento ou palestra, demonstrando empatia e apoio emocional
Uma rede de apoio bem estruturada é fundamental para quem vive e convive com a esquizofrenia - Fonte: Adrianna Geo/ Unsplash


Como acolher uma pessoa com esquizofrenia?

Viver com esquizofrenia ou conviver com alguém com esse diagnóstico exige empatia, paciência e informação.

Confira algumas práticas essenciais:

  • Evite julgamentos: não invalide ou ridicularize os relatos da pessoa. Lembre-se que, para ela, o que ela está contando é real.
  • Ofereça escuta: ouvir vozes, por exemplo, não é sinônimo de “loucura”, mas um sinal que merece atenção.
  • Se informe: compreender o transtorno ajuda a lidar com ele sem medo.
  • Promova vínculos: o isolamento agrava os sintomas. Laços afetivos são essenciais.
  • Esteja atento a recaídas: mudanças no comportamento, no sono ou no humor podem sinalizar necessidade de reforço no tratamento.




Mitos sobre a esquizofrenia

Muitos são os estereótipos sobre a pessoa com esquizofrenia. A imagem de que são sujeitos perigosos, potencialmente violentos e agressivos, está na percepção social há séculos.

No entanto, para tratar o transtorno, amenizar os sintomas e reduzir os estigmas, é necessário informação para romper com esses preconceitos.

A seguir, alguns dos mitos mais comuns, e o que a ciência e a experiência clínica dizem de fato:

“Pessoas com esquizofrenia são perigosas”

Esse é um dos estigmas mais danosos. A maioria das pessoas com esquizofrenia não é violenta. Na realidade, elas estão mais vulneráveis a sofrerem violência do que a cometê-la.

O comportamento agressivo, quando existe, geralmente está associado à ausência de tratamento, ao uso de substâncias ou a contextos de profunda exclusão social.

“Esquizofrenia é sinônimo de múltiplas personalidades”

Esse também é um equívoco comum, mas, não. A esquizofrenia não é um transtorno dissociativo de identidade. Quem convive com esquizofrenia pode ter delírios e alucinações, mas não vive como se houvesse em si “duas ou mais pessoas”.

A confusão entre esses quadros dificulta a compreensão adequada da condição.

“Esquizofrenia é causada por ‘fraqueza emocional’”

A esquizofrenia tem base neurobiológica e multifatorial, envolvendo alterações químicas no cérebro, predisposição genética e fatores psicossociais e ambientais. Não é um sinal de fragilidade, falta de força de vontade e nem é uma escolha individual.

“Pessoas com esquizofrenia morrem cedo”

Embora existam riscos aumentados de doenças associadas (como as cardiovasculares) e vulnerabilidade social, pessoas com esquizofrenia não necessariamente terão uma expectativa de vida reduzida.

“Quem tem esquizofrenia sempre precisa ser internado”

Falso. A internação é uma medida excepcional, usada em casos graves e pontuais, geralmente quando há risco à vida ou necessidade de estabilização rápida.

É fundamental lembrar que a proposta do cuidado em saúde mental, sobretudo no Brasil através da RAPS, é valorizar o cuidado em liberdade, com suporte no território, tratamento ambulatorial e vínculo com os CAPS.

Indicação da Casa

Alguns livros clássicos tratam sobre o processo de construção de estigmas sobre a pessoa com transtornos mentais. Entre eles, podemos mencionar A História da Loucura na Idade Clássica (1961) de Michel Foucault e Loucura na Civilização: Uma história cultural da insanidade (2023) de Andrew T. Scull.

Além disso, obras como Entre a Razão e a Ilusão: Desmistificando a Esquizofrenia (2023) de Jorge Cândido de Assis, Cecília Villares e Rodrigo Bressan tratam especificamente sobre a esquizofrenia e a convivência com o transtorno.

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Referências:

https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/pcdt-esquizofrenia-livro-2013-1.pdf

https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2022/outubro/sus-oferece-atendimento-as-pessoas-que-vivem-com-algum-tipo-de-transtorno-mental

Psicanálise
Neurose, psicose e perversão: qual a diferença?
Gabriel Cravo Prado
Neurose, psicose e perversão: qual a diferença?
Saiba diferenciar as estruturas psíquicas neurose, psicose e perversão e identifique os seus sintomas pela teoria de Freud sobre as origens inconscientes
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A compreensão de neurose, psicose e perversão é fundamental para entender os conceitos centrais da teoria psicanalítica. Essas estruturas clínicas descrevem diferentes maneiras pelas quais o sujeito se relaciona com o mundo externo. Neste artigo, vamos explorar as principais diferenças entre neurose, psicose e perversão, suas origens e nas manifestações clínicas.



Neurose: conflito e recalque

É uma estrutura clínica que os sintomas manifestados funcionam como uma expressão simbólica de um conflito psíquico subjacente, cujas raízes podem ser rastreadas na história infantil do indivíduo.

Esse conflito origina-se de um compromisso entre os desejos inconscientes e os mecanismos de defesa, os quais buscam mitigar o impacto do desejo reprimido ou não realizado. Esse fenômeno é muitas vezes interpretado como um reflexo de tensões internas não resolvidas, que emergem na forma de distúrbios psicológicos ou somáticos.

Na estrutura neurótica, encontram-se dois possíveis diagnósticos que auxiliam o psicanalista na direção do tratamento, a histeria e a neurose obsessiva. Ambas representam características e sintomas específicos e se distinguem pelos mecanismos de defesa e por maneiras particulares de manifestação do conflito psíquico.

Histeria As duas formas sintomáticas mais comuns da histeria são a histeria de conversão e a histeria de angústia. Na histeria de conversão, o conflito psíquico se manifesta por meio de sintomas corporais diversos, que podem ter um caráter mais exacerbado. Já na histeria de angústia, a angústia tende a se fixar em um objeto específico do mundo externo, resultando em fobias.

Mesmo na ausência de sintomas evidentes, como fobias ou conversões físicas, a especificidade da histeria está ligada a certos mecanismos psicológicos, especialmente o recalque (muitas vezes perceptível), e à predominância de determinadas identificações. Além disso, a histeria está profundamente associada ao conflito edipiano, com seus desdobramentos nos registros libidinais fálico e oral, que desempenham um papel central na dinâmica emocional do sujeito.
Neurose Obsessiva Nessa condição, o conflito psíquico manifesta-se por meio de sintomas compulsivos, como pensamentos obsessivos, a compulsão para realizar atos indesejados, resistência interna a essas tendências, rituais repetitivos, entre outros. Além disso, um traço distintivo desse tipo de neurose é a predominância de um modo de pensar caracterizado pela ruminação mental, pela dúvida constante, pelos escrúpulos, o que frequentemente resulta em inibições tanto do pensamento quanto da ação.

Freud, ao longo do tempo, foi refinando sua definição das neuroses obsessivas, considerando suas manifestações e origens psíquicas, com ênfase nos conflitos inconscientes que geram essas condições.



Os sintomas neuróticos são, muitas vezes, uma representação simbólica de conflitos não resolvidos. São manifestações de uma luta interna entre o desejo e as exigências do mundo externo, ou seja, uma expressão de um desejo que não pode ser satisfeito diretamente e com isso se instaura o sintoma como uma formação de compromisso entre essas forças conflitantes.

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O que é psicose: a perda de contato com a realidade

Para Freud, a psicose se caracteriza por uma ruptura fundamental entre o sujeito e a realidade externa, indo além de simples sintomas de sofrimento psíquico, como ocorre nas neuroses.

A principal distinção entre a psicose e a neurose, segundo Freud, é que o psicótico não possui a capacidade de reconhecer sua distorção da realidade. Enquanto o neurótico é capaz de perceber a disfunção de seus pensamentos e emoções, o psicótico vivencia um mundo completamente alterado, frequentemente marcado por delírios e alucinações.

Freud via a psicose como uma reconstrução inconsciente de uma realidade delirante ou alucinatória, onde o sujeito, isolado em sua própria interpretação do mundo, perde a conexão com a experiência compartilhada pela sociedade.

Nesse sentido, a psicose foi entendida como uma reorganização psíquica que busca substituir a realidade externa por uma versão interna.

Afinal, o que é loucura?

O que a ideia de “normalidade” realmente significa? A psicanálise, desde seu início, desafia a ideia de “normalidade” como uma condição vista como “natural” do ser humano, e apresenta uma concepção mais nuançada dessa ideia. O professor, psiquiatra e psicanalista Marcelo Veras desvenda esses pensamentos no curso Somos Todos Loucos? De Perto, Ninguém é Normal.

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O que é perversão: desejo e transgressão

Freud reformula a concepção de perversão, distanciando-a das interpretações populares que a viam como um simples desvio da norma socialmente estabelecida.

Embora a palavra "perversão" já fosse utilizada antes de Freud para descrever comportamentos que se afastavam do que era considerado sexualmente normal ou aceitável em uma determinada sociedade, Freud atribui a essa noção um significado mais profundo, relacionado aos processos inconscientes da pulsão.

Para ele, a perversão não é apenas um desvio do comportamento socialmente esperado, mas um desvio da própria pulsão, que, em vez de alcançar o objeto tradicional de desejo, se desvia para outras formas de satisfação.

Ele também articula a perversão dentro de uma estrutura clínica mais ampla.

Nesse contexto, a perversão é associada à maneira como o sujeito lida com a castração, um conceito fundamental na psicanálise. Ao contrário da neurose e da psicose, onde a castração é enfrentada de outras formas, a perversão é uma maneira de negar a castração.

Essa negação não é uma simples rejeição, mas um modo de estruturar a sexualidade de forma a evitar o reconhecimento da falta, substituindo-a por uma busca incessante por objetos que permitam uma satisfação contínua, muitas vezes sem finalização.

Como aprender mais sobre a teoria psicanalítica

Quer se aprofundar nos conceitos de neurose, psicose e perversão e entender como eles se articulam na teoria psicanalítica? Na Casa do Saber +, você encontra aulas online com grandes nomes da psicanálise que explicam essas estruturas de forma acessível e aprofundada.

Se estiver buscando uma formação ainda mais robusta, o Programa + Psicanálise é uma excelente opção. Ele reúne cursos completos sobre teoria e clínica psicanalítica, encontros ao vivo com especialistas e materiais exclusivos para ampliar sua compreensão dos fundamentos e das implicações clínicas dessas estruturas. Tudo isso em um ambiente de estudo guiado e estruturado, pensado para quem deseja ir além.

Resumo sobre neurose, psicose e perversão

  • Neurose: envolve os sintomas de angústia, compulsões e conflitos inconscientes
  • Psicose: é caracterizada pela perda de contato com a realidade
  • Perversão: envolve desvios da pulsão e a negação da castração.



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Referências Bibliográficas:

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

Mitos e Verdades sobre a Psicanálise: entre fatos e mal-entendidos
Ella Barruzzi
Mitos e Verdades sobre a Psicanálise: entre fatos e mal-entendidos
Conheça mitos e verdades sobre a psicanálise, suas abordagens e como ela transforma a compreensão do inconsciente e das relações humanas.

A psicanálise vai muito além da simples compreensão de sintomas psicológicos. Ela investiga o inconsciente, os desejos reprimidos e os conflitos internos que influenciam o comportamento humano. Justamente por ser um tema tão amplo, é cercada por diversas crenças – algumas verdadeiras, outras nem tanto. Por isso, é importante esclarecer os mitos e verdades sobre a psicanálise.

Muitas pessoas acreditam que a psicanálise se restringe a um modelo rígido criado por Freud e que suas ideias permanecem estáticas.

No entanto, ela evoluiu significativamente desde sua fundação, incorporando novas perspectivas e diálogos com outras áreas do conhecimento. Hoje, há diferentes escolas psicanalíticas, como a lacaniana, a winnicottiana e a kleiniana, que ampliam o alcance e a aplicabilidade da teoria freudiana.

Diferentemente de abordagens que focam exclusivamente no alívio sintomático, a psicanálise trabalha com o tempo subjetivo de cada indivíduo. O processo analítico não é imediato, pois envolve a construção de significados, a ressignificação de experiências e a elaboração de conteúdos inconscientes.

Todo psicanalista é psicólogo?

Falar sobre as diferenças entre psicólogo e psicanalista é fundamental para compreender a diversidade de abordagens dentro da saúde mental. Enquanto a Psicologia é uma ciência com base acadêmica formal, a Psicanálise é um campo de estudo e prática que segue uma trajetória formativa distinta, baseada na transmissão de conhecimento entre analistas.

Diferentemente da Psicologia, que exige uma graduação reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC) e, no caso do exercício clínico, registro no Conselho Regional de Psicologia (CRP), a Psicanálise não é regulamentada como uma profissão de ensino acadêmico tradicional. Os profissionais que desejam começar a formação psicanalítica precisam seguir três pilares fundamentais, conhecidos como tripé da psicanálise:

  1. Estudo teórico: o psicanalista precisa se aprofundar nos textos clássicos e contemporâneos da Psicanálise, incluindo as obras de Sigmund Freud, Jacques Lacan, Melanie Klein, Donald Winnicott, entre outros. Essa formação é conduzida por institutos de Psicanálise, sociedades psicanalíticas, grupos de estudo e cursos livres como o +Psicanálise da Casa do Saber.
  2. Análise pessoal: um dos requisitos mais importantes para um psicanalista é passar pelo próprio processo de análise. Essa experiência é considerada essencial para que o futuro analista compreenda suas próprias questões inconscientes, evitando que interfiram na escuta do paciente.
  3. Supervisão clínica: o aprendizado prático se dá por meio do acompanhamento de casos clínicos, sob a orientação de um psicanalista mais experiente. Esse processo de supervisão garante que o analista em formação refine sua escuta e sua capacidade interpretativa dentro da prática clínica.


Então, se você está se perguntando: “Para ser psicanalista é obrigatório ter curso superior?”, a resposta é não. Isso porque os psicanalistas podem atender sem formação em Psicologia.

Como a Psicanálise não exige uma graduação específica, um psicanalista pode ter diferentes formações acadêmicas – Filosofia, Comunicação, Medicina, Direito, Letras, entre outras. O que define um psicanalista não é um diploma universitário, mas sim seu percurso formativo dentro da tradição psicanalítica.

É importante destacar que sua atuação está focada na escuta do inconsciente e na condução do processo terapêutico a partir das associações livres e da interpretação das formações do inconsciente, como os sonhos e atos falhos.

O psicólogo clínico, por outro lado, tem uma formação acadêmica estruturada e regulamentada. Sua prática envolve o uso de métodos científicos para avaliar e intervir em processos cognitivos, emocionais e comportamentais.

Ou seja, enquanto a Psicanálise enfatiza o papel do inconsciente e das experiências infantis na constituição da subjetividade, a Psicologia Clínica pode adotar uma abordagem mais voltada para padrões de pensamento e comportamento no presente, dependendo da linha teórica escolhida.

Com essas distinções em mente, vamos abordar algumas questões recorrentes sobre a psicanálise para desmistificar, de uma vez por todas, as crenças que o senso comum muitas vezes trata como verdades absolutas – mesmo quando são difíceis de engolir.



Para a psicanálise, todo mundo tem raiva da mãe?

Desde os primeiros momentos da vida, a mãe – ou a figura que representa esse papel – desempenha funções cruciais no desenvolvimento do bebê e constrói essa relação mãe e filho na psicanálise.

Mas não se trata apenas de afeto ou cuidado físico, mas de uma construção subjetiva: é por meio desse vínculo inicial que o indivíduo começa a formar sua identidade, reconhecer limites e estruturar seus primeiros desejos.

Nos primeiros meses, o bebê vive um estado de fusão simbiótica com a mãe, em que não se percebe como separado dela. Gradualmente, à medida que o mundo externo se impõe e outras figuras entram em cena, ocorre a diferenciação entre o “eu” e o “outro”. Esse processo de separação é fundamental para o desenvolvimento emocional e pode ser marcado por momentos de frustração e ambivalência.

Dessa forma, Sigmund Freud formulou o conceito de complexo de Édipo, que descreve como a criança organiza seus primeiros sentimentos amorosos e conflitos em torno das figuras parentais. Nesse processo, é comum que sentimentos contraditórios surjam, incluindo amor, desejo de proximidade, ciúme e até raiva.

No entanto, é um erro interpretar isso de forma literal ou universal – ou como sendo uma verdadeira raiva da mãe na psicanálise. O complexo de Édipo não significa que todas as pessoas desenvolvem ressentimento ou hostilidade contra a mãe. Em vez disso, ele ilustra como as relações familiares moldam a forma como lidamos com nossos afetos e criamos modelos de relacionamento para o futuro.

Outro conceito fundamental vem do pediatra e psicanalista Donald Winnicott, que introduziu a ideia da mãe suficientemente boa. Para ele, não existe uma mãe perfeita, mas uma mãe que atende às necessidades do bebê de forma responsiva, sem sufocar nem abandonar.

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Terapia é coisa de doido?

A ideia de que “terapia é coisa de doido” é um dos mitos mais prejudiciais à saúde mental, pois cria um estigma que impede muitas pessoas de buscarem ajuda psicológica ou psicanalítica.

A verdade é que a terapia não é destinada apenas a quem enfrenta transtornos psíquicos graves, mas a qualquer pessoa que deseje compreender melhor seus sentimentos, comportamentos e desafios emocionais.

Historicamente, a sociedade sempre teve dificuldades em lidar com questões ligadas à mente e às emoções. Durante séculos, distúrbios psíquicos foram associados à loucura, possessões demoníacas ou fraqueza moral.

Além disso, a Psiquiatria, no passado, esteve fortemente ligada à internação compulsória em manicômios, o que contribuiu para reforçar a visão negativa sobre o tratamento da saúde mental.

Com o tempo, o avanço da Psicologia, da Psicanálise e da Neurociência mostrou que o sofrimento psíquico faz parte da experiência humana e que todos podem se beneficiar de um espaço de escuta e reflexão. No entanto, o preconceito ainda persiste em algumas culturas e contextos sociais.

A psicanálise e outras abordagens terapêuticas da psicologia não são exclusivas para quem tem transtornos mentais diagnosticados. Muitos procuram terapia para:

  • Compreender melhor seus sentimentos e padrões de comportamento.
  • Melhorar seus relacionamentos interpessoais e profissionais.
  • Aprender a lidar com momentos de crise, como luto, separação ou mudanças na vida.
  • Desenvolver um senso mais profundo de identidade e propósito.
  • Trabalhar questões como ansiedade, insegurança e autoestima.


Ou seja, buscar terapia não é um sinal de fraqueza, mas um ato de cuidado consigo mesmo. Assim como cuidamos do corpo indo ao médico ou praticando exercícios, cuidar da saúde mental deveria ser encarado como algo natural e necessário.



Psicanalista não fala nada?

A concepção de que o psicanalista permanece em silêncio durante toda a sessão, apenas ouvindo o paciente, é uma das ideias mais equivocadas sobre a psicanálise.

De fato, a escuta ativa é uma parte central do processo terapêutico, mas o papel do psicanalista vai muito além de simplesmente ser um ouvinte passivo – envolve uma participação ativa, com intervenções que estimulam o paciente a refletir sobre seu inconsciente, seus conflitos e seus padrões emocionais.

Freud, o pai da psicanálise, estabeleceu que o psicanalista deve ouvir atentamente as palavras do paciente, mas também prestar atenção nos lapsos, esquecimentos, hesitações e até nos silêncios. Esses aspectos podem revelar o que está reprimido ou fora da consciência, oferecendo pistas preciosas sobre o inconsciente.

Porém, essa escuta ativa não significa que o analista não fale. O psicanalista utiliza a escuta como uma ferramenta para compreender as dinâmicas internas do paciente, mas também intervém de maneira estratégica, questionando, sugerindo e interpretando.

O silêncio do analista, quando presente, não é passividade, mas um espaço que permite ao paciente elaborar seus próprios pensamentos e sentimentos.

Embora a psicanálise se concentre na escuta e no processo de livre associação, onde o paciente fala livremente sobre tudo o que vem à mente, o psicanalista intervém de maneira cuidadosa e ponderada. Essas intervenções podem ocorrer de várias formas:

INTERVENÇÃO NA PRÁTICA
Questões O psicanalista faz perguntas que incentivam o paciente a aprofundar sua reflexão. Essas perguntas muitas vezes buscam explorar inconscientemente os sentimentos e pensamentos que surgem nas associações livres. Elas podem ser simples, mas com grande potencial de provocar uma mudança de perspectiva no paciente.
Interpretações Uma das funções principais do psicanalista é ajudar o paciente a conectar as pontes entre os pensamentos conscientes e os inconscientes. Quando o analista percebe um padrão ou um conflito inconsciente, pode oferecer uma interpretação que ajude o paciente a compreender suas resistências, medos ou desejos ocultos. A interpretação visa trazer à luz o que está reprimido ou não plenamente consciente.
Reflexões O analista também pode refletir sobre o que foi dito pelo paciente, destacando padrões emocionais ou comportamentais que ele observa. Isso pode ajudar o paciente a perceber aspectos da sua psique que talvez não tivesse notado, promovendo insights valiosos sobre seu próprio comportamento.
Contratransferência Refere-se às reações emocionais do analista em relação ao paciente. O psicanalista deve estar ciente de como suas próprias emoções e percepções influenciam a terapia. Muitas vezes, essas reações podem oferecer informações valiosas sobre os sentimentos inconscientes do paciente, e o analista pode usá-las para ajudar a entender melhor a dinâmica da relação terapêutica.


Ao dar ao paciente tempo e espaço para pensar, o psicanalista ajuda a criar um ambiente de liberdade psíquica, no qual o paciente pode se abrir e trazer à tona aspectos mais profundos de sua psique. O silêncio do psicanalista pode, assim, ser visto como uma ferramenta terapêutica importante.



Tudo é sobre sexo?

A afirmação de que "tudo é sobre sexo" é um mal-entendido comum sobre a psicanálise, muitas vezes simplificando excessivamente as ideias complexas de Freud.

Embora a sexualidade seja de fato uma parte fundamental da teoria psicanalítica, ela não é a única área de investigação da psicanálise. O trabalho de Freud estabeleceu a importância da libido, ou energia psíquica relacionada ao desejo, mas sua teoria vai muito além da sexualidade, envolvendo uma análise abrangente das motivações inconscientes, das relações interpessoais e das experiências formativas ao longo da vida.

Sigmund Freud introduziu o conceito de libido como uma energia psíquica que, em sua forma mais simples, está relacionada ao desejo sexual. Em sua teoria inicial, ele sugeriu que a libido se manifesta primariamente na sexualidade e, portanto, muitos dos impulsos humanos e comportamentos são de alguma forma influenciados por desejos sexuais inconscientes.

A ideia central da teoria da libido é que nossas motivações e conflitos não são apenas conscientes, mas também profundamente enraizados em aspectos ocultos da nossa psique.

No entanto, Freud também enfatizou que a libido não se limita ao sexo genital, mas se manifesta em uma variedade de formas ao longo do desenvolvimento humano. Ele sugeriu que a energia libidinal se desloca por diferentes estágios do desenvolvimento sexual, começando com a infância e a fase oral, passando para a fase anal, fálica e, por fim, à fase genital, com diferentes fixações e formas de expressão da libido ao longo desses estágios.

Embora a sexualidade tenha sido um foco central da teoria de Freud, a psicanálise moderna abrange uma gama muito mais ampla de experiências humanas. Freud reconheceu que as pulsões de vida e de morte, a dinâmica do inconsciente e as relações de apego são igualmente cruciais para o entendimento da mente humana.

Para ele, os conflitos inconscientes entre desejos instintivos e a moralidade imposta pela sociedade eram fundamentais para compreender as motivações e os sintomas psíquicos.

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Psicanálise não funciona?

Muitas vezes, as pessoas buscam soluções imediatas para seus problemas emocionais ou psíquicos, mas a psicanálise, ao contrário de métodos terapêuticos mais diretos, é um processo gradual e profundo. Ela não promete alívio instantâneo, mas sim a transformação lenta e consistente de padrões emocionais e comportamentais que podem estar enraizados em experiências passadas e dinâmicas inconscientes.

A psicanálise é um processo de longo prazo, que pode durar anos, dependendo das necessidades do analisando. Ao contrário de terapias mais breves, que se concentram em resolver problemas específicos em um tempo limitado, a psicanálise busca uma compreensão profunda e duradoura da psique humana.

Esse tempo prolongado de análise permite que a pessoa consiga entrar em contato com partes da sua psique que estão geralmente escondidas, e também com sentimentos e memórias reprimidas.

Embora a psicanálise não prometa uma solução rápida ou "cura" para os sintomas, ela tem o potencial de provocar transformações profundas e duradouras.

Ao longo da análise, o paciente pode descobrir as raízes inconscientes de seus conflitos e sintomas, o que muitas vezes permite uma mudança significativa no modo como ele vê a si mesmo e ao mundo ao seu redor.

Outra razão pela qual algumas pessoas podem acreditar que a psicanálise "não funciona" está ligada ao conceito de resistência, um fenômeno central no processo psicanalítico.

A resistência se refere às defesas psíquicas que as pessoas desenvolvem para evitar enfrentar conteúdos emocionais dolorosos ou traumáticos. Isso pode ocorrer de várias formas, como a falta de vontade de falar sobre certos assuntos, a sensação de que o processo não está trazendo resultados ou a tendência a sabotar o próprio progresso.

Outro aspecto fundamental é a relação entre o paciente e o psicanalista. A chamada "transferência" é um processo no qual o paciente projeta sentimentos, desejos e expectativas em relação ao psicanalista, muitas vezes revivendo relacionamentos significativos do passado.

Em um mundo em que a rapidez e a eficiência são muitas vezes vistas como os maiores valores, a psicanálise se destaca por seu compromisso com a exploração mais rica e complexa da mente humana.



O tratamento demora muito?

O tempo de tratamento na psicanálise é frequentemente visto como uma das suas características mais distintas, e também uma das que geram mais questionamentos.

De fato, quando comparada a outras abordagens terapêuticas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que tende a ser mais curta e focada em soluções práticas e imediatas, a psicanálise pode parecer demorada.

No entanto, a duração do tratamento psicanalítico está diretamente relacionada à sua profundidade e ao objetivo de compreensão do inconsciente, tornando-o um processo transformador e, muitas vezes, de longa duração.

Ao contrário de abordagens que visam tratar os sintomas de forma mais rápida e objetiva, a psicanálise se propõe a uma exploração profunda das causas subjacentes dos problemas emocionais e psíquicos do paciente, como dito anteriormente. Ela busca compreender padrões inconscientes, traumas de infância, dinâmicas familiares e os mecanismos psíquicos que moldam o comportamento e os conflitos emocionais.

Esse tipo de análise exige tempo, porque muitas vezes os conteúdos inconscientes estão protegidos por mecanismos de defesa, como a repressão, que impedem que a pessoa tenha acesso imediato às suas questões mais profundas.

O psicanalista, portanto, ajuda o paciente a "desbloquear" esses conteúdos e a enfrentar suas resistências ao longo do processo. Esse trabalho gradual de descobrimento e integração exige tempo para que a pessoa compreenda, aceite e se transforme.

Embora a psicanálise seja geralmente mais longa, a duração do tratamento pode variar amplamente entre os pacientes, dependendo de vários fatores, como a gravidade dos sintomas, os objetivos terapêuticos e a intensidade do trabalho que é necessário para acessar o inconsciente.

Algumas pessoas podem sentir que as questões que estão explorando são resolvidas em menos tempo, enquanto outras podem passar anos em análise, especialmente se estiverem lidando com traumas complexos ou questões emocionais profundamente enraizadas – em muitos casos, a psicanálise não tem um "prazo final" pré-estabelecido.




Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ROUDINESCO, Elisabeth; Plon, Michel. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

O Que é Histeria? Entenda sua Importância para a Psicanálise
Ella Barruzzi
O Que é Histeria? Entenda sua Importância para a Psicanálise
Entenda o que é histeria, sua importância para a história da psicanálise e como Freud revelou o inconsciente ao relacioná-la aos sintomas corporais.

Provavelmente, você já ouviu alguém dizer: “aquela mulher é histérica!”. Essa expressão tem uma longa história, e não por acaso. Mas o que é histeria? A palavra “histeria” – tema deste post – tem suas raízes na Grécia Antiga, derivada do termo “hystéra”, que significa útero.

Na antiguidade, acreditava-se que a histeria era uma condição exclusivamente feminina, atribuída ao deslocamento do útero pelo corpo – eles achavam que esse movimento do órgão, chegando até regiões como o diafragma ou o cérebro, causava sintomas físicos e emocionais incomuns, levando as mulheres a apresentarem comportamentos considerados estranhos. Como forma de tratamento, eram usados banhos de assento com ervas específicas, acreditando-se que isso ajudaria a “chamar” o útero de volta ao seu lugar.

Essa ideia foi fortemente influenciada pelos escritos de Hipócrates, visto que era ele quem associava os sintomas histéricos a distúrbios do aparelho reprodutor feminino.

Tal visão persistiu por séculos, reforçada pela ideia de que as mulheres eram mais suscetíveis a desordens emocionais devido à sua biologia. Foi apenas no final do século XIX, com o avanço dos estudos médicos e psicológicos, que essa interpretação começou a ser questionada.

Charcot, neurologista francês, teve um papel crucial nesse processo ao demonstrar que a histeria não era restrita ao sexo feminino e que seus sintomas poderiam ser induzidos e aliviados por meio da hipnose – e é aqui que Freud entra.

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A histeria para a psicanálise

Desde as primeiras investigações de Freud até as reformulações propostas por Lacan, a histeria não apenas marcou o início da psicanálise como também permanece relevante para a compreensão das dinâmicas do inconsciente.

Em sua essência, revela a complexidade das relações entre o corpo e a mente, manifestando-se através de sintomas físicos para expressar conflitos psíquicos profundos, como falamos anteriormente.

Sigmund Freud, ao estudar pacientes com sintomas inexplicáveis pela medicina tradicional, percebeu que havia uma conexão entre algumas manifestações e traumas psíquicos reprimidos – sintomas físicos que expressam conflitos psíquicos profundos.

Sendo assim, introduziu a ideia de que a histeria era uma forma de neurose onde o inconsciente se expressava por meio de sintomas somáticos, como paralisias, cegueira histérica ou convulsões, por exemplo.



Esse entendimento foi revolucionário, pois deslocou a visão da histeria como uma condição exclusivamente fisiológica para uma interpretação psicodinâmica.

Jacques Lacan, por sua vez, trouxe uma nova abordagem, destacando a histeria como uma estrutura subjetiva. Para ele, a pessoa histérica está sempre em busca de respostas sobre seu próprio desejo e o desejo do outro. Essa insatisfação constante e a necessidade de reconhecimento são características fundamentais da histeria lacaniana, que ultrapassam a mera manifestação de sintomas físicos e se inserem em uma complexa dinâmica de linguagem e desejo.

Portanto, a histeria é muito mais do que um diagnóstico clínico – é um campo de estudo que permite explorar as profundezas do inconsciente, a construção do desejo e as formas como os sujeitos lidam com suas angústias.

Essa condição, que já foi vista como um mistério ou até mesmo como encenação, hoje é reconhecida como uma chave essencial para entender a psicanálise e a condição humana.

O significado e a origem da histeria

Freud, inspirado pelas pesquisas de Charcot, aprofundou o estudo da histeria ao vinculá-la a traumas psíquicos e desejos inconscientes. Em sua obra "Estudos sobre a Histeria", escrita em parceria com Josef Breuer, apresentou casos clínicos que demonstravam como sintomas físicos sem causa orgânica eram, na verdade, manifestações de conflitos emocionais reprimidos.

Essa abordagem – considerada inovadora – abriu caminho para o desenvolvimento da psicanálise, estabelecendo a histeria como um modelo paradigmático para a compreensão das neuroses.



Hoje, a histeria é reconhecida como uma forma de neurose, caracterizada por manifestações físicas de conflitos psíquicos. Os sintomas histéricos, muitas vezes dramáticos e sem explicação médica aparente, continuam sendo objeto de estudo e debate, revelando a complexa interação entre corpo, mente e desejo.

Casos de histeria coletiva e histeria em massa, por exemplo, mostram como essas manifestações podem se expandir para além do indivíduo, atingindo grupos sociais inteiros em momentos de tensão e ansiedade, como podemos ver no quadro abaixo:

ASPECTO HISTERIA INDIVIDUAL HISTERIA COLETIVA | HISTERIA EM MASSA
ORIGEM Conflitos psíquicos pessoais, como traumas e desejos reprimidos. Emoções compartilhadas, como medo, ansiedade ou excitação, amplificadas socialmente.
EXEMPLOS DE SINTOMAS Paralisias, cegueira histérica, convulsões sem causa orgânica. Desmaios coletivos, sintomas psicossomáticos compartilhados, comportamentos anômalos.
EXEMPLOS HISTÓRICOS Caso Anna O. (Freud e Breuer). Dança de São Vito (século XIV), surtos de pânico em ambientes escolares ou de trabalho.
DESENCADEADORES Traumas psíquicos individuais, repressão de desejos inconscientes. Situações de tensão, ansiedade ou sugestão coletiva.


Apesar de ocorrerem em diferentes escalas, ambos os fenômenos refletem a vulnerabilidade do psiquismo diante de situações de crise, mostrando como o inconsciente individual e o inconsciente coletivo podem se entrelaçar na construção de sintomas histéricos.

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A histeria na psicanálise e a contribuição de Freud

O caso de Anna O., documentado por Freud e Breuer, é um dos exemplos mais conhecidos da histeria na literatura psicanalítica e foi crucial para a formulação de conceitos fundamentais da psicanálise.

Anna O. apresentava um conjunto complexo de sintomas físicos e psíquicos, como paralisias, dificuldades de fala, distúrbios visuais e episódios de alucinação. Esses sintomas não tinham uma causa orgânica identificável, o que os levou a explorar a conexão entre as manifestações somáticas e o estado emocional da paciente.

Através do método catártico , Breuer conseguiu aliviar os sintomas ao ajudá-la a relembrar e verbalizar memórias traumáticas associadas a essas manifestações físicas. Esse processo mostrou como experiências emocionais reprimidas poderiam se expressar de forma somática, inaugurando a ideia de que a fala e a elaboração consciente de eventos traumáticos tinham um efeito terapêutico direto.

Para Freud, a histeria estava intimamente ligada à sexualidade e ao desejo inconsciente. Ele observou que os sintomas histéricos frequentemente derivavam de desejos reprimidos, traumas infantis ou conflitos emocionais não resolvidos. Essa perspectiva foi essencial para a formulação da teoria da sexualidade na psicanálise, que enfatiza a importância dos impulsos inconscientes na formação dos sintomas neuróticos, como visto anteriormente.

Além de Anna O., Freud documentou outros casos clínicos de histeria que se tornaram clássicos na literatura psicanalítica. O caso de Dora, por exemplo, revelou novas dimensões da relação entre repressão, desejo inconsciente e sintomas somáticos.

Esses casos ajudaram a consolidar a compreensão de que a histeria não se limitava a uma condição exclusivamente física, mas envolvia uma intrincada interação entre psique e corpo.

A abordagem psicanalítica proposta por Freud e Breuer, ao dar voz às experiências reprimidas dos pacientes, abriu caminho para a prática da associação livre e a interpretação dos conteúdos inconscientes, pilares da psicanálise moderna.



Neurose histérica e obsessiva, quais as principais diferenças

A neurose histérica e a neurose obsessiva são duas formas distintas de manifestações psíquicas, cada uma refletindo maneiras específicas de lidar com conflitos internos. Embora ambas tenham origens em processos inconscientes, suas expressões e dinâmicas são bastante diferentes. Confira:

Neurose histérica:

  • Sintomas: manifesta-se através de sintomas físicos e emocionais intensos, como paralisias, cegueira histérica, convulsões sem causas orgânicas, dores inexplicáveis e outros sintomas somáticos.
  • Causa: os sintomas representam a expressão simbólica de conflitos psíquicos reprimidos, geralmente ligados a traumas ou desejos inconscientes.
  • Exemplos: casos como a cegueira histérica — onde a pessoa perde a visão sem nenhuma causa orgânica detectável — ou paralisias temporárias sem explicação médica.
  • Dinâmica psíquica: a histeria transforma angústias psíquicas em manifestações corporais, funcionando como uma representação simbólica de questões internas não resolvidas.


Neurose obsessiva:

  • Sintomas: caracteriza-se por pensamentos intrusivos e obsessivos, acompanhados de comportamentos repetitivos ou rituais compulsivos.
  • Causa: surge como um mecanismo de controle para lidar com ansiedades profundas, levando à repetição como forma de alívio temporário.
  • Exemplos: a necessidade de verificar repetidamente se uma porta está trancada, lavar as mãos excessivamente por medo de contaminação ou seguir rituais meticulosos para evitar catástrofes imaginárias.
  • Dinâmica psíquica: nessa neurose, há uma constante luta entre pensamentos obsessivos e as defesas criadas para neutralizá-los, resultando em compulsões e rituais.


Entenda a diferença entre neurose, psicose e perversão neste artigo


Essas duas manifestações psíquicas, apesar de diferentes, mostram como a mente cria mecanismos complexos para enfrentar angústias e conflitos internos, cada uma à sua maneira.

Para finalizar, podemos dizer que a histeria, longe de ser um termo pejorativo ou ultrapassado, revela-se como uma chave fundamental para a compreensão do inconsciente humano.

Desde os primeiros estudos de Freud até as contribuições de Lacan, a histeria mostra como sintomas físicos e emocionais podem ser expressões simbólicas de conflitos psíquicos profundos.

Ao estudar essa estrutura, a psicanálise não só ampliou o entendimento sobre as neuroses, mas também abriu caminhos para uma abordagem mais profunda sobre o desejo, a linguagem e a subjetividade.

Dessa forma, a histeria segue sendo uma peça essencial para entender as complexas interações entre mente e corpo, trazendo à tona questões que ainda ressoam na prática clínica e no estudo do inconsciente.

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Referências bibliográficas

FREUD, Sigmund. Estudos sobre a histeria. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 3: As psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.





Neurociência, Saúde Mental e Comportamento
Esquizofrenia: o que é, sintomas, causas, tipos e tratamento
Camila Fortes
Esquizofrenia: o que é, sintomas, causas, tipos e tratamento
Esquizofrenia é um transtorno mental que afeta a percepção da realidade. Veja sintomas, causas, tratamentos e como oferecer apoio sem estigmas.

A esquizofrenia é um dos transtornos mentais mais estigmatizados e incompreendidos da saúde mental. Não são raros os casos em que as pessoas chamam de “esquizofrênico” qualquer indivíduo que assume um comportamento considerado impróprio socialmente.

No entanto, esse é um estigma que precisa ser rompido, pois a esquizofrenia trata-se de uma condição psíquica grave, que faz com que a pessoa apresente perdas de contato com a realidade, afetando diretamente suas relações.

Marcada por sintomas como delírios, alucinações e alterações no pensamento, ela afeta cerca de 1% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que entre 0,3% a 2,4% possuem o transtorno.

Neste artigo, vamos abordar de forma clara o que é a esquizofrenia, seus sintomas, causas, diagnóstico, tipos, formas de tratamento e, principalmente, como oferecer acolhimento.

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O que é esquizofrenia e qual a sua origem?

A esquizofrenia é um transtorno psicótico que afeta a forma como a pessoa vê a si e ao mundo. Caracterizado por distorções do pensamento e da percepção, a pessoa esquizofrênica tem a sensação constante de que seus sentimentos, pensamentos e atos são partilhados por outros, como se estivesse sendo analisada e vigiada frequentemente.

O termo “esquizofrenia” foi cunhado em 1911 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, a partir da junção dos termos schizo (dividir) e phren (mente), para descrever uma “divisão” entre pensamento, emoção e comportamento.

Não se trata de uma “dupla personalidade”, como muitos acreditam equivocadamente, mas sim de um transtorno mental crônico que afeta a forma como a pessoa percebe a realidade.

A esquizofrenia costuma surgir no final da adolescência ou início da vida adulta, entre os 15 e 35 anos, embora existam casos de esquizofrenia infantil ou início tardio (após os 40 anos). O transtorno pode se manifestar de forma leve ou grave, e nem todos os casos envolvem comportamentos agressivos ou perigosos.



Principais sintomas da esquizofrenia

Os sintomas da esquizofrenia costumam ser divididos em três grupos principais: positivos, negativos e cognitivos.

Vamos compreender melhor:

Sintomas positivos

São assim chamados porque “acrescentam” algo à experiência psíquica do indivíduo. Incluem:

  • Delírios: Crenças falsas e fixas, que não se abalam mesmo diante de evidências contrárias.
    Exemplo: Acreditar que está sendo perseguido ou que possui poderes especiais.
  • Alucinações: Percepções sensoriais sem estímulo real.
    Exemplo: Ouvir vozes (o sintoma mais comum).
  • Pensamento desorganizado: Dificuldade para organizar ideias e falas.
    Exemplo: Falas incoerentes, saltos de pensamento e raciocínio confuso.
  • Comportamento motor acelerado: Pode variar da agitação à catatonia, gerando ansiedade.
    Exemplo: Ficar imóvel e distante no pensamento por um longo tempo ou desenvolver movimentos repetitivos.

Sintomas negativos

São déficits emocionais e sociais que comprometem a qualidade de vida da pessoa esquizofrênica. Os sintomas negativos incluem:

  • Apatia ou falta de expressão emocional, sem muita capacidade de resposta;
  • Isolamento e reclusão social;
  • Diminuição da fala e das interações;
  • Falta de motivação, prazer ou interesse em atividades antes agradáveis.

Sintomas cognitivos

Têm relação com a dificuldade de pensamento, com um comprometimento da memória e dos processos de tomada de decisão.

  • Memória de curto prazo prejudicada;
  • Mau funcionamento de processos cognitivos complexos, como a resolução de problemas, tomada de decisões e planejamento;
  • Déficits de atenção.

A pessoa com esquizofrenia pode desenvolver delírios de que forças externas influenciam nos seus pensamentos e ações, além de exibir um raciocínio vago e obscuro, acreditando que situações cotidianas possuem um significado complexo, relacionado exclusivamente com ela.

O humor geralmente é superficial ou incongruente, acompanhado de momentos de inércia, negativismo ou estupor.

É importante destacar que a esquizofrenia não tende a começar com delírios e alucinações, mas sim com um isolamento social e outras mudanças de comportamento que fazem com que a pessoa seja vista como “diferente” por aqueles do seu convívio.



Causas e fatores de risco para a esquizofrenia

Ainda não existe uma causa única para a esquizofrenia. O transtorno é multifatorial e precisa ser investigado com bastante atenção, para identificar os fatores de risco.

No entanto, uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde aponta que o modelo de maior aceitação para compreender suas causas e fatores de risco é o da “vulnerabilidade versus estresse”. Em outras palavras, uma predisposição genética interage com estressores ambientais e psicológicos, aumentando a possibilidade do desenvolvimento do transtorno.

Assim, vemos a interferência de:

Fatores genéticos:

Casos de esquizofrenia na família aumentam a probabilidade do desenvolvimento do transtorno. No entanto, é importante ressaltar: ter histórico familiar aumenta o risco, mas não garante o desenvolvimento do quadro.

Fatores neurobiológicos:

Alterações na química cerebral, especialmente nos neurotransmissores dopamina e glutamato (responsáveis pelo prazer, motivação e excitação, respectivamente), estão associados ao transtorno.

Disfunções nesse sistema podem explicar os sintomas negativos e o pensamento desorganizadocaracterísticos da esquizofrenia.

Fatores ambientais:

Situações de estresse intenso, como perdas significativas, violência ou mudanças abruptas na vida, podem desencadear ou agravar sintomas em pessoas predispostas. Traumas na infância, como abuso físico, sexual ou negligência emocional, também estão associados a um maior risco.

Outro fator importante é o uso abusivo de substâncias psicoativas, especialmente em fases críticas do desenvolvimento, como a adolescência. Drogas como cocaína, LSD e metanfetaminas podem precipitar surtos psicóticos ou antecipar o início dos sintomas de esquizofrenia em indivíduos vulneráveis.

Além disso, complicações na gestação e no parto, como infecções virais intrauterinas, sofrimento fetal, desnutrição materna ou exposição a toxinas, podem afetar o desenvolvimento neurológico e contribuir para alterações cerebrais relacionadas ao transtorno.

Diagnóstico de esquizofrenia e seus tipos

O diagnóstico de esquizofrenia é feito por médicos psiquiatras com base na avaliação clínica, levando em conta a história de vida, os sintomas e a duração deles.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e a Classificação Internacional de Doenças (CID-11) orientam os critérios diagnósticos.

Segundo o CID, o transtorno esquizofrênico inclui diferentes apresentações clínicas. Os tipos mais conhecidos são:

Esquizofrenia paranoide

É o tipo mais comum e costuma se manifestar com delírios de perseguição e alucinações auditivas, mas com preservação do pensamento e da afetividade.

Na esquizofrenia paranoide, os delírios são geralmente organizados e sistemáticos, fazendo com que a pessoa acredite, por exemplo, estar sendo espionada, vigiada ou alvo de uma conspiração. As alucinações auditivas são frequentes, com vozes críticas ou ameaçadoras.

Apesar disso, a capacidade de se comunicar e a expressão emocional podem estar relativamente preservadas, o que pode dificultar o reconhecimento do transtorno por quem convive com a pessoa.

Esquizofrenia hebefrênica (ou desorganizada)

Caracteriza-se por desorganização do pensamento, fala incoerente e comportamento inadequado. Frequentemente inicia-se de modo precoce.

O comportamento tende a ser imprevisível ou infantilizado, com risos inapropriados ou ações sem propósito claro. O discurso pode ser difícil de seguir, com trocas rápidas de assunto, frases desconexas ou uso de palavras inventadas.

Esquizofrenia catatônica

Envolve distúrbios motores extremos, desde imobilidade total (catatonia) até movimentos repetitivos.

A pessoa pode permanecer longos períodos em posturas rígidas, sem falar ou reagir ao ambiente ao redor, ou, ao contrário, apresentar agitação motora intensa e movimentos repetitivos, como bater as mãos ou andar em círculos.

Esquizofrenia simples

É mais difícil de ser identificada, pois é marcada principalmente pelos sintomas negativos. Pode ser confundida com depressão ou transtornos de personalidade.

Os sintomas se desenvolvem de forma lenta e progressiva, sem episódios psicóticos evidentes. A pessoa pode começar a se isolar socialmente, perder o interesse por atividades antes prazerosas e mostrar desmotivação.


Tratamento para esquizofrenia

Embora seja um transtorno crônico, a esquizofrenia pode ser tratada para alcançar estabilidade, autonomia e bem-estar.

Antipsicóticos

A base do tratamento envolve o uso de antipsicóticos, que regulam a atividade dos neurotransmissores. Os efeitos variam entre os pacientes, e o acompanhamento médico regular é essencial para ajustar doses e manejar os efeitos colaterais.

Psicoterapia

Abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a psicanálise e o fortalecimento da escuta clínica ajudam na elaboração dos sintomas, na reconstrução do laço social e na melhoria da autoestima.

Reabilitação psicossocial

A inserção na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com foco nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), além de oficinas terapêuticas e grupos de convivência, compõem estratégias de reabilitação psicossocial, sendo fundamentais para a autonomia e o pertencimento.

Para saber mais sobre a RAPS e os centros de atendimento psicoterapêutico, se informe nos sites oficiais do Ministério da Saúde ou procure o CAPS mais próximo de você na rede pública da sua cidade.



A importância da rede

O tratamento para esquizofrenia exige uma rede de cuidados integrada entre usuários do sistema de saúde mental, familiares, profissionais da saúde e serviços públicos. A construção dessa rede passa por políticas públicas de saúde mental assistenciais, somada ao combate à exclusão social.

Dois homens se abraçam em auditório durante evento ou palestra, demonstrando empatia e apoio emocional
Uma rede de apoio bem estruturada é fundamental para quem vive e convive com a esquizofrenia - Fonte: Adrianna Geo/ Unsplash


Como acolher uma pessoa com esquizofrenia?

Viver com esquizofrenia ou conviver com alguém com esse diagnóstico exige empatia, paciência e informação.

Confira algumas práticas essenciais:

  • Evite julgamentos: não invalide ou ridicularize os relatos da pessoa. Lembre-se que, para ela, o que ela está contando é real.
  • Ofereça escuta: ouvir vozes, por exemplo, não é sinônimo de “loucura”, mas um sinal que merece atenção.
  • Se informe: compreender o transtorno ajuda a lidar com ele sem medo.
  • Promova vínculos: o isolamento agrava os sintomas. Laços afetivos são essenciais.
  • Esteja atento a recaídas: mudanças no comportamento, no sono ou no humor podem sinalizar necessidade de reforço no tratamento.




Mitos sobre a esquizofrenia

Muitos são os estereótipos sobre a pessoa com esquizofrenia. A imagem de que são sujeitos perigosos, potencialmente violentos e agressivos, está na percepção social há séculos.

No entanto, para tratar o transtorno, amenizar os sintomas e reduzir os estigmas, é necessário informação para romper com esses preconceitos.

A seguir, alguns dos mitos mais comuns, e o que a ciência e a experiência clínica dizem de fato:

“Pessoas com esquizofrenia são perigosas”

Esse é um dos estigmas mais danosos. A maioria das pessoas com esquizofrenia não é violenta. Na realidade, elas estão mais vulneráveis a sofrerem violência do que a cometê-la.

O comportamento agressivo, quando existe, geralmente está associado à ausência de tratamento, ao uso de substâncias ou a contextos de profunda exclusão social.

“Esquizofrenia é sinônimo de múltiplas personalidades”

Esse também é um equívoco comum, mas, não. A esquizofrenia não é um transtorno dissociativo de identidade. Quem convive com esquizofrenia pode ter delírios e alucinações, mas não vive como se houvesse em si “duas ou mais pessoas”.

A confusão entre esses quadros dificulta a compreensão adequada da condição.

“Esquizofrenia é causada por ‘fraqueza emocional’”

A esquizofrenia tem base neurobiológica e multifatorial, envolvendo alterações químicas no cérebro, predisposição genética e fatores psicossociais e ambientais. Não é um sinal de fragilidade, falta de força de vontade e nem é uma escolha individual.

“Pessoas com esquizofrenia morrem cedo”

Embora existam riscos aumentados de doenças associadas (como as cardiovasculares) e vulnerabilidade social, pessoas com esquizofrenia não necessariamente terão uma expectativa de vida reduzida.

“Quem tem esquizofrenia sempre precisa ser internado”

Falso. A internação é uma medida excepcional, usada em casos graves e pontuais, geralmente quando há risco à vida ou necessidade de estabilização rápida.

É fundamental lembrar que a proposta do cuidado em saúde mental, sobretudo no Brasil através da RAPS, é valorizar o cuidado em liberdade, com suporte no território, tratamento ambulatorial e vínculo com os CAPS.

Indicação da Casa

Alguns livros clássicos tratam sobre o processo de construção de estigmas sobre a pessoa com transtornos mentais. Entre eles, podemos mencionar A História da Loucura na Idade Clássica (1961) de Michel Foucault e Loucura na Civilização: Uma história cultural da insanidade (2023) de Andrew T. Scull.

Além disso, obras como Entre a Razão e a Ilusão: Desmistificando a Esquizofrenia (2023) de Jorge Cândido de Assis, Cecília Villares e Rodrigo Bressan tratam especificamente sobre a esquizofrenia e a convivência com o transtorno.

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Referências:

https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/pcdt-esquizofrenia-livro-2013-1.pdf

https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2022/outubro/sus-oferece-atendimento-as-pessoas-que-vivem-com-algum-tipo-de-transtorno-mental

Entenda o que é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)
Camila Fortes
Entenda o que é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)
Entenda o que é o TOC, sintomas mais comuns, causas, tipos e formas de tratamento. Saiba como lidar com o transtorno e apoiar quem convive com ele.

Você já ouviu alguém dizer “tenho TOC com organização”? Essa frase, apesar de comum, muitas vezes banaliza um transtorno sério que afeta milhões de pessoas no mundo.

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é um transtorno de ansiedade caracterizado por obsessões e/ou compulsões que causam sofrimento, desconforto ou prejuízo funcional significativo.

Neste conteúdo, vamos explicar de modo aprofundado o que é o TOC, quais seus sintomas, causas, tipos, como é feito o diagnóstico, as formas de tratamento e como diferenciar o transtorno de comportamentos obsessivos comuns.

Nosso objetivo é desmistificar o TOC, combater o estigma e oferecer orientações acessíveis e científicas para quem convive com esse quadro ou deseja compreender melhor o tema.

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O que é o TOC? Entenda o transtorno

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é uma condição de saúde mental marcada pela presença de pensamentos obsessivos e/ou comportamentos compulsivos que se repetem de forma intensa, persistente e angustiante.

Descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e na Classificação Internacional de Doenças (CID-11, código 6B20), o TOC é muito mais do que gostar de tudo no lugar ou querer que as coisas estejam limpas, por exemplo. Ele se trata de um sofrimento psíquico intenso, que compromete a vida pessoal, social e profissional de quem o vivencia.

Obsessões são pensamentos, imagens ou impulsos intrusivos, indesejados e repetitivos que geram angústia. Exemplo: medo intenso de estar contaminado, mesmo sem evidência disso.

Compulsões são comportamentos repetitivos (como lavar as mãos, checar as portas) ou atos mentais (contar, rezar, repetir palavras) realizados para neutralizar ou aliviar a ansiedade provocada pelas obsessões.

Em outras palavras, enquanto a obsessão é o pensamento invasivo e angustiante, a compulsão é a ação que tenta aliviar essa angústia.

Quem sofre de TOC geralmente percebe que seus pensamentos e comportamentos são excessivos ou irracionais, mas mesmo assim se sente incapaz de controlá-los sem ajuda especializada.

Principais sintomas do Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Os sintomas podem variar bastante entre os indivíduos, tanto na forma quanto na intensidade. Em geral, as obsessões provocam angústia, e as compulsões surgem como uma tentativa de neutralizar esse desconforto, criando um ciclo difícil de romper.

Abaixo, listamos alguns dos sinais de obsessões e compulsões mais comuns:

Exemplos de obsessões:

  • Medo excessivo de contaminação: preocupação constante com germes, sujeira, sangue ou doenças.
  • Dúvidas persistentes que não amenizam: insegurança quanto a ações do cotidiano (“Será que tranquei a porta? E se eu causar um acidente?”)
  • Pensamentos indesejados de conteúdo agressivo ou sexualizado: ideias invasivas sobre machucar alguém ou fazer algo moralmente inaceitável.
  • Necessidade de simetria ou exatidão: incômodo intenso diante de objetos desalinhados ou desorganizados.
  • Medo de causar dano a si ou aos outros: preocupação irracional de que, se não conseguir determinado ritual, algo ruim acontecerá.


Exemplos de compulsões:

  • Lavar as mãos ou tomar banhos excessivos, mesmo sem necessidade física;
  • Verificar repetidamente se portas estão trancadas, luzes apagadas, aparelhos desligados etc;
  • Contar objetos ou repetir palavras mentalmente, como forma de neutralizar obsessões;
  • Organizar itens de forma rígida ou ritualística, seguindo padrões exatos de simetria, cor, tamanho etc;
  • Reafirmação constante: necessidade de ouvir dos outros que algo está seguro, certo ou aprovado.


Esses comportamentos podem parecer irracionais até para quem os realiza e, ainda assim, a pessoa sentir que não consegue evitá-los.

Importante: manias e rituais isolados não são TOC. O transtorno só é diagnosticado quando essas obsessões e compulsões ocupam tempo significativo (geralmente mais de uma hora por dia) e causam sofrimento real ou prejuízo à rotina.



Homem usando máscara borrifando spray desinfetante nas mãos, destacando práticas de higiene e prevenção
Limpeza é essencial, mas é preciso observar se as manias estão causando sofrimento ou comprometimento na vida da pessoa - Fonte: Tonkla Pairoh/Unsplash

Causas e fatores de risco para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Ainda não existe uma causa única para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, mas uma pesquisa realizada na Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales (UCES) e no Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES) apontam para uma combinação de fatores:

Genéticos: pessoas com histórico familiar de TOC ou outros transtornos de ansiedade têm maior predisposição;

Neurobiológicos: alterações em áreas do cérebro responsáveis por tomada de decisão, controle de impulsos e avaliação de risco (como o córtex orbitofrontal e os gânglios da base), estão relacionadas ao TOC.

Psicológicos: experiências traumáticas na infância, vivências de controle extremo, culpa internalizada ou repressão emocional, podem influenciar o desenvolvimento do transtorno.

Ambientais: eventos estressantes, infecções, alterações hormonais ou disfunções imunológicas podem atuar como gatilhos.

Muitos comportamentos visam controlar o incontrolável, como a possibilidade de contaminação, erro ou tragédia. Por isso, o TOC está diretamente relacionado à ansiedade e ao controle, uma vez que são dois fatores centrais no sofrimento dessas pessoas.



Diferença entre TOC e manias

Uma confusão frequente é sobre a diferença entre TOC e as chamadas “manias”. Apesar da popularização de expressões como “Tenho TOC com isso”, é importante entender que manias e TOC são coisas muito diferentes.

No que exatamente elas se diferem?

As manias, no senso comum, são hábitos ou preferências pessoais, como gostar de manter o armário organizado ou sempre alinhar os talheres e copos. A pessoa mantém o comportamento por gosto ou satisfação, e não por medo ou angústia.

Esses comportamentos geralmente não causam sofrimento ou prejuízo significativo.

Já o TOC envolve uma luta interna desgastante, marcada por pensamentos indesejados e rituais que a pessoa muitas vezes reconhece como excessivos, mas sente-se incapaz de controlar.

No TOC, os pensamentos obsessivos invadem a mente, seguidos de rituais compulsivos. Esses comportamentos são feitos justamente para aliviar a angústia, e não por prazer, e tendem a ser repetidos exaustivamente.

Confira um exemplo da diferença entre Mania x TOC na tabela abaixo:

Mania TOC
Gosto de ver e acho mais bonito esteticamente os livros alinhados por cor. Preciso alinhar os livros por cor e simetria pois, se não fizer isso, sinto uma angústia, como se algo ruim fosse acontecer.



Diagnóstico de TOC e tipos de manifestação

O diagnóstico de TOC deve ser feito por um profissional de saúde mental, como psiquiatra ou psicólogo, com base em critérios estabelecidos pelo DSM-5. A avaliação é feita por meio de entrevistas clínicas, análise de frequência e impacto dos sintomas e exclusão de outras condições médicas ou psiquiátricas.

Tipos de TOC:

  • TOC de verificação: marcado por obsessões relacionadas à dúvida e à responsabilidade, levando a checagens repetitivas.
    Exemplo: Ler e reler um e-mail dezenas de vezes antes de enviar, com medo de que uma palavra mal escrita possa causar demissão ou ofensa. Ou, verificar repetidamente se fechou a porta de casa, mesmo sabendo que trancou. Às vezes, volta da rua só para checar novamente.
  • TOC de limpeza/contaminação: obsessões relacionadas ao medo de contaminação por germes, substâncias tóxicas, sujeira ou até energia negativa, que levam a rituais de limpeza excessivos.
    Exemplo: Evitar cumprimentar pessoas com aperto de mão ou tocar em qualquer objeto público por medo de doenças. Ou, sentir necessidade de limpar o banheiro todos os dias, mesmo sem uso recente.
  • TOC de simetria/ordem: obsessões com a necessidade de exatidão, equilíbrio ou simetria. As compulsões geralmente envolvem reorganizar objetos ou realizar tarefas de forma igualitária.
    Exemplo: Não conseguir sair de casa se os quadros na parede não estiverem perfeitamente alinhados. Ou, a necessidade de pisar com os dois pés o mesmo número de vezes ao subir escadas.
  • TOC de pensamentos intrusivos: caracterizado por pensamentos indesejados, agressivos, sexuais ou moralmente inaceitáveis, que causam intensa culpa.
    Exemplo: Ter pensamentos involuntários sobre machucar alguém querido. Ou, imaginar cenas inapropriadas e tentar mentalmente “cancelar” os pensamentos.
  • TOC de acumulação: dificuldade intensa em se desfazer de objetos, mesmo sem utilidade aparente.
    Exemplo: Guardar objetos quebrados, contas antigas ou roupas velhas por acreditar que algo ruim pode acontecer se forem descartadas.



Atenção: o TOC na infância pode se manifestar de formas semelhantes aos adultos, mas muitas vezes com menos clareza verbal. É importante observar a rituais excessivos, o sofrimento ao interromper rotinas e a ansiedade intensa.



Sugestão da Casa:

O filme “Toc Toc” (2017) dirigido pelo espanhol Vicente Villanueva, é uma comédia ficcional que reúne diferentes pessoas com transtornos obsessivos-compulsivos em uma sala de espera para consulta com um terapeuta.

No filme, cada personagem apresenta um tipo de TOC diferente, como verificação, simetria, repetição, contaminação e até síndrome de Tourette. Embora seja uma obra de humor, o filme pode ajudar a introduzir o tema de forma leve e gerar empatia com quem vive com o transtorno.

“Toc Toc” é uma representação caricata, ficcional. Para compreender o Transtorno Obsessivo-Compulsivo com profundidade, é essencial buscar fontes sérias e escuta especializada.



Tratamento para Transtorno Obsessivo-Compulsivo

O TOC tem tratamento e, embora seja uma condição crônica em muitos os casos, é possível alcançar grande melhora na qualidade de vida.

Os principais tratamentos são:

Psicoterapia

  • Terapia Cognitivo Comportamental (TCC): A TCC é a abordagem mais indicada para tratar o transtorno. Ela irá auxiliar a desenvolver ferramentas e estratégias práticas para romper com os padrões de repetição. Técnicas como Exposição e Prevenção de Resposta (EPR), na qual o paciente é gradualmente exposto às obsessões sem executar os rituais compulsivos, costumam ser eficazes para ajudar o paciente a tolerar a ansiedade sem reforçar o ciclo.
  • Psicanálise: Buscar compreender os conteúdos inconscientes por trás dos sintomas, como controle, culpa, repressão e fantasias, pode auxiliar no tratamento. Embora menos focada na extinção imediata dos sintomas, a psicanálise pode ser valiosa no entendimento emocional profundo do transtorno.
  • Outras abordagens: Terapias integrativas, como Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), também apresentam bons resultados no tratamento. Elas incentivam o paciente a aceitar os pensamentos sem se prender a eles, favorecendo ações alinhadas com seus valores.


Medicamentos

Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), como fluoxetina, sertralina e fluvoxamina, são os mais usados no tratamento farmacológico do Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

Eles auxiliam no equilíbrio dos neurotransmissores, reduzindo a intensidade dos pensamentos obsessivos e o impulso por rituais compulsivos. O efeito costuma levar algumas semanas para ser percebido, e a dosagem deve ser sempre ajustada por um médico psiquiatra.

Em casos resistentes, podem ser associados a outros tipos de medicação, como antipsicóticos atípicos, sob supervisão médica.

Acompanhamento interdisciplinar

Nutricionistas, terapeutas ocupacionais, psiquiatras, educadores e familiares também podem fazer parte do cuidado.

O apoio contínuo é essencial para promover autonomia e reduzir recaídas.

Como apoiar alguém com TOC?

Conviver com alguém que sofre com o TOC pode ser desafiador. Na Casa do Saber, há uma variedade de cursos que exploram o principal sintoma do Transtorno Obsessivo-Compulsivo: a ansiedade.

Nesse sentido, compreender como superar a ansiedade e como controlar seus sinais, pode ser uma ferramenta de apoio importante.


Confira algumas dicas de suporte:

  • Evite julgar os comportamentos como exagero ou frescura;
  • Não reforce compulsões (“confirma só dessa vez”, “lava pra se acalmar”, por exemplo”. São reforços que, infelizmente, podem manter o ciclo do TOC;
  • Ofereça escuta e empatia, e incentive o acompanhamento profissional;
  • Informe-se, para compreender melhor os mecanismos do transtorno;
  • Em crianças, a escola e a família devem trabalhar em conjunto para oferecer segurança e rotina.


As pessoas também querem saber:

Como é uma crise de TOC?

Uma crise de TOC acontece quando os pensamentos obsessivos ficam muito intensos e causam forte ansiedade. A pessoa sente que precisa fazer uma compulsão (como checar ou lavar algo) para aliviar o mal-estar.

Pode haver taquicardia, angústia, bloqueio mental e perda de foco. Mesmo rituais internos, como contar ou rezar, podem consumir muito tempo e energia.

Como é uma pessoa com TOC?

Uma pessoa com TOC é alguém que vive com pensamentos repetitivos e comportamentos compulsivos, muitas vezes em segredo. Pode parecer perfeccionista ou controladora, mas está lidando com um sofrimento real.

Em geral, são pessoas sensíveis e ansiosas, que se preocupam excessivamente com erros ou consequências. O TOC pode afetar o cotidiano, mas com tratamento e apoio, é possível viver com menos sofrimento.

Quer compreender melhor os transtornos mentais e desenvolver recursos para lidar com a ansiedade e o sofrimento psíquico?
Na Casa do Saber+, você encontra cursos sobre saúde mental, psicanálise, psicologia e temas fundamentais para apoiar sua jornada de autoconhecimento e cuidado emocional.

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Referências

https://interacoesucdb.emnuvens.com.br/multitemas/article/view/3559

Saúde mental no trabalho: como se proteger e promover bem-estar
Camila Fortes
Saúde mental no trabalho: como se proteger e promover bem-estar
Entenda o que é saúde mental no trabalho, principais sinais de alerta para ter atenção e boas práticas para cuidar do bem-estar emocional.

Quem nunca levou uma preocupação do trabalho para casa? Ou, quem nunca se sentiu cobrado de modo desproporcional no ambiente profissional?

No mundo contemporâneo, a relação com o trabalho tem gerado cada vez mais adoecimento psíquico, chamando atenção de empresas e especialistas de saúde mental.

Neste texto, trataremos dos principais fatores que afetam o bem-estar psicológico no ambiente profissional, os sinais de alerta e boas práticas para empresas e trabalhadores. Além disso, abordaremos sobre a importância de uma cultura organizacional que promova o cuidado com a mente.

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O que é ter saúde mental no ambiente profissional?

A saúde mental no ambiente corporativo diz respeito à capacidade de lidar com os desafios cotidianos, manter relações interpessoais saudáveis, equilibrar vida pessoal e profissional, e encontrar sentido e satisfação no que se faz.

Não significa estar sempre feliz e realizado profissionalmente, mas sim ter suporte para atravessar momentos difíceis no trabalho sem adoecer.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos mentais estão entre as principais causas de afastamento do trabalho no mundo, impactando diretamente a produtividade e a sustentabilidade das organizações.

De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/Ministério da Saúde), somente em 2024, no Brasil, quase 5 mil pessoas foram afastadas do trabalho por questões de saúde mental. Em 2025, já foram mapeados mais de 850 registros.

Mas porque isso acontece?

A realidade cotidiana ainda é muitas vezes marcada por jornadas exaustivas, cobranças silenciosas e falta de espaço para o diálogo. Em ambientes assim, não há criatividade, eficiência ou engajamento, há apenas o medo, a pressão e a invisibilidade profissional.

Nesse sentido, saber identificar processos de adoecimento psíquico no ambiente profissional é fundamental para desenvolver uma melhor relação com o trabalho.

O que afeta a saúde mental no trabalho?

A saúde emocional no ambiente corporativo é afetada por um conjunto de fatores estruturais, relacionais e organizacionais.

Embora cada pessoa tenha uma trajetória única e reaja de forma distinta aos desafios profissionais, alguns elementos vêm se tornado cada vez mais frequentes nos relatos de adoecimento no trabalho.

  • Excesso de cobranças e metas inalcançáveis: Quando o desempenho é priorizado em detrimento do bem-estar, instala-se um ciclo de autocobrança e medo de errar. O resultado? Profissionais sempre alerta, porém emocionalmente esgotados.
  • Cultura organizacional tóxica, com comunicação agressiva e competitividade excessiva: Erros no trabalho acontecem, eles fazem parte da jornada profissional. No entanto, nessas estruturas, o erro passa a ser punido em vez de ser acolhido e aperfeiçoado.
  • Falta de reconhecimento e de feedbacks construtivos: A desvalorização do esforço individual provoca desmotivação, queda da autoestima e perda do sentido no trabalho. A longo prazo, essa sensação favorece quadros de exaustão mental e emocional.
  • Ambientes com sobrecarga e jornadas extensas: A naturalização da sobrecarga de tarefas é muitas vezes compreendida como parte da “entrega” ou da “alta performance”, gerando efeitos nocivos nos profissionais.
  • Isolamento e solidão no trabalho remoto: O home office tem permitido uma maior qualidade de rendimento e otimização de tempo, no entanto, pode gerar uma dificuldade de desconexão entre trabalho e vida pessoal.
  • Insegurança em relação à estabilidade no emprego: O cenário de incerteza profissional pode fazer com que as pessoas trabalhem mais do que o acordado, para tentar garantir a sua manutenção na empresa. Medidas como essa aceleram um estado de alerta crônico, podendo evoluir para transtornos mentais graves.
  • Falta de espaço para escuta e acolhimento emocional: A ausência de uma rede de suporte psíquico no ambiente profissional distancia a pessoa da possibilidade de autocuidado e auto identificação de sintomas.



Sinais de que algo não vai bem no trabalho: quando o corpo e a mente avisam

Quando o bem-estar psíquico está comprometido, o impacto aparece não só nos resultados, mas, principalmente, na qualidade de vida.

A mente tem formas (sutis e não sutis) de pedir socorro. Muitas vezes, é o corpo quem fala primeiro. Por isso, estar atento aos sinais de alerta pode evitar que o sofrimento se aprofunde ou se transforme em um quadro clínico grave.

Alguns dos sintomas mais comuns incluem:

  • Cansaço físico e mental persistente, mesmo após períodos de descanso;
  • Distúrbios do sono, como insônia ou sono excessivo sem sensação de repouso;
  • Irritabilidade, impaciência e alterações de humor repentinas;
  • Dificuldade de concentração, lapsos de memória e queda de rendimento;
  • Desmotivação profissional, sensação de vazio ou perda do prazer nas tarefas cotidianas;
  • Sintomas físicos recorrentes, como dores de cabeça, gastrite, tensões musculares ou queda da imunidade;
  • Isolamento social e afastamento das relações afetivas e/ou profissionais.


Esses sinais são mecanismos de defesa do corpo e da mente, que indicam que algo precisa ser olhado com atenção. Quando persistem por semanas, meses ou se intensificam, é essencial buscar apoio especializado.

Atenção: A manifestação desses sintomas pode estar associada a outros transtornos psicológicos como ansiedade e depressão, por isso, é fundamental compreender de onde parte o sofrimento, e qual o peso do trabalho na produção desse sofrimento.



Pessoa adormecida sobre a mesa com abajur aceso, representando exaustão mental após o trabalho
A sobrecarga mental no trabalho é um fator de adoecimento não apenas mental, mas também, psicossomático — Fonte: Mykyta Kravcenko/Unsplash



Burnout e ansiedade: os transtornos mais comuns no trabalho

Dentre os transtornos mais frequentes relacionados ao ambiente profissional, dois se destacam: Síndrome de Burnout e os Transtornos de Ansiedade.

Ambos têm crescido de forma expressiva nos últimos anos, impulsionados por modelos de trabalho excessivamente exigentes e abusivos, além de culturas organizacionais pouco empáticas e uma valorização contínua da hiperprodutividade.

Reconhecida pela OMS desde 2022 como uma doença ocupacional, a Síndrome de Burnout é resultado do estresse crônico relacionado ao trabalho.

Seus sintomas incluem:

  • Exaustão emocional profunda, que não melhora após horas, dias ou semanas de descanso;
  • Distanciamento afetivo ou desinteresse pelo trabalho e pelas relações profissionais;
  • Sensação de baixa realização, como se nenhum esforço fosse suficiente ou reconhecido.


O curso Burnout, Um Problema Atual - Casa do Saber explora alguns casos clínicos para ilustrar os sintomas, desdobramentos e estratégias de tratamento. Saiba mais.

Por sua vez, os Transtornos de Ansiedade no trabalho podem surgir tanto de pressões cotidianas quanto de ambientes saudáveis, tóxicos ou imprevisíveis.

Ele se manifesta de diferentes formas, como:

  • Preocupações constantes e pensamentos acelerados sobre desempenho, cobranças ou possíveis erros;
  • Sensação de que “nada do que se faz é suficiente”;
  • Dificuldade para relaxar, mesmo fora do horário de expediente;
  • Crises de pânico, com sintomas físicos como taquicardia, sudorese, falta de ar ou tremores;
  • Medo paralisante de reuniões, apresentações ou interações com lideranças.


Embora a ansiedade seja uma emoção humana natural, quando se torna crônica e desproporcional ao contexto, passa a comprometer o bem-estar e a performance profissional.

A boa notícia é que tanto a ansiedade quanto o Burnout podem ser prevenidos e tratados. Para isso, é fundamental que empresas adotem práticas estruturadas de cuidado e que os profissionais tenham acesso a apoio psicológico e ferramentas de autoconhecimento.

Como as empresas podem promover a saúde mental?

Cuidar da saúde mental no trabalho se tornou uma necessidade estratégica para empresas e profissionais.

Promover saúde mental no trabalho exige um compromisso institucional que pede mais do que um happy hour empresarial às sextas-feiras. Requer compromisso real com o bem-estar, políticas institucionais claras e uma liderança empática, preparada para lidar com a complexidade humana e com os desafios que essas relações exigem.

Algumas práticas efetivas incluem:

  • Políticas de escuta ativa: Criação de canais seguros para que os colaboradores possam expressar dificuldades e propor melhorias. Rodas de conversas e grupos de apoio também são bem vindos, a fim de proporcionar um ambiente seguro.
  • Pausas reais e respeito aos limites: O incentivo às pequenas pausas durante o expediente e o respeito aos horários de descanso e férias, são fundamentais.
  • Programas de apoio psicológico: Parcerias com clínicas ou plataformas de psicoterapia para profissionais é um passo importante para promover a saúde mental no trabalho. Além disso, treinamentos sobre saúde emocional, empatia e regulação emocional também podem colaborar de modo significativo.
  • Liderança empática e preparada: Gestores treinados em inteligência emocional e comunicação não violenta são formas importantes de construir uma rede profissional mais saudável.
  • Ambientes mais inclusivos: O combate ao assédio e à discriminação é fundamental. Além disso, é relevante pensar em espaços seguros para pessoas com transtornos mentais.
  • Certificação de empresas monitoras de saúde mental: A nova legislação brasileira através da Lei 14.831/2024 prevê um certificado para empresas que adotam boas práticas em saúde mental, reconhecendo e estimulando iniciativas que criem ambientes de trabalho mais saudáveis, além do combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas.


Mas, como diferenciar um ambiente saudável e um ambiente tóxico no trabalho?

Ambiente saudável Ambiente tóxico
Comunicação clara, respeitosa e aberta
Ex: Reuniões onde as opiniões são reconhecidas e ouvidas sem julgamentos.
Comunicação passivo-agressiva ou silenciamento
Ex: Colegas que falam mal pelas costas ou líderes que gritam com a equipe.
Feedbacks construtivos e reconhecimento frequente
Ex: Elogios por metas alcançadas e orientações para melhorias.
Críticas destrutivas e ausência de reconhecimento
Ex: Só receber cobranças ou ser ignorado após esforço extra.
Incentivo ao equilíbrio entre vida pessoal e trabalho
Ex: Flexibilidade para atender compromissos pessoais sem medo.
Exigência de disponibilidade constante e horas extras frequentes
Ex: Receber mensagens fora do expediente e ser cobrado por respostas imediatas.
Oportunidades de crescimento e desenvolvimento
Ex: Treinamentos, mentorias e possibilidades de promoção.
Estagnação e desmotivação crônica
Ex: Ausência de plano de carreira, com pessoas sem perspectivas de crescimento profissional.




O que o trabalhador pode fazer por si mesmo?

Cuidar da saúde mental no trabalho é uma responsabilidade compartilhada entre empresas e profissionais. No entanto, há ações individuais que podem funcionar como âncoras de bem-estar em meio à correria do cotidiano corporativo.

Assumir pequenas atitudes no dia a dia pode fazer diferença real. Não se trata de “dar conta de tudo sozinho”, mas de criar espaços de respiro, refletir sobre os próprios limites e buscar apoio quando necessário.

Veja algumas práticas:

  • Estabelecer limites: Separar tempo de trabalho e tempo pessoal é um passo importante de autocuidado e proteção emocional. Ter horários definidos e respeitá-los ajuda a preservar energia mental e prevenir sobrecargas.
  • Criar pausas e rituais de transição: Caminhadas, alongamentos, respiração consciente entre tarefas, podem ser excelentes aliados. Técnicas como o mindfulness são grandes aliadas na reconexão com o presente.
  • Buscar apoio profissional: A psicoterapia e a participação em grupos de suporte são elementos fundamentais para o cuidado psíquico diante cenários de sobrecarga no trabalho. Com apoio especializado, a pessoa pode encontrar os mecanismos psíquicos para evitar sofrimento e desgaste.
  • Investir em autoconhecimento: Cursos, leitura, práticas de autocuidado e desenvolvimento emocional ampliam a consciência sobre si mesmo e ajudam na construção de relações mais saudáveis no trabalho e na vida.


Cuidar da mente, portanto, não deve ser um luxo, mas sim uma escolha consciente de sustentar e buscar o bem-estar e a qualidade de vida ao longo da trajetória profissional.

Situação comum, mas pouco falada: E quando a pessoa tóxica é o meu chefe?

Infelizmente, lideranças tóxicas existem, e seus impactos na saúde mental podem ser profundos. Supervisores que desqualificam, sobrecarregam, controlam excessivamente ou desrespeitam limites colaboram diretamente para o adoecimento mental.

Se você está vivendo uma situação assim, é importante documentar os comportamentos abusivos ou recorrentes que possam comprovar comportamentos inadequados. Estabeleça limites com assertividade, quando possível, e busque apoio em outros setores da empresa, como RH ou ouvidoria.

É importante também fortalecer a sua rede de suporte fora do trabalho. Além disso, se a situação for insustentável e não houver espaços para mudanças, refletir sobre novas possibilidades profissionais também é um ato de cuidado.

Dicas rápidas para começar agora

A relação entre saúde mental e produtividade é direta: pessoas com bem-estar emocional têm maior capacidade de foco, criatividade, tomada de decisão e relações saudáveis no ambiente corporativo.

Cuidar da mente no dia a dia pode ser mais simples do que parece. Pequenas ações geram grandes impactos ao longo do tempo.

Veja algumas práticas simples para iniciar agora mesmo:

  • Reserve 10 minutos por dia para uma pausa sem telas. Tome um café, faça um alongamento ou simplesmente se desconecte dos estímulos digitais.
  • Desative notificações profissionais fora do expediente.
  • Converse com colegas sobre formas de apoio mútuo.
  • Se você é líder ou gerente, pergunte com genuína escuta “como você está hoje?”
  • Se você é colaborador, permita-se pedir ajuda. Nenhum profissional deve enfrentar o esgotamento sozinho.


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Referências:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/transmentalbr.def

http://www.portalsinan.saude.gov.br/o-sinan

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/01/lei-cria-certificacao-para-empresa-que-promove-saude-mental



Filosofia
Ceticismo na Filosofia: o que é, origem e filósofos
Paula Delgado
Ceticismo na Filosofia: o que é, origem e filósofos
Ceticismo é a corrente filosófica que questiona a certeza do saber. Veja ideias de Pirro, Descartes e Hume e os principais tipos de ceticismo.

Provavelmente a palavra “ceticismo” não é estranha para você. Sabe o ditado “ver para crer”? Ele exemplifica o pensamento comum do que é o cético: aquele que não acredita em nada. Mas não é bem assim. Talvez você não conheça o verdadeiro significado, nem onde, nem quando o ceticismo começou.

Um spoiler que podemos te dar é que foi ainda na Grécia Antiga e a teoria cética foi se ressignificando com o passar dos anos e com as novas ideias dos filósofos da história. Vem entender o que é ceticismo, sua transformação ao longo do tempo e como você pode aplicar – e talvez já até aplique – no seu dia a dia.

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O que é ceticismo na filosofia?

A palavra “ceticismo” vem do grego “sképsis”, que significa “exame, investigação”. E é exatamente isso que essa corrente filosófica propõe.

O ceticismo na filosofia é uma corrente que tem como base a dúvida sistemática e a suspensão do juízo.

Em outras palavras, essa vertente sustenta que é preciso questionar crenças, descrenças, opiniões e verdades já estabelecidas para alcançar a tranquilidade da alma.

Para resumir: as 3 ideias fundamentais do ceticismo

  • Questionamento de tudo: a dúvida como ferramenta crítica diante do saber e das crenças.
  • Suspensão do juízo (epoché): suspender o julgamento de algo, sem negar nem afirmar nada categoricamente (dúvida saudável).
  • Busca pela ataraxia (imperturbabilidade): é o alcance da tranquilidade ao aceitar as incertezas. A felicidade está no não julgamento das coisas.


Apesar de questionar a possibilidade de alcançar o conhecimento de forma absoluta, o ceticismo não nega o conhecimento em si, mas propõe uma atitude de suspensão de juízo diante das certezas ou incertezas.



O origem do “ceticismo”

O ceticismo surge na filosofia antiga com Pirro de Élis (c. 360–270 a.C.), que é considerado o pai desta corrente filosófica.

Entretanto, é possível encontrar precursores do ceticismo em alguns dos principais filósofos da história, como Demócrito de Abdera e Aristóteles. Ainda que esta doutrina não estivesse fundamentada, já trazia pensamentos que continham elementos filosóficos céticos.

Marcondes (2007) exemplifica esses sinais pré-existentes do ceticismo com o princípio da não-contradição, de Aristóteles, o qual diz que uma proposição não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente, exigindo prova de ambas as possibilidades.

Contudo, Pirro de Élis é conhecido como o pai do ceticismo. Para ele, a suspensão do juízo (epoché) conduzia à ataraxia, isto é, à tranquilidade da alma, uma vez que evita o sofrimento causado pela frustração com verdades inquestionáveis.

Diferentemente do dogmatismo (verdades definitivas), o ceticismo filosófico assume uma postura crítica diante das certezas incontestáveis.

Por meio da reflexão crítica e do reconhecimento dos limites do conhecimento humano, o ceticismo propõe uma postura investigativa diante da realidade e da experiência.

Ter uma atitude cética é não aceitar afirmações sem um exame rigoroso. É duvidar tanto dos sentidos quanto da razão, não aceitando nenhum como fundamento inquestionável do conhecimento verdadeiro.

Esse questionamento radical contribuiu para o desenvolvimento do pensamento filosófico moderno, influenciando pensadores como Descartes, que utilizou a dúvida como método para alcançar certezas indubitáveis.


Ceticismo Antigo

O ceticismo antigo é uma corrente filosófica que tem como característica a dúvida filosófica e a suspensão do juízo quanto à possibilidade de alcançar verdades absolutas.

O ponto central do ceticismo de Pirro está na suspensão do juízo (epoché), ou seja, não aceitar nem negar uma proposição.

Segundo essa vertente, como não é possível ter certeza sobre as coisas, questiona-se a capacidade humana de alcançar conhecimento definitivo.

O ceticismo compartilha com as principais correntes da filosofia helenística – o estoicismo e o epicurismo – uma preocupação essencialmente ética, ou prática.

Pirro de Élis

O ceticismo antigo foi uma escola filosófica do período helenístico, tendo Pirro de Élis (360–270 a.C.) como seu principal fundador.

Busto de Pirro de Élis, filósofo grego considerado o fundador do ceticismo pirrônico
Busto de Pirro de Élis, precursor do ceticismo na Grécia Antiga

Pirro desenvolveu um ceticismo radical, o qual negava a possibilidade de alcançar qualquer forma de conhecimento seguro ou estável.

Assim como Sócrates, Pirro entendia a filosofia não como uma doutrina, mas como uma prática e um modo de viver. Portanto, foi seu discípulo Timon o responsável por transmitir as ideias de forma oral ou poética as ideias do filósofo.

Entretanto, foi com Sexto Empírico, séculos depois, que tivemos os primeiros registros escritos do ceticismo pirrônico.

Assim, conhecemos as 3 questões fundamentais de Pirro:

  1. Qual a natureza das coisas?
  2. Como devemos agir em relação à realidade que nos cerca?
  3. Quais as consequências dessa nossa atitude?


Para alcançar as respostas para essas perguntas, Pirro seguiu uma linha de pensamento.

Basicamente, o ceticismo fala sobre a postura de constante questionamento diante das muitas ideias ou teorias sobre a verdade (dogmatismo). Essas ideias não estão em acordo (diaphonia), já que são excludentes (para uma estar correta, a outra está errada).

Com isso, como não existe uma maneira totalmente confiável de saber qual ideia está certa ou é superior, todas acabam tendo a mesma relevância (isosthenia).

Ao entender isso, deixa-se de lado a ansiedade da busca pela verdade e pela certeza.

Desta forma, é possível encontrar-se livre das inquietações da busca pelo conhecimento inquestionável, alcançando a tranquilidade da alma (ataraxia), já que houve a libertação da necessidade de provar se algo é verdadeiro.


É dessa forma que devemos entender o objetivo primordial da filosofia de Pirro: atingir a ataraxia (imperturbabilidade), alcançando assim a felicidade (eudaimonia).

Sexto Empírico

O filósofo Sexto Empírico viveu entre os séculos II e III d.C. e foi quem primeiro sistematizou o ceticismo antigo. Recebeu o nome “Empírico” porque pertencia à Escola Empírica de Medicina.

Gravura de Sexto Empírico, filósofo grego do período helenístico associado ao ceticismo pirrônico
Gravura de Sexto Empírico, uma das principais fontes sobre o ceticismo pirrônico

Em suas obras, especialmente nos Esboços Pirrônicos, ele reuniu e organizou os argumentos céticos desenvolvidos durante séculos.

Sexto mantém a interpretação de epoché como a suspensão do juízo e reforça a busca pela tranquilidade da alma (ataraxia).

Como Sexto Empírico responderia à questão: “o que é ceticismo?”

Ele diria que é uma habilidade, não um conjunto de crenças, retomando a ideia de Pirro de que o ceticismo é uma postura, uma atitude diante das certezas já apresentadas.

Embora Pirro seja considerado o pai do ceticismo, outros pensadores já propunham ideias que poderiam ser consideradas céticas no pensamento antigo.

Para Sexto Empírico, Pirro “parece ter se dedicado ao ceticismo de forma mais completa e explícita que seus predecessores” e, por isso, os céticos se autodenominavam pirrônicos.

Então, Sexto, em Hipotiposes pirrônicas, diz que “há três tipos de filosofia: a dogmática, a acadêmica e a cética”.

  • Dogmática:
    Afirma conhecer a verdade com certeza, acreditando que suas doutrinas correspondem à realidade objetiva.
  • Acadêmica:
    Nega ser possível alcançar o conhecimento verdadeiro, afirmando que a verdade é inacessível ao ser humano.
  • Cética:
    Nem afirma, nem nega a verdade; suspende o juízo para alcançar a tranquilidade (ataraxia).


Para você compreender melhor na linha do tempo a trajetória de desenvolvimento dos diversos caminhos do pensamento pensamento filosófico considerados céticos na antiguidade, preparamos a tabela abaixo:

Fases do ceticismo Período Principais filósofos Principais características
Protoceticismo Século VI a.C. Pré-socráticos (referidos por Aristóteles) Questionamentos iniciais sobre o conhecimento e a realidade.
Ceticismo de Pirro de Élis 360–270 a.C. Pirro de Élis; Tímon de Flios (discípulo) Suspensão do juízo (epoché) e busca pela imperturbabilidade (ataraxia).
Ceticismo Acadêmico 270–110 a.C. Arcesilau, Carnéades, Clitômaco Crítica ao dogmatismo; uso de argumentos probabilísticos.
Declínio do Ceticismo Acadêmico A partir de c.110 a.C. Fílon de Larissa Transição para uma filosofia mais dogmática dentro da Academia.
Ceticismo Pirrônico Século I a.C. ao II d.C. Sexto Empírico, Enesidemo de Cnossos Retomada do pirronismo original (epoché e ataraxia); sistematização dos argumentos céticos.


Como você pode perceber, o ceticismo antigo passou por diversas fases, cada uma com sua especificidade, mas todas apresentaram algo em comum: a dúvida como ponto de partida e a crítica à possibilidade de se alcançar um conhecimento absoluto.



Ceticismo moderno: Descartes e Hume

No ceticismo moderno, temos René Descartes e David Hume como duas abordagens diferentes quanto à questão do conhecimento.

O ceticismo moderno, de maneira geral, é uma vertente filosófica que tem como características a dúvida e o questionamento das verdades já estabelecidas.

Descartes propôs um modelo cético quando introduz a dúvida metódica como caminho para a certeza.

Ele desconfiava de todas as crenças que possam ser colocadas em dúvida, inclusive as sensoriais e matemáticas.

Porém, assim como propõe o conceito de ceticismo, Descartes não negava o conhecimento. Ele pretendia encontrar um fundamento sólido e seguro para ele.

Na construção do indivíduo enquanto ser pensante, na conclusão do argumento do cogito (Penso, logo existo), Descartes traz uma nova perspectiva sobre a natureza do conhecimento, a razão.

Por outro lado, David Hume adota um ceticismo empírico, com uma crítica mais forte quanto à razão como única fonte confiável de conhecimento.

Ele coloca a razão como limitada e a experiência assume o lugar de elemento validador do saber.

Um dos questionamentos centrais de Hume é quanto aos princípios racionais, como a causalidade, e as certezas metafísicas, a certeza absoluta sobre verdades fundamentais da realidade.

Para ele, a ideia de causa não é derivada da razão, mas de um hábito mental adquirido pela repetição de eventos.

Apesar de Descartes tentar superar o ceticismo através da razão e Hume apontar seus limites, expondo as vulnerabilidades das crenças humanas, ambos contribuíram para a filosofia moderna ao explorar a relação entre razão e experiência como caminhos que o indivíduo percorre para a compreensão da realidade.

Ceticismo radical, moderado e metodológico

Como dito no início do texto, ceticismo é uma palavra popular que muitos conhecem como a atitude de quem duvida de tudo.

Entretanto, o ceticismo, como atitude filosófica, pode se apresentar de diferentes maneiras, desde as mais radicais até as mais pragmáticas.

Os 3 principais tipos de ceticismo são: o ceticismo radical, o moderado e o metodológico.

Ceticismo radical

O ceticismo radical nega a possibilidade de conhecimento. O cético radical leva a dúvida à última instância, suspeitando tanto da razão quanto da experiência, portanto, assumindo a suspensão completa do juízo.

Ceticismo moderado

O ceticismo moderado já assume uma atitude mais moderada quanto à possibilidade de saber. Ele reconhece os limites do conhecimento, porém aceita algumas verdades, não de forma absoluta, mas sem negar totalmente o saber.

Apesar de David Hume, muitas vezes, ser rotulado como cético radical, por duvidar da própria razão, ele valoriza tanto o conhecimento empírico como o prático.

Ceticismo metodológico

Por fim, o ceticismo metodológico adota a dúvida como meio pelo qual se pode atingir a certeza.

Descartes é o exemplo claro desse tipo de ceticismo, uma vez que ele desenvolveu um método de investigação baseado na razão que, através da dúvida de tudo, busca encontrar uma verdade inquestionável.

Resumindo: o cético radical nega o saber; o moderado assume a possibilidade do saber, não de forma absoluta; o metodológico utiliza a dúvida como ferramenta para a investigação e reflexão filosófica.

Perguntas frequentes

O que é uma pessoa ceticista?

Uma pessoa ceticista ou cética é aquela que duvida da veracidade das informações, do conhecimento posto ou das crenças.

Ela não aceita ideias apresentadas a ela. Na verdade, ela busca evidências e argumentos claros para fundamentar a opinião. Para isso, ela adota essa postura tanto na vida quanto na filosofia.

Qual é o conceito de ceticismo?

O ceticismo é uma corrente filosófica que propõe uma postura questionadora quanto à possibilidade do conhecimento absoluto.

Para esse pensamento, a dúvida é uma ferramenta de investigação da verdade, tendo em vista os limites da razão, das experiências e das crenças.

O que é ter postura cética?

Ter uma postura cética é adotar uma atitude de questionamento frente às informações ou crenças que lhe são expostas.

Ser cético é não aceitar as certezas apresentadas sem refletir e analisar as evidências ou argumentos que as compõem.

Quando se assume essa postura, você constrói um pensamento crítico que te ajuda a ter compreensão racional da realidade, evitando conclusões erradas ou sem embasamento que podem distorcer a sua visão do mundo.

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Referências


CASE, T. A.; KLEIN, P. D. Skepticism. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2022.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

HUTCHINS, Robert M. (Ed.). História das grandes ideias do mundo ocidental. Coleção Os Pensadores, v. 1. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

É possível praticar o estoicismo hoje? Livros, caminhos e dicas para seguir a filosofia
Tainá Voltas
É possível praticar o estoicismo hoje? Livros, caminhos e dicas para seguir a filosofia
O estoicismo tem reaparecido como uma resposta ao mundo moderno. Mas será realmente possível aplicar a filosofia aos dias atuais? Descubra!

Embora tenha se desenvolvido e aprofundado suas raízes há mais de 2000 anos, o estoicismo tem reaparecido como uma resposta ao complexo e desconfortável mundo moderno, marcado pelo esgotamento coletivo e pelas frustrações geracionais.

Tal filosofia, que é banhada em uma ideia de felicidade resiliente às adversidades e às influências externas, ganha adeptos e curiosos, cuja motivação se dá em direção comum: é realmente possível aplicar a práxis estoica nos dias de hoje?

Neste artigo vamos destacar algumas obras, cursos e dicas que podem oferecer uma resposta certeira ao questionamento, além de mostrar como viver de um modo mais estoico, mesmo em meio a tantas distrações.

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Recordação: o que é o estoicismo?

“A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle, outras não”. A expressão, de autoria um dos maiores filósofos estoicos da antiguidade - Epicteto, define com bastante clareza os pilares que sustentam o estoicismo.

Criada durante o período helenístico, ainda na Grécia Antiga, e tendo como pano de fundo a crença nas leis da natureza, essa vertente filosófica buscou explicar o sentido da vida a partir da racionalização e de uma proposta de aceitação do inevitável.

Na prática, estruturou um entendimento acerca da "felicidade" como um resultado dado àqueles que conseguiam desvencilhar-se das paixões avassaladoras e das emoções exageradas.

Ou seja, para o estoicismo a felicidade se materializava quando as emoções eram racionalizadas, assim como quando os episódios da vida eram entendidos como pertencentes todos à uma teia natural e inevitável de causas e efeitos.

Nessa perspectiva, os esforços e desejos de mudança humanos deveriam ser direcionados para as coisas passíveis de serem controladas e não para aquelas alheias à vontade dos homens, tal qual a morte.

Dessa forma, o estoicismo passou a ser caracterizado como uma filosofia prática, que orientava os indivíduos a viverem em harmonia com a natureza e a razão, buscando a virtude como um bem maior.

Para os estoicos, a vida virtuosa seria aquela baseada no agir lógico, ético e sereno, capaz de enfrentar os desafios com resiliência por entendê-los como pertencentes a uma ordem natural das coisas.

A abordagem, rigorosa e libertadora na mesma medida, faz com que o estoicismo seja uma ferramenta resgatada na modernidade para lidar com os novos desafios e contornos sociais, oportunizando a busca pelo equilíbrio mesmo em cenários turbulentos.

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O que é agir com estoicismo nos dias atuais?

A pergunta "é possível praticar o estoicismo nos dias atuais?" depende essencialmente da compreensão do que é o agir estoico nesse novo contexto.

Em meio à Era da Informação, aos dados gerados em velocidade exponencial, às demandas por performance e resultado e ao excesso de estímulos, o estoicismo apresenta uma bússola mental, que cultiva a clareza e a resiliência emocional como forma de melhor viver e sobreviver a este cenário.

Trata-se de uma aplicação da abordagem que incentiva o foco àquilo que é controlável, como as ações e reações individuais, ao passo que pratica a compreensão serena daquilo que escapa ao domínio pessoal.

Homem segurando um guarda-chuva, virado para parede com metas e planejamentos. Reflete a necessidade de entrega e resultado.
O estoicismo moderno incentiva uma leitura de mundo focada no controle do que se é controlável, ajudando a redefinir prioridades e a encontrar clareza em meio às exigências incessantes por desempenho e resultados.


Assim, no mundo contemporâneo, essas ideias podem se traduzir em práticas, como:

Gerenciar o tempo e a atenção Evitar dispersar energia com distrações ou preocupações improdutivas, dedicando-se ao que realmente importa, bem como ao autocuidado e auto escuta.
Reavaliar o conceito de sucesso Adotar uma perspectiva baseada na virtude e no progresso interno, afastando-se da busca contínua por uma validação externa ou padrões sociais inatingíveis.
Cultivar o autocontrole Responder às adversidades com calma e reflexão, resistindo aos impulsos imediatos ou a emoções exageradas, as quais podem comprometer o senso crítico e a tomada de decisão racional.
Praticar a gratidão e a perspectiva Reconhecer o valor das coisas e aprender a ressignificar os desafios como oportunidades de crescimento pessoal.



No cotidiano moderno, o estoicismo, uma filosofia para tempos de crise, continua emergindo como um consolo e como uma libertação de ilusões. Por isso, oferece uma base sólida para enfrentar crises pessoais ou profissionais, promovendo uma atitude resiliente frente a desafios inevitáveis.



3 livros para entender o estoicismo

Livros são uma excelente maneira de transportar as ideias filosóficas estoicas da Antiguidade para contemporaneidade, indicando um caminho para a prática da filosofia no cotidiano.

Nesse sentido, as obras selecionadas abaixo repercutem os princípios estoicos em seus diferentes tempos, além de apresentarem aplicações palpáveis do conceito e contextos históricos que ajudam na compreensão do pensamento filosófico em sua totalidade.

  • Diário estoico: 366 lições sobre sabedoria, perseverança e a arte de viver - Ryan Holiday e Stephen Hanselman
  • Meditações - Marco Aurélio
  • Sobre a Brevidade da Vida (De Brevitate Vitae) – Sêneca


1) Diário estoico: 366 lições sobre sabedoria, perseverança e a arte de viver - Ryan Holiday e Stephen Hanselman

Uma das mais populares obras do movimento moderno de resgate ao estoicismo, o Diário Estoico propõe a leitura de 366 meditações baseadas em ensinamentos de grandes filósofos estoicos, como Sêneca, Marco Aurélio e Epicteto.

Seu objetivo é funcionar como um guia prático e acessível para quem deseja introduzir o agir estoico à sua rotina, cultivando a arte de viver bem. Para isso, Ryan Holiday e Stephen Hanselman instigam os leitores a expandir a compreensão do mundo e a experimentar novas maneiras de agir e pensar.

Encontrar o propósito da vida, lidar com perdas irreparáveis e o caminho para a felicidade verdadeira são apenas alguns dos tópicos abordados no texto.

Com os ensinamentos dos antigos estoicos, em uma metodologia meditativa a cada dia do ano, o livro proporciona uma reavaliação das percepções, atitudes e metas de vida.

2) Meditações - Marco Aurélio

Uma das mais influentes obras filosóficas de todos os tempos, Meditações transforma-se em uma janela direta para a mente de Marco Aurélio, o imperador romano conhecido como "imperador filósofo".

Escrito como um diário pessoal, o livro reúne reflexões sobre a busca pela virtude, a compreensão do universo e a arte de viver em harmonia com a natureza, mesmo em cenários inconstantes e desequilibrados.

Mesmo que inicialmente não tenha sido destinado à publicação, o texto se tornou um verdadeiro mantra para a prática estoica, atemporal e requisitada ao longo de várias décadas.

No projeto, Marco Aurélio menciona a necessidade da ponderação em meio às pressões, sobretudo aquelas relacionadas ao poder, assim como destaca os desafios do enfrentamento das incertezas e das dores inevitáveis da existência humana, priorizando a serenidade e o autocontrole.

As lições valiosas apresentadas, como a importância de aceitar o que não se pode controlar, focar no presente e viver de acordo com princípios éticos, têm sido incorporadas neste novo momento do estoicismo, guiando os adeptos a uma forma de praticar a filosofia de forma flexível e adaptada.




3) Sobre a Brevidade da Vida (De Brevitate Vitae) – Sêneca

Escrita por outro grande pensador estoico, esta obra concisa, mas profundamente impactante, aborda um dos temas centrais para o estoicismo: a natureza do tempo e as armadilhas de uma vida perpassada pelo negligenciamento.

Para Sêneca, a duração da vida importa à medida que escolhemos como iremos vivê-la. Ou seja, ele convida o leitor a refletir sobre a urgência do cultivo da totalidade interior, contrastando os valores culturais modernos guiados pela prosperidade material e pela produtividade incessante.

Argumenta ser o tempo o bem mais precioso existente, embora seja frequentemente tratado como infinito. Assim, o filósofo critica, sobretudo, a tendência humana de procrastinar, acumular riquezas sem propósito e buscar validação externa, ao invés de focar no desenvolvimento interno e nas relações significativas.

“A vida que recebemos não é curta, mas a tornamos desse modo; tampouco a temos de sobra, mas a desperdiçamos” - Sêneca



Mulher deitada sobre a mesa, aparentando cansaço, com peso de pedras nas costas. Alusão ao estoicismo
O Estoicismo aplicado à modernidade surge como uma alternativa para amenizar os efeitos comuns da experiência humana superestimulada, oferecendo uma nova interpretação possível para a vida, para os desafios e para os problemas do cotidiano. Trata-se de uma filosofia que apresenta ferramentas para aprimorar a resiliência ao inevitável, incentivando a clareza emocional.


4 cursos para aprender de forma rápida sobre o estoicismo

Os cursos são outra excelente oportunidade para mergulhar mais profundamente nos conceitos do estoicismo, a partir da orientação de especialistas que conectam essa filosofia ao mundo contemporâneo, entendendo como e onde aplicá-la. Veja três cursos recomendados para esse propósito:

  1. Aprender a Viver: Como a Sabedoria Pode Ser o Caminho para uma Vida Melhor

    Este curso explora como a sabedoria filosófica pode transformar o cotidiano. Para isso, oferece uma visão geral sobre as escolas filosóficas, com destaque para os estoicos, mostrando como seus ensinamentos podem ajudar a superar os desafios da vida moderna, como o tédio e a banalidade. “Como a sabedoria pode ser o caminho para uma vida melhor? Como aprender a viver e superar o tédio e a banalidade da vida cotidiana?”, essas são algumas das perguntas que a ementa do texto se dedica a responder.

  2. A Filosofia Como Forma de Vida: Estoicos, Epicuristas e Cínicos

    Focado na relação entre filosofia e prática de vida, este curso apresenta Sócrates e escolas como o Estoicismo, o Epicurismo e o Cinismo, refletindo sobre suas diferentes concepções de mundo e suas consequentes formas de vida. O curso explora, principalmente, como os pensadores dessas escolas propunham exercícios espirituais e uma arte de viver, conceitos que permanecem relevantes nos dias de hoje.

  3. Jornada da Filosofia: Vida e Morte no Ocidente

    Com uma abordagem interdisciplinar, este curso examina como o pensamento ocidental lida com a finitude humana. Ele conecta as raízes filosóficas do estoicismo com questões psicológicas e políticas, oferecendo uma compreensão mais ampla sobre como viver e morrer com significado e serenidade.

  4. Trilha da Filosofia | 2ª Temporada

    Esta série propõe uma jornada que aborda, de maneira introdutória, alguns dos principais pensadores, temas e conceitos da história do pensamento filosófico. Com a orientação dos professores Franklin Leopoldo e Silva e Oswaldo Giacoia Junior, o curso esclarece questões fundamentais para o aprendizado da filosofia. Como é o caso do pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.) e Santo Agostinho (354-430), do estoicismo e epicurismo do período helenístico. O curso também inclui temas como a Teoria do Justo Meio, os conceitos de Transcendência e Imanência, e a questão do espírito como a fonte principal de todo conhecimento, assim como Deus como fundamento radical do conhecimento.

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Conclusão

Ao final da leitura, devemos nos perguntar: é então possível praticar o estoicismo nos dias de hoje ou estamos condicionados a sucumbir às pressões de uma sociedade que prioriza o imediatismo e o materialismo?

Ou ainda, é realmente viável pensar em uma filosofia de práxis individual em meio a um sistema com falhas estruturais?

A resposta depende do ponto de vista a ser abordado, compreendendo que as filosofias apontam não para a solução absoluta de todos os dilemas humanos, mas para caminhos que auxiliam na reflexão, no enfrentamento das adversidades e na busca por uma vida mais alinhada aos próprios valores.

O estoicismo, nesse sentido, se destaca como uma prática acessível e adaptável ao cotidiano moderno, reconhecido por promover a resiliência individual diante das incertezas externas.

Embora seja interessante reconhecermos as limitações impostas pelo contexto social, destaca-se que o estoicismo também desafia o indivíduo a agir com virtude e propósito, independentemente das circunstâncias.

Em última análise, o estoicismo oferece um convite para olharmos mais profundamente para nós mesmos e para as circunstâncias à nossa volta.

Assim, mais do que uma resposta definitiva, essa escola filosófica antiga nos faz refletir sobre como podemos moldar nossas escolhas e atitudes para encontrar significado em meio ao caos.



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Referências:

¹SANTOS, Kleys Jesuvina dos. A influência do estoicismo na filosofia de Foucault. Kinesis, Marília, v. 11, n. 28. 2019. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/9140. Acesso em: 25 set. 2024.

GAZOLLA, Rachel. Representação compreensiva: critério de verdade e virtude no Estoicismo Antigo. Revista da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, v. 19, n. 2, 2006. Disponível em: https://www-periodicos-capes-gov-br.ez40.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W1511359753. Acesso em: 25 set. 2024.

O que é o estoicismo? Entenda os pilares, conceitos e significados
Tainá Voltas
O que é o estoicismo? Entenda os pilares, conceitos e significados
O que é estoicismo? Descubra o significado dessa filosofia que valoriza a razão, a virtude e a aceitação da vida como ela é.
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Como reagir à imprevisibilidade da vida e qual o seu sentido? Essas são as principais questões do estoicismo, uma escola filosófica potente na Grécia Antiga, mas que ainda hoje produz efeitos significativos ao incentivar reflexões acerca da felicidade, desapego e apatia.

Neste texto você viajará rumo ao período helenístico, nos séculos IV, III e II a.C, para conhecer a importante filosofia estoica e o seu significado.



O que é o Estoicismo e seu significado

O estoicismo é uma filosofia prática que ensina a cultivar a razão, o autocontrole e a aceitação da realidade como caminho para a felicidade.

Portanto, seu significado está ligado à ideia de que a felicidade só pode ser alcançada por quem vive de forma racional, virtuosa e em harmonia com a natureza.

A observação da vida e a busca pela explicação de seus fenômenos é um traço comum na história da Filosofia Ocidental, independentemente da sua escola. Cada uma delas se empenhou para explicar essa equação (e ainda o faz) por meio de argumentos complexos e bastante aprofundados.

No estoicismo não foi diferente. A doutrina filosófica, fundada durante o período helenístico, sobretudo nas leis da natureza, se debruçava sobre a compreensão do sentido da vida, tendo a lógica e a razão como aliadas para esse processo.

De forma geral, a abordagem estoica tinha a felicidade com um fim último e acreditava alcançá-la através da aceitação da inevitabilidade da vida e do cultivo de uma resiliência emocional diante das adversidades e do que era imprevisível.

Ou seja, para o estoicismo a felicidade poderia ser palpável a partir do momento em que as emoções eram racionalizadas, os episódios da vida eram entendidos como pertencentes a uma teia natural e inevitável de causas e efeitos, e os esforços/desejos de mudança humanos eram direcionados para as coisas passíveis de serem controladas e não para aquelas alheias à nossa vontade, tal qual a morte.

Por esse motivo, a felicidade estoica figura como um dos temas mais difundidos e importantes da filosofia. Mas como essa escola foi idealizada?

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De que forma o Estoicismo começou?

Zenão de Cítio (333 a.C - 263 a.C), seu precursor, foi influenciado pela Escola de Cínica, a qual defendia o desapego aos bens materiais e deu origem à expressão cinismo, a estruturar uma corrente de pensamento alicerçada na ideia de uma vida simples, distante dos vícios e medos e mais próxima da virtude.

Para isso, praticava o ensino por meio de uma lógica cosmopolita - realizada em um ambiente aberto chamado "stoá", que traduzido dá conta de algo como Pórtico (uma ágora utilizada para difundir os pensamentos filosóficos da época e para propiciar discussões intelectuais sobre os mais variados temas).

Ágoras, espaços nos quais os filósofos estoicos disseminavam suas ideias. Estrutura arquitetônica romana.
O Stoá Poikilé, ou Pórtico Pintado, era o espaço destinado à transmissão das reflexões estoicas, em uma estrutura de pensamento livre e dinâmico. (Designed by Freepik)

É dessa tradição, praticada por Zenão e outros filósofos, que a palavra estoicismo toma forma e que a doutrina, criada inicialmente na Grécia Antiga, se populariza para outras regiões, tal qual Roma, sendo, inclusive, uma das bases do cristianismo.

A partir disso, a filosofia estoica foi abraçada por grandes nomes, como Marco Aurélio, Epicteto e Sêneca, expandindo seu significado conforme as especificidades de cada tempo.

Na era moderna, por exemplo, Foucault usou o pensamento estoico para destacar a relevância do desenvolvimento de uma escuta bem conduzida¹.



Características do estoicismo: um resumo

Em resumo, o estoicismo acredita que o ser humano faz parte e é habitado pela natureza (physis - Φύσις, em grego), de modo que acompanhá-la é, de igual modo, agir segundo nosso próprio ser (GAZOLLA, 2006).

Por esse motivo, a perfeição e virtuosidade está na compreensão de uma ligação intrínseca entre homem e natureza, que orienta a busca pela felicidade a partir da negativa aos desejos e do estabelecimento de uma razão em conformidade com as leis naturais do universo.

De acordo com a escola, o ser humano é a própria natureza, afastando-se dela quando atormentado pelas paixões:

(...) se a natureza é dita perfeita, se é divina, se todos os seres são excelentes por ela e nela, e seu modo de mover-se é eterno, o reverso é perguntar sobre as perturbações da perfeição e como são possíveis. Ora, as perturbações do mover-se perfeito têm nome na Stoa: são as paixões pleonásticas ou exacerbadas (GAZOLLA, 2006, p. 189).


Assim, para entender o que é o estoicismo, basta que compreendamos também a sua perspectiva ética baseada na ataraxia (ou indiferença/apatia) como forma de driblar a tendência humanoide ao afastamento da physis (natureza).

Para seus pensadores, a vida era determinada inafastavelmente por uma força cósmica equilibrada e harmoniosa, sobre a qual a virtude se estabeleceria em uma existência experienciada conforme desígnios da physis.

Desse modo, deveriam ser evitados os desejos vazios, os excessos, as paixões perturbadoras e as coisas supérfluas, à medida que a razão e a lógica seriam privilegiadas.

Na filosofia estoica, então, agir virtuosamente seria reconhecer o potencial do ciclo cósmico infindável, aceitando as mudanças sobre as quais não se teria controle, posicionando-se com resiliência frente à elas, e dedicando-se a alterar somente aquilo que fosse possível, como, por exemplo, as reações ao “não programável”.

Por essa razão, a máxima estoica é descrita como “a vida deve seguir a natureza", tese de autoria de Zenão.

Leis da Natureza Imutáveis O agir estoico
Morte Priorizar a qualidade de vida
Mudanças Aceitar a impermanência
Sofrimento Cultivar resiliência emocional
Incerteza Focar no controle sobre as próprias reações
Limitações humanas Buscar autoconhecimento e desenvolvimento pessoal
Destino Agir com virtude, aceitando o que não se pode mudar
Ciclo da vida Viver no presente. Valorizar cada momento


O estoicismo, estruturado há mais de 2 mil anos, continua reverberando suas reflexões e conquistando adeptos ao longo da história

Nos tempos contemporâneos, marcados pelos excessos (de informação, produção, consumo, acúmulo, entre outros), oferece respostas apaziguadoras para o ambiente caótico, pressionado cada vez mais pelo ritmo acelerado das transformações digitais.

Assim, podemos definir o estoicismo como uma escola filosófica que procura dar respostas à inquietação humana, propondo um modo de vida sereno e guiado pela racionalização.

Trata-se de um exercício para privilegiar a razão como ferramenta para lidar com as emoções, afastando os vícios e cultivando as virtudes.



Os pilares e princípios do estoicismo

Como vimos, o estoicismo propõe uma lógica de pensamento realista, que não idealiza o mundo, mas sim o aceita tal como é.

Nesse contexto, a apatheia (indiferença às emoções perturbadoras da paixão) é compreendida como um pré-requisito para um estado de paz interior, conhecido como ataraxia.

Para concretizar a sua doutrina e tornar o objetivo acima factível, o estoicismo sugere ainda um sistema para pensar a filosofia, metaforicamente, como um organismo vivo, interconectado e interdependente, assim como formado por três componentes:

"Os antigos estóicos, como se sabe, criam um interessante sistema para pensar a Filosofia no qual todas as partes, absolutamente interligadas, são metaforicamente expostas como se fosse um organismo. Uma das metáforas é a de que os ossos e nervos seriam a Lógica, a carne seria a Ética e a alma, a Física" (GAZOLLA, 2006, p. 185)


Os 4 pilares do estoicismo

Além disso, a sabedoria estoica se traduz no exercício de um trabalho de consciência interior, que leva em consideração os campos que podem ser realmente modificados pelo ser humano.

Nesse sentido, surgem as virtudes cardeais, também enquadradas como os 4 pilares ou modos de atuação do estoicismo, quais sejam:

  1. Sabedoria: entender as dinâmicas do mundo de uma maneira lógica e calma, com discernimento sobre o que é realmente importante. Fazemos isso por meio da meditação, da leitura de textos filosóficos, do ensino, e através das nossas experiências.

  2. Justiça: agir com equidade e sem impulsividade, considerando as consequências das ações em relação ao próximo.

  3. Coragem: ter o conhecimento do que deve ser temido e o que deve ser suportado, sendo uma ferramenta incrível para o enfrentamento das adversidades com bravura.

  4. Moderação (ou Temperança): equilibrar os desejos, minimizar os vícios e experimentar as virtudes. Trata-se de evitar os excessos e buscar constantemente a harmonia.


Para o estoicismo, esses 4 pilares, que se complementam e se retroalimentam, performam a base da virtuosidade plena.

Estoicismo vs. Cinismo: Diferenças Essenciais

Tanto o estoicismo quanto o cinismo são correntes filosóficas que emergiram na Grécia Antiga, compondo as chamadas filosofias helenísticas - as quais são caracterizadas por se preocuparem com a ética, felicidade e bem-viver.

Porém, embora se entrelacem e se aproximem em uma ideia central (busca por uma harmonia com a natureza), tais escolas possuem diferenças significativas, sobretudo quanto à radicalidade das suas percepções.

Enquanto o cinismo enfatiza o desapego e a rejeição total das convenções sociais, o estoicismo busca uma aceitação ativa da realidade, propondo a virtude como um caminho para a felicidade.

Estoicismo Cinismo
Principais Expoentes Sêneca, Epicteto, Marco Aurélio. Diógenes de Sinop, Crates de Tebas.
Visão de Mundo Harmonia entre homem e universo. Rejeição das normas e convenções sociais
Relação com a Virtude Aceitação e racionalidade. Desprezo pelas convenções e comodidades.
Conceito de Felicidade Alcançada por meio da aceitação do inevitável e da busca pela mudança daquilo que pode ser controlado. Encontrada na harmonia com a natureza.
Autonomia Aceitação do que não se pode controlar. Autarquia e controle sobre a própria vida.


"Nós sofremos mais na imaginação do que na realidade." - Sêneca


Estoicismo e Epicurismo: semelhanças e diferenças

Assim como na comparação com o cinismo, tanto o estoicismo quanto o epicurismo são filosofias helenísticas que nasceram na Grécia Antiga e buscaram responder à grande pergunta sobre como viver uma vida boa. No entanto, cada uma traçou caminhos bastante diferentes para alcançar a felicidade.

Enquanto os estoicos valorizavam a aceitação da ordem natural e o domínio das emoções por meio da razão, os epicuristas viam no prazer moderado e na ausência da dor o caminho mais seguro para uma vida feliz. Ambos defendem a autossuficiência e a simplicidade, mas com abordagens distintas sobre o desejo, a natureza e o papel das emoções.

Estoicismo Epicurismo
Principais expoentes Sêneca, Epicteto, Marco Aurélio Epicuro, Lucrécio
Visão de mundo Ordem natural regida pela razão e pela aceitação Mundo material regido por átomos; busca pela tranquilidade (ataraxia)
Objetivo de vida Viver de acordo com a virtude e aceitar o que não se pode controlar Buscar prazeres simples e evitar a dor física e mental
Relação com o desejo Desejos devem ser controlados pela razão Desejos naturais e necessários devem ser atendidos; os supérfluos evitados
Felicidade Conquista racional baseada na virtude e autocontrole Alcançada por meio do prazer moderado e da ausência de perturbação (aponia e ataraxia)


“Nada é suficiente para quem o suficiente é pouco.” – Epicuro


Os Principais Filósofos Estoicos

Ao longo dos séculos, o estoicismo foi moldado e fortalecido por diferentes vozes que se tornaram referência não apenas para a filosofia antiga, mas também para a ética e a espiritualidade ocidental.

A seguir, conheça alguns dos principais pensadores estoicos que ajudaram a construir os pilares dessa corrente filosófica.

1) Sêneca

Nascido em 4 a.C, Sêneca foi um dos mais influentes filósofos e o principal expoente do estoicismo no Império Romano.

Faleceu em Roma, no ano 65 d.c, acusado de conspiração contra o imperador Nero, mesmo que tivesse sido seu preceptor anteriormente. O episódio é narrado no quadro “A Morte de Sêneca”, de Jacques-Louis David (1748–1825).

Pintura a morte de Sêneca
La morte di Seneca, olio su tela, Musée du Petit-Palais, Parigi, de Jacques-Louis David (1748–1825) (Fonte: Domínio Público). Acusado, junto a Pisão, de conspiração para o assassinato planejado de Nero, Sêneca foi obrigado a tirar a própria vida. Não houve qualquer tipo de julgamento. O quadro retrata o momento em que o filósofo cumpre seu destino na presença de amigos.



Entrou para a história não só como um exímio filósofo, como também um humanista dedicado, além de excelente orador, escritor, advogado e político.

Enfatizava a importância da razão e do autoconhecimento, acreditando ser a reflexão sobre a vida o caminho para a verdadeira felicidade.

Além disso, como diferencial, preocupou-se e se indispôs contra as desigualdades entre os homens, sendo avesso à escravidão e à distinção social.

Tem como umas de suas principais obras a "Sobre a brevidade da vida", um ensaio moral dedicado a seu amigo Paulino, pelo qual o autor discrimina vários princípios estoicos - entre eles a natureza do tempo e o tempo gasto na perseguição de objetivos sem valor.

2) Epicteto

Pintura de Epicteto, um dos expoentes filósofos do estoicismo.
Epicteto foi um dos expoentes filósofos estoicos

Epicteto (55 d.C - 135 d.C), é um dos mais respeitados filósofos estoicos da Antiguidade e, ao lado de Sêneca e Marco Aurélio, faz parte da terceira fase estoica, chamada de “Novos Estoicos”.

Escravo por muito tempo em Roma, após ser libertado dedicou sua vida à filosofia e aos ensinamentos sobre a verdadeira liberdade. Para ele, ser livre não dependia da posição social, mas da capacidade de controlar as próprias reações diante dos eventos da vida.

Na sua perspectiva, a essência do estoicismo estava na separação clara entre o que está sob o controle humano (ações, pensamentos e atitudes) e o que não está (as circunstâncias externas).

Seu ensinamento foi registrado principalmente no texto Manual e em alguns discursos assinados por seu discípulo Flávio Arriano, tendo em vista que ele próprio, assim como Sócrates, não deixou nada escrito.

Em tais obras o filósofo explora a importância da aceitação das adversidades com serenidade, refletindo em uma postura prática para enfrentar os desafios cotidianos.

Depois de exilado pelo imperador Domiciano, junto com outros filósofos romanos, decidiu abrir a própria escola, em Nicópolis, local onde faleceu anos mais tarde.



“A felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle, outras não” - Epicteto



3) Marco Aurélio

Marco Aurélio (121 d.C.a 180 d.C.) foi um dos mais célebres imperadores romanos, responsável pela autoria de uma obra bastante aclamada no estoicismo: o livro Meditações, um conjunto de reflexões pessoais que escreveu ao longo de sua vida.

Como líder do maior império da época, enfrentou inúmeras adversidades, tanto políticas quanto militares, o que o orientou ao estoicismo como ferramenta para contornar os desafios

Por esse motivo, ficou conhecido como o “monarca-filósofo”, cujo traço proeminente era valorizar os prazeres da alma e face daqueles do mundo material. Para ele, a vida se apresentava como uma oportunidade para agir de forma ética e virtuosa, independentemente das circunstâncias externas.

Embora fosse o homem mais poderoso de seu tempo, defendia uma visão mais humilde da existência, com a crença de que tudo na vida, inclusive a morte, deveria ser aceito com serenidade, uma vez que faria parte da ordem natural do universo.

"A felicidade da vida depende da qualidade de nossos pensamentos." - Marco Aurélio



Os três pensadores foram essenciais para o desenvolvimento e disseminação do estoicismo e também para a filosofia Ocidental, influenciando a observação do mundo e da vida ainda hoje.



As fases do estoicismo:

  • 1ª Fase - Antigo Estoicismo: foi marcada pela fundação da escola e pelo desenvolvimento dos princípios básicos da doutrina, com nomes como Zenão de Cítio, Cleantes e Crisipo.
  • 2ª Fase - O Médio Estoicismo: incorporou influências de outras correntes filosóficas, como o platonismo, tendo em Panécio de Rodes e Posidônio seus principais representantes.
  • 3ª Fase - O Estoicismo Romano ou Novo Estoicismo: trouxe um tom mais prático e ético à filosofia, sendo difundido por figuras como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio.


O que significa ser estoico?

Ser estoico, no sentido mais fiel à filosofia que surgiu na Grécia Antiga, é viver segundo os princípios da razão, da virtude e da aceitação do destino.

O estoico é aquele que busca a sabedoria ao compreender que a felicidade não depende do acaso, mas da forma como lidamos com aquilo que nos acontece.

Vimos acima nomes de grandes pensadores estoicos que ajudaram a definir esse modo de viver, como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. Eles defendiam que a liberdade interior só seria possível quando aprendemos a diferenciar o que está sob nosso controle (como pensamentos e ações) daquilo que é inevitável (como o tempo e a morte).

Por este modo de encarar os desafios da vida, a filosofia estoica muitas vezes é entendida como uma filosofia prática. Desta forma, o estoico se caracteriza como alguém resiliente, não se iludindo com paixões passageiras e se mantendo firme diante da dor.

Ser estoico, portanto, significa cultivar o bem-viver, não no sentido de evitar o sofrimento a qualquer custo, mas no de desenvolver uma forma de olhar para a existência com clareza e serenidade, mesmo nos momentos de maior instabilidade.

É possível praticar o estoicismo nos dias de hoje?

Embora tenha surgido há mais de dois mil anos, o estoicismo continua a oferecer ferramentas importantes para os desafios contemporâneos.

Em um mundo cada vez mais acelerado, cheio de informações, incertezas e pressões, o estoicismo surge como um convite para voltar ao essencial e agir com mais consciência.

Praticar o estoicismo hoje pode significar, por exemplo, revisar prioridades, aprender a lidar com o que não está em nosso controle e redescobrir o valor da constância diante da instabilidade. Trata-se, portanto, de reencontrar a liberdade no interior de si mesmo e para as circunstâncias que estão à nossa volta.

Algumas práticas possíveis de serem aplicadas ao mundo atual, por exemplo, são:

  • Gerenciar o tempo e a atenção
  • Reavaliar o conceito de sucesso
  • Cultivar o autocontrole
  • Praticar a gratidão e a perspectiva

O estoicismo se apresenta como uma uma filosofia prática, acessível e adapatável aos tempos atuais e pode fornecer ferramentas para a jornada individual de cada um para uma vida com mais clareza, propósito e integridade.


Perguntas frequentes sobre estoicismo

O que é o estoicismo?

O estoicismo é uma filosofia da Grécia Antiga que propõe a razão, a virtude e a aceitação do destino como caminhos para uma vida mais consciente e equilibrada.

O que é ser estoico?

Ser estoico é cultivar clareza mental e emocional diante daquilo que não se pode controlar, e agir com responsabilidade sobre aquilo que depende de si.

Quais são as características do estoicismo?

Entre as principais características do estoicismo estão o uso da razão, a busca pela virtude, o autocontrole das paixões e a aceitação da natureza como ordem inevitável.



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Referências:

¹SANTOS, Kleys Jesuvina dos. A influência do estoicismo na filosofia de Foucault. Kinesis, Marília, v. 11, n. 28. 2019. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/kinesis/article/view/9140. Acesso em: 25 set. 2024.

GAZOLLA, Rachel. Representação compreensiva: critério de verdade e virtude no Estoicismo Antigo. Revista da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, v. 19, n. 2, 2006. Disponível em: https://www-periodicos-capes-gov-br.ez40.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W1511359753. Acesso em: 25 set. 2024.







Artes, Literatura e História
Cubismo: Obras, Características, Pablo Picasso, Fase Sintética
Xavana Celesnah
Cubismo: Obras, Características, Pablo Picasso, Fase Sintética
Cubismo: Pinturas, Desenho, Arte Moderna, Picasso, Formas cubistas, cubismo sintético, cubismo analítico e colagem, comportamento e personalidade.

O que é Cubismo? Entenda as características desta vanguarda europeia que marcou a Arte Moderna

Nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, estava acontecendo uma grande transformação no meio artístico europeu. Os artistas visuais da época passaram a questionar a relevância de retratar a realidade tal como ela é. Nesse sentido, começaram a criar inovações técnicas, iniciadas com o Impressionismo do final do século XIX, que trazia pinturas feitas com contornos imprecisos.

Essa nova perspectiva de elaboração das imagens culminou nas vanguardas artísticas do início do século XX, dentre as quais o Cubismo foi uma das mais significativas. Nascido em Paris, o movimento cubista bebeu nas ideias do expressionismo, outra vanguarda que buscava representar a expressão de sentimentos por meio das cores e linhas, sem dar importância à perspectiva e ao jogo de luz e sombras. Mas, o Cubismo, diferente do expressionismo, trazia uma inovação: os artistas passaram a transformar a representação dos objetos, através de sua fragmentação em formas. Dessa maneira, o movimento fomentou uma nova concepção do que é a arte e iniciou uma mudança radical em relação a toda a tradição da pintura feita no ocidente.

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Arte Cubista: História e Principais Obras

O Cubismo nasceu de uma conexão de artistas no início do século XX. O principal nome deste movimento é o pintor espanhol Pablo Picasso, que era filho de um desenhista e havia estudado desde criança na Escola de Arte de Barcelona. Aos 19 anos, ele foi morar em Paris. Ali, entrou em contato com diversos outros artistas e as ideias do pintor francês Paul Cézanne o influenciaram a mudar a maneira como vinha pintando até então.

Em 1906, um ano após a morte de Cézanne, houve em Paris uma grande exposição retrospectiva com suas obras. Nesse momento, Picasso é impactado pelas ideias de Cézanne, que recomendava a observação da natureza a partir de sólidos geométricos, como cilindros, esferas e cones.

Daí em diante, Picasso começa a “brincar” de desmembrar os objetos e realizar pinturas que os mostravam a partir de suas principais formas geométricas. Em 1907, já imerso nessa nova concepção criativa, ele pinta o quadro Les Demoiselles d'Avignon, um trabalho pré-cubista, mas que, didaticamente, é considerado o marco inicial do cubismo.

A obra traz um grupo de mulheres nuas e deixa claras as intenções do artista ao inovar na técnica: ele criou corpos humanos a partir de formas geométricas, característica que se tornaria uma marca do desenho cubista. Além disso, nessa obra, Picasso também revela a influência da arte africana em seu imaginário, ao incluir duas máscaras africanas na composição. A pintura causou grande impacto ao ser exposta. Para alguns, foi percebida como uma obra prima, mas muitos setores mais conservadores da sociedade a tomaram como obscena e imoral.

Em Les Demoiselles d'Avignon, Picasso rompe com as convenções de perspectiva linear e representação realista que dominaram a pintura ocidental desde o Renascimento. Ele fragmenta as figuras e planos, sugerindo várias perspectivas ao mesmo tempo, o que se tornaria uma característica essencial do cubismo.

Pintura Cubista de Pablo Picasso intitulada Les Desmoiselles D’Avignon. A tela retrata cinco mulheres nuas com corpos e rostos angulosos e distorcidos. As figuras são representadas com características faciais que lembram máscaras africanas. O quadro rompe com a tradição artística ocidental, modificando a representação naturalista da figura humana.
Les Desmoiselles D’Avignon, 1907. Pablo Picasso. Óleo sobre Tela, 244 X 234 cm. O quadro está exposto no MoMa, em Nova York.


O Cubismo é considerado um divisor de águas na arte ocidental, por recusar fazer uma arte que imitasse a natureza. O movimento tornou-se um dos marcos iniciais da Arte Moderna e dava liberdade total à imaginação, sem criar limites acadêmicos para a criação artística.

Quem nomeou o movimento cubista foi o crítico de arte Louis Vauxcelles (1870-1943), após referir-se às composições de outro pintor expoente da nova corrente artística: George Braque. Em 1908, no jornal Gil Blas, o crítico se refere às obras dele como uma realidade construída com cubos. Uma das imagens que representa bem a inovação trazida pelo cubismo é o quadro a seguir, Casas em L´Estaque, de George Braque, feito em 1908.

A pintura Maisons à l'Estaque (1908) de Georges Braque é uma obra cubista que apresenta um grupo de casas em uma colina na vila de L'Estaque, França. As construções são representadas de forma geométrica e angulosa, com planos simplificados e sobrepostos, criando uma sensação de fragmentação espacial. A paleta de cores é dominada por tons terrosos, como verdes, marrons e ocres, que reforçam a atmosfera natural da paisagem. A obra exemplifica a abordagem inovadora de Braque ao cubismo, desafiando a perspectiva tradicional e transformando o espaço em uma composição dinâmica e abstrata.
Georges Braque | Maisons à l'Estaque (Casas em L'Estaque), 1908. Óleo sobre tela, 73×59,5 cm, Kunst Museum Bern.


O cubismo emergiu em um contexto de grandes mudanças, impulsionado pela Segunda Revolução Industrial, que trouxe inovações tecnológicas e transformou a vida urbana na Europa. As cidades estavam crescendo rapidamente e uma nova era chegava com a popularização da eletricidade, do automóvel e da fotografia, sendo esta última de grande impacto para o mundo da arte.

Os pintores cubistas, na sua empreitada de elaborar um novo método de construção de imagens, optaram por motivos familiares. Instrumentos musicais, garrafas, pessoas estão entre os temas escolhidos para o novo jogo estético criado por eles: transmitir a imagem de um objeto palpável a partir de fragmentos geométricos planos na tela.

Além disso, o movimento incorporou o imaginário urbano industrial em suas obras, refletindo as mudanças sociais e culturais da época. Em contraste com os movimentos anteriores, o cubismo optou por uma representação da realidade que priorizava a geometrização das formas e a multiplicidade de perspectivas.

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Cubismo | Características

A ideologia que permeava os artistas do Cubismo era a da não aceitação das técnicas formais acadêmicas. Isso significa que a construção de composições imagéticas com a perspectiva clássica, a proporção realista, o sombreamento e a figuração naturalista estavam sendo destituídas como pilares da pintura. Outras características importantes do cubismo que podemos destacar são:

  • Geometrismo: ênfase na representação da realidade por meio de formas geométricas, como cubos, cilindros e esferas
  • Fundo abstrato: as imagens trazem um fundo sem perspectiva linear, sem profundidade e sem que haja uma identificação do local onde acontece a cena
  • Ruptura com a perspectiva tradicional: abandono das noções convencionais de perspectiva e proporção, criando uma representação plana e escultórica dos objetos
  • Múltiplos pontos de vista: apresentação de um objeto sob várias perspectivas ao mesmo tempo, exibindo suas diferentes dimensões em uma única composição bidimensional
  • Abstração: simplificação da natureza, priorizando formas geométricas e abstraindo detalhes estéticos tradicionais.
  • Temas urbanos e industriais: forte inspiração na vida urbana e nos cenários industriais do início do século XX
  • Paleta de cores sóbrias: predomínio de cores opacas e escuras, como branco, preto, cinza, verde escuro, castanho, ocre, laranja escuro e vermelho escuro
  • Uso de colagem: incorporação de materiais do cotidiano, como recortes de jornal, madeira, vidro e outros objetos, para criar cenas e composições inovadoras
  • Rompimento com conceitos de harmonia e beleza tradicionais: a estética cubista desafiou convenções, criando formas inovadoras que não se encaixavam no conceito tradicional de beleza
  • Representação não convencional de objetos e pessoas: não comprometimento com uma representação exata, priorizando a dissociação das partes de um mesmo objeto e explorando sua totalidade em uma superfície plana, bidimensional
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Fases do Cubismo

O cubismo, movimento artístico revolucionário do início do século XX, é frequentemente dividido em três fases principais: a fase cezannista, o cubismo analítico e o cubismo sintético. Cada uma dessas etapas apresenta características distintas que refletem a transformação dos experimentos visuais dos artistas envolvidos, principalmente Pablo Picasso e Georges Braque. Confira a seguir as principais características de cada uma dessas fases:

FASES DO CUBISMO CARACTERÍSTICAS PERÍODO
Fase Cezannista A fase cezannista é marcada pela influência direta do pintor francês Paul Cézanne, que buscou simplificar as formas e a representação da realidade. Os cubistas, inspirados nele, iniciaram uma experimentação que permitia sobrepor diversos ângulos e perspectivas de um objeto em um único plano pictórico. Essa abordagem não apenas inovou a forma como os objetos eram representados, mas também questionou a noção tradicional de espaço e profundidade na pintura. (1907-1909)
Cubismo Analítico
Nesta fase, Picasso e Braque exploram a fragmentação das formas de maneira ainda mais intensa e utilizam uma paleta de cores moderadas, predominantemente composta por tons de marrom, cinza e ocre. As figuras tornam-se cada vez mais difíceis de reconhecer, refletindo um movimento em direção à abstração. A fragmentação dos temas e o foco no plano das figuras caracterizam essa fase, onde as representações visuais se tornam complexas e enigmáticas. (1910-1912)
Cubismo Sintético Na fase sintética, as figuras tornam-se mais reconhecíveis, mas sem retornar ao realismo tradicional. A paleta de cores se torna mais vibrante e diversificada, com tons mais fortes e vivos. Um aspecto inovador dessa fase é o uso da colagem, onde elementos heterogêneos, como recortes de jornais, pedaços de madeira e objetos do cotidiano, são agregados à superfície das obras. (1913-1914)


Veja abaixo obras que representam cada uma das três etapas do cubismo:

Obra da Fase Cezannista (1907-1909)

Fábrica no Horto de Ebro é uma pintura a óleo de 1909 por Pablo Picasso, criada durante sua visita a Horta de Sant Joan, na Catalunha. A obra retrata uma paisagem industrial com uma fábrica e palmeiras, apresentadas em um estilo geométrico simplificado. Considerada uma obra proto cubista, pertence ao Período Cezzanista de Picasso e faz parte da coleção do Museu Estatal Hermitage em São Petersburgo.
Fábrica no Horto de Ebro, 1909, Pablo Picasso. Óleo sobre tela, 50,7 cm × 60,2 cm. Museu Estatal Hermitage , São Petersburgo , Rússia.


Obra da Fase Analítica (1910-1912)

A Guitarra, de Georges Braque, 1911. A obra apresenta uma composição cubista em tons de marrom e cinza, com formas geométricas que representam uma guitarra de forma fragmentada. As partes da guitarra são decompostas em planos sobrepostos e angulares, refletindo a técnica cubista de desdobrar a realidade em múltiplas perspectivas, criando uma sensação de profundidade e movimento. O fundo é abstrato, permitindo que a guitarra seja o foco principal da pintura
A Guitarra, Georges Braque, 1909-10. Tate Modern, Londres, Inglaterra.


Obra da Fase Sintética (1913-1914)

A Mesa do Músico, de Juan Gris, é uma pintura cubista que combina colagem e pintura, retratando instrumentos musicais e objetos cotidianos em um estilo geométrico. Criada em 1914, a obra destaca a sobreposição de formas e perspectivas, incorpora elementos como partituras e uma guitarra, refletindo a estética inovadora de Gris
A Mesa do Músico, Juan Gris, 1914. Colagem feita com lápis de cera conté, lápis de cera, guache, papel de parede impresso recortado e colado, papéis vergê azuis e brancos, papel transparente, jornal e papel de embrulho marrom; envernizado seletivamente sobre tela. The Metropolitan Museum of Art, Nova York.


O Cubismo no Brasil

O cubismo chegou ao Brasil principalmente após a Semana de Arte Moderna de 1922, que inaugurou uma nova fase do modernismo no país. Artistas como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cândido Portinari e Lasar Segall adotaram elementos cubistas, mas também buscaram integrar referências nacionais e uma estética mais autoral, bem típica da filosofia antropofágica.

As obras influenciadas pelo movimento causaram polêmica na Semana de Arte Moderna de 1922 e contribuíram para a abertura de novos horizontes na arte brasileira.

Nu Cubista, de Anita Malfatti, retrata uma mulher nua com formas difusas e sobrepostas, onde figura e fundo se fundem em tons similares. A pintura reflete a influência do cubismo, mas é reinterpretada com a visão única de Malfatti, que mistura fragmentação e suavidade em sua representação da figura feminina
Nu Cubista Nº 1, Anita Malfatti, 1915. Óleo sobre tela, 51 cm x 39 cm


Impacto e Legado do Cubismo

O cubismo estabeleceu novas bases para a análise da arte, permitindo que futuras gerações de artistas experimentassem criar a partir de formas e conceitos inovadores. O movimento revolucionou a pintura, mas também influenciou a escultura, a arquitetura e o design gráfico, expandindo o seu legado na cultura visual. Além disso, também repercutiu na poesia e na música, a exemplo da escrita de Guillaume Apollinaire e das composições de Stravinsky.

Museus Dedicados ao Cubismo

Existem vários museus e instituições que celebram o cubismo e suas obras. Um dos mais notáveis é o Museu Picasso em Paris, que abriga uma vasta coleção de obras de Pablo Picasso, incluindo muitos exemplos do cubismo. No Brasil, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), frequentemente realiza exposições dedicadas ao cubismo e seus desdobramentos.

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Perguntas Frequentes sobre Cubismo

O que é cubismo?

O cubismo é um movimento artístico que começou no início do século XX, caracterizado pela fragmentação das formas e pela apresentação de múltiplas perspectivas em uma tela plana.

Quais são as características do cubismo?

As características do cubismo incluem a decomposição de formas em planos geométricos, a utilização de um fundo abstrato e a exploração de novas formas de representação visual.

Quer aprender mais sobre cubismo, arte moderna e entender as perspectivas que ajudaram a construir este e outros movimentos fundamentais da história mundial? A Casa do Saber + tem uma categoria inteiramente dedicada ao aprendizado da história da arte, com cursos preparados pelos maiores professores e especialistas do Brasil.

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Referências:

https://www.pablopicasso.org/

https://enciclopedia.itaucultural.org.br/

https://www.metmuseum.org/




Surrealismo: características, obras e principais artistas
Xavana Celesnah
Surrealismo: características, obras e principais artistas
Entenda o que é o surrealismo, como surgiu, principais características, artistas como Dalí e Magritte e como o movimento revolucionou a arte.

O surrealismo foi uma das mais ousadas vanguardas europeias do século XX. Inspirado na psicanálise de Freud e influenciado pelos traumas da Primeira Guerra Mundial, o movimento propôs uma revolução na arte: liberar o inconsciente e transformar os sonhos, desejos e pensamentos automáticos em criações artísticas.

Mais do que um estilo visual, o surrealismo foi uma filosofia, um modo de ver e questionar o mundo. Com artistas como Salvador Dalí, André Breton, René Magritte e Max Ernst, a arte surrealista transformou a pintura, e também deixou um legado na literatura, no cinema, na fotografia e no design.

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Surrealismo: Origem, Características e Principais Artistas

Para o surrealismo, mais do que representar a realidade de forma lógica, o essencial era dar forma às imagens vindas do inconsciente, dos sonhos e da imaginação. Essa vanguarda modernista buscava romper com a razão e explorar os territórios do irracional e do fantástico.

Um dos maiores ícones do movimento é a obra A Persistência da Memória (1931), do pintor espanhol Salvador Dalí, que sintetiza características marcantes do surrealismo, como a justaposição de elementos ilógicos, a distorção da noção de tempo e a atmosfera onírica.

O surrealismo não se restringiu às artes visuais: expandiu-se para a literatura, o cinema, a fotografia e até o design, influenciando profundamente a cultura do século XX. Neste artigo, você vai descobrir como surgiu a arte surrealista, conhecer seus principais artistas e conferir indicações de cursos para se aprofundar nesse universo instigante da Arte Moderna.


O que é Surrealismo?

O surrealismo foi um movimento artístico que surgiu no início do século XX, com raízes na Europa, especialmente na França, e foi profundamente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e pela atmosfera social pós Primeira Guerra Mundial.

Em um momento em que o mundo buscava novos sentidos e formas de compreender a realidade, os surrealistas propunham uma arte que ultrapassasse os limites da razão e da lógica, mergulhando no universo do inconsciente, dos sonhos e das emoções reprimidas.

O termo surrealismo deriva do francês “surréalisme”, que significa “acima do real” , uma definição que expressa bem o desejo de revelar uma realidade mais profunda, oculta sob a superfície do cotidiano. Para os artistas surrealistas, a imaginação era uma ferramenta libertadora, capaz de romper com as normas sociais, morais e estéticas, revelando verdades interiores que a racionalidade não conseguia alcançar.

Em contraste com movimentos anteriores, como o realismo e o impressionismo, que buscavam representar o mundo visível, os surrealistas adotavam técnicas como o automatismo psíquico, a justaposição de imagens improváveis e o ilógico deliberado, criando composições que desafiavam a percepção comum. Obras como Os Elefantes (1948), de Salvador Dalí, e os poemas de André Breton, o principal teórico do movimento, são exemplos marcantes dessa estética onírica e provocadora.

Mais do que um estilo, o surrealismo representou uma verdadeira revolução no modo de pensar e fazer arte — uma ruptura com a lógica convencional, uma celebração do instinto, do acaso e da liberdade criativa.



Como Surgiu o Surrealismo?

O surrealismo emergiu na França em 1924, em um cenário marcado pelo colapso de antigas certezas. O trauma deixado pela Primeira Guerra Mundial expôs os limites da razão humana, da ciência e dos valores burgueses que até então sustentavam a cultura ocidental.

Em meio à desilusão com o racionalismo, artistas e intelectuais buscavam novas formas de entender a realidade, não mais pelas lentes da lógica, mas por meio dos impulsos instintivos, dos sonhos e do inconsciente.

Esse novo olhar encontrou terreno fértil nas experiências do dadaísmo, movimento radical e anárquico que surgiu como reação direta à guerra e às estruturas culturais que a permitiram. O dadaísmo rejeitava toda forma de arte institucionalizada e questionava os fundamentos da linguagem, da estética e até da razão.

O surrealismo, embora menos destrutivo em sua essência, herdou desse espírito revolucionário a vontade de romper com a lógica dominante, canalizando essa energia para uma criação mais simbólica, subjetiva e imaginativa.

O ponto de partida oficial do surrealismo foi o Manifesto Surrealista, publicado por André Breton em 1924. Breton, fortemente influenciado pelas ideias de Freud e pelos métodos psicanalíticos, propôs o automatismo psíquico como forma de criação artística, um processo em que a mente é liberada do controle consciente, permitindo que pensamentos, imagens e emoções fluam livremente, como num sonho.

A partir desse manifesto, formou-se um grupo de poetas, pintores, cineastas e pensadores que viam no surrealismo não apenas uma estética, mas uma filosofia de vida: um caminho para libertar a imaginação humana das amarras da razão, da moral tradicional e da lógica linear.

O surrealismo não nasceu como um movimento isolado, mas como parte de um processo mais amplo de transformação do pensamento artístico no século XX. Ao lado de outras vanguardas europeias, ele ajudou a redefinir o papel da arte, propondo uma aproximação entre criação artística e pulsões interiores, uma arte que se volta não ao mundo externo, mas às profundezas da psique.

Para conhecer melhor as vanguardas do modernismo, assista ao curso A Arte Moderna Pelas Obras de Van Gogh, Picasso, Duchamp e Pollock, disponibilizado pela Casa do Saber+. O curso é facilitado pelo doutor em História da Arte pela Unicamp, Felipe Martinez.

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O Manifesto Surrealista e André Breton

Capa do Manifesto Surrealista de André Breton, obra fundadora do movimento surrealista
Livro Manifesto Surrealista, de André Breton, marco teórico do surrealismo

Poeta, teórico e figura central do movimento, André Breton é amplamente reconhecido como o "pai do surrealismo". Foi ele quem, em 1924, deu forma e direção à nova vanguarda artística com a publicação do Primeiro Manifesto Surrealista, obra que nomeou o movimento e delineou seus princípios fundamentais.

No manifesto, Breton define o surrealismo como “automatismo psíquico puro, pelo qual se pretende exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento.”

Essa definição reflete a essência do projeto surrealista: libertar o pensamento de qualquer censura, seja ela moral, lógica ou estética, para que as imagens e ideias emergissem diretamente do inconsciente, sem filtros da razão ou da convenção social.

Inspirado pelas descobertas da psicanálise, Breton via na arte uma ferramenta para acessar zonas ocultas da mente humana e dar voz ao desejo, ao instinto e ao irracional.

Mais do que uma proposta artística, o surrealismo era, para Breton, uma atitude diante da vida, uma forma de romper com os mecanismos opressores da sociedade e de reconectar o ser humano com sua natureza mais profunda e instintiva.

Características do Surrealismo

A arte surrealista é marcada por uma estética provocadora, carregada de simbolismo, imagens inusitadas e atmosferas que remetem ao universo dos sonhos.

Mais do que produzir obras belas ou coerentes, os surrealistas buscavam desestabilizar a percepção tradicional, confrontando o espectador com aquilo que é reprimido, oculto ou irracional. A intenção era libertar a mente dos limites da lógica, revelando uma realidade mais profunda, a do inconsciente.

Influenciado diretamente pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud, o surrealismo acreditava que os sonhos, os desejos e os impulsos reprimidos tinham um papel central na criação artística.

Principais características do surrealismo:

  • Exploração do inconsciente e dos sonhos: as obras surgem como janelas para a psique humana, revelando conteúdos ocultos, muitas vezes perturbadores.

  • Automatismo psíquico: uso de técnicas como a escrita ou o desenho automáticos, permitindo que ideias fluam livremente, sem intervenção da razão.

  • Imagens oníricas, simbólicas e ilógicas: as composições desafiam a lógica, criando cenários fantásticos que parecem saídos de um sonho — ou de um delírio.

  • Justaposição de elementos incongruentes: objetos e figuras que, em tese, não pertencem ao mesmo universo, são combinados de forma inesperada, criando estranhamento e tensão visual.

  • Temáticas existenciais e universais: recorrência de temas como sexualidade, morte, desejo, infância, medo, memória e identidade.

  • Crítica à racionalidade e à moralidade burguesa: rejeição dos valores sociais tradicionais e da lógica cartesiana que havia guiado o pensamento ocidental.

  • Influência da psicanálise: a arte como meio de acessar traumas, desejos reprimidos e mecanismos profundos da mente humana.



Principais Artistas do Surrealismo

O surrealismo teve nomes marcantes nas artes plásticas, literatura e cinema. Abaixo, criamos uma tabela com os principais artistas do surrealismo e suas obras representativas:

ARTISTAS SURREALISTAS CARACTERÍSTICAS OBRA ICÔNICA
Salvador Dalí Imagens hiper-realistas, obsessão pelo tempo, sexualidade e sonhos lúcidos A Persistência da Memória (1931)
René Magritte Paradoxos visuais, crítica à percepção e ao real A Traição das Imagens (1929)
Max Ernst Técnicas experimentais (frottage, decalcomania), imaginação onírica O Casamento do Céu e do Inferno (1946)
Leonora Carrington Universo simbólico e mitológico, abordagem feminina do inconsciente A Debutante (1939)
Yves Tanguy Paisagens oníricas e formas biomórficas flutuantes Indução Hipnótica (1939)


Obras do Surrealismo

Aqui estão algumas das principais obras surrealistas, que ilustram a exploração do inconsciente, dos sonhos e do irracional, elementos essenciais que definem o movimento:

A Persistência da Memória (1931) | Salvador Dalí

A Persistência da Memória de Salvador Dalí, com relógios derretidos representando o tempo fluido
A Persistência da Memória, 1931. Óleo sobre tela, 24 X 33 cm. Museu de Arte Moderna, Nova Iorque. Relógios derretidos representam a relatividade do tempo e o estado onírico.

A Traição das Imagens (1929) | René Magritte

Imagem de cachimbo com a frase Ceci n’est pas une pipe, obra A Traição das Imagens de René Magritte
A Traição das Imagens, 1929. Óleo sobre tela, 63,5 X 93,98 cm. Museu de Arte do Condado de Los Angeles. O famoso cachimbo com a frase "Isto não é um cachimbo" questiona a realidade da imagem.

Europa Depois da Chuva II (1942) | Max Ernst

Obra Europa Após a Chuva II de Max Ernst, representando paisagem surreal em ruínas orgânicas
Europa Depois da Chuva II, 1929. Óleo sobre tela, 54 X 146 cm. Museu de Arte Wadsworth Atheneum em Hartford, Connecticut. Cenário apocalíptico, mostrando o caos pós-guerra.

O Surrealismo no Brasil

Embora o surrealismo no Brasil não tenha se consolidado como uma escola formal, seus conceitos e estéticas influenciaram profundamente diversos artistas e escritores ao longo do século XX.

Por aqui, o movimento dialogou com o modernismo, o simbolismo e as tradições culturais locais, dando origem a uma produção marcada pela subjetividade, pela experimentação e por um imaginário tropical e singular.

Entre os nomes de maior destaque ligados à sensibilidade surrealista no Brasil, estão:

  • Cícero Dias: pintor pernambucano que se aproximou do surrealismo europeu em sua fase parisiense. Suas obras exploram símbolos poéticos e paisagens oníricas, muitas vezes evocando a infância e memórias pessoais em uma linguagem lírica.

  • Ismael Nery: pintor e poeta que mesclou questões filosóficas, espirituais e existenciais em suas obras, usando o surrealismo para explorar a relação entre corpo, espírito e identidade.

  • Murilo Mendes: poeta que, em sua fase inicial, adotou um lirismo onírico e fragmentado, influenciado pelo surrealismo, e que explorou as fronteiras entre a razão e o inconsciente em sua produção literária.

  • Maria Martins: escultora de projeção internacional, cujas obras, com formas orgânicas e fantásticas, abordam temas como o erotismo, o misticismo e a mitologia, aproximando-se das influências surrealistas.

  • Tarsila do Amaral: influenciada pelo modernismo, criou uma obra que explora o universo simbólico e sensorial da cultura brasileira, misturando elementos do surrealismo com o folk e o imaginário popular.


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Perguntas Frequentes sobre Surrealismo

O que é surrealismo?

É um movimento artístico e literário que valoriza o inconsciente, os sonhos e o automatismo como formas de criar arte.

Quais são as principais características do surrealismo?

Distorção da realidade, imagens oníricas, ilógica, temas como desejo, medo, morte, erotismo e crítica à racionalidade.

Quer mergulhar no universo da arte moderna e entender como os movimentos artísticos transformaram nossa forma de ver o mundo?
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Referências:

https://enciclopedia.itaucultural.org.br/termos/80020-surrealismo

História da Arte: definição, períodos, tipos de arte e grandes obras
Xavana Celesnah
História da Arte: definição, períodos, tipos de arte e grandes obras
Explore a História da Arte, dos desenhos rupestres à contemporânea. Conheça os períodos artísticos, grandes obras ,artistas e para que serve a arte.

A História da Arte é um campo do conhecimento que investiga a evolução das manifestações artísticas ao longo do tempo, desde as pinturas rupestres da Arte Pré-Histórica até as expressões contemporâneas que estão presentes no nosso cotidiano. Neste texto, vamos focar principalmente na História da Arte ligada à pintura, passando pelos principais períodos da História da Arte Mundial, pelos grandes artistas e suas obras, e vamos destacar também a História da Arte no Brasil.



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O que é Arte?

Antes de mergulharmos nas divisões históricas e nas correntes artísticas, é essencial entender o conceito de arte. Arte pode ser entendida como a expressão da criatividade e sensibilidade humana, através das mais diferentes linguagens, como pintura, música, literatura, cinema, escultura, desenho, dança, entre outras. As obras de arte, em sua maioria, são realizadas com algum propósito comunicativo, seja através do visual, do sonoro ou do narrativo. Portanto, a arte transmite emoções, ideias, valores e questionamentos sobre a sociedade e a existência humana.

Cada tipo de arte tem características próprias e formas de expressar uma mensagem. Por exemplo, a pintura pode ser figurativa ou abstrata, a escultura pode ser uma representação tridimensional de figuras ou formas, e a música pode explorar diferentes ritmos e harmonias. A dança, por sua vez, se expressa por meio do movimento corporal, enquanto a literatura utiliza as palavras para criar histórias, reflexões e críticas sociais.

A arte reflete o modo de vida, as crenças e as inovações de cada época. Mas para que serve a arte? Ela vai além da apreciação estética e é fundamental na formação de nossa identidade cultural e na reflexão sobre questões sociais e políticas.

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Períodos da História da Arte

A História da Arte é geralmente dividida em períodos e movimentos que ajudam didaticamente na compreensão das manifestações de cada época. Claro que essas divisões periódicas não são rígidas e algumas formas de se fazer arte coexistiram, mas a divisão em fases facilita a identificação dos estilos e também das ideias que estavam aflorando em cada momento histórico.

Cada período tem suas características próprias, refletindo mudanças de pensamento, inovações técnicas e influências sociais. A seguir, fizemos um resumo com os principais períodos da História da Arte.

Arte Pré-Histórica

A arte pré-histórica remonta aos primórdios da humanidade e é marcada por ser uma arte desenvolvida antes da invenção da escrita. As pinturas rupestres são os principais exemplos desta fase e as famosas pinturas das cavernas de Altamira, na Espanha, e de Lascaux, na França, seguem como os grandes marcos da arte rupestre no mundo.

As pinturas nas cavernas retratam animais e algumas cenas da vida cotidiana da época, como a caça. Essas obras têm um caráter simbólico e ritualístico, também chamado de “magia simpática ou propiciatória”. São pinturas muitas vezes associadas a crenças espirituais e ao entendimento do mundo natural.

Bisonte na Caverna de Altamira, Espanha.  As pinturas rupestres da Caverna de Altamira foram realizadas entre 36.000 e 13.000 anos atrás.

Bisonte na Caverna de Altamira, Espanha. As pinturas rupestres da Caverna de Altamira foram realizadas entre 36.000 e 13.000 anos atrás.


Arte Antiga

Com o surgimento das primeiras civilizações, como as dos povos que habitaram a Mesopotâmia, o Egito, a Grécia e Roma, a arte passou a ter um caráter mais formal e funcional. A arte produzida durante a Antiguidade foi muito diversa, principalmente quando comparamos a arte do Egito Antigo com a da Grécia Antiga, por exemplo, pois os artistas egípcios produziam imagens a partir de esquemas pré-definidos, enquanto os gregos buscavam o realismo na representação dos corpos humanos.

Isso acontecia porque a arte para a sociedade egípcia possuía um significado político e espiritual que precisava ser preservado. Portanto, as pinturas tinham que seguir certos padrões, como a lei da frontalidade que era usada na representação de corpos humanos, como é possível ver na imagem abaixo:

Pintura egípcia mostrando processo de mumificação, hábito comum na sociedade do Egito Antigo.

Pintura egípcia mostrando processo de mumificação, hábito comum na sociedade do Egito Antigo.


As civilizações antigas criaram obras de arte famosas, como as esculturas de Fídias na Grécia e as pirâmides do Egito, que não só adornavam os templos e palácios, mas também tinham significados religiosos e políticos profundos. A arte antiga foi marcada pela busca da perfeição e harmonia nas formas e pela representação idealizada do corpo humano.

Arte Medieval

A Arte Medieval foi realizada no longo período que vai do século V ao século XV, e se caracteriza pela religiosidade. Durante este período, a arte cristã predominou, com grande foco em temas bíblicos e na construção de igrejas, mosteiros e catedrais, além de manuscritos iluminados, que ficaram conhecidos como iluminuras.

A arte medieval utilizou pintura em murais, vitrais e a escultura religiosa. A arte gótica e bizantina, com suas imponentes catedrais e ícones religiosos, também são destaques deste período. Este período é essencialmente marcado pela busca de transmitir mensagens espirituais e teológicas.

Cenas da Vida de Cristo - Lamentação. Giotto, obra realizada entre 1304 e 1306. 200 cm X 185 cm. Capela Scrovegni, em Pádua, Itália.

Cenas da Vida de Cristo - Lamentação. Giotto, obra realizada entre 1304 e 1306. 200 cm X 185 cm. Capela Scrovegni, em Pádua, Itália.


Arte Renascentista

A Arte Renascentista, compreendida entre os séculos XIV e XVI, marca um retorno aos ideais da Antiguidade Clássica e uma revolução na maneira de pensar a arte e a humanidade. Artistas como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael buscaram a representação naturalista do corpo humano, explorando a perspectiva, a proporção e a luz.

A Renascença é, sem dúvida, um dos períodos mais ricos da história da arte, com grandes obras de arte famosas, como "A Última Ceia" de Da Vinci e "O David" de Michelangelo.

A Última Ceia. Leonardo da Vinci, obra realizada entre 1495 e 1498. Dimensões: 460 cm X 880 cm. Refeitório da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália.

A Última Ceia. Leonardo da Vinci, obra realizada entre 1495 e 1498. Dimensões: 460 cm X 880 cm. Refeitório da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália.


Arte Pré-Colombiana

A arte pré-colombiana refere-se à produção artística das civilizações indígenas das Américas antes das Grandes Navegações, que culminaram com a chegada de Cristóvão Colombo, no final do século XV, ao continente americano. Esse período é imensamente diversificado, refletindo a rica variedade de culturas que habitaram as Américas, como os maias, astecas, incas e diversos povos indígenas da América do Norte, Sul e América Central.

A arte pré-colombiana é caracterizada por uma profunda relação com a natureza, a religião e o poder. Entre os principais tipos de arte desse período estão as esculturas, pinturas, cerâmicas e tecelagens, todas com grande simbolismo. Os maias e astecas criaram magníficas esculturas de pedra, como os templos e figuras divinas que decoravam suas cidades. Os incas, por sua vez, desenvolveram técnicas de tecelagem complexas e a arte da metalurgia, criando peças de ouro e prata com significados religiosos e cerimoniais.

Templo de Kukulkán, pirâmide maia que começou a ser construída no século VI. Iucatã, México.

Templo de Kukulkán, pirâmide maia que começou a ser construída no século VI. Iucatã, México.


A arte pré-colombiana também apresenta uma rica simbologia, com forte presença de elementos geométricos e figuras mitológicas, como os deuses e heróis das lendas dessas civilizações.

Arte Moderna

A Arte Moderna (séculos XIX e XX) começou a apresentar suas primeiras obras a partir da Revolução Industrial e de toda a transformação social e política decorrente dela. Movimentos como o Impressionismo, Cubismo, Surrealismo e Expressionismo, que ficaram conhecidos como as vanguardas europeias, trouxeram novas formas de ver e entender a arte, distantes da representação figurativa clássica. Artistas como Pablo Picasso, Vincent van Gogh, Claude Monet e Salvador Dalí são alguns dos grandes nomes desse período.

A arte passou a explorar a abstração e a subjetividade, questionando as convenções tradicionais das academias e a própria realidade. O fazer artístico se diversificou, incluindo novos experimentos com o uso da cor, da forma e da luz, além de novas linguagens da arte, como a fotografia e a arte digital.

Guernica, quadro de Pablo Picasso. 1937, pintura a óleo. 349,3 cm X 776,5 cm. Museu Reina Sofia, Madrid.

Guernica, quadro de Pablo Picasso. 1937, pintura a óleo. 349,3 cm X 776,5 cm. Museu Reina Sofia, Madrid.


A Arte Moderna ou Modernismo foi um período riquíssimo da produção artística mundial e também no Brasil. Você pode compreender melhor esse estilo de arte através do curso A Arte Moderna Pelas Obras de Van Gogh, Picasso, Duchamp e Pollock, ministrado pelo doutor em História da Arte, Felipe Martinez. No curso, ele faz uma análise da vida e da obra de grandes artistas modernistas, mostrando os impactos causados pelas novas ideias e como a arte dialoga com as grandes questões sociais.

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Arte Contemporânea

A Arte Contemporânea (século XX até o presente) é um campo diversificado e amplo, de difícil definição. Diversos movimentos artísticos coexistem, como o minimalismo, o arte pop, a arte conceitual e as manifestações da arte digital. A arte contemporânea rompe com as fronteiras dos tipos de arte tradicionais, explorando novas linguagens da arte como o vídeo, a performance e as instalações interativas. Banksy, Yayoi Kusama e Damien Hirst são alguns dos artistas contemporâneos mais influentes no mundo. A arte contemporânea está muito relacionada às ideias e geralmente aborda temas sociais, culturais e políticos, desafiando as normas da arte tradicional e incentivando uma reflexão crítica sobre o mundo atual.

Grandes Artistas da História e Suas Obras

A história da arte é marcada por inúmeros grandes artistas, cujas obras ajudaram a definir os rumos da arte. Cada um desses artistas famosos trouxe uma contribuição única, seja através da técnica, do estilo ou das ideias que procuraram expressar. Listamos a seguir algumas obras de arte famosas na história e seus respectivos autores:

Século XIV (1300)

  • Giotto di Bondone:

O Beijo de Judas (1305)
Afrescos da Capela Scrovegni (1304–1306)

Século XV–XVI (Renascimento)

A Última Ceia (1495–1498)
Mona Lisa (c. 1503–1506)

  • Michelangelo Buonarroti

O Davi (1501–1504)
Afrescos da Capela Sistina (1508–1512)

Século XIX (Impressionismo e Pós-Impressionismo)

  • Édouard Manet

Almoço na Relva (1863)
Olympia (1863)

  • Claude Monet

Impressão, nascer do sol (1872)
Nenúfares (série, 1897–1926)

  • Edgar Degas

A Aula de Balé (c. 1874)
O Balé Azul (c. 1890)

  • Vincent van Gogh

Girassóis (1888)
A Noite Estrelada (1889)

Século XIX–XX (Simbolismo, Art Nouveau e Modernismo)

  • Gustav Klimt

Retrato de Adele Bloch-Bauer I (1907)
O Beijo (1907–1908)

  • Antoni Gaudí

Parque Güell (projeto iniciado em 1900)
Sagrada Família (iniciada em 1882, ainda em construção)

Século XX (Modernismo, Abstracionismo, Surrealismo e Pop Art)

  • Pablo Picasso

Les Demoiselles d'Avignon (1907)
Guernica (1937)

  • Wassily Kandinsky

Composição VIII (1923)
Amarelo-Vermelho-Azul (1925)

  • Frida Kahlo

Auto-retrato com Espinho e Colibri (1940)
As Duas Fridas (1939)

  • Andy Warhol

Campbell's Soup Cans (1962)
Marilyn Diptych (1962)

História da Arte no Brasil

A história da arte no Brasil é marcada por uma rica e diversa trajetória, que reflete a complexidade cultural do país. Desde os tempos anteriores à colonização, as expressões artísticas indígenas já revelavam uma profunda conexão com a natureza, os mitos e os rituais das diferentes etnias. Arte plumária, cerâmica, pinturas corporais e grafismos em objetos e superfícies naturais eram — e ainda são — manifestações de um conhecimento ancestral transmitido de geração em geração.

Com a chegada dos colonizadores portugueses no século XVI, iniciou-se o período da arte colonial, fortemente influenciado pela estética europeia, especialmente o barroco. Igrejas ricamente ornamentadas, como as de Ouro Preto e Salvador, são testemunhos do talento de artistas como Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa) e Manuel da Costa Ataíde, que reinterpretaram as referências europeias sob uma ótica brasileira, mesclando elementos locais, africanos e indígenas em suas obras sacras.

No século XIX, com a vinda da Missão Artística Francesa (1816), liderada por Jean-Baptiste Debret, o Brasil passou por um processo de academização da arte. A fundação da Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, contribuiu para a formação de artistas dentro de um modelo europeu clássico. Nomes como Pedro Américo e Victor Meirelles se destacaram com grandes telas históricas, representando cenas como o Grito do Ipiranga e episódios da história nacional com uma estética grandiosa e idealizada.

O Grito do Ipiranga, quadro de Pedro Américo, 1888. Óleo sobre tela, 415cm X 760 cm. Museu Paulista da USP, São Paulo.

O Grito do Ipiranga, quadro de Pedro Américo, 1888. Óleo sobre tela, 415cm X 760 cm. Museu Paulista da USP, São Paulo.


A virada do século XX trouxe profundas transformações. O movimento modernista brasileiro, com a Semana de Arte Moderna de 1922, rompeu com os padrões acadêmicos e buscou uma nova linguagem artística, autenticamente nacional.

Artistas como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Oswald de Andrade propuseram uma arte que refletisse a realidade brasileira, suas cores, suas contradições sociais e culturais, ao mesmo tempo em que dialogava com as vanguardas europeias.

Obras como Abaporu (Tarsila), que se tornou símbolo do movimento antropofágico, tinham como proposta a “digestão” crítica das influências estrangeiras para criar algo novo e original, em sintonia com a história do Brasil.

Candido Portinari, por sua vez, levou o realismo social às telas, retratando com sensibilidade temas como o trabalho, a infância pobre e as injustiças sociais, em obras como Retirantes e os painéis de Guerra e Paz, encomendados pela ONU.

Na segunda metade do século XX, a arte brasileira expandiu-se ainda mais, incorporando novas linguagens como a arte concreta, o neoconcretismo, a arte conceitual, o cinema experimental e a performance. Figuras como Lygia Clark, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Tomie Ohtake, entre outros, romperam com os limites tradicionais da pintura e escultura, criando experiências sensoriais e interativas que colocavam o espectador como parte da obra.

Hoje, a arte contemporânea brasileira é plural, crítica e inovadora. Artistas como Adriana Varejão, Ernesto Neto, Vik Muniz, Rosana Paulino e Jaider Esbell (este último representando a retomada da arte indígena no circuito contemporâneo) continuam a explorar temas como identidade, corpo, ancestralidade, meio ambiente, desigualdade e memória, levando a produção artística nacional a dialogar com os grandes debates do mundo atual — sem perder o enraizamento nas realidades locais.

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Para que serve a Arte?

A arte tem várias funções e serve para inúmeros propósitos. Ela pode ser uma ferramenta de expressão pessoal, um meio de questionamento social e político, uma forma de comunicação universal e até um instrumento terapêutico. A arte também tem uma função educativa, ajudando a transmitir a história, as emoções e as ideias de diferentes culturas e épocas.

Conclusão

A História da Arte é uma jornada fascinante que nos permite entender a evolução das expressões humanas através de diferentes épocas e estilos. Desde a Arte Pré-Histórica até a arte contemporânea, cada período e movimento artístico oferece insights valiosos sobre a cultura, os valores e as ideias de seu tempo. Além disso, grandes artistas e obras de arte influenciam nossa percepção de mundo, e desenvolvem legados que permanecem como um registro da história da humanidade.

Seja para entender as complexidades de nossa sociedade, para se envolver emocionalmente com uma obra ou simplesmente para apreciar a beleza estética, estudar História da Arte é fundamental para qualquer um que deseje expandir sua visão do mundo e compreender a profundidade da experiência humana.

Se você tem interesse em História da Arte e deseja aprender mais sobre o tema, confira o curso Introdução à História da Arte, da Casa do Saber, ministrado pelo doutor em História da Arte pela Unicamp, Felipe Martinez.

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Referências

https://www.cultura.gob.es/mnaltamira/cueva-altamira/arte.html

https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-11160/chichen-itza/

Psicologia
A alquimia na psicologia analítica de Carl Jung
Ella Barruzzi
A alquimia na psicologia analítica de Carl Jung
Entenda a ligação entre psicologia e alquimia, uma das bases para a terapia junguiana de Carl Jung. Veja as fases alquímicas e processos.

No senso comum, quando falamos em alquimia, geralmente, a primeira coisa que nos vem à cabeça é o famoso livro de Paulo Coelho: “O alquimista”, que conta a história de um jovem pastor que parte em busca de seu "tesouro pessoal" após ter um sonho recorrente – o que não se afasta tanto assim do que Carl Jung nos fala sobre o tema.

A alquimia é um processo comentado há muitos séculos pela sua capacidade de transformar metais comuns em ouro, além de alcançar a pedra filosofal. E, para que possamos entender as metáforas e histórias por trás dos símbolos da alquimia e seus significados, a psicologia analítica nos fornece conceitos e elementos estudados e interpretados por Jung, que nos levam ao caminho da transformação interior, ou seja, rumo à individuação.



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Como Carl Jung alinhou psicologia e alquimia

Em 1928, a alquimia passou a fazer parte da vida de Jung. Isso aconteceu por meio de um texto da alquimia chinesa, que chegou até ele por intermédio de Richard Wilhelm, conhecedor da psicologia analítica e consciente de que o conteúdo estava alinhado às pesquisas de Jung naquela época.

Sem dúvidas, esse foi um dos marcos mais importantes, pois a psicologia junguiana toma a própria alquimia como base para o seu desenvolvimento. Carl Jung recorreu a experiências pessoais e sonhos nesse processo, incluindo também a análise de pacientes que relataram episódios complementares.

Todos os textos eram trabalhados através de linguagem simbólica, em que os símbolos reuniam aspectos da consciência e do inconsciente. Foi então que Jung passou a usá-los não apenas como analogias, mas como forma de compreender e se aprofundar nos processos psíquicos.

As práticas alquímicas, em sua busca pela pedra filosofal – símbolo da iluminação –, refletem o processo pelo qual uma pessoa deve passar para expandir a consciência. Esse processo envolve o desenvolvimento psíquico em direção à individuação, que consiste na integração dos aspectos conscientes e inconscientes da psique.

Também podemos citar que ele enxergava diversos arquétipos nas imagens alquímicas, expressando polaridades como, por exemplo: o sol e a lua, a prima matéria e o ouro, o claro e o escuro. Na psicologia analítica, os arquétipos também estão conectados ao inconsciente coletivo, ou seja, à camada mais profunda da mente humana, compartilhada por todos, sem distinção.

Esse processo alquímico, considerado como uma purificação para a transformação, se refletia no próprio processo de individuação, onde é necessário confrontar a sombra – aspectos reprimidos da psique, os quais não queremos acessar –, para que todos os elementos sejam integrados a fim de alcançar um estado de equilíbrio.

De forma mais simples: no processo de individuação, precisamos ser os próprios alquimistas trabalhando a matéria-prima bruta – sombra –, com o objetivo de transformá-la em ouro – autoconhecimento. Mas nem tudo é tão fácil como parece.

Homem idoso em laboratório alquímico observando atentamente um frasco de vidro com líquido dourado sob a luz.



O processo de transmutação para alcançar a pedra filosofal

O Opus Alquímico, também conhecido como a Grande Obra, é o termo utilizado para se referir ao processo de transformação que o alquimista busca alcançar – a transmutação de um estado inferior para um estado superior –, criando assim a pedra filosofal.

Ele é dividido em duas partes: operações – atividades realizadas em laboratório – e teoria – aquilo que pode ser observado, meditado e especulado. Sua fundamentação se dá na filosofia hermética, de Hermes Trismegisto e, ao longo do processo histórico, acabou sendo acrescido de ideias dogmáticas cristãs.

Como dito anteriormente, Jung utiliza desse processo como uma metáfora para a individuação, ou seja, a busca pelo autoconhecimento e a integração das diversas partes da psique, tanto conscientes quanto inconscientes. O Opus Alquímico seria então, um caminho simbólico que reflete as etapas da transformação psicológica, tendo alguns elementos principais e etapas específicas:

FASES DA ALQUIMIA DO QUE SE TRATA O PROCESSO
Prima matéria Ponto de partida para a transformação. Na psicologia analítica, é considerada como o estado inicial da psique – aspectos não reconhecidos, reprimidos ou que estão na sombra.
Nigredo Simboliza o enfrentamento da sombra, das partes mais negligenciadas da psique, daquilo que não se quer acessar e que está reprimido no inconsciente. Na análise, pode ser considerada como o momento de confronto, difícil e doloroso, onde medos e traumas tendem a aparecer para serem transformados.
Albedo É onde há a clareza, a fase em que os aspectos sombrios da psique já foram transformados, equilibrados e trazidos à consciência. Nesta fase, é onde acontece a integração dos opostos, além de uma profunda compreensão de si mesmo.
Rubedo Fase final onde ocorre a unificação de todas as partes da psique. Ela representa a conclusão da transformação e a integração total do inconsciente com a consciência – a criação da pedra filosofal, ou seja, o self integrado. Podemos considerar como exemplos para esta fase Buda e Jesus, pois é aqui que ocorre a iluminação.


Mas não podemos nos ater apenas às fases do Opus Alquímico, visto que para que a prima matéria comece seu processo, precisamos pensar também na ideia de Kairós, que nos traz a necessidade de um tempo – momento – adequado para que o trabalho alquímico seja iniciado.

Na clínica, por exemplo, durante o processo terapêutico, o paciente só conseguirá acessar um trauma – um aspecto de sua sombra – quando já tiver passado, previamente, por outras etapas da análise, ou seja, “é chegado o seu Kairós”.

Também é necessário que exista um processo de introspecção e reflexão profunda, denominado meditatio, onde é preciso manter um diálogo com aspectos internos da psique que, muitas vezes, podem ser representados por imagens arquetípicas de anjos da guarda, guias, mentores, gurus ou outras facetas do si mesmo – permitindo assim um contato com a subjetividade, proporcionando uma maior compreensão de elementos do inconsciente.

A partir disso, pode-se concretizar aspectos psíquicos através da imaginatio, que se expressa de símbolos – linguagem de expressão do inconsciente. Isso faz com que tais aspectos se tornem visíveis, pois foram trazidos à consciência. Para que sejam compreendidos, é necessário que esses símbolos estejam conectados a algo já conhecido, para que possam ser revelados.

O Opus Alquímico também necessita de um local apropriado para a operação, como se o “vaso” onde a alquimia é feita servisse como um útero para a própria gestação da pedra filosofal. Muitas vezes, esse lugar, no caso da terapia junguiana, será o próprio setting terapêutico.

Essa é uma atividade considerada sagrada, pois lida com o sublime, se tratando de uma atuação quase secreta ao próprio alquimista, pois ele conhece apenas uma parte do trabalho, enquanto parte dessa busca é ocultada por ela mesma e jogada no inconsciente.

Alquimista idoso manuseando fole em laboratório repleto de frascos, livros e instrumentos antigos.

O que é alquimia e seu desenvolvimento

Assim como a natureza oferece os metais como matéria prima para que o alquimista a transforme em ouro, o inconsciente – ou a vida em geral – nos oferece potencialidades a serem trabalhadas para a integração dos opostos no processo de individuação, a partir da tomada de consciência.

É importante dizer que um dos conceitos fundamentais da alquimia é de que nada é criado do zero, mas sim existe a transformação de tudo. Como na famosa frase: “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, do químico francês Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794), que corresponde à Lei da Conservação das Massas.

De certa forma, essa é uma frase alquímica, pois todas as potencialidades existentes se encontram em nossa psique desde o momento do nascimento. Até porque, quando falamos que é necessário um “vaso” que se assemelha ao útero para que o processo ocorra, muitas vezes, esse retorno ao útero se faz necessário em terapia, com o objetivo de que certos conteúdos do inconsciente sejam acessados para que haja sua integração.

Nesse contexto, a prima matéria é tudo aquilo que é intrínseco ao ser humano – pensamentos, ações, comportamentos, emoções – e, do ponto de vista psicológico, são esses elementos que irão passar pelas transformações do processo alquímico.

Na psicologia analítica, os primeiros aspectos com necessidade de transmutação e aperfeiçoamento são provenientes da sombra, ou seja, tudo aquilo que é rejeitado e ignorado acaba sendo recalcado ou esquecido no inconsciente. E, para além desse conteúdo, também existe o macro, denominado de inconsciente coletivo, que nos influencia através dos arquétipos, conforme já mencionado.

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O Sábio

O Inocente

O Explorador

O Governante

O Criador

O Cuidador

O Amante

O Herói

O Comediante

O Homem Comum

O Mago

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Psicologia e alquimia, do que fala o elemento

Muitos dos processos alquímicos estão intimamente relacionados aos elementos água, fogo, terra e ar, principalmente devido ao paralelo que é feito com os metais. Por exemplo, uma espada é forjada através do refinamento de um metal específico, exposto ao fogo, seguido de seu resfriamento na água. Da mesma forma, ocorre com o material psíquico, que Jung divide da seguinte forma:

  • Calcinatio: elemento fogo. Tem relação com a Rubedo e representa a purificação das chamas. Também é tido como representação das paixões fulminantes e da raiva. Ou seja, se não for um aspecto devidamente trabalhado, tende a ser destrutivo – para o próprio indivíduo ou pessoas ao redor.
  • Solutio: elemento água. Representa a dissolução de aspectos enrijecidos da psique, comportamentos que acabaram sendo consolidados. Pode ser relacionado com a fragilidade, pois para o líquido não existe certo contorno. Ao se quebrar em partes, a quantidade de energia psíquica liberada pode ampliar outros aspectos, afrouxando o sofrimento da consciência. Muitas vezes, no processo de transferência, o paciente identificado com tal reação alquímica tende a se dissolver no terapeuta em busca desse contorno.
  • Sublimatio: elemento ar. Representa a elevação e a transcendência de conteúdos psíquicos. Esse processo busca libertar o indivíduo de padrões mais densos ou materiais, permitindo que sua consciência alcance níveis mais elevados. A Sublimatio está ligada à capacidade de abstração, insight e compreensão de significados mais profundos.
  • Coagulatio: elemento terra. Simboliza a concretização, a materialização de conteúdos psíquicos antes dispersos ou abstratos. Esse processo corresponde à integração dos aspectos inconscientes na consciência, permitindo que ideias e potencialidades se tornem tangíveis e úteis na vida prática. A Coagulatio é essencial para que o trabalho psíquico realizado encontre um equilíbrio sólido e funcional no dia a dia.

Essas quatro operações nos oferecem uma metáfora para a compreensão da jornada alquímica, pois, eventualmente, elas chegarão para todos. Não podemos considerar um passo a passo ou uma jornada linear, mas um caminho com avanços e regressões, idas e voltas, por muitas vezes longo e sinuoso.

Ilustração esotérica do símbolo do Ouroboros, uma serpente que morde a própria cauda ao redor de uma estrela de seis pontas, com símbolos alquímicos, o olho no centro e figuras míticas ao redor.

Alquimia e terapia, o paralelo da expansão da consciência

A psicologia junguiana, assim como o processo alquímico, envolve uma interação constante entre o mundo interno e externo, onde a matéria – as experiências vividas – refletem os conteúdos psíquicos.
O analista e o paciente trabalham em conjunto para decifrar esses reflexos, projetados nas situações rotineiras ou em eventos que parecem unicamente externos. Trata-se de um processo sutil, pois lida com feridas psíquicas – a sombra.

Portanto, é necessário que o indivíduo respeite seu próprio tempo – Kairós –, para que o seu Opus Alquímico aconteça. Mas mesmo em momentos de pausa (da terapia), o desenvolvimento psicológico não cessa; ele ocorre de forma orgânica, sendo impulsionado pela força natural de evolução da psique.

Acessar tais elementos, por mais doloroso que possa parecer o confronto com a sombra, gera potencial para a transformação da psique e o processo de individuação. Então, assim como o alquimista transforma metais brutos em ouro, o paciente é capaz de transmutar dores e dificuldades em autoconhecimento, integrando seus opostos e ampliando assim sua consciência.

Para tal, o analista tende a ser visto como um elemento fundamental, também como sendo alquimista que, como descrito na citação abaixo, convoca o paciente a tomar posse de sua própria psique:

“Geber requer do artifex as seguintes qualidades psicológicas e caracterológicas: ele deve ter o espírito extremamente sutil e dispor de conhecimentos suficientes acerca dos metais e dos minerais. Assim pois não pode ser grosseiro de espírito ou rígido, nem pode ser voraz ou cobiçoso, indeciso e inconstante. Não deve ser apressado ou presunçoso. Pelo contrário, deve ter firme propósito, longanimidade, perseverança, paciência, docilidade e moderação.”

(Apud Carl Gustav JUNG, Psicologia e Alquimia, p. 282-3).


Imagem de estilo tradicional chinês mostrando figuras nobres e místicas ao redor de um grande cadinho alquímico com fumaça, sugerindo um ritual ancestral.


Perguntas frequentes sobre alquimia e psicologia junguiana

O que é alquimia na psicologia junguiana?

Para Jung, a alquimia é uma metáfora da transformação psíquica. Ela representa o processo de individuação — caminho de integração entre consciente e inconsciente.

O que é a pedra filosofal na psicologia analítica?

A pedra filosofal simboliza o self integrado, o objetivo final do processo de individuação — onde o indivíduo atinge equilíbrio entre todas as partes da psique.

Quais são as fases do processo alquímico segundo Jung?

As fases são: Prima matéria, Nigredo (confronto com a sombra), Albedo (clareza e integração dos opostos) e Rubedo (integração total da psique, simbolizada pela iluminação).



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Referências bibliográficas:

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Petrópolis: Vozes, 2016.

STEIN, Murray. O mapa da alma. São Paulo: Cultrix, 2006.

VON FRANZ, Marie-Louise. Alquimia e imaginação ativa. São Paulo: Cultrix, 2022.

Freud e Jung: diferenças, semelhanças e impactos da relação
Camila Fortes
Freud e Jung: diferenças, semelhanças e impactos da relação
Entenda a relação entre Freud e Jung, suas semelhanças e divergências teóricas, os motivos do rompimento e o impacto na psicanálise e na psicologia.

A relação entre Sigmund Freud e Carl Gustav Jung é um dos capítulos mais fascinantes da história da psicologia e da psicanálise. O vínculo entre esses dois pensadores foi, ao mesmo tempo, profundamente criativo e intensamente conflituoso.

Neste guia introdutório, vamos explorar como essa parceria se formou, quais foram seus pontos de convergências teóricas e as principais diferenças conceituais. Além disso, abordaremos o rompimento que dividiu seus caminhos e o impacto duradouro que tiveram na psicanálise e na psicologia moderna.



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Freud e Jung: Um intercâmbio teórico e pessoal

O encontro entre Freud e Jung marcou o início de uma parceria promissora, tanto em termos teóricos quanto afetivos. Em 1899/1900, Freud publicou a significativa obra A Interpretação dos Sonhos, um livro que investiga a relação do inconsciente com a produção de imagens elaboradas em sonhos.

A discussão chamou a atenção de Jung, um psiquiatra suiço que, à época, já demonstrava interesse pelas manifestações simbólicas do inconsciente em pessoas com transtornos mentais.

O interesse de Jung foi percebido por Freud, que considerou esta uma oportunidade de difundir a psicanálise nos estudos psiquiátricos. Além disso, Freud buscava ampliar as discussões do campo em outros territórios, pois tinha receio de que a psicanálise pudesse ser percebida como uma “ciência judaica”.

Nessa disputa de interesses, a parceria entre eles foi tão promissora, que a primeira conversa, em 1907, teria durado mais de 13 horas ininterruptas, sinalizando uma conexão intelectual intensa. Freud e Jung passaram a trocar cartas e estabeleceram um intenso diálogo intelectual, que logo se transformou em amizade.

Assim, Freud via em Jung uma figura central para dar continuidade a sua teoria psicanalítica, e que ajudaria a expandir e legitimar o campo. Jung, por sua vez, via Freud como um mentor intelectual para os estudos do inconsciente.

Durante mais de 8 anos de colaboração, ambos desenvolveram ideias preciosas sobre a psique humana, os sintomas, sonhos e processos interpretativos sobre eles.



Pontos de Convergência entre Freud e Jung

Freud e Jung compartilhavam diversas concepções fundamentais. Essa base comum a ambos possibilitou uma ampliação significativa do campo da psicologia e da psicanálise, especialmente no que diz respeito à compreensão do inconsciente e à prática clínica.

Dentre as proximidades teóricas e metodológicas entre eles, algumas merecem destaque:

  • A importância do inconsciente:

    Para Freud e Jung, o inconsciente desempenha um papel central na vida psíquica. Ambos consideravam que muitos pensamentos, emoções e comportamentos são influenciados por conteúdos que escapam à consciência.

  • Valor terapêutico dos sonhos:

    Para eles, os sonhos revelariam conteúdos ocultos, se apresentando como um elemento essencial do processo analítico. Freud e Jung acreditavam que o ato de sonhar, recordar e relatar são considerados instrumentos de análise valiosos, sendo capazes de iluminar as zonas mais profundas da mente.

  • A transferência:

    Freud e Jung reconheciam a importância da relação transferencial entre paciente e analista. Ambos concordavam que essa relação é ativa, dinâmica e profundamente reveladora — embora a forma de entender esse vínculo tenha divergido mais tarde.

  • A busca por um método clínico:

    Além disso, eles desenvolveram abordagens baseadas na escuta, na interpretação e na elaboração simbólica da experiência subjetiva humana. Freud e Jung também tinham em comum o interesse em desenvolver um saber clínico e intelectual sobre a sexualidade — apesar de ocorrer em perspectivas diferentes.

Assim, apesar da ruptura posterior, essa fase de convergência foi decisiva para que a psicologia do século XX ganhasse profundidade, pluralidade e complexidade. A partir daquilo que compartilharam — e da tensão que os separou — surgiram novas maneiras de pensar o ser humano, suas dores, seus desejos e seus caminhos de transformação.



Freud e Jung ao lado de outros participantes da Conferência de Psicologia, Pedagogia e Higiene Escolar na Clark University, em Worcester (EUA), 1909. Fonte: Wikimedia


A Ruptura Teórica e Afetiva entre Freud e Jung

Nesse processo, diferenças profundas começaram a emergir, tanto em relação ao método analítico quanto à visão de mundo.

Em 1912, Jung publicou a obra Transformações e Símbolos da Libido. O livro propunha uma visão ampliada da energia psíquica, o que Freud considerou uma grave distorção dos princípios psicanalíticos.

Para Freud, Jung estava abandonando a ciência pela metafísica. Para Jung, Freud estava aprisionado em uma visão limitada e materialista da psique.

Jung passa a desenvolver uma teoria própria - a psicologia analítica - que, embora se parta de fundamentos psicanalíticos, seguiu um caminho teórico autônomo. Ele introduziu conceitos como o inconsciente coletivo, os arquétipos, a função simbólica dos sonhos e o processo de individuação, todos incompatíveis com o modelo freudiano.

Curiosidade: As divergências e tensões entre Freud e Jung foram tratadas em obras audiovisuais como no filme “Um Método Perigoso” (2011), dirigido por David Cronenberg.

Na obra, explora-se o surgimento da psicanálise, as proximidades, os conflitos profissionais entre eles e as experiências bem e mal sucedidas na prática psicanalítica. Além disso, trata da relação de ambos com Sabina Spielrein, uma paciente de Freud que, posteriormente, se relacionou com Jung.



Psicologia Analítica com Jung e Psicanálise com Freud: Principais diferenças conceituais

Nesse movimento, as divergências intelectuais ganharam espaço na relação entre Freud e Jung. À medida que aprofundavam seus estudos, tornaram-se cada vez mais evidentes suas diferentes formas de compreender os fundamentos da psique.

Mas, de fato, quais eram as diferenças?

A compreensão da libido e a teoria da sexualidade

As divergências na teoria da sexualidade entre Freud e Jung estão entre os principais motivos que levaram à ruptura entre os dois pensadores — e dizem muito sobre suas visões de mundo, de ser humano e de psique.

Para Freud, a sexualidade está no centro da constituição psíquica.

A teoria da libido em Freud é baseada na ideia de que o ser humano é movido por pulsões, principalmente as de caráter sexual. Para ele, essa energia é reprimida ao longo do desenvolvimento e retorna de forma disfarçada, gerando sintomas, sonhos e lapsos.

Além disso, Freud defendia que a sexualidade não começa na puberdade, mas na infância (sexualidade infantil). Para ele, tudo — dos sonhos à arte — pode ser, em última instância, reconduzido a conteúdos sexuais reprimidos. A sexualidade seria, portanto, uma chave universal para entender o funcionamento da mente humana.

Jung inicialmente aceitou a teoria sexual de Freud, mas logo começou a questioná-la por considerá-la reducionista. Para ele, a libido não deveria ser entendida exclusivamente como energia sexual, mas sim como uma energia psíquica geral, que se manifesta em diferentes formas: sexualidade, espiritualidade, criatividade, vontade de sentido, religiosidade, entre outros.

A sexualidade seria, então, para Jung, uma expressão possível, mas não única da psique.

Em vez de interpretar os sonhos apenas como disfarces de desejos sexuais, Jung os via como mensagens simbólicas vindas do inconsciente, frequentemente carregadas de elementos mitológicos e espirituais.

A estrutura do inconsciente

Além do inconsciente pessoal — formado por experiências individuais reprimidas já apontado por Freud —, Jung propôs a existência de um inconsciente coletivo. Esta seria uma camada mais profunda da psique que não se origina na vivência individual, mas é comum a toda a humanidade.

O inconsciente coletivo seria composto por arquétipos, ou seja, imagens universais e atemporais que moldam a forma como percebemos e vivemos o mundo.

Presentes em sonhos, mitos, contos e religiões, os arquétipos funcionam como estruturas simbólicas fundamentais para a construção do sentido e da experiência humana. Essa percepção de um inconsciente individual e um inconsciente coletivo se revelou como uma das maiores distinções entre eles.

Enquanto Freud buscava curar o sintoma por meio da rememoração de experiências individuais reprimidas, Jung propunha uma jornada de integração entre o consciente e o inconsciente individual e coletivo, guiada por símbolos, imagens e significados.

Símbolo e Transferência

Além disso, Freud acreditava que os símbolos se apresentavam como uma máscara para desejos individuais inconscientes. Já Jung, defendia que o simbolismo se manifestaria como uma representação transformadora do inconsciente coletivo.

A noção de transferência também se diferenciava entre eles. Freud compreendia a transferência como a repetição de padrões do inconsciente na relação com o analista. Já Jung, a percebia como uma dinâmica simbólica, capaz de auxiliar na transformação psíquica.

Abordagens e objetivos terapêuticos distintos

As abordagens e os objetivos terapêuticos também se distinguem entre Freud e Jung.

Freud fundamentava sua teoria em um modelo determinista e causal, voltado ao passado e às repressões infantis. O seu objetivo terapêutico centrava-se em tornar consciente o reprimido, aliviando sintomas neuróticos.

Jung, por sua vez, propunha uma abordagem dialética e simbólica, com foco na totalidade da psique e no processo de individuação e autoconhecimento. Assim, objetivava promover a individuação e o equilíbrio entre o consciente e o inconsciente.

A diferença de abordagem entre Freud e Jung teve impacto decisivo no rumo da psicologia ocidental, abrindo caminhos para outras abordagens do processo terapêutico.

Em Jung, por exemplo, a sua perspectiva ampliada da psique abriu caminhos para um olhar simbólico, espiritual e arquetípico para a psicologia. Nesse movimento, a Psicologia Humanista inspirada por Carl Rogers e Abraham Maslow, compartilharam com ele a ideia de que o ser humano busca crescer e integrar partes de si e alcançar uma existência autêntica.



A relação entre Freud, Lacan e Jung

Embora Jacques Lacan tenha surgido em uma geração posterior à Freud e Jung, seu trabalho reatualizou conceitos freudianos centrais sob uma ótica estruturalista e linguística, influenciado por autores como Saussure, Lévi-Strauss e Hegel.

Lacan manteve-se avançando nas investigações psicanalíticas de Freud. O seu objetivo era explorar a linguagem como a própria estrutura do inconsciente, e não como um recurso simbólico e arquetípico, como defendia Jung, ou como meio de expressão dos desejos, como acreditava Freud.

O inconsciente, para Lacan, funciona como uma linguagem, ou seja, seria estruturado por significantes que escapam ao controle do sujeito, mas que organizam seu desejo, sua identidade e seus sintomas. Em outras palavras, para Lacan, o sujeito não é o “dono” de seus pensamentos, nem de sua fala — ele é falado pela linguagem, atravessado por significantes que o precedem.

Embora Lacan tenha elaborado uma perspectiva própria sobre o inconsciente, é notável o impacto e a influência de Freud e Jung em suas teorias psicanalistas.


O impacto que a separação entre Freud e Jung teve na história da psicanálise e da psicologia

Mais do que um simples desacordo teórico, o rompimento entre Freud e Jung representou a divergência entre duas visões de mundo, que acabaram por originar duas grandes tradições clínicas e filosóficas distintas: a psicanálise freudiana e a psicologia analítica junguiana.

A psicanálise freudiana seguiu sendo estruturada com base na sexualidade, no recalque, na transferência e na interpretação dos sintomas. Freud manteve um núcleo racionalista e científico, mesmo explorando territórios como os instintos de morte e a cultura.

Além disso, sua perspectiva se estendeu a partir de outros psicanalistas, diversificando-se em várias correntes: kleiniana, lacaniana, winnicottiana, entre outras — mantendo uma influência central nas áreas de saúde mental, cultura e teoria crítica.

A psicanálise influenciou a literatura, a crítica cultural, o cinema, a política e a filosofia, sobretudo através de Jacques Lacan, Jacques Derrida e Gilles Deleuze.

Já a psicologia analítica junguiana, avançou por um caminho mais simbólico e espiritual, explorando mitos, religiões, imagens arquetípicas e o processo de individuação como forma de transformação psíquica.

O seu impacto influenciou práticas como a arteterapia, a psicoterapia simbólica, a psicologia transpessoal, a ecopsicologia e até aspectos da educação e da espiritualidade contemporânea.

Além disso, propôs uma leitura voltada à integração dos opostos, à autocompreensão simbólica e à conexão com uma dimensão arquetípica universal.

A relação entre Freud e Jung: Uma conclusão

Historicamente, muitos autores consideram que a separação impediu o surgimento de uma síntese mais ampla entre razão e simbolismo, ciência e espiritualidade. No entanto, essa ruptura também produziu um legado fecundo: a partir dela, duas tradições puderam se desenvolver com profundidade, cada uma explorando aspectos distintos, porém complementares, da psique humana.

Com o tempo, o distanciamento inicial abriu espaço para uma reaproximação. Hoje, há um movimento crescente de diálogo entre as escolas freudiana e junguiana, especialmente entre clínicos e pesquisadores interessados em abordagens mais holísticas e interdisciplinares.

Essa pluralidade fez com que a psicologia se tornasse mais sensível às diferenças culturais, existenciais e espirituais entre os sujeitos. Assim, o legado de Freud e Jung, mesmo marcado por divergências, continua a inspirar caminhos de integração, escuta e transformação no campo da saúde mental.


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Referências

SciELO Brasil - Crônica de um fim anunciado: o debate entre Freud e Jung sobre a teoria da libido

FREUD, S. (1900). A interpretação dos sonhos. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987, vol. 4, 5.

JUNG, C. G. (1912). Transformações e Símbolos da Libido. In: Símbolos da Transformação. 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013, vol. 5.

Tipos de Sexualidade: Entenda Orientação  e Identidade de Gênero
Xavana Celesnah
Tipos de Sexualidade: Entenda Orientação e Identidade de Gênero
Entenda os tipos de sexualidade, o que é orientação sexual e identidade de gênero, além dos significados de cisgênero, transgênero e queer.

A sexualidade humana é um tema profundamente complexo, que precisa ser constantemente debatido, no sentido de promover o autoconhecimento e combater o preconceito associado a questões sexuais. A sexualidade engloba diversas dimensões, como a orientação sexual e a identidade de gênero, que são fundamentais para entender as experiências individuais e coletivas.

A orientação sexual, por exemplo, está diretamente ligada às preferências emocionais e relacionais de cada pessoa, sendo um aspecto dinâmico e, em alguns casos, fluido ao longo da vida. As orientações sexuais podem incluir categorias como heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, demissexualidade, pansexualidade, entre outras, cada uma com suas particularidades. Neste artigo, abordaremos os diferentes aspectos da sexualidade, explicaremos o conceito de orientação sexual e discutiremos tópicos relevantes, como identidade de gênero, pansexualidade, assexualidade e muito mais. Acompanhe e entenda as nuances que envolvem esse tema.



O Que é Sexualidade?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a sexualidade é uma energia que nos motiva para encontrar o amor, contato, ternura e intimidade. Nesse sentido, a sexualidade vai muito além do simples ato sexual. Ela é um aspecto profundo da psiquê que engloba nuances como prazer, erotismo, sexo biológico, orientação sexual e identidade de gênero. Ou seja, é através da sexualidade que uma pessoa se identifica em relação ao seu próprio sexo e essa identificação faz com que ela se expresse no contexto social e cultural.

Hoje, a sexualidade é um campo de estudo com notório reconhecimento, que possui marcos históricos como a Revolução Sexual da década de 1970 e a inclusão de disciplinas sobre sexualidade em graduações de psicologia e medicina na década de 1980.

Discutir sexualidade é essencial para acabar com preconceitos e discriminações e para aumentar o nível de consciência das pessoas em relação às inúmeras possibilidades de configurações relacionadas à sexualidade humana.

Além disso, o tema é relevante para promover a saúde integral da população e para defender os direitos da comunidade LGBTQIA+.

Tipos de Sexualidade: Diversidade e Inclusão

Os tipos de sexualidade são definidos a partir das orientações e preferências sexuais. Algumas preferências são mais comumente reconhecidas, mas existem identidades que só estão sendo discutidas e nomeadas há poucos anos. Veja a seguir quais são os principais tipos de orientação sexual:

TIPOS DE SEXUALIDADE CARACTERÍSTICAS
HETEROSSEXUAL Atração amorosa, física ou afetiva por pessoas do sexo/gênero oposto
HOMOSSEXUAL Atração emocional, sexual ou afetiva por pessoas do mesmo sexo/gênero
BISSEXUAL Atração afetiva e sexual por pessoas de ambos os sexos/gêneros
ASSEXUAL Pessoa que não sente nenhuma atração sexual, por nenhum sexo ou gênero
PANSSEXUAL Pessoa que sente atração sexual por todos os gêneros e sexos
POLISSEXUAL Pessoa que sente atração por muitos gêneros, mas não todos
ANDROSSESUAL Pessoa que sente atração sexual por pessoas masculinas, incluindo mulheres héteros e homens gays
GINECOSSEXUAL Pessoa que sente atração sexual por pessoas femininas, incluindo homens héteros e lésbicas
DEMISSEXUAL Só sente atração sexual depois de uma conexão emocional estabelecida


O Que é Orientação Sexual?

A orientação sexual é definida pela atração sexual. Ou seja, refere-se à tendência emocional, romântica ou sexual que uma pessoa tem em relação a outra. Pode ser caracterizada como heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual, entre outras, como abordamos acima. A orientação sexual é muitas vezes considerada uma parte fundamental da identidade de uma pessoa, embora as pessoas possam se descobrir e se identificar com mais de uma orientação ao longo da vida.

Identidade de Gênero e Sexualidade

A identidade de gênero é a percepção que uma pessoa tem a respeito de si mesma. Ela pode se enxergar como alguém do sexo masculino, feminino, uma combinação de ambos ou até mesmo nenhum. A identidade reflete a compreensão que a pessoa tem a respeito de si mesma e demonstra como ela deseja ser vista socialmente.

A relação entre gênero e sexualidade é profunda, mas não é simples. Enquanto o gênero diz respeito à identidade interna de uma pessoa, a sexualidade está relacionada ao que a pessoa sente em termos de atração sexual. Alguém pode ser transgênero e heterossexual, bissexual ou pansexual, assim como uma pessoa cisgênero pode ter qualquer orientação sexual. Veja a seguir algumas das possibilidades de identidade de gênero:

1. Pessoas Cisgênero

Pessoas que se identificam com o gênero atribuído ao nascimento são chamadas de cisgêneros. Um homem cis é aquele que foi designado do sexo masculino ao nascer e se identifica como homem. Da mesma forma, uma mulher cis foi designada do sexo feminino ao nascer e se identifica como mulher. O cisgênero é, portanto, o termo oposto a transgênero, referindo-se a quem se identifica com o gênero atribuído ao nascimento.

2. Pessoas Transgênero

Pessoas transgênero são aquelas cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo que lhes foi atribuído ao nascimento. Por exemplo, uma pessoa designada como mulher ao nascer, mas que se identifica como homem, seria um homem trans. A transgeneridade abrange uma variedade de experiências e identidades, e muitas vezes as pessoas trans enfrentam desafios significativos relacionados à aceitação e ao preconceito social.

Queer: O Que É?

O termo "queer" é utilizado para descrever pessoas cuja identidade de gênero ou orientação sexual não se alinha às normas tradicionais e socialmente aceitas. Em vez de se conformar às categorias convencionais de gênero e sexualidade, as pessoas que se identificam como queer preferem adotar uma perspectiva mais fluida e aberta, que não exige rótulos fixos ou definições rígidas. Isso inclui indivíduos que não se encaixam nas categorias binárias de "homem" ou "mulher", ou que não se identificam exclusivamente com a heterossexualidade.

Originalmente, a palavra "queer", que em inglês significa "estranho" ou "excêntrico", era usada de forma pejorativa, sendo empregada como um insulto para xingar pessoas cujas sexualidades ou expressões de gênero eram vistas como fora da norma. No entanto, ao longo do tempo, essa palavra passou por um processo de ressignificação. Em vez de ser uma expressão de discriminação, "queer" foi apropriada pela comunidade LGBTQIA+ como uma forma de autoidentificação empoderada. Ao ser reapropriada, ela deixou de ser um termo depreciativo para se tornar um símbolo de resistência e liberdade.

Hoje, queer é um conceito abrangente e flexível, que rejeita a ideia de que a identidade de gênero ou a orientação sexual deve ser limitada a categorias fixas. As pessoas queer podem ter experiências de sexualidade e identidade de gênero que não se enquadram nas convenções tradicionais de homossexual, heterossexual, cisgênero ou transgênero. Esse conceito de fluidez permite que os indivíduos explorem e vivenciem sua identidade de maneira mais autêntica e pessoal, sem a pressão de se encaixar em uma definição pré-estabelecida.

Além de ser uma forma de autoidentificação para aqueles que não se reconhecem nas normas convencionais, o termo queer também serve como uma crítica às construções sociais rígidas de gênero e sexualidade. Ele questiona e desafia as normas heteronormativas que dominam a sociedade, abrindo espaço para uma maior aceitação da diversidade. Ao adotar o termo queer, muitos buscam, não apenas a liberdade pessoal de expressão, mas também uma mudança cultural mais ampla, onde a identidade sexual e de gênero possa ser mais fluida e menos sujeita a estigmas e marginalização.

Portanto, a palavra queer representa muito mais do que uma identidade específica dentro da comunidade LGBTQIA+; ela simboliza um movimento de liberdade e de quebra de barreiras sociais. É um convite à reflexão sobre como as normas de gênero e sexualidade são impostas e como elas podem ser desafiadas, para que cada pessoa possa viver de acordo com sua verdadeira essência, sem medo de ser rotulada ou limitada por convenções externas.

A Psicanálise e Sexualidade

A psicanálise, campo do conhecimento desenvolvido por Sigmund Freud, tem uma relação intrínseca com a sexualidade humana e traz uma abordagem diferenciada para entender os desejos, comportamentos e a formação da identidade sexual. Freud propôs que grande parte do comportamento sexual é influenciado por impulsos inconscientes que emergem da dinâmica interna da psique. De acordo com a teoria psicanalítica, a sexualidade humana está intimamente ligada ao desenvolvimento psíquico, e é formada por experiências passadas junto com fatores inconscientes. Teorias como a do Complexo de Édipo e a dinâmica da libido desempenham papéis fundamentais na constituição da identidade sexual, influenciando os desejos e a forma como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e com os outros.

A psicanálise trabalha com a teoria da libido para entender o desenvolvimento da sexualidade. Freud considerava a libido, ou energia sexual, como uma força central na vida psíquica, presente em diferentes estágios do desenvolvimento humano. Segundo ele, a maneira como essa energia é direcionada ao longo da infância e adolescência tem um impacto profundo na forma como a sexualidade se expressa na vida adulta. E a libido não se limitaria ao desejo sexual, ela também estaria envolvida em várias outras áreas da experiência humana, como a atração, o desejo e até as preferências nas relações interpessoais. A dinâmica da libido, portanto, vai além do ato sexual, abrangendo a forma como os indivíduos buscam satisfação emocional e psíquica.

Outra teoria importante que relaciona a psicanálise à sexualidade é o Complexo de Édipo, que se tornou um dos conceitos mais conhecidos da psicanálise. Ele descreve uma fase do desenvolvimento infantil em que os meninos vivenciam sentimentos ambivalentes de desejo e hostilidade em relação à mãe. O correspondente do Complexo de Édipo para as meninas seria o Complexo de Electra.

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Freud sugeriu que, durante essa fase, a criança experimenta um desejo inconsciente pelo genitor do sexo oposto e uma rivalidade com o genitor do mesmo sexo. A resolução bem-sucedida desse complexo é considerada fundamental para o desenvolvimento saudável da identidade sexual e para a capacidade de formar relações afetivas e amorosas na vida adulta. Embora esse conceito tenha gerado debates acalorados, ele permanece um pilar importante da psicanálise e ainda influencia a compreensão de como a sexualidade se desenvolve ao longo da vida.

Para entender melhor a relação entre psicanálise e questões da sexualidade, acesse o curso Psicanálise e Sexualidade, da Casa do Saber+. Nas aulas, a psicanalista Natália Pereira Travassos busca aprofundar a compreensão da sexualidade, fazendo um panorama histórico sobre o tema, desde os primeiros estudos que antecederam as pesquisas freudianas até as contribuições da psicanálise para o discurso contemporâneo sobre sexualidade.



Conclusão

Os tipos de sexualidade são múltiplos e refletem a diversidade da psique humana. Estudar o tema é essencial para entender que cada pessoa tem o direito de explorar sua sexualidade e identidade de gênero da maneira que melhor se alinha com sua vivência e sentimentos. A orientação sexual varia de pessoa para pessoa, e a aceitação dessas diferenças é vital para a construção de uma sociedade inclusiva e respeitosa. Nesse sentido, a educação sobre esses temas, incluindo conceitos como identidade de gênero, cisgênero, assexualidade, contribui para superar os preconceitos e estabelecer a compreensão necessária para o respeito às diversas formas de ser.

Perguntas Frequentes sobre Tipos de Sexualidade

Quais são as principais diferenças entre orientação sexual e identidade de gênero?

A orientação sexual refere-se ao tipo de atração emocional, afetiva ou sexual que uma pessoa sente por outra. Por exemplo, uma pessoa pode se identificar como heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual, entre outras. Já a identidade de gênero diz respeito à percepção que uma pessoa tem de si mesma em relação ao gênero, podendo ser masculino, feminino, uma combinação de ambos ou nenhum. A identidade de gênero pode ou não coincidir com o sexo atribuído ao nascimento, enquanto a orientação sexual está relacionada às preferências e atração por pessoas de diferentes sexos ou gêneros.

O que significa ser um homem cis ou uma mulher cis?

Ser um homem cis ou uma mulher cis significa que a identidade de gênero da pessoa está alinhada com o sexo que lhe foi atribuído ao nascer. No caso de um homem cis, ele foi designado do sexo masculino ao nascer e se identifica como homem. Da mesma forma, uma mulher cis foi designada do sexo feminino ao nascer e se identifica como mulher. O termo "cisgênero" é usado para descrever pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo biológico atribuído a elas, em contraste com pessoas transgêneras, que não se identificam com o sexo designado ao nascimento.




Referências

https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/583362/3/Manual%20de%20Orienta%C3%A7%C3%B5es%20sobre%20G%C3%AAnero%20e%20Diversidade%20Sexual.pdf

https://g1.globo.com/pop-arte/diversidade/noticia/2024/06/23/entenda-o-que-e-ser-queer.ghtml

Autores

O quanto você acredita que suas percepções são capazes de interferir na forma como você vê o mundo e entende a realidade? É exatamente essa uma das principais ideias desenvolvidas por David Hume, filósofo escocês do século XVIII.

Neste texto, você vai conhecer os conceitos centrais como o hábito, o ceticismo, a crítica à causalidade e a valorização do conhecimento empírico. Além de entender por que Hume continua sendo uma referência para a filosofia contemporânea.

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Quem foi David Hume?

David Hume nasceu em Edimburgo, na Escócia, em 1711, e foi um dos principais pensadores do Iluminismo.

As suas contribuições mais relevantes foram principalmente na abordagem da natureza do conhecimento humano e a crítica à metafísica.

Hume cresceu em um lar religioso e, tanto em casa quanto na universidade, recebeu uma educação voltada para uma vida de virtude, baseada nas tradições calvinistas escocesas.

Apesar de ter estudado Direito na Universidade de Edimburgo entre 1724 e 1726, Hume achava o Direito, em suas palavras, “enjoativo” e voltou sua atenção para os conhecimentos em literatura, economia e filosofia.

Entretanto, as ideias de David Hume ficaram conhecidas pelo ceticismo e suposto ateísmo quando passou a criticar racionalmente a religião e rejeitar argumentos teístas, como a existência de Deus.

Hume vivenciou o século XVIII, que foi marcado por revoluções como a Revolução Francesa, a Revolução Americana, e uma grande efervescência intelectual, principalmente com o Iluminismo.

Dentro deste cenário intelectual e político, as ideias do empirismo e do ceticismo inspiraram Hume, que foi um forte crítico do racionalismo cartesiano. Suas ideias tiveram influência em Kant e Auguste Comte.

David Hume faleceu em 1776, de câncer de intestino. Entretanto, antes de falecer, se preocupou com a preparação de sua obra póstuma, e mais controversa, Diálogos sobre a Religião Natural , além de escrever uma breve autobiografia, Minha Própria Vida.

Principais obras de Hume:

  • Tratado da Natureza Humana (1739-40);
  • Ensaios Morais e Políticos (1742);
  • Ensaio sobre o Entendimento Humano (1748);
  • Investigações sobre o Princípio da Moral (1751);
  • Minha Vida (1776).


David Hume e o empirismo cético

David Hume foi um dos principais nomes do empirismo moderno e sua ideia principal é que todo o conhecimento humano deriva da experiência sensível.

Conhecido por seu ceticismo quanto à natureza e a justificativa de determinadas formas de conhecimento, ele trouxe uma perspectiva diferente para a natureza do conhecimento.

Contextualizando o desenvolvimento da filosofia de Hume, enquanto René Descartes desenvolvia o racionalismo, o empirismo ganhava força, principalmente na Inglaterra, trazendo uma teoria diversa da origem das ideias.

Para os filósofos empiristas, todas as ideias vêm da realidade, na qual se pode experimentar o mundo e interagir com ele por meio dos sentidos. Dois autores que se debruçaram sobre essa vertente foram John Locke e David Hume.

Retratos de John Locke e David Hume lado a lado, pensadores centrais do empirismo e do iluminismo
John Locke e David Hume, da esquerda para a direita.

Diferentemente de Locke, que foi contemporâneo de duas grandes revoluções políticas inglesas, Hume vivenciou grandes transformações e esse momento histórico foi fundamental para o desenvolvimento de sua filosofia.

Segundo o professor Franklin Leopoldo e Silva comenta na segunda aula do curso “Trilha da Filosofia | 4º Temporada”, a principal diferença entre os dois pensadores é a teoria da associação das ideias, que se tornou muito importante para a ciência, em especial, para o campo da psicologia.

Enquanto John Locke acreditava que as ideias eram adquiridas por percepção, obtidas por sensação e reflexão; David Hume dizia que as ideias e as percepções se associam e produzem novas ideias.

Para Hume, todo o conhecimento humano deriva da experiência sensível: as impressões (vívidas e imediatas) são a base de onde se originam as ideias, que são cópias dessas impressões.

Ele categoriza as percepções e ideias em três princípios:

  • semelhança;
  • contiguidade;
  • causalidade.


Desse modo, David Hume vai de encontro com o inatismo, pois, para ele, essas relações são aprendidas através da experiência.

Além disso, ele também faz uma crítica à razão como única fonte confiável de conhecimento. Para ele, a razão é limitada e pode levar a conclusões que não encontram respaldo na experiência.

Portanto, o empirismo cético de Hume questiona tanto os princípios racionalistas quanto as certezas metafísicas.

Então, David Hume propõe uma filosofia que compreende as limitações do entendimento humano e valoriza a observação e a experiência como elementos validadores do conhecimento.

Basicamente, o ceticismo filosófico de Hume se volta para o questionamento da razão e da preocupação com os limites do conhecimento.



Ceticismo e a crítica à causalidade em David Hume

Um exemplo marcante do pensamento de Hume é a crítica ao princípio de causalidade, que, para ele, não é algo inato ao homem.

Para Hume, a ideia de causa e efeito não possui fundamento racional, mas sim psicológico, referente ao hábito e a experiência da mente.

A ideia de Hume sobre o hábito psicológico de esperar determinados resultados após eventos recorrentes é resultado de um ceticismo que não nega o conhecimento, mas impõe limites a ele. Sendo assim, só se pode confiar no que pode ser confirmado pela experiência.

Para exemplificar, vamos nos perguntar: o que aconteceria se o Sol não nascesse?

Vamos fazer uma análise empírica da expectativa do nascer do sol, um exemplo clássico do hábito de pensar.

O Sol nascerá amanhã e ninguém duvida disso. No entanto, segundo Hume, do ponto de vista empírico da origem das ideias, não há nada que comprove que o Sol nascerá amanhã.

A ausência da dúvida de que o Sol vai nascer acontece porque desde a origem dos tempos isso se repete dia após dia. Portanto, nós adquirimos o hábito de ver o Sol nascer repetidamente todas as manhãs. Então não temos nenhuma dúvida de que isso vai acontecer.

Apesar do nascer do Sol ser um fenômeno compartilhado pela percepção comum e uma força natural, essa ideia não é lógica e racional, uma vez que não podemos afirmar que vai ocorrer novamente amanhã.



O que é, então, o hábito?

De acordo com o professor Franklin Leopoldo e Silva, “as ideias que nós julgamos destacadas no mundo da realidade vêm do hábito de pensar. Todos nós temos como característica principal o hábito de pensar.

E esse processo acontece a partir do momento em que as percepções são absorvidas pela mente e tornam-se hábitos, o que nos faz pensar de acordo com esses hábitos.

“O hábito é o grande guia da vida humana” - David Hume

Retomando o exemplo anterior, caso o Sol não nasça amanhã, o mundo sofreria uma quebra de expectativa que romperia com um hábito, o de pensar, que nós adquirimos a partir da percepção e repetição do evento do nascimento do Sol.

Por isso, não existe um fundamento no empirismo cético que permita garantir o nascimento do Sol. É possível “prever” este acontecimento, devido à repetição do evento e ao hábito adquirido por essa expectativa.

Então, o hábito é essencial para a construção sólida do conhecimento. Portanto, a causalidade, baseada em experiências repetidas, não pode garantir com certeza eventos futuros.

A crítica à ideia de “eu” como substância em David Hume

David Hume questiona a ideia convencional do “eu” como uma substância permanente e indivisível. Contrapondo-se à metafísica clássica, Hume diz que o "eu" não é algo fixo ou substancial, mas uma sucessão de percepções temporais.

Para ele, na consciência humana o que se encontra são percepções em constante fluxo (impressões): sensações, pensamentos, emoções.

Portanto, a ideia de um "eu" constante e unitário, segundo ele, é uma construção mental criada pelo hábito para dar continuidade ao que é descontínuo.

Essa visão rompe com séculos de tradição filosófica que sustentavam uma alma ou substância pensante como essência do sujeito.

Como aponta Scruton, essa postura leva a uma forma de ceticismo acerca da identidade pessoal, ao mostrar que a crença em um “eu” permanente é formada apenas pela memória e pela associação de ideias, evidenciando a fragilidade das certezas sobre o “quem sou”.

A Teoria Moral de Hume

David Hume propõe que a moralidade não se baseia na razão, mas no sentimento, revolucionando, assim, a filosofia moral.

Ele foi de encontro à tradição racionalista, que via os princípios morais como deduções da razão pura, como defendido por Descartes e Kant.

Para Hume, o bem e o mal não são não são propriedades objetivas nas ações ou nas pessoas, na verdade são reflexos das emoções provocadas por algo ou alguém.

Em Uma Investigação Sobre os Princípios da Moral, Hume argumenta que a razão é “escrava das paixões”, porque ela pode fornecer informações sobre os meios para atingir certos fins, mas são os sentimentos que determinam os fins e a aprovação ou não das ações.

Capa do livro 'Uma investigação sobre os princípios da moral', de David Hume
Capa da obra 'Uma investigação sobre os princípios da moral', de David Hume — Fonte: Reprodução

Ou seja, a razão é um instrumento da paixão, enquanto os sentimentos são que conduzem os juízos morais. Dessa forma, o julgamento de determinada ação como boa ou não é uma reação afetiva, não um pensamento lógico.

A moral, para Hume, é construída a partir da simpatia, esta é uma capacidade humana de se colocar no lugar do outro, entendê-lo e partilhar sentimentos.

É esse mecanismo psicológico que permite a compreensão do bem e do mal e, consequentemente, serve de base para os juízos morais.

Portanto, para ele, não existe um fundamento racional absoluto que justifique os valores morais, porque eles são fruto da natureza humana e da convivência social.

Rompendo com a rigidez racionalista, Hume valoriza a complexidade emocional da vida ética e reconhece os limites da razão na formação do juízo moral.

Qual a importância de David Hume para a ciência moderna?

As ideias de David Hume tiveram um forte impacto na filosofia moderna, especialmente quanto a Immanuel Kant.

Uma vez que Hume questionou os fundamentos da causalidade, da identidade pessoal e da moralidade racional, ele abalou as bases do racionalismo. Foi sua crítica ao princípio de causalidade que levou Kant a dizer que Hume o “despertou do sono dogmático”.

Com isso, Kant buscou estabelecer novos fundamentos para o conhecimento, equilibrando razão e experiência (racionalismo e empirismo). Assim, a filosofia kantiana nasce do confronto direto com o ceticismo.

Ao passo que Hume impôs limites à razão e à metafísica especulativa, abriu espaço para uma filosofia crítica, que questiona as certezas absolutas.

Tão fortes são as ideias de David Hume que até hoje influenciam a filosofia contemporânea, principalmente, ao trazer uma nova perspectiva do “eu”.

Perguntas frequentes:

Qual método David Hume defendia?

David Hume utilizou o método empírico para desenvolver suas ideias, o qual afirma que o conhecimento deriva da observação da experiência sensível.

Ele aplicava esse método empirista com uma postura cética, principalmente ao investigar conceitos como causalidade, identidade pessoal e substância.

Portanto, seu método era uma combinação de empirismo e ceticismo, especialmente voltado para os limites do entendimento humano e contrário à metafísica especulativa sem base na experiência.

Qual a principal ideia de David Hume?

Resumidamente, a principal ideia de David Hume é que todo conhecimento humano vem da experiência sensível e existem limites na utilização da razão para explicar a realidade.

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Referências:

Curso da Casa do Saber - Trilha da filosofia | Temporada 4 - Aula 02: O empirismo em Locke e Hume.

SCRUTON, Roger. Introdução à filosofia moderna

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. David Hume.

Vários autores. História das grandes ideias do mundo ocidental. Volume 2.

Provavelmente você já ouviu ou leu a frase “Penso, logo existo”. Uma das mais célebres frases da filosofia moderna pertence a René Descartes, um homem que foi filósofo, matemático e físico e teve contribuições fundamentais para a ciência moderna.

Neste texto você vai conhecer mais sobre a vida deste filósofo racionalista, seus principais princípios filosóficos e contribuições que estão presentes na nossa vida até os dias de hoje.

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Quem foi René Descartes?

René Descartes foi um filósofo, matemático e físico francês. Nasceu em 31 de março de 1596, na antiga La Haye, na França, agora La Haye-Descartes em sua homenagem.

Conhecido como o "pai da filosofia moderna", ele propôs uma nova perspectiva sobre o pensamento, baseado na razão e na dúvida metódica.

Desde a infância, Descartes teve contato com uma educação rica e de qualidade. Estudou no colégio jesuíta de La Flèche, onde aprendeu filosofia escolástica.

Posteriormente, formou-se em Direito na Universidade de Poitiers, apesar de não ter exercido a profissão.

Contudo, Descartes entendia que a escolástica não o levaria para um conhecimento indubitável. Então seu interesse se voltou para a matemática, a filosofia e as ciências naturais.

Ele foi de encontro com o pensamento aristotélico ao propor uma ciência unitária e universal, que seria pilar para o método científico moderno.

Descartes viveu em um período de grandes transformações. Ele vivenciou o fim da Idade Média e o início da modernidade, período no qual o pensamento era baseado na autoridade da Igreja e das tradições.

Por ter sido uma época marcada pelas descobertas científicas, mudanças religiosas e conflitos políticos, começou a ocorrer uma mudança quanto ao pensamento tradicional vigente.

Nesse contexto, Descartes propôs um novo método de investigação que valorizava a razão e a lógica acima de tudo.

Ao longo de sua vida, Descartes escreveu obras que influenciaram não só a filosofia, mas também a ciência e a matemática.

Entre as principais obras de Descartes estão:

  • Discurso do Método (1637)

  • Meditações Metafísicas (1641)

  • Princípios da Filosofia (1644)



Descartes recebeu um convite, em 1649, para ser conselheiro e professor da rainha Cristina, em Estocolmo, Suécia. Ele faleceu em 1650, de pneumonia.

O racionalismo cartesiano e a dúvida metódica

René Descartes recebeu o status de fundador do racionalismo moderno. Ele tinha como proposta filosófica estabelecer um conhecimento seguro e verdadeiro, baseado na razão.

Para isso, desenvolveu um procedimento rigoroso conhecido como dúvida metódica.

Também conhecido como método da dúvida, este é um modelo de investigação rigorosa que consiste em colocar sob suspeita todas as crenças, mesmo aquelas que já são tidas como certezas, que possam ser passíveis de dúvida.

Descartes propõe que antes de aceitar qualquer ideia como verdadeira é necessário examiná-la criteriosamente, questionando sua origem e seus fundamentos.

E esses questionamentos também se referem às informações obtidas pelos sentidos – que podem ser enganosas –, as crenças aprendidas na infância e até mesmo as verdades matemáticas.

O ponto-chave da sua proposta filosófica são as ideias inatas, as quais são verdades que estão na mente humana desde o nascimento e que são independentes da experiência sensível. Para exemplificar, a noção de Deus e da perfeição. Este método também ficou conhecido como método cartesiano.

Pode-se chamar essa dúvida de método porque, para Descartes, a dúvida é uma ferramenta para a construção do conhecimento. E a razão deve ser aplicada de forma ordenada e lógica, organizando os problemas dos mais simples para os mais complexos.

Então, para ele, a dúvida de forma radical deveria ser aplicada, pois, assim, atingiria-se um ponto seguro do conhecimento que temos.

Tamanha era a preocupação do filósofo que ele questionou a própria existência, chegando à famosa frase “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum), a qual é a conclusão do argumento do cogito, a primeira certeza inabalável.

Portanto, o racionalismo cartesiano afirma que a razão é o único caminho confiável para atingir o conhecimento verdadeiro.

O método cartesiano influenciou profundamente a ciência moderna, a filosofia e a forma como pensamos sobre o mundo até hoje.


“Penso, logo existo”: significado e impacto

A frase “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum) é uma das mais conhecidas de Descartes e da história da filosofia.

Foi através dela que René Descartes traçou o caminho para a busca por um conhecimento que não pudesse ser colocado em dúvida.

Na verdade, essa frase é a conclusão do argumento do cogito.

O argumento do cogito

Ao adotar a dúvida metódica como método, Descartes questiona tudo: os sentidos, as crenças, as ideias inatas, aquelas colocadas por Deus na mente humana, e até mesmo os princípios da matemática.

No entanto, o próprio fato de pensar, mesmo que duvide, já prova a existência do sujeito enquanto pensamento.

Assim, o cogito se tornou a primeira certeza indiscutível: se penso, logo existo.

René Descartes trouxe para a discussão uma nova perspectiva do ponto de partida do conhecimento: a razão. Isso rompia com a tradição filosófica que antes se apoiava em autoridades externas, tradições ou experiências sensoriais.

A dúvida radical é fundamental para esse pensamento porque, mesmo que a convicção do indivíduo seja falsa, ele a está questionando e isso, por si só, prova a sua existência na condição de sujeito pensante.

Portanto, sendo provado que o sujeito é pensante, isso se torna uma verdade que fundamenta seu pensamento filosófico para a construção do edifício do conhecimento.

A partir da certeza do cogito, Descartes busca demonstrar e fundamentar a existência de Deus para validar a confiabilidade do mundo exterior – sempre partindo da razão.

O cogito inaugura uma nova forma de pensar, focada no sujeito e em sua capacidade de reflexão. Desta forma, Descartes estabelece a consciência do indivíduo como base da construção do saber.

Essa ideia impacta a filosofia e outras áreas, como a ciência, a psicologia e a própria noção de sujeito moderno.

A confiança na razão e na autonomia do indivíduo, discutidas no cogito, moldaram a percepção do ser humano na modernidade, instigando o caráter investigativo.

Em resumo, a conclusão “penso, logo existo” extrapola a frase filosófica. Ela é o começo para compreender o mundo e a si mesmo sob um novo olhar.



Dualismo mente e corpo: a separação entre “res cogitans” e “res extensa”

A teoria do dualismo proposta por Descartes diz que existem duas substâncias distintas na realidade: a mente (res cogitans) e o corpo (res extensa).

A res cogitans é a substância pensante, imaterial, consciente e racional, ou seja, a mente. Portanto, é a parte responsável pelo pensamento, pela dúvida, pela compreensão, pelo desejo e pelo sentimento.

Entretanto, a res extensa é a substância material, que tem forma e que se submete às leis da física, isto é, o corpo.

Descartes dizia que a mente é invisível e indivisível, enquanto o corpo é visível e divisível.

Embora mente e corpo sejam substâncias de naturezas diferentes, elas interagem nas sensações e emoções. Apesar de serem partes distintas (res cogitans e res extensa), estão interligadas.

Segundo Descartes, a comunicação entre essas substâncias acontece por meio da glândula pineal, localizada no cérebro, onde os pensamentos influenciam as ações do corpo e a recíproca é verdadeira.

O princípio do dualismo mente e corpo contribuiu para uma mudança importante no modo como essas substâncias passaram a ser abordadas na ciência: a mente passou a ser estudada pela filosofia, enquanto o corpo e os fenômenos físicos se tornaram objeto da ciência moderna.

Essa distinção não só permitiu o avanço de áreas como a medicina e a matemática, como também contribuiu para o desenvolvimento da psicologia e da nossa compreensão sobre a subjetividade humana.

Descartes na matemática, física e pensamento científico

As ideias de Descartes tiveram grande influência no desenvolvimento da matemática, da física e da ciência moderna como um todo.

Quando Descartes propôs uma busca pelo conhecimento verdadeiro por meio da razão, ele contribuiu com a fundamentação racionalista do método científico e modificou a compreensão que temos da natureza.

Na matemática, sua principal contribuição foi a criação da geometria analítica, que uniu a álgebra e a geometria em um único sistema.

Isso permitiu representar elementos geométricos, como retas, pontos, circunferências, por meio de equações, o que possibilitou descrever fenômenos naturais com precisão matemática.

Os conhecidos eixos cartesianos são fundamentais para diversas áreas da ciência e da engenharia.

Já na física, Descartes propôs uma visão mecanicista do mundo, rompendo com a visão aristotélica. Ele acreditava que a natureza funciona como uma máquina, obedecendo a leis mecânicas (matemáticas e racionais), descartando o sobrenatural.

Com isso, trouxe a ideia de que os fenômenos físicos podem ser explicados através das causas eficientes (colisões e movimento de partículas materiais), o que teve impacto direto para a física moderna.

Por último, mas não menos relevante, sua colaboração com o pensamento científico está diretamente ligada à valorização do método.

Segundo Descartes, o conhecimento deve seguir um raciocínio lógico e ordenado, com base em evidências claras e objetivas, guiando o ideal de objetividade que orienta as ciências até os dias atuais.

Quando René Descartes elaborou um pensamento que unia razão, clareza conceitual e método, ele estabeleceu fundamentos capazes de orientar a investigação científica, que ainda são utilizados no mundo moderno.

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Críticas e limitações do pensamento cartesiano

O pensamento cartesiano não só exerceu influência na filosofia e nas ciências modernas, como também recebeu críticas importantes, sobretudo de visões contemporâneas.

Um dos pontos de crítica é o seu dualismo mente e corpo, res cogitans e res extensa, como substâncias distintas e independentes.

Para alguns críticos, essa divisão gera dificuldades em explicar como duas naturezas tão diferentes poderiam interagir.

A tentativa de Descartes de resolver isso por meio da glândula pineal não foi muito aceita. Filósofos como Espinosa e Leibniz buscaram alternativas para superar essa divisão e defender uma visão mais integrada da realidade.

Outro questionamento sobre as ideias de Descartes volta-se para o racionalismo cartesiano excessivo.

Quando René Descartes prioriza a razão como fonte do conhecimento, ele desconsidera a relevância das outras experiências: dos sentidos, da vivência e do contexto histórico como parte fundamental da construção do conhecimento.

Alguns filósofos conhecidos que contrapuseram essa ideia são dois empiristas, John Locke e David Hume. Eles argumentaram que todo conhecimento tem origem na experiência sensível.

Agora, na contemporaneidade, a crítica ao racionalismo cartesiano expressa a necessidade de repensar o sujeito de forma mais complexa, pois não é possível ignorar os contextos culturais, sociais e históricos aos quais ele pertence.

Apesar dessas limitações e questionamentos, o pensamento cartesiano continua relevante. Sua influência foi tão forte que correntes filosóficas se formaram a partir das críticas e das dúvidas que vieram de suas ideias, como o empirismo.

E não seria essa a proposta inicial do pensamento cartesiano? Questionar tudo, até mesmo as crenças que são tidas como verdades? Provavelmente, ele estaria feliz com o resultado de suas ideias e de suas questões em aberto.

Por que ainda estudamos Descartes hoje?

René Descartes continua até hoje sendo referência e provocando reflexões fundamentais sobre a razão, a dúvida e o conhecimento.

O método cartesiano teve forte influência na investigação filosófica, científica e epistemológica, trazendo o sujeito pensante para o centro da busca pela verdade.

Sua proposta de começar o saber pela suspensão de todas as certezas abriu caminho para uma filosofia mais crítica e autônoma, inclusive favoreceu o surgimento de ramos da filosofia que tentavam se inspirar, como o Iluminismo, ou ressignificá-lo.

Ainda que tenham sido refutadas e recebido críticas, as ideias de Descartes não só influenciaram como ainda influenciam a construção do conhecimento, a ciência e a sociedade.

Estudar Descartes é voltar às raízes do pensamento moderno como um guia para compreendermos o que é o conhecimento e a nossa existência. Além de ser um convite para a autocrítica para refletirmos sobre como pensamos e como lidamos com a dúvida.

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A psicanálise de Wilfred Ruprecht Bion analisa a mente em grupo e a formação das emoções através do autoconhecimento. Além de ter produzido uma teoria sobre o funcionamento da personalidade, W. Bion criou a perspectiva que defende uma psicanálise aplicada para além do inconsciente, na medida em que os aspectos conscientes também revelariam o mundo dos sujeitos.

Para compreender os seus principais conceitos e percorrer sobre as particularidades da sua história, confira:



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Quem foi Wilfred Bion?

Nascido em 1897 em Penjab, na Índia, Bion foi criado até os sete anos por uma ama indiana, Ayah, que exerceu grande influência sobre seus estudos e interesses educacionais. Com uma família pouco estruturada, Bion foi enviado a um colégio interno na Inglaterra aos oito anos, no entanto, teve dificuldades de adaptação por conta da rigidez institucional e da solidão, uma vez que seus pais e irmã raramente o visitavam.

Para auxiliar no seu processo de sociabilidade, Wilfred passou a praticar esportes como natação e rugby, se tornando capitão de equipes. Além disso, ingressou nas Forças Armadas e atingiu patente de capitão, chegando a ser condecorado em função do seu desempenho. Com o final da I Guerra Mundial, Bion passa a desenvolver seus estudos em História na Universidade de Oxford, onde se aprofunda nos estudos filosóficos, com especial atenção ao empirismo inglês de Immanuel Kant.

O interesse na História Moderna e na Teologia, impulsionaram W. Bion a cursar Medicina na University College London e se tornar psicanalista. Trabalhos como o de Sigmund Freud despertaram o interesse para a prática clínica, assim como William Shakespeare, que o inspirou através dos estudos artísticos e estéticos.

Pioneiro na criação da terapia em grupo para militares, Bion buscava auxiliar no processo de reabilitação psíquica dos sujeitos após o elemento traumático.

Após formado, se qualifica em psicoterapia psicanalítica na Clínica Tavistock em Londres, onde entra em contato com o trabalho de Donald Winnicott e Herbert Rosenfeld. Foi somente em meados de 1946 que W. Bion entra em análise de treinamento com Melanie Klein, se tornando, em 1950, membro pleno da Sociedade Psicanalítica Britânica.

Nesse contexto, Bion produz estudos sobre as dinâmicas de grupo e o trabalho psicanalítico em pacientes com transtornos psicóticos, pois defendia que a sociedade tem uma tendência inata ao desejo de conhecimento e do saber.


Bion: a relação com outros psicanalistas e influências

Com o trabalho de Melanie Klein – referência nos estudos sobre escuta e desenvolvimento humano –, Bion se aprofunda na psicanálise, sobretudo em relação à vida psíquica primitiva, à identificação projetiva e ao desenvolvimento do pensamento.

Para o psicanalista, interessava compreender como a mente humana aprende a pensar.

Com Freud e a teoria do princípio do prazer e da realidade, W. Bion avança ao sugerir que o pensamento se dá justamente para que o indivíduo saiba lidar com a frustração da ausência do objeto desejado.

Esse processo é o que Bion denomina por aprendizado pela experiência: a psique se desenvolve no exercício de suportar as frustrações da vida e criar formas de compreendê-las.

Caso contrário, ao invés de pensar e processar a informação, o sujeito continuaria despejando impulsivamente seus estados emocionais, o que permitiria, segundo o psicanalista, uma abertura à patologias psíquicas.


O que diz a teoria de Wilfred Bion?

Ao trafegar por suas ideias, Bion deixa claro que não se preocupa em criar teorias, pois o seu objetivo maior estaria centrado em orientar o processo de análise do paciente a partir da experiência emocional.

No entanto, quando compara-se a sua perspectiva com a psicanálise clássica, é notório que a sua visão avança no que se refere a um processo de análise que não se dá somente a partir do analista, mas, sobretudo, a partir do sujeito analisado.

Para ele, não se trata da busca pela origem do trauma ou das fantasias do indivíduo, mas de uma expansão da capacidade de reflexão do sujeito em um universo que está em constante movimento. Nesse sentido, o que o psicanalista sugere, é que o processo analítico seja realizado principalmente pelo analisado, a partir das suas descobertas, verdades e contradições. Assim, o psicanalista auxilia o paciente no processo, não como um agente central, mas como um guia.

Para o autor, o pensamento humano se transforma em uma máquina de pensar por conta do acúmulo de experiências, sensações e percepções.

Desse modo, seria através dos processos de internalização dos pensamentos, que a compreensão de mundo do sujeito ganharia forma, no qual o indivíduo construirá suas próprias impressões, dotando-as de significado e experiência.

Quais os principais conceitos de Wilfred Bion?

Mesmo que o autor sugira que não há uma teoria em específico a seguir, alguns conceitos são centrais para o processo de compreensão de sua obra. Nesse aspecto, foram diversas as contribuições de W. Bion, algumas, em particular, merecem destaque pelo aprofundamento nos estudos psicanalíticos.

Teoria do Pensamento

Ainda na década de 1940, Bion desenvolve a Teoria do Pensamento a partir dos estudos de Freud e Klein. Em sua perspectiva, o pensar surge como uma saída, uma solução, para se lidar com a frustração no indivíduo.

Nesse sentido, a frustração, a não realização, é o primeiro passo para a origem do pensamento que, por sua vez, irá construir o aparelho psíquico. Em outras palavras, para Bion, o pensamento é precursor. Assim, o aparelho psíquico existe para dar resposta à necessidade do pensar.

“O pensamento está em busca de um pensador” (W. Bion)


Bion defende que a primeira frustração ocorre a partir da “experiência do não seio”, caracterizada pela percepção do bebê em não encontrar, instintivamente, o seio materno. A partir dessa não realização, o bebê desenvolverá o que ele denomina por Protopensamento, ou seja, uma primeira manifestação da capacidade do pensar, dando, então, condições para a elaboração dos pensamentos, para a produção dos sonhos e das funções do intelecto.

Função Alfa e Função Beta

Nesse caminho, se o bebê lidar de forma positiva com a frustração, ocorrerá o pensamento em si, gerando, assim, a capacidade de tolerância do indivíduo. Esse processo é denominado por W. Bion por Função Alfa, ou seja, trata-se da constituição de uma compreensão das necessidades humanas a partir da primeira frustração.

Há, ainda, experiências que não puderam ser pensadas ou vividas pelo indivíduo, provocadas pela incapacidade de tolerar a frustração. A esses elementos, Bion denomina por Função Beta, compreendida como as experiências sensoriais primitivas que não foram elaboradas como positivas pelo bebê, e que geram uma espécie de agitação motora, ou seja, o excesso de sensações.

Em outras palavras, para ele, os elementos beta são armazenados não como forma de memória, mas como fatos e situações não digeridas, enquanto os elementos alfa foram digeridos e processados pelo indivíduo.

Teoria do Continente e Conteúdo

Outra perspectiva de W. Bion que merece destaque, é a Teoria do Continente e Conteúdo – um dos conceitos centrais da psicanálise contemporânea, que se refere à relação entre mãe e bebê.

Para o autor, o bebê nasce repleto de experiências sensoriais intensas, com baixa capacidade de organizá-las cognitivamente. Nesse sentido, um dos principais papéis da figura da cuidadora primária, é o de “conter” as necessidades orgânicas e emocionais, os medos e angústias do bebê.

A mãe, então, age como continente das emoções do bebê, sendo os conteúdos, a própria experiência da criança. Se a mãe transforma as angústias e as sensações do bebê em pensamentos e experiências, ela auxiliará no processo de aprendizagem e produção de autoconhecimento do sujeito.

Vínculos L/K/H

Outra percepção de W. Bion trata-se do conceito de vínculo, elaborado a partir de três obras do autor: Aprendendo com a experiência (1962), Elementos de Psicanálise (1963) e Transformações (1965). Nos livros, ele descreve os três tipos de elos: vínculo de amor (L – love), vínculo de ódio (H – hate) e vínculos de conhecimento (K – knowledge).

Os sentimentos que conhecemos pelos nomes 'amor' e 'ódio' parecem ser escolhas óbvias se o critério for a emoção básica. Inveja e Gratidão, Depressão, Culpa, Ansiedade, todos ocupam um lugar dominante na teoria psicanalítica” (Bion, 1962, p. 42-43).


Com isso, o que W. Bion nos diz, é que os elos são formados de modo dinâmico através de uma inter relação primitiva que afeta o desenvolvimento individual e que é investida por esses vínculos. Para ele, não há conhecimento sobre os objetos que não estejam profundamente enraizados em laços afetivos, ou seja, toda experiência emocional pode ser percebida como um elo, pois coloca um Eu e um objeto na presença um do outro.

Cabe ainda mencionar que, para o autor, os três tipos de vínculos podem ser sinalizados de forma positiva (+) ou negativa (-). Por exemplo: menos amor (-L) não é o mesmo que sentir ódio, assim como menos ódio (-H) não significa amor.

Para ler mais sobre amor e psicanálise, confira o curso Freud e o Amor - Casa do Saber.



Três obras de Wilfred Bion que você precisa conhecer

Com mais de 50 títulos publicados, a obra de Bion reflete a complexidade dos estudos contemporâneos da psicanálise a partir da psicologia social, baseada nas experiências emocionais que ocorreram na prática psicanalítica do autor.

No entanto, em particular, algumas obras merecem destaque:

(1961) BION, Wilfred R. Experiências em grupos. Buenos Aires: Paidos Iberica Ediciones S. A., 1980.

capa do livro Experiências em Grupos, de Wilfred Bion

No livro “Experiências em Grupos”, Bion reúne artigos próprios construídos entre 1948 e 1960, e constrói uma análise psicanalítica sobre a concepção e a mentalidade dos grupos. Apresentando conceitos Kleinianos, o psicanalista chama atenção para como o processo de análise deve se dar sob o olhar do que se diz e do que não se diz em terapia, avaliando não apenas as palavras do paciente, mas também, os seus silêncios.

(1962) BION, Wilfred R. Aprender da experiência. São Paulo: Editora Blucher, 2021.

capa do livro aprendar da experiência, de Wilfred Bion

Já em “Aprender da experiência”, W. Bion mostra a sua principal teoria sobre a formação do pensamento, chamando a atenção para a experiência emocional dos indivíduos enquanto propulsor para a reestruturação de ideias. Além disso, explora o aprendizado através do conhecimento aos problemas, pois sugere que o conhecimento sobre si, pode gerar um grau de sofrimento no sujeito.

(1963) BION, Wilfred R. Elementos da Psicanálise. Ribeirão Preto: Espaço Psi, 2023.

capa do livro elementos da psicanalise, de Wilfred Bion

Considerado uma das obras mais importantes e fundamentais da obra de Bion, “Elementos da Psicanálise” trata sobre a origem e a natureza dos pensamentos e da capacidade de pensar. O autor define os elementos da psicanálise a partir de um uso sadio ou patológico do pensamento, abrindo caminhos para se pensar a formação dos sentimentos de angústia, confiança e vitalidade a partir da frustração.




Resumo sobre Wilfred Bion

Com sua pioneira capacidade intelectual de investigar sobre a experiência dinâmica de grupos, e aprofundar nos estudos sobre desenvolvimento individual, Wilfred Bion se tornou uma referência para a psicanálise moderna.

A Casa do Saber oferece um curso que apresenta um panorama das questões centrais do pensamento do autor. Saiba mais: Bion e os Dilemas da Vida Comum: O Pensar na Contemporaneidade - Casa do Saber.

O seu trabalho ativo abriu caminhos para que as experiências emocionais dos sujeitos se apresentassem como um espaço de autodescoberta psicanalítica, na qual o autor destaca ser sempre de natureza vincular.

Nesse sentido, os estudos de W. Bion apresentam instigantes possibilidades de reflexão e análise dos sujeitos a partir de uma leitura expansionista e dialética.

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Referências:

https://psychoanalysis.org.uk/our-authors-and-theorists/wilfred-bion

https://www.bion.org.br/

https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372013000200015

https://www.encyclopedia.com/psychology/dictionaries-thesauruses-pictures-and-press-releases/love-hate-knowledge-lhk-links

https://sbpmg.org.br/wp-content/uploads/2022/11/6-Bion-1.pdf

ZIMERMAN-D.-E.-A-obra-Uma-Resenha-dos-Trab.-de-Bion.-In-Bion-Da-teoria-a-pratica.-pag.-31-47.-Cap.2.pdf

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